Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1123/09.6JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: LEGITIMIDADE PARA RECORRER
ASSISTENTE
Data do Acordão: 04/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 69º E 401º CPP
Sumário: O assistente em relação aos crimes em que é ofendido tem direito de recorrer, mesmo que o Mº Pº o não faça, pedindo a agravação da pena aplicada, por ainda assim estar a colaborar na administração da justiça submetendo a decisão a exame por um tribunal superior, por a mesma não realizar o direito, na sua perspectiva.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.

No processo Comum Colectivo, supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferido acórdão que:

1. Julgou parcialmente provada e procedente a acusação deduzida nos autos contra o arguido SS..., e, consequentemente:
a) condenou o mesmo, como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos Arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2 alínea i) do Código Penal, na pena de 18 ( dezoito ) anos de prisão.
2. Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido nos autos contra o mencionado arguido pela demandante FF.., e, consequentemente:

a) Condenou o arguido a pagar à mencionada demandante a título de danos patrimoniais o montante de € 1.559,50 ( mil, quinhentos e cinquenta e nove euros e cinquenta cêntimos ) e a título de danos não patrimoniais o montante de € 65.000,00 ( sessenta e cinco mil euros ), quantias essas acrescidas de juros moratórios desde a data da notificação de tal pedido de indemnização sobre o primeiro dos mencionados montantes e apenas a partir da presente decisão sobre o segundo de tais montantes, até integral pagamento e à taxa de 4%.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso a assistente FF… e o arguido, SS... que nas respectivas motivações concluíram:

FF…

1 - A Assistente discorda da medida concreta da pena aplicada, reputando--a branda face à materialidade provada, pelo que em concreto deveria ter sido aplicada uma pena de prisão nunca inferior a 22 anos.
2 - A pena de 18 anos de prisão que o Tribunal a quo fez corresponder ao crime praticado, na forma qualificada, é por demais reduzida em face da premente necessidade das finalidades de prevenção, maxime geral, pelo que se impunha assim um aumento no quantum da pena concretamente aplicada.
3 - O Tribunal a quo deu como não provado que o Arguido adquiriu a marreta dos Autos com a finalidade de tirar a vida à falecida JC..., o que decidiu na altura em que o fez, por não admitir que esta colocasse fim na relação amorosa entre ambos, apesar de o Arguido não ter logrado convencer o Tribunal que a compra da marreta se justificaria devido a ameaças de que supostamente estaria a ser vítima em virtude de um episódio ocorrido em meados de Outubro de 2009 na discoteca W..., em ....
4 - A Assistente concorda inteiramente da análise e interpretação dos factos que, conjugados com as regras comuns da experiência, levaram à formação da convicção do Tribunal naquele particular.
5 - A Assistente concorda com a conclusão que o Tribunal extraiu das declarações do Arguido prestadas em julgamento, bem como das prestadas por este 2 ou 3 dias após a prática do crime perante o Juiz de Instrução Criminal; as quais constam do Auto de primeiro interrogatório a fls. 124-152 e a cuja leitura se procedeu ao abrigo do disposto na alínea b) do nº' 2 do artigo 357° do CPP na 1ª Sessão de Julgamento, conforme Acta de 02-09-2010,
6 - Conforme considerou o Tribunal em relação ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido, .. esse momento é aquele em que alguém detido nas circunstâncias do Arguido com mais facilidade esgrime perante o Juiz que o interroga todos os argumentos susceptíveis de atenuar a sua responsabilidade. ou de pelo menos permitir compreender ao Juiz a sua actuação ".
7 - No caso concreto, o Arguido não apresentou perante aquele Juiz de Instrução qualquer motivo que o levasse a comprar a dita marreta.
8 - De igual modo, o Arguido também não invocou naquele momento as alegadas agressões (empurrões) na discoteca W..., nem tão-pouco as supostas ameaças de que hipoteticamente fora vítima, não tendo sequer verbalizado ou descrito o teor das mesmas perante o Juiz de Instrução Criminal nem em sede de Julgamento.
9 - Entende a Assistente que o Tribunal não analisou criteriosamente o depoimento da testemunha TS... - pai do Arguido - quanto a esta matéria, o qual está em contradição com toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, tendo por conseguinte errado na sua valoração.
10 - Atenta a delimitação temporal e espacial do depoimento desta testemunha, é evidente que o mesmo resulta disforme aos factos que o Tribunal usou para formar a sua convicção.
11 - Pelo que haveria que concluir pela inverosimilidade de tal depoimento, pois esta testemunha nunca poderia ter visto a marreta dos Autos em ZZ..., porquanto o Arguido não esteve ali no período em causa. tendo ficado em ..., como aliás resulta da prova produzida em sede de julgamento bem como da confissão do Arguido vertida no Auto do primeiro interrogatório.
12 - Esta testemunha, pai do Arguido, apenas se preocupou em aventar factos que suportassem objectivamente a hipótese de defesa que o Arguido delineou.
13 - Bastaria o simples confronto do depoimento desta testemunha com a factualidade acima referida para que o Tribunal constatasse que, através do mesmo, esta testemunha nada mais pretendesse que justificar o comportamento do Arguido, por um lado e ajudá-lo, por outro, pelo que deveria ter concluído pela óbvia falta de credibilidade de tal depoimento neste particular.
14 - Entende a Assistente que o Tribunal, ao dar tal como não provada a ocorrência do alegado confronto na discoteca W... - com as hipotéticas ameaças daí decorrentes - deveria ter retirado desse facto outras ilações essenciais à descoberta da verdade e com peso para a opção pela qualificação da conduta criminosa do arguido.
15 - O Tribunal, embora infirmando a tese do Arguido de que havia sido ameaçado, não ponderou toda a factualidade resultante dos depoimentos das testemunhas IM... e VV..., as quais depuseram na sessão de 29-09-2010 e CC… que depôs na sessão de 22-10-2010.
16 - Depoimentos estes dos quais resulta categoricamente que o Arguido D..., a falecida JC..., a IM...e as amigas estiveram no W... cerca de um mês antes da pratica do crime, ou seja em meados de Outubro de 2009, factualidade aliás confirmada pelo próprio depoimento do Arguido.
17- O Tribunal limitou-se a dar como não provadas as alegadas agressões e ameaças, não tendo contudo considerado, fixado e analisado o enquadramento temporal daquelas, factor que se reverte de crucial importância para a formação da convicção e ulterior juízo de qualificação da conduta criminosa do Arguido
18 - Entende a Assistente que esta matéria - atinente ao "quando" das supostas agressões e ameaças - deverá constar dos factos provados, porquanto releva para a análise da conduta anterior do Arguido à pratica do crime, fazendo cair por terra qualquer duvida que ainda persistisse no espírito do Tribunal quanto à premeditação.
19 - Não se poderá deixar de concluir, à luz das regras da experiência, que quem supostamente é ameaçado em meados de Outubro de 2009 nunca vai comprar uma marreta para se defender volvido quase um mês, ou seja, em 6 de Novembro de 2009!!!
20 - O mais lógico é sim concluir que se esta compra foi feita apenas uma semana antes dos factos criminosos dos Autos e numa altura em que o Arguido e a falecida se encontravam zangados, é porque a mesma foi feita já com o fito de perpetrar o crime e não como instrumento de defesa,
21 - Pelo que a defesa arquitectada pelo Arguido não tem a menor consistência à luz da verdade factual.
22 - Ficou também demonstrado que o Arguido sabia que a sua relação com a vítima estava em perfeita deterioração, sendo perfeitamente concebível que o Arguido representasse como possível o fim daquela relação amorosa após a vítima ingressar no Ensino Superior, pois conforme também se sabe, a vítima dizia às amigas e à Assistente que o Arguido "não a deixava respirar" e "a sufocava ", facto confirmado pela Assistente, a qual asseverou que "desde que a sua filha tinha entrado nesse ano para a Universidade a mesma se queixava de que o Arguido a controlava e que a não deixava respirar com os amigos ", conforme resulta de fls. 16 do Acórdão dos Autos.
23 - Esta factualidade resulta ainda dos depoimentos das testemunhas DD... e NS..., ambas colegas de curso da vitima que atestaram respectivamente que "a JC... andava mais triste do que o habitual" e que "a JC... lhe disse que estava decidida a acabar o namoro com o arguido porque as coisas entre eles não estavam a funcionar" (sic), depoimentos estes que foram acolhidos pelo Tribunal na fundamentação da matéria de facto.
24 - Na Sexta-Feira, dia 13 de Novembro de 2009, ocorreu uma discussão entre a JC... e o Arguido na casa deste, "onde ambos pernoitavam todas as sextas-feiras ( ... ) como costumava acontecer, e que tivessem ficado zangados até ao dia em que os factos aconteceram ". (cfr. confissão do arguido transcrita na fundamentação do Tribunal a fls. 12 do Acórdão)
25 - Neste segmento veja-se ainda e também o depoimento da Assistente FF…, a qual referiu que no dia 15 de Novembro a filha lhe referiu "que tinha terminado tudo com o Arguido, facto que o Tribunal também analisou. (cfr. fls. 15 do Acórdão)
26 - Não poderia o Tribunal ter deixado de admitir e concluir que havia um propósito firme da vítima em terminar a relação com o Arguido pelo menos em 13/11/09, data do corte da relação por parte da JC..., e que o Arguido tinha plena consciência de tal facto.
27 - Ao invés, entendeu o Tribunal que tal não seria um propósito final, uma vez que existiam contactos telefónicos escritos (SMS) havidos posteriormente àquela data, ou seja, em 16 e 17 de Novembro de 2009, os quais - e realce-se - são promovidos unicamente pelo Arguido, inexistindo neles qualquer propósito manifestado pela vítima em encetar uma qualquer reconciliação.
28 - O teor dos mesmos - documentados a fls. 257 a 279 dos Autos - aponta para uma rejeição sucessiva da vítima às "investidas" do Arguido, em face das quais este induziu a vítima a encontrar-se pessoalmente com ele, o que viria a culminar com o infeliz episódio dos Autos.
29 - Ao contrário do que considerou o Tribunal, não resulta nenhum elemento nos Autos que permita concluir que uma reconciliação entre Arguido e vítima se perspectivasse.
30 - De sorte contrária, da leitura das referidas SMS ressalta uma crispação do Arguido em função do estado de coisas, o qual ali usa uma linguagem tensa, insegura, agressiva e insistente.
31 - Pelo que haverá que concluir logicamente que se o Arguido persiste naquele tom de linguagem é porque sabe que a sua linha argumentativa está a ser alvo de rejeição reiterada por parte da vítima, o que exclui liminarmente e "per si" qualquer propósito reconciliatório por parte desta!!!
32 - Esta rejeição por parte da vítima foi o motivo que levou o Arguido a sugerir um encontro pessoal entre ambos, conforme resulta das SMS.
33 -Na representação mental do Arguido, e como é por demais lógico, a vítima aceitou ir com ele para o tal sítio ermo nunca com o fito de com ele fazer amor, ao contrário do que este referiu em Juízo.
34 - Este é o entendimento mais compaginável com a discussão que ambos mantiveram no caminho para o local onde a vitima viria a ser assassinada, discussão esta confessada pelo arguido, e que se manteve quando saíram do carro uma vez que a vítima persistia no propósito de não continuar com o Arguido.
35 - O facto de que a relação entre Arguido e vítima se encontrava irreversivelmente deteriorada a partir da data de 13 de Novembro de 2009 extrai-se também das declarações feitas pelo Arguido no interrogatório prestado perante o Juiz de Instrução Criminal e constante de fls. 130 a 137:
Fls. 132 - "Cada discussão era pior que a anterior. "
- "Estavam a conversar e começaram a discutir (. .. ) A JC... disse que se queria ir embora e continuaram a discutir no carro ".
Fls. 133 - "A JC... saiu do carro irritada a dizer que ia a pé. "
Fls. 134 - "Pensou que a JC... já não gostava dele (... ) A JC... queria acabar tudo. "
Fls. 136 - "Falou com a sua mãe no domingo (dia 15/11/09) que precisava de apoio psicológico'" porque "pensava que a JC... estava a deixar de gostar dele"
36 - É evidente que quem inventa um carjacking, e cria um processo de ocultação de cadáver e auto-mutilação, com vista a fazer crer que não tinha sido ele o autor do crime, também já havia pensado com toda a certeza, em recorrer à violência para com a vítima quando lhe pediu para conversarem no fatídico dia 17/11/09, ou seja, após o corte definitivo da relação operado por parte da JC... em 13/11/09.


37- Sendo certo que a decisão do arguido de colher a vida à vítima foi tomada logo no momento em que adquiriu a marreta - na data de 06/11/09 - pois que na semana anterior a essa data a vítima e o Arguido estavam zangados, sendo certo que o arguido não arranjou qualquer justificação plausível para a compra da arma do crime.
38 - O depoimento do Arguido prestado perante o Juiz de Instrução de f1s 124 a 152 dos Autos, lido ao abrigo do disposto no artº 357°, n° 1 alínea b) do C.P.P., vai neste sentido, pois ele próprio confessou ter comprado o martelo (marreta) antes de terem feita uma viagem a Espanha, a qual o Arguido ofereceu à vítima depois de ser terem zangado. (cfr. fls. 136)
39 - A única conclusão possível, na sequência do deteriorar da relação a partir de fim de Setembro de 2009 - data de entrada da JC... ao ensino Superior - é então a de que o Arguido estava zangado com a JC... quando comprou a marreta.
40 - Em suma, o Arguido adquiriu a arma do crime após uma zanga com a vítima, e com o fito único de a matar caso esta não fizesse as pazes com ele.
41 - E o crime só não se consumou aquando da viagem a Madrid porquanto o Arguido e a JC... lá terão feito momentânea e efemeramente as pazes.
42 - Analisado todo este complexo factual e feita a sua ponderação à luz das regras da experiencia e da lógica, deve dar-se como provada também a matéria transcrita de seguida:
- Provado que o Arguido, a vítima e umas amigas estiveram na discoteca W...
em meados de Outubro de 2009 (data em que o arguido situa o confronto com dois
rapazes).
- Provado que as relações entre o Arguido e a JC... se começaram a deteriorar irremediavelmente após o ingresso desta na Universidade.
-Provado que na semana anterior à data da ida para Madrid - 7 de Novembro de 2009 - o Arguido e a JC... estavam zangados.
- Provado que já desde 6/11/09 - data em que adquiriu a marreta - o Arguido mantinha o propósito de com aquele instrumento de tirar a vida à JC..., por não admitir que aquela colocasse fim na relação amorosa entre ambos, tendo contudo existido uma breve reconciliação entre ambos após a viagem a Madrid.
- Provado que a partir de 13/11/09 - data em que a JC... decidiu cortar definitivamente a relação com o Arguido - este decidiu matar a JC... com a marreta que já trazia dentro do carro.
43 - No sentido de mostrar a frieza de ânimo e calculismo do arguido vai ainda o facto, devidamente comprovado nos autos aquando do Exame ao local pela PJ, a f1s. 49 e ss, de que a vítima tinha um saco plástico na cabeça com "dois nós na região mentoniana ", matéria aliás confessada na gravação digital transcrita no corpo das alegações.
44 - Pelo que deve também dar-se como provado que o Arguido, após ter morto a JC... colocou um saco plástico na cabeça desta, tendo "dado dois nós na zona mentoniana ",
45 - Sem prejuízo da posição tomada pela Assistente por via deste Recurso quanto à qualificação do ilícita típico dos autos, nos termos da alínea j) do n° 2 do artigo 132° do CP, comunga a mesma inteiramente da posição do Exmº Sr. Dr. Juiz Adjunto quanto aos factos que se deixaram assentes na declaração de voto de vencido, e que por razões de economia se dão aqui por reproduzidos.
46 - Considerou o Magistrado subscritor do voto de vencido a existência de uma relação especial e duradoura entre o Arguido e a vítima - que pernoitavam aos fins de semana de sexta para sábado, relacionando-se como de marido e mulher se tratassem.
47 - Neste sentido, vai ainda o depoimento do Arguido a fls. 133, o qual refere que já teriam inclusive "pensado em casamento e em ter filhos inclusivamente escolhido os nomes para os filhos (que seriam Bernardo e Mariana) ", saindo assim reforçada a existência daquela especial relação de confiança, o que foi repetido por ele na audiência de julgamento.
48 - Também, no sentido daquela declaração de voto, mas agora quanto ao perfil psicológico do Arguido, são claros os Relatórios Sociais de fls. 711 a 714, a Perícia à Personalidade de fls. 842 a 849, a Avaliação Clínica Psiquiátrica de fls. 805 a 808 e Glossário de fls. 823 a 827:
Refere-se no Relatório Social que "É de registar a consciência por parte do
Arguido da necessidade de tratamento …”
No Relatório de Perícia à Personalidade refere-se que "SS… tem capacidade para compreender a ilicitude dos seus actos assim como para efectuar lima adequada valorização positiva ou negativa das sua atitudes, não se detectando a nível intelectual e da personalidade. alterações relevantes que traduzam eventual psicopatologia ... (negrito e sublinhado nosso)
49 - Não estamos assim perante uma doença, mas apenas perante meras perturbações da personalidade, as quais, e como considerou o Ilustre Magistrado subscritor do voto de vencido, não lhe diminuem a culpa, antes a agravam!
50 - Tendo sido junto aos Autos, "tom court ", o mero Glossário de fls. 823 a 827 em função do ponto 1 do relatório da perícia médico-legal de fls. 805 a 808, é por demais evidente que não se visou por esta via constatar a existência no Arguido de todos os traços de personalidade ali enunciados, visando-se tão-somente instruir os autos com um "guia" ou um referencial genérico de todo um conjunto de perturbações atinentes a este tipo de personalidade.
51 - No entanto, o certo é que o Tribunal transpôs os sintomas referidos no Glossário para os pontos 17 e 18 da matéria de facto, meramente em virtude da sua percepção da conduta do arguido resultante do teor da prova testemunhal, o que não poderia ter feito pois que de um ponto de vista técnico médico-legal nada existe nos autos (para além dos já referidos relatórios) que permita aferir categoricamente de quais dos concretos traços de personalidade elencados no Glossário é que o arguido padecia.
52 - Daí que, o próprio Tribunal descartou liminarmente a inimputabilidade do arguido.
53 - Sobre a perturbação da personalidade do Arguido referida nos pontos 17 e 18 da matéria de facto provada e com os sintomas aí descritos, o certo é que se considerou no Relatório de Perícia à Personalidade que o Arguido não padece de qualquer psicopatologia, possuindo capacidade para compreender a ilicitude dos seus actos, facto que não é infirmado por qualquer meio probatório existente nos autos!
54 - Ou seja, o Arguido é plenamente IMPUTÁVEL, conforme aliás já resulta do Relatório do LM.L., ponto 2 a fls 808 dos autos.
55 - Concluindo, diga-se pois que o Tribunal nunca poderia retirar categoricamente a conclusão extraída a fls. 7 do Acórdão, no ponto 20 da matéria de facto por referência aos itens 1'; e 18 da matéria de facto (coincidentes com o ponto 301.3 do Glossário), pois conforme o mesmo refere a fls. 44 e 45 do Acórdão, o suporte probatório para tal baseou-se apenas nos recibos juntos a fls. 612 a 617 e 677, bem como no depoimento dos pais do Arguido.
56 - Entende a Assistente que a pena concretamente aplicável à conduta do Arguido, deveria ser também calculada por referência à norma qualificadora constante na alínea j) do n° 1 do artº 132° do CP, e como tal deveria ter-lhe sido aplicada uma pena de 22 anos de prisão efectiva, pena esta proporcional e adequada à gravidade da conduta do Arguido e à culpa do mesmo, bem como às prementes necessidades de prevenção geral, uma vez que o comportamento do Arguido gerou uma onda de rejeição e alarme por parte da população em todo o país, sabendo-se bem que os fenómenos ligados a este tipo de ilícito encontram cada vez mais brado na sociedade, estando em constante crescendo.
57 - O douto Acórdão violou por conseguinte o disposto nos artigos 70° e 72° e na alínea j) do n° 1 do artº 132°, todos do CP.
TERMOS EM QUE:
Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, substituindo-se o Acórdão recorrido por outro que condene o arguido como autor material de um crime de homicídio qualificado, p.p. pelas alíneas i) e j) do nº 2 do artigo 132° do Código Penal na pena de 22 anos de prisão efectiva.
Pois que assim se fará inteiramente
JUSTIÇA!

SS...

1 - O arguido padece de doença do foro psiquiátrico, pois que possui Personalidade Anormal Psicopática com Traços Anormais Explosivos, que de acordo com a Classificação Internacional das Doenças, da O.M.S. (Organização Mundial de Saúde) corresponde ao código 301.3, ou seja, Personalidade epileptoice (explosiva).
2 - Caracterizada por instabilidade do humor, com propensão para acessos irreprimíveis de cólera, ódio, violência ou irrupções de afectos intensos. A agressividade exprime-se ou verbalmente ou por actos violentos.
3 - Esta doença do foro psiquiátrico, de que o arguido padece, implica que se invoque, numa perspectiva psiquiátrico - forense e para os factos praticados pelo arguido, a figura da imputabilidade diminuída.
4 - Uma vez que é de presumir que, à data da sua prática, estaria comprometida parcial, ou até completamente, a capacidade de o arguido exercer um controlo consciente e selectivo dos seus actos -- (“propensão para acessos irreprimíveis de cólera, ódio, violência")
- As psicopatias são, em regra, casos de imputabilidade diminuída.
6 - Assim, o arguido padece e é portador da doença psicopática acima referida, que determina a sua imputabilidade diminuída, o que, necessariamente, tem particular relevância no que à culpa concerne, diminuindo-a sensivelmente.
7 - Do que resulta que a pena concreta a aplicar ao arguido não deve exceder doze (12) anos de prisão, que é assim proporcional à culpa do mesmo, pelo rebate da sua imputabilidade diminuída.
8 - O acórdão recorrido violou, além do mais, o disposto nos artigos 29º e 30º da Constituição e 40º, nº 2, 70º, 71º, 72º e 73º do Código Penal.
TERMOS EM QUE,
deve dar-se provimento ao presente recurso, nos termos acima expendidos, com o que se fará inteira JUSTIÇA

Foram admitidos os recursos a subirem imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu a assistente ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela improcedência do mesmo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto manifestando-se pela improcedência do recurso interposto pelo arguido, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto manifestando-se pela ilegitimidade da assistente para recorrer e caso assim se não entenda pela improcedência do recurso interposto pela assistente.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso interposto pelo arguido e, também, se manifesta pela ilegitimidade da assistente para recorrer e caso assim se não entenda pela improcedência do recurso interposto pela assistente.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto uma vez que as declarações prestadas se encontram documentadas.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

1. O arguido SS... era namorado de JC... desde há cerca de 5 anos, mantendo com esta um relacionamento conflituoso, por razões de ciúmes recíprocos, no decurso do qual vinham sendo frequentes discussões entre ambos.
2. No dia 17 de Novembro de 2009, após se terem encontrado por volta das 19 horas e 12 minutos e de terem conversado durante algum tempo, o arguido e a JC... entraram no automóvel do arguido, de matrícula …, por ele conduzido e dirigiram-se para um pinhal, na zona de ..., área desta comarca, local que habitualmente frequentavam.
3. Enveredaram por um caminho de terra batida e pararam mais à frente, permanecendo ambos, por algum tempo, no interior do veículo, a conversar.
4. A determinada altura gerou-se entre ambos uma discussão no decurso da qual voltaram a aflorar as infidelidades temporárias de ambos, durante a qual a JC... se manifestou no sentido de querer pôr termo à relação entre eles, tendo tal discussão prosseguido no exterior do veículo depois do arguido e da JC... terem saído do habitáculo do mesmo, o qual ficou com os respectivos faróis acesos e com o motor em funcionamento.
5. Inconformado com a decisão ali manifestada pela JC... no sentido de terminar o namoro entre eles, o arguido foi buscar à bagageira do referido automóvel uma marreta em ferro, constituída por um cabo em plástico com 90 cm de comprimento que atravessava um ferro em forma de paralelepípedo, com as dimensões de 13,5 cm na aresta de maior dimensão e 6 cm nas arestas menores e com o peso total de 4 kg.
6. Munido da dita marreta, o arguido aproximou-se da JC..., a qual se virou de costas para o arguido e cruzou os braços à frente do corpo da mesma, depois de se aperceber do referido instrumento nas mãos daquele,
7. De seguida, mantendo-se a JC... na referida posição, o arguido desferiu, de cima para baixo, pelo menos três violentas pancadas, seguidas umas das outras, com a parte metálica de tal marreta sobre a cabeça e a face daquela.
8. Com a actuação referida, provocou o arguido na JC... as lesões examinadas e descritas no relatório de autópsia médico legal constante de fls. 401 a 409 dos autos e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, designadamente feridas contusas a nível da face e do crânio, fractura de ossos do crânio, laceração encefálica, fractura de ossos da face, entre outras.
9. Tais lesões foram causa directa e necessária da morte de JC..., que viria a falecer a hora não concretamente determinada, antes das 02h00 do dia 18 de Novembro.
10. Após constatar que acabara de matar a JC..., o arguido deixou a marreta no interior do mato existente no local, arrastou o corpo daquela para o interior do seu veículo que, após, conduziu, dirigindo-se para a zona da barragem de …, acabando por fazer precipitar o carro numa ravina na margem dessa barragem a fim de eliminar os vestígios da sua actuação e de fazer crer que tinham sido vítimas de sequestro, seguido de homicídio da vítima e ocultação de cadáver, a fim de iludir as autoridades sobre a suas responsabilidades.
11. Ao actuar da forma descrita, atingindo a cabeça e a face da JC... com a parte metálica da marreta utilizada com violência, por três vezes, sabia o arguido que, de forma necessária, adequada e suficiente, lhe provocaria lesões que lhe causariam a morte, como aconteceu e o arguido quis.
12. Ao desferir-lhe aquelas três pancadas, com a parte metálica da dita marreta, sabia o arguido que com elas surpreenderia a mencionada JC... e que lhe não daria qualquer hipótese de defesa, considerando que esta se encontrava então de costas para ele e de braços cruzados à frente do corpo, o meio e a potência por ele utilizados e as zonas do corpo daquela por ele visadas e atingidas
13. O arguido adquiriu a dita marreta no dia 6 de Novembro de 2009 data essa desde a qual a trazia na bagageira do referido automóvel.
14. O arguido conhecia as características e a natureza especialmente perigosa da dita marreta em ferro e a sua potencialidade como meio letal de agressão, não se abstendo de a utilizar bem sabendo que a mesma era meio idóneo para provocar no corpo da vítima lesões capazes de lhe acarretar a morte.
15. Sabia o arguido que, ao fazer embater com violência a marreta de ferro na cabeça e na face da JC... lhe provocaria, como causa directa e necessária, a morte, resultado que quis e logrou concretizar, não desconhecendo que na cabeça se aloja órgão vital.
16. O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua relatada conduta era proibida e punida pela lei penal.
- Provou-se, ainda, que:
17. O arguido possui personalidade anormal psicopática com traços anormais explosivos, que, de acordo com a Classificação Internacional das Doenças da O.M.S., se caracteriza por:
- condutas anormais persistentes, de carácter profundo, que se manifestam já na adolescência, por vezes antes, e prosseguem durante a vida de adulto, com tendência a diminuírem de expressão na meia idade e na velhice, condutas anormais essas que se traduzem em perturbações do comportamento, que causam sofrimento ao indivíduo ou nos que o rodeiam e que acarretam consequências nocivas quer para o indivíduo quer para a sociedade; e
- instabilidade do humor, com propensão para acessos irreprimíveis de cólera, ódio, violência ou irrupções de afectos intensos, exprimindo-se a violência ou verbalmente ou por actos violentos, não controlando os indivíduos com facilidade tais acessos e fora disso sem tendência a exibir comportamento anti-social.
18. Por força de tal personalidade, em situações problemáticas, indutoras de maior stress, as acções do arguido de tomada de decisão e/ou a resolução de problemas são habitualmente alvo de forte interferência por parte das emoções e sentimentos, com rigidez de pensamento, e sérias limitações quando se trata de rever e alterar atitudes ou opiniões ou mesmo quando é necessário adoptar outra perspectiva que não a sua, evidenciando dificuldades em controlar as suas reacções emocionais e diminuição de mecanismos defensivos eficientes para fazer face aos conflitos agindo de forma impulsiva com comportamentos agressivos.
19. Do ponto de vista emocional o arguido apresenta um modo de funcionamento revelador de baixa auto-estima, emoções disfóricas e ansiedade.
20. Em virtude de comportamentos do arguido caracterizados e pautados pelos traços aludidos em 17. e 18. este foi acompanhado por médicos e outros especialistas, nos meses de Maio e de Junho de 2003 pela psicóloga, Dra. AB..., cujas consultas frequentou, em Janeiro de 2005 foi tratado pelo médico psiquiatra Dr. AP…, e, no período compreendido entre Dezembro de 2005 e Abril de 2006, foi acompanhado e tratado pelo médico psiquiatra Dr. PS… .
21. Principalmente a partir de 2009, o arguido começou a apresentar preocupações elevadas com a imagem, com a qual não se sentia bem, empreendendo um conjunto de acções para a melhorar, recorrendo para tanto à actividade física intensiva e á auto-medicação.
22. À data dos factos o arguido frequentava o 1º ano do curso de engenharia do ambiente, no Instituto Superior Politécnico de ..., onde era estimado e considerado por colegas e professores.
23. Previamente ao seu ingresso no aludido curso de engenharia do ambiente, o arguido frequentou e concluiu, em 24/07/2009, na Escola Superior de Tecnologia de ..., o curso de especialização tecnológica – técnico de laboratório, com a classificação final de 15 valores.
24. Durante a frequência do curso aludido em 22. o arguido manteve bom relacionamento com colegas e professores, sendo por todos estes estimado e considerado.
25. O arguido é considerado e respeitado pelas pessoas que com ele convivem e conviveram no meio social em geral e no seio da suas própria família.
26. No dia 16 de Novembro de 2010, quando circulava com o seu veículo automóvel de matrícula …, na cidade de …, perto da rotunda do Pingo Doce, tal veículo foi atingido por um paralelo que foi arremessado contra tal veículo por um desconhecido, do que resultou a destruição do vidro da porta do lado direito do mesmo.

27. É oriundo de uma família cuja dinâmica familiar se caracteriza por afectuosa e coesa e com estilo educacional parental marcado por uma atitude proteccionista.
28. Vivia aquando dos factos num apartamento propriedade dos pais, sito na cidade de ... na qual o pai desenvolvia a sua actividade profissional, deslocando-se o arguido diariamente para a cidade de ... para frequentar o curso de engenharia do ambiente, do ensino Politécnico, no qual tinha ingressado nesse ano lectivo.
29. Confessou, no essencial, os factos atrás descritos.
30. Não consta do CRC do arguido junto aos autos qualquer condenação.
- Mais se provou que:
31. JC... , nasceu em 20 de Outubro de 1989, é filha de FF… e de GS….
32. Era uma pessoa leal, verdadeira, sensível, sociável, boa estudante, amiga e estimada por todos os que a conheciam.
33. Era uma pessoa saudável, activa, preocupada com os outros, disponível para ajudar e reconhecida pelas pessoas que a conheciam como pessoa calma e equilibrada.
34. Era muito presente e dedicada aos amigos, e também, como filha, à demandante, existindo entre ambas grande proximidade e cumplicidade.
35. A demandante viveu uma profunda dor aquando da morte da filha, continuando actualmente ainda a sofrer com essa morte e a sentir-se inconformada e revoltada com ela.
36. Com o funeral da sua filha JC... a demandante despendeu a quantia de € 1.500.
37. A demandante encomendou uma lápide cujo custo foi orçamentado em € 2.760.
38. Com a aquisição de um terreno no cemitério de ...destinado a uma sepultura perpétua a demandante gastou a quantia de € 736,78.
39. Com a obtenção de uma escritura de habilitação de herdeiros a demandante despendeu a quantia de € 163 e com a obtenção de outros documentos notariais a demandante gastou € 41.
40. Com a aquisição de flores para o funeral da JC... a demandante gastou a quantia de € 59,50.
41. A demandante recorreu a uma consulta de psicoterapia na qual despendeu a quantia de € 50.

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Estes os factos provados, mais nenhum outro se provou com interesse para a decisão da causa, designadamente, os seguintes:

- Da acusação:
- o arguido e a JC... encontraram-se e conversaram até cerca das 19 horas do dia 17 de Novembro de 2009.
- a segunda e terceira pancadas foram desferidas pelo arguido já com a JC... imóvel e inanimada no solo.
- o arguido adquiriu a dita marreta com a finalidade de tirar a vida à mencionada JC..., o que decidiu na altura em que adquiriu tal marreta, por não admitir que esta JC... colocasse fim na relação amorosa entre ambos e não lhe perdoar as alegadas infidelidades que a mesma teve para com ele.
- O arguido escolheu um local ermo, para onde atraiu a JC..., e a escuridão da noite de forma a melhor perpetrar o crime, o qual tinha pensado simular.

- Da contestação:

- o arguido nunca teve qualquer problema, questão ou quezília com quer que fosse.

- nos dois meses anteriores aos factos descritos na factualidade provada o arguido foi ameaçado por desconhecidos, o que lhe causou medo e receio de que as ameaças se concretizassem.

- Do pedido de indemnização civil:

- a demandante continua a ter actualmente ataques de choro, conservando intactas todas as lembranças da filha.
- que os documentos notariais aludidos no ponto 39. da factualidade provada respeitem a certidões de óbito e de nascimento.
- a consulta de psicoterapia a que a demandante recorreu referida na factualidade provada deveu-se ao facto desta ter ficado extremamente afectada pela morte violenta da filha.
- por causa da morte da filha a demandante ficou em estado de choque e incapaz de trabalhar entre o dia 18 de Novembro e o dia 4 de Dezembro de 2009.

- a demandante é empregada doméstica e deixou de auferir a quantia de € 520.


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Consigna-se que os factos descritos na acusação, na contestação e no pedido de indemnização civil não elencados quer nos factos provados, quer nos factos não provados, foram considerados pelo Tribunal Colectivo todos eles como irrelevantes ou encerrando meras conclusões e considerações.

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CONVICÇÃO

A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados e não provados alicerçou-se na análise crítica de toda a prova testemunhal produzida na audiência de julgamento em conjugação com a prova documental, pericial constante dos autos, e, ainda, com as regras da experiência, e, designadamente:
Nas declarações do arguido prestadas na audiência de julgamento, o qual admitiu os factos atinentes ao relacionamento de namoro existente entre o mesmo e a vítima JC... - durante o período de cerca de cinco anos, durante o qual foram frequentes as discussões entre ambos por motivos de ciúmes recíprocos e no decurso do qual ocorreu também um interregno de cerca de 10 meses durante o qual o arguido se relacionou com outra pessoa – bem assim como a ocorrência dos factos que tiveram lugar no dia 17 de Novembro de 2009 descritos na factualidade provada como por ele perpetrados na pessoa da JC... que foram causa directa e necessária da morte desta, bem ainda como os factos que se seguiram também por ele protagonizados descritos na factualidade provada tendentes a eliminar os vestígios da sua actuação e a dissipar quaisquer suspeitas que sobre si pudessem vir a recair.
Com efeito, o arguido confessou que no fim-de-semana anterior aos factos, mais concretamente na sexta-feira anterior, ocorreu uma discussão entre ele e a JC..., na casa onde o mesmo morava, em ..., na qual habitualmente se encontrava com aquela e onde ambos pernoitavam todas as sextas-feiras, discussão essa motivada pelos ciúmes manifestados pela JC... ao aperceber-se que no computador do arguido existia uma fotografia de outra rapariga com a qual o arguido anteriormente se relacionara, que levou a que nesse dia a mencionada JC... se tivesse ido embora sem ali pernoitar, como costumava acontecer, e que tivessem ficado zangados até ao dia em que os factos aconteceram.
De facto, o arguido admitiu que na referida sexta-feira a zanga havida entre o mesmo e a JC... o afectou a ponto de ter contribuído para que durante esse período tivesse andado deprimido e não tivesse ido durante esse fim-de-semana à casa onde os seus pais viviam, sita em …, como também era seu hábito, circunstância que fez com que tivessem sido os pais a vir almoçar com ele nessa casa de ... no domingo.
Tais declarações do arguido mereceram credibilidade do Tribunal, não só porque foram corroboradas pelas declarações da assistente/demandante e pelos depoimentos dos pais do arguido a que faremos referência infra na parte que respeita à zanga havida entre ambos no aludido fim-de-semana, como também porque se mostram ancoradas no teor das mensagens trocadas, via telemóvel, entre os dois – vulgo sms – a cuja transcrição se reporta a documentação junta aos autos a fls. 214-279, documentação essa que, conjugada com os registos de comunicações da ... e da ...juntos a fls. 306-314 e 320-334, permite aquilatar, com rigor, do clima existente entre o arguido e a JC... durante o aludido período de tempo e dela retirar a conclusão de que a partir do dia 16 de Novembro de 2009 começa a existir uma aproximação entre eles que culmina com o encontro entre ambos ocorrido no dia 17 de Novembro de 2009, combinado através ditas mensagens via sms, encontro esse que ocorreu por volta das 19 horas e 12 minutos desse dia, e não antes como postula a acusação, visto que pela sequência de mensagens trocadas ao longo de todo esses dia entre ambos resulta que esse encontro nunca poderia ter acontecido antes da hora referida na factualidade provada.
Na verdade, considerando que existem duas mensagens enviadas via sms do telemóvel do arguido ( com o Nº ... ) para o telemóvel da vítima ( com o Nº ...) uma das quais registada neste pelas 18 horas, 55 minutos e 33 segundos desse dia com o conteúdo “ esqece, Não Venhas, eu vou ter ctgo “ ( cfr. fls. 279 ) e outra registada neste pelas 19 horas, 12 minutos e 12 segundos com o conteúdo “ tas onde ? “ ( cfr. fls. 265 ), da mesma forma que existem mensagens enviadas via sms do referido telemóvel da vítima para o referido telemóvel do arguido registadas neste entre as 18 horas, 47 minutos e 11 segundos e as 19 horas, 10 minutos e 02 segundos, ( cfr. fls. 224-225 ), a última das quais com o conteúdo “ 2 minutos = x “, é por elas perfeitamente perceptível a hora a que se deu o encontro entre o arguido e a vítima, que, evidentemente, nunca pode ter acontecido antes do envio pelo arguido à vítima da referida mensagem com o conteúdo “ tas onde ? “ que se encontra registada no referido telemóvel da vítima como recebida pelas 19 horas, 12 minutos e 12 segundos e que também segundo os registos de comunicações da ...juntos a fls. 320-334, mais concretamente a fls. 324, foi enviada pelo arguido à vitima aquela mesma hora ( 19 h, 12 m e 12 s. ), registos esses dos quais se vê, ainda, que essa mensagem via sms foi a última das enviadas do telemóvel do arguido para o telemóvel da vítima, sintomático de que o encontro entre os dois no aludido dia só pode ter acontecido nessa hora ou depois dela, mas nunca antes.
Além disso, a análise do teor de tais mensagens é deveras elucidativa do clima existente entre o arguido e a vítima durante o referido período de zanga entre os dois – desde a referida sexta-feira anterior aos factos ( dia 13 de Novembro de 2009 ) e até ao referido encontro deles ocorrido no dia 17 de Novembro de 2009, desde logo porque durante os dias 14 e 15 de Novembro de 2009 não trocaram entre eles qualquer mensagem, sintomático do completo distanciamento havido entre ambos nesse período, distanciamento esse que do teor de tais mensagens se percebe que começa a desaparecer durante os dias 16 e 17 de Novembro de 2009 e que culmina com o encontro entre ambos combinado e ocorrido no dia 17 de Novembro de 2009 cerca das 19 horas e 12 minutos, para discutir a relação existente entre os dois e os problemas nela surgidos, como adiantou o arguido nas declarações por ele prestadas na audiência de julgamento as quais, também nesta parte, o Tribunal não tem razões para pôr em causa, tendo em atenção que o teor das referidas mensagens trocada entre ambos inculca de forma segura a predisposição manifestada por ambos para esse encontro com vista a tal desiderato.
Diga-se, ainda, que a análise que vem sendo feita dos elementos probatórios referidos se articula também com os depoimentos das testemunhas DD... e NS..., ambas colegas de curso da vítima, a primeira das quais ainda colega de carteira desta, testemunhas essas ambas conhecedoras do relacionamento de namoro existente entre o arguido e a vítima e as quais deram conta que no dia 17 de Novembro estiveram com a JC... nas aulas, tendo tido uma frequência, da qual a testemunha DD... referiu ter saído por volta das 18.30 horas ali tendo ainda ficado a JC..., e as quais adiantaram, ainda, ter reparado no dia anterior ( 2ª feira, dia 16 de Novembro ) que a JC... andava mais triste do que o habitual, tendo, ainda, acrescentado a testemunha DD... que nesse dia 16 de Novembro a JC... lhe disse que estava decidida a acabar o namoro com o arguido porque as coisas entre eles não estavam a funcionar.
Da igual modo também as declarações da assistente FF… prestadas na audiência de julgamento convergem no sentido de que o relacionamento de namoro entre o arguido e a vítima perdurou durante cerca de 5 anos.
Sobre o desenrolar de tal relacionamento durante esse período a assistente adiantou no primeiro momento em que prestou as suas declarações na audiência de julgamento que o mesmo decorreu de forma normal até dois dias antes dos factos, apesar da existência de algumas zangas seguidas de posteriores reconciliações entre eles, por forma a nada fazer prever o desfecho que veio a ter.
No que tange a tais zangas a assistente deu conta ao Tribunal de ter tido conhecimento da última delas por a mesma lhe ter sido relatada pela filha, no domingo anterior aos factos, ou seja, no dia 15 de Novembro, quando nesse dia a filha lhe referiu que tinha terminado tudo com o arguido e que também nesse dia o arguido tinha contactado com ela pelo computador a dar-lhe conta de que lhe tinham partido um vidro do carro, aduzindo, ainda que desde que a sua filha tinha entrado nesse ano para a Universidade a mesma se queixava de que o arguido a controlava e que lhe não a “ deixava respirar com os amigos “.
Já aquando da prestação de declarações complementares quase no final da audiência a assistente aludiu ao facto de ter tido conhecimento de uma outra zanga anterior entre a filha e o arguido e da subsequente reconciliação entre eles, à qual, segundo convicção da testemunha, esteve ligada uma viagem efectuada pelo arguido e pela vítima a Espanha no dia 6 de Novembro desse ano de 2009, no decurso da qual segundo convicção da assistente terá ocorrido essa reconciliação.
Tal versão dos factos foi negada pelo arguido nas declarações que o mesmo prestou na audiência de julgamento, o qual sobre a dita viagem referiu ter sido uma viagem romântica e sem qualquer relação com qualquer zanga das havidas entre o mesmo a vítima.
Ora, porque a assistente apenas na fase de prestação de declarações complementares em audiência enfatizou tais factos, que apenas alicerçou em convicções pessoais e em circunstâncias que, no entender do Tribunal, se mostram sem consistência bastante para o efeito, visto que quando questionada sobre a razão de ser dessa sua convicção, a assistente aludiu apenas à circunstância da viagem ter ocorrido, segundo pensa, por insistência do arguido já que a filha não podia gastar dinheiro, de na semana anterior a essa viagem a filha não ter levado o arguido a comer à sua casa como ás vezes acontecia e, ainda, por que no dia em que o arguido foi buscar a filha a casa para irem fazer essa viagem ele não subiu como costumava fazer, não pode o Tribunal deixar de ponderar que tal conjunto de factos, sem prejuízo de terem acontecido, não possui expressão bastante para, apenas com base neles, se poder considerar, com segurança, ter havido algum arrefecimento na relação existente entre o arguido e a vítima aquando dessa viagem, sendo que, à luz das regras da experiência comum, a ser tão evidente para a assistente em resultado dos factos por ela adiantados uma zanga entre o arguido e a sua filha antes dessa viagem, não se compreende por quer razão não tenha a assistente abordado o assunto com a filha ou não tenha a filha relatado qualquer facto a esse propósito com ela, tendo em conta a proximidade e cumplicidade existente entre as duas, como foi ressaltado pela própria assistente e também pelas testemunhas que denotaram ter conhecimento do relacionamento havido entre elas, testemunhas essas a que nos referiremos infra.
Também sobre o relacionamento de namoro existente entre o arguido e a vítima, o mesmo foi confirmado pelos pais do arguido, as testemunhas RS… e TS..., as quais confirmaram ter o mesmo perdurado ao longo de 4-5 anos, os quais demonstraram ter conhecimento que às sextas-feiras era hábito aqueles pernoitarem juntos na casa em que o arguido residia em ..., a qual o arguido partilhava durante a semana com o pai que ali trabalhava, adiantando, ainda, tais testemunhas que notavam haver um relacionamento muito próximo como namorados entre o arguido e a vítima porque estavam sempre em contacto um com o outro – por telefone ou por internet – e, ainda, que o filho lhes contava que gostava da JC... e que por vezes se chateava com esta, mas sem lhes adiantar por que razão.
Sobre a zanga ocorrida entre o arguido e a vítima no fim-de-semana que antecedeu os factos, tais testemunhas adiantaram que, contrariamente ao que era habitual, o arguido não foi durante o fim-de-semana a ZZ..., onde habitualmente se lhes juntava no sábado ou pelo menos no almoço de domingo todos os fins-de-semana, tendo o arguido argumentado para não ir o facto de que tinha que estudar. Porque o arguido não lhes atendeu todas as vezes o telefone e quando lho atendeu lhes disse que o deixassem em paz, tendo tais testemunhas ficado preocupados com o filho, acabaram estas por ir ter com ele nesse domingo a ..., o qual encontraram em casa, em estado nervoso e a verbalizar que não se sentia bem (apesar de lhes ter dito que entre ele a JC... estava tudo bem), solicitando-lhes, ainda, dinheiro para fazer uma operação plástica ao rosto, do qual ele dizia não gostar e que por isso queria transformar, o que por eles lhe foi negado, e que levou o arguido a isolar-se no quarto, e, ainda, agressivo, traduzindo-se essa agressividade no facto de ter atirado ao tecto a fruta que estava em cima da mesma dentro de um recipiente, agressividade essa que noutras situações de que deram conta o arguido já tinha protagonizado quando a vontade dele foi por elas contrariada.
Segundo tais testemunhas, só mais tarde e apenas pelos vizinhos dessa casa de ..., vieram a saber que entre o arguido e a vítima tinha havido uma zanga anteriormente.
Ainda a respeito da referida discussão a testemunha TT…, vizinha do arguido e moradora no mesmo prédio onde residia aquando dos factos em ..., confirmou ter assistido a uma discussão entre o arguido e a namorada ocorrida no exterior do dito prédio, no decurso da qual ouviu a mencionada JC... dizer que estava farta, discussão essa que situou como tendo ocorrido num sábado, sem conseguir precisar se o anterior aos factos se ainda o que antecedeu esse, depoimento esse que, sem prejuízo da isenção demonstrada pela testemunha que o produziu, dificilmente poderá corresponder à verdade na parte do mesmo que aponta para ter tal discussão ocorrido num dia de sábado, não só porque, parece não haver dúvidas em face dos demais elementos probatórios trazidos aos autos que a discussão que determinou a zanga entre o arguido e a vítima que precedeu os factos ocorreu na sexta-feira anterior a estes, como também porque no sábado anterior ao que precedeu o fim-de-semana anterior aos factos terá correspondido ao da viagem feita pelo arguido e pela namorada a Espanha, antevendo-se, pois, alguma confusão na indicação do dia de sábado referido pela mencionada testemunha, cujo depoimento, por isso, o Tribunal apenas valorou na parte que respeita à discussão havida entre o arguido e a namorada, sobre a qual tal depoimento se afigurou objectivo e que nessa parte não foi minimamente infirmado por outros elementos probatórios.
Já quanto à reconciliação havida entre o arguido e a vítima na sequência do encontro havido entre eles no dia 17 de Novembro de 2009, adiantada pelo arguido nas declarações por ele prestadas na audiência de julgamento e que, segundo o mesmo, esteve subjacente à ida para o local onde vieram a desenrolar-se os factos relativos às pancadas desferidas por ele na vítima que conduziram à morte desta, para ali “ fazerem amor “, se é certo que, nesta parte, as declarações do arguido se não mostram corroboradas por qualquer outro elemento probatório, também é certo que nessa parte as declarações do arguido não são infirmadas por nenhum outro elemento probatório trazido aos autos.
Na verdade, para além das declarações a esse propósito trazidas à audiência pelo arguido não foi carreado para os autos qualquer outro elemento que permita descortinar motivo diferente do adiantado pelo arguido para que este e a mencionada JC... se tivessem deslocado para o local onde os factos relativos às pancadas que conduziram à morte da vítima vieram a acontecer – declarações essas que não podem reputar-se, sem mais, de improvável verificação, tendo em conta que, apesar da referida zanga havida entre ambos na anterior sexta-feira o relacionamento entre os dois caminhava para uma nova aproximação entre eles pelas razões que já se deixaram expostas extraídas do conteúdo das mensagens entre eles trocadas e supra analisadas que inegavelmente apontam para essa evidência - mormente qualquer elemento que aponte para o motivo adiantado na acusação no sentido de que o arguido escolheu tal local ermo para onde atraiu a JC... de forma melhor perpetrar o crime.
É certo que nas suas declarações prestadas na audiência de julgamento a assistente FF… adiantou que recebeu uma mensagem via sms enviada através do telemóvel da filha, pelas 19.40 horas do dia dos factos – 17 de Novembro – através da qual lhe foi comunicado que a filha não ia jantar, mensagem essa em relação à qual afirmou a assistente ter a certeza que não foi escrita pela filha, ancorando essa sua certeza no facto da redacção da mesma ser diferente de todas as outras que a filha lhe costumava enviar e que começavam com a palavra “ mummy “,
Todavia, tais declarações da assistente por si só não assumem consistência bastante para com base nelas se poder concluir que não foi a filha que escreveu essa mensagem enviada para o seu telemóvel via sms, mas sim o arguido, como bem resultou insinuado das referidas declarações por ela prestadas na audiência, com o intuito de desviar as atenções da mãe da vítima quando chegasse a hora de jantar e esta não fosse para casa.
E, essa falta de consistência estriba-a o Tribunal, na circunstância de tal mensagem enviada vias sms para o telemóvel da assistente através do telemóvel da vítima ter acontecido, não às 19.40 horas do referido dia 17 de Novembro, como referiu a assistente, mas sim, com se afere dos registos de comunicações da ... juntos a fls. 306-314, que dão conta que o última mensagem via sms enviada a partir do telemóvel da JC... aconteceu para o telemóvel da mãe ( com o Nº … ) pelas 19 horas, 18 minutos e 48 segundos desse dia 17 de Novembro, como efectivamente se extrai de fls. 308, dado esse que conjugado objectivamente com os atrás analisados referentes às mensagens trocadas entre a vítima e o arguido deixa antever que a referida mensagem enviada para o telemóvel da mãe da vítima aconteceu apenas cerca de 6 minutos depois do encontro havido entre esta e o arguido, período de tempo esse que torna pouco verosímil a tese de que não foi a vítima que a escreveu e enviou mas sim o arguido, já que o mais provável é que no momento do envio da dita mensagem o arguido e a vítima ainda se encontrassem no local do encontro ( que segundo o arguido ocorreu na zona do Centro Comercial ..., nesta cidade de ..., onde estiveram a conversar na zona dos baloiços e onde fizeram as pazes antes de se deslocarem para o pinhal sito em ... ) ou pelo menos perto dele, não se descortinando qualquer motivo para, em tal contexto, não ser a vítima a enviar a dita mensagem à mãe a dar-lhe conta que não ia jantar.
Tal conclusão sai, aliás, reforçada em face dos elementos objectivos que se colhem da análise, uma vez mais, dos registos de comunicações da ...juntos a fls. 320-334, dos quais é possível extrai que depois da mensagem enviada quando eram 19 horas, 18 minutos e 48 segundos através do telemóvel da vítima para o telemóvel da ora assistente, mãe daquela, o arguido efectuou duas chamadas a partir do seu telemóvel para o mesmo Nº ( … ), uma delas pelas 19 horas, 17 minutos e 20 segundos e outra pelas 19 horas, 30 minutos e 38 segundos, as quais, segundo a localização celular de que se dá conta a fls. 325, foram efectuadas, a primeira delas na zona ..., e a segunda na zona ... ..., dados estes que, inequivocamente, apontam para que aquando da última de tais chamadas (a efectuada pelas 19 horas, 30 minutos e 38 segundos ) o arguido e a vítima se encontrassem na companhia um do outro ainda na referida zona do Centro Comercial do ... de ..., ou seja, em plena cidade de ..., não se vendo qualquer razão válida para não ter sido a própria vitima a enviar a dita mensagem à sua mãe, mas antes o arguido a partir do telemóvel da vítima, já que em tal contexto nada aponta para que a vítima estivesse já, por qualquer razão, coagida por forma a ver coarctada a sua liberdade de movimentos que a impedissem de ser ela a enviar a dita mensagem e, menos ainda, já morta, como parece também fazer parte da convicção da assistente por esta manifestada.
Sobre tal aspecto o arguido adiantou ter-se apercebido que a vítima escreveu a dita mensagem que enviou via sms à mãe, esclarecendo que se deu conta disso porque espreitou enquanto a vítima o fazia, como costumava espreitar, confessando que assim actuou e costumava actuar por sentir ciúmes nessas ocasiões.
Ainda quanto ao facto, adiantado apenas pelo arguido nas declarações por ele prestadas na audiência de julgamento, relativo à ida dele na companhia da JC... para o pinhal, sito na zona de ..., área desta comarca, onde os factos vieram a desenrolar-se, ocorreu na sequência das pazes feitas entre ambos e para ali festejarem essa reconciliação, apesar de não ter sido corroborado por quaisquer outros elementos probatórios, não se afigura improvável ao Tribunal, não só porque já em muitas outras situações anteriores o arguido e a vítima se haviam zangado e posteriormente reconciliado, como também porque a relação de namoro que os unia se mostrava intensa, a avaliar, não só pelo facto de perdurar há já cerca de 5 anos, como também por ter sobrevivido a várias zangas e outras vicissitudes, a que se seguiram outras tantas reconciliações.
A este propósito, e para além do que nesse sentido se deixou já exposto, não poderemos deixar de chamar à colação o depoimento prestado na audiência de julgamento pela testemunha IM…, colega de turma da JC... quando os factos ocorreram, no decurso do qual deu a mesma conta que cerca de um mês antes da morte da vítima se ter deslocado na companhia desta a uma discoteca desta cidade e de ali ter aparecido o arguido a dizer que precisava de falar com a JC..., o que acabou por acontecer - segundo tal testemunha durante cerca de uma hora - após o que a JC... se lhe voltou a juntar, chorando e dizendo que ia para casa e que mais tarde falariam sobre o assunto, acabando por dali sair sozinha, segundo adiantou tal testemunha, vindo mais tarde tal testemunha a questionar a JC..., já na escola, sobre o sucedido tendo apenas obtido desta como resposta que já estava tudo bem.
Como, ainda, o depoimento da testemunha MM..., também esta amiga da JC..., a qual sobre a relação existente entre o arguido e a JC..., adiantou que esta última dizia que o SS...era o amor da vida dela e que o arguido andava sempre agarrado aquela.
Tais depoimentos quando conjugados com todos os demais elementos probatórios já analisados convergem para a conclusão de que não é descabida a tese trazida aos autos pelo arguido no sentido de que a deslocação do mesmo na companhia da vítima para o referido pinhal acabou por acontecer na sequência da reconciliação havida entre ambos antes dela, e não, como parece depreender-se da acusação, como caso pensado pelo arguido que para ali atraiu a vítima com vista a for fim à vida desta, versão esta que não alcança sustentabilidade na prova produzida na audiência de julgamento.
Com efeito, mesmo a circunstância do arguido ter utilizado a marreta apreendia nos autos, com as características elencadas na factualidade provada, que já trazia com ele no veículo onde se fez transportar para o dito local na companhia da JC... quando os factos ocorreram, confessada pelo arguido nas declarações por ele prestadas na audiência de julgamento, não poderá, por si só, sustentar a tese da acusação nessa parte e também na parte da mesma que propende para que o arguido tivesse adquirido tal marreta com a finalidade de a utilizar para tirar a vida à então sua namorada por não admitir que a mesma pusesse fim á relação entre ambos e por não lhe perdoar as alegadas infidelidades dela para com ele.
Isto porque.
É inquestionável que o arguido adquiriu a dita marreta no dia 6 de Novembro de 2009, facto esse que além de ter sido admitido pelo arguido, se mostra também profusamente comprovado pelo teor da venda a dinheiro emitida nessa data, junta a fls. 193, e pelo depoimento da testemunha JL…, empregado do estabelecimento comercial onde o arguido adquiriu a mesma, testemunha essa que no decurso do seu depoimento prestado na audiência de julgamento confirmou a venda de tal instrumento ao arguido na referida data e a emissão da correspondente venda a dinheiro, bem assim como a dificuldade de manuseamento que, pelas suas características, mormente do peso, tal marreta acarreta.
Ora, do que se deixou dito a respeito do relacionamento de namoro existente entre o arguido e a vítima, nada permite de forma consistente apontar para que esse relacionamento se encontrasse deteriorado na data da aquisição da dita marreta – em 6 de Novembro de 2009 – de tal forma a que o arguido tivesse nessa data já congeminado a ideia de tirar a vida à sua namorada e de para esses efeito ter adquirido a dita marreta.
Com efeito, não só para tal não apontam os elementos probatórios supra analisados, que apenas permitem considerar serem frequentes as zangas entre o arguido e a vítima assim como as reconciliações que se lhe seguiam, como até, para o contrário parece convergir o teor das mensagens enviadas pelo arguido à sua então namorada, a mencionada JC..., no período que se segue à referida data de 6 de Dezembro 2009 e até à sexta feira anterior aos factos ( dia 13 de Novembro de 2009 ) – data em que efectivamente ocorreu outra zanga entre eles de que já se deu conta supra.
Na verdade, escalpelizando o conteúdo das ditas mensagens enviadas via sms pelo arguido para a sua namorada no período compreendido entre a aquisição da dita marreta e a zanga entre ambos ocorrida no dia 13 de Novembro de 2009, a cuja transcrição se reporta a documentação junta aos autos a fls. 214-279 e mais concretamente a que consta de fls. 257-279, a conclusão que irrefutavelmente se impõe é a de que durante esse período a relação entre o arguido e a namorada se pautava por um clima de perfeita e normal harmonia entre namorados, evidenciando-se, de forma incontornável, das transcrições de tais mensagens que através das mesmas o arguido bastas vezes manifestou através das mesmas amor e carinho pela namorada e se mostrou um namorado romântico, o que, de forma alguma, se compadece, à luz das regras da experiência, com a possibilidade de aquando do envio dessas mensagens ter já então o arguido planeado matar a namorada, congeminado a forma de o fazer e ter já comprado a marreta como instrumento por ele eleito para utilizar para concretizar essa morte.
Aliás, paradigmático de que o arguido após a discussão havida entre o mesmo a e namorada na sexta-feira anterior aos factos ainda acreditava numa possível reconciliação entre ambos, parece ser o teor da mensagem enviada pelo mesmo à vitima no dia anterior aos factos, pelas 11 horas, 47 minutos e 17 segundos, cuja transcrição se encontra a fls. 258, através da qual o arguido faz uma apelo à namorada para pararem com a situação em que se encontravam por a mesma não levar a lado nenhum e no sentido de poderem ser felizes, pelo facto de existir carinho entre ambos e mil e um momentos para viver e sorrir, mensagem essa cujo conteúdo, quando conjugado com os demais elementos probatórios analisados, posterga também a ideia de que o arguido quando a escreveu já tinha pensado matar a namorada e já se tinha munido do instrumento com que pretendia levar a efeito a morte da mesma.
Sem prejuízo do que se deixa dito, não poderemos também deixar de salientar o facto da marreta utilizada pelo arguido para matar a namorada, pelas respectivas características aduzidas na factualidade provada, quer quanto às dimensões, quer quanto ao peso, quer ainda quanto aos materiais por que é constituída - características essas que no seu conjunto se extraem não só do relatório de exame de fls. 99-105 juntos aos autos ( mais concretamente fls. 104 ), como também da observação e análise daquela feita pelo Tribunal, mormente na audiência onde foi exibida, no concernente ao peso e dimensões que se extraem da gravação, por punção, que se encontra feita na parte metálica da mesma, dados esses que conferem com a pesagem da mesma a que, por cautela, o tribunal procedeu e que apontou para o total de 4 kg - não se tratar de um instrumento cuja aquisição e posterior transporte dentro dum veículo possa ser entendido como vulgar à luz de critérios de normalidade.
Além disso, também as explicações adiantadas pelo arguido nas declarações por ele prestadas na audiência de julgamento para a aquisição e o transporte da dita marreta no veículo em que o mesmo se fez transportar juntamente com a namorada para o local onde os factos vieram a ocorrer, são de duvidosa consistência.
Na verdade, o arguido no decurso das declarações que prestou na audiência de julgamento não só negou categoricamente que tivesse adquirido a dita marreta com o propósito de a utilizar para tirar a vida à sua então namorada, como, ainda, deu como explicação para a aquisição da mesma o facto de andar com medo de dois rapazes a um dos quais tinha desferido uns murros e que o tinham ameaçado, tendo comprado a dita marreta para se defender no caso daqueles vierem a concretizar as ameaças que lhe tinham feito.
Tais declarações do arguido mereceram ao Tribunal sérias reservas, não só porque a dita marreta, pelas suas características, não é à luz das regras da experiência um instrumento que vulgarmente seja utilizado como meio de defesa de uma pessoa, não só pela dificuldade do seu manuseamento devido ao peso e demais características em caso de ataque eminente, como também pela menor potencialidade e eficácia para a defesa que o mesmo apresenta quando comparado com outros meios de defesa normalmente utilizados – v.g. armas de fogo e vulgares paus – e, também, por nem sequer, representar um tipo de instrumento dos que os jovens da idade do arguido procuram para trazer com eles para eventuais situações de defesa.
A acrescer ao que se deixa dito, também a circunstância do arguido ter adiantado uma explicação para a aquisição da dita marreta nas declarações que prestou na audiência de julgamento discrepante daquela que adiantou aquando do seu primeiro interrogatório após a sua detenção na sequência dos factos - a que se reporta o auto de interrogatório de fls. 124-152 e a cuja leitura de procedeu nessa parte no decurso da audiência de julgamento conforme melhor se colha da respectiva acta e com a qual foi o arguido confrontado – interrogatório esse no qual o arguido deu como explicação apenas a de ter comprado para andar na mala do carro, como meio de defesa, caso algo acontecesse, e, ainda, que andava com medo, mas não sabendo esclarecer porquê, lança na convicção do Tribunal dúvidas sobre a veracidade das declarações do arguido a respeito dos motivos que efectivamente estiveram subjacentes à compra por ele da dita marreta.
É que, quando confrontado na audiência de julgamento com a versão por ele apresentada na fase de inquérito e mais concretamente aquando daquele seu primeiro interrogatório, o arguido esclareceu que não quis contar ao juiz de instrução que então o interrogou que o motivo que o levou a comprar a dita marreta foram as ameaças dos ditos rapazes que agora adiantou nas declarações por si prestadas na audiência de julgamento para que aquele juiz de instrução não pensasse que ele era pessoa agressiva, explicação esta que mereceu a este Tribunal pouca consistência, porquanto, situando-se aquele interrogatório em data muito mais próxima dos factos ( 2-3 dias depois ) ditam as regras da experiência e da lógica que esse momento é aquele em que alguém detido nas circunstâncias do arguido com maior facilidade esgrime perante o juiz que o interroga todos os argumentos susceptíveis de atenuar a sua responsabilidade ou de pelo menos permitir compreender ao juiz a sua actuação, para o que certamente não contribuía a versão então adiantada pelo arguido, o que este não podia ignorar e certamente não ignorava, até porque deu mostras de não ser pessoa destituída da noção das suas responsabilidades, designadamente, quando após os factos tentou afastar sobre si as suspeitas da morte da namorada, encenando ter sido alvo de assalto juntamente com a namorada quando seguiam no carro por ele conduzido.
É certo que o pai do arguido, a testemunha TS..., adiantou no depoimento que prestou na audiência de julgamento que no fim-de-semana anterior ao que precedeu os factos viu, em ZZ..., no carro conduzido pelo arguido a dita marreta e questionou o filho sobre a razão daquela ali se encontrar, obtendo como resposta do arguido a de que andava a ser ameaçado por uns indivíduos porque tinha tido uma discussão com eles numa discoteca por causa da namorada.
Ainda que o depoimento de tal testemunha tenha merecido credibilidade ao Tribunal nesta como no restante conteúdo do mesmo, pela forma concisa e objectiva como tal testemunha depôs, revelando-se isenta ao relatar factos atinentes ao comportamento do arguido, que apesar de ser seu filho, não escondeu do Tribunal e que são reveladores da agressividade deste para os pais quando por eles contrariado, a verdade é que o mesmo não possui força probatória bastante para o Tribunal se assegurar, sem margem para qualquer dúvida, de que o motivo que lhe foi adiantado pelo arguido para a aquisição da dita marreta – ter sido ameaçado por uns rapazes e ter adquirido a marreta para se defender deles em caso de necessidade - corresponda efectivamente ao verdadeiro motivo subjacente à aquisição daquela, pois, ainda que o arguido tenha adiantado ao pai tal motivo não será de pôr de lado, como hipótese, o facto do arguido assim ter agido para esconder do pai o verdadeiro motivo para a aquisição de tal instrumento.
De igual forma, também a circunstância do veículo do arguido ter sido atingido por uma paralelo no fim-de-semana anterior aos factos, para prova do que o tribunal se estribou da declaração junta a fls. 610, conjugada com as fotografias de fls. 611, com as declarações prestadas pelo arguido na audiência de julgamento que confirmou tais factos, com os depoimentos das testemunhas pais do arguido supra identificadas que corroboraram também tais factos, com o teor das transcrições das mensagens trocadas via sms entre o arguido e a vítima supra aludidas algumas das quais versam sobre tal assunto, e, ainda, com as declarações da assistente que deu a saber que no domingo anterior aos factos a filha lhe relatou que, pelo contacto que nesse dia tinha tido com o arguido via internet, este lhe tinha dito que lhe tinham partido o vidro do carro, não constitui, no entender do Tribunal, prova cabal da versão do arguido trazida à audiência referente às ameaças de que tinha sido alvo como motivo para ter adquirido a marreta, porquanto, não se tendo apurado os exactos contornos que rodearam a fractura do vidro do carro do arguido quando este com ele circulava em plena cidade de ..., é difícil de poder estabelecer qualquer ligação entre tal facto e eventuais ameaças feitas ao arguido, pois, tal situação bem pode ter-se tratado de um evento puramente acidental de alguém que está no lugar errado e à hora errada.
Adianta-se, ainda, que não deixa o Tribunal de estranhar o facto do evento relatado pelo arguido por ele relacionado com as ameaças ter ocorrido, segundo o mesmo, numa discoteca desta cidade e o arguido não ter sido capaz de indicar ao Tribunal alguém que o tivesse presenciado, se não as ameaças em concreto, pelo menos os murros que o arguido alegou ter desferido num dos rapazes que por causa isso depois o ameaçaram, pois que, o arguido apesar de ter adiantado ao Tribunal que tais factos foram presenciados pela mencionada testemunha IM… que na altura se encontrava na dita discoteca na companhia da vítima então sua namorada, tal testemunha não confirmou tais factos, como também os mesmos não foram confirmados pela testemunha CC…, que alegando ser segurança da discoteca W... onde e quando o arguido referiu terem acontecido tais factos, referiu não se ter apercebido de qualquer confusão numa noite em que se lembra de ali ter estado o arguido, a vítima e a mencionada testemunha IM…, o que, obviamente, não descarta a possibilidade dessa confusão poder ter existido e dela se não ter a dita testemunha apercebido, visto que nem sempre os seguranças das discotecas se apercebem de tudo quanto nelas se passa, contrariamente ao que tal testemunha quis fazer crer no depoimento que prestou na audiência de julgamento quando referiu encontrar-se num local sobranceiro da discoteca que lhe permitia ver tudo o que nela se passava.
Resta, ainda, dizer que também se estranha que tendo o arguido referido nas suas declarações que um dos dois rapazes que o ameaçaram estudava então na sua escola, não tenha aquele tido a preocupação de apurar a identidade desse rapaz para se prevenir se algo lhe acontecesse no futuro, mas apenas a de comprar um instrumento com as características da marreta apreendida nos autos para se defender de eventuais ameaças que aquele e o outro rapaz viessem a concretizar na sua pessoa, ou, pelo menos, de tentar apurar a identidade desse rapaz para fazer valer no julgamento a sua versão de que a aquisição da dita marreta se prendeu com as ameaças por aquele e também por outro rapaz contra si proferidas.
Da análise global de quanto se deixa dito, resultou duvidosa a comprovação da versão trazida aos autos pelo arguido atinente à explicação por si adiantada para a compra da marreta que utilizou quando desferiu as pancadas na pessoa da JC..., como também resultou de pouca evidência o facto do arguido ter adquirido a dita marreta na data em que essa aquisição ocorreu – 6 de Novembro de 2009 – já com o fito de a utilizar para matar a namorada.
Concluindo, pois, o Tribunal que em face das apontadas dúvidas, não resulta seguro que o arguido tivesse formulado a sua intenção de tirar a vida à JC... em momento anterior aquele em que os factos ocorreram, e concretamente no dia em que adquiriu a marreta, e também que não se afigura isento de dúvidas que tenha adquirido a dita marreta para esse fim.
Relativamente ao concreto modo como os factos se desenrolaram no pinhal na zona de ..., área desta comarca, cuja localização sai bem evidenciada nas fotografias que integram o relatório de exame, junto a fls. 99-105, ancorou-se o Tribunal nas declarações prestadas em audiência pelo arguido, o qual relatou a dinâmica dos factos pela forma descrita na factualidade provada, único elemento probatório que permitiu ao Tribunal apurar a sequência dos factos ocorridos em tal local, ou seja, no decurso de um discussão ali havida, iniciada dentro do veículo e que prosseguiu depois no exterior deste, a respeito das infidelidades de ambos e durante a qual a vítima se manifestou no sentido de querer pôr termo à relação de namoro existente entre ambos, decisão esta com o qual o arguido não se conformou e que o levou a ir ao veículo buscar a marreta com que desferiu as três pancadas na vítima, depois desta se ter apercebido de que aquele estava munido da dita marreta, pois, segundo adiantou o arguido, a JC... quando o viu trazer do veículo tal instrumento ainda lhe disse “ pensas que tenho medo de ti “, após o que lhe virou as costas e cruzou os braços à frente do corpo, mantendo-se nessa posição quando o arguido lhe desferiu as pancadas nas zonas referidas na factualidade provada ( cabeça e face ) com a parte metálica da dita marreta, que empunhou com as duas mãos, pancadas essas relativamente às quais o arguido assumiu terem sido duas e ocorrido quando a JC... ainda se encontrava de pé, as quais, segundo o arguido, desferiu naquelas circunstâncias, quando se sentiu a explodir ao ouvir da vítima que queria por termo à relação de namoro entre eles.
De salientar que, neste particular o arguido, sem negar embora que tenha desferido mais do que duas pancadas, apenas admitiu lembrar-se de ter desferido duas e de ter parado de desferir pancadas quando se apercebeu que a JC... caiu ao chão.
Ainda que o arguido nada tenha adiantado sobre se quando empunhou a dita marreta com ambas as mãos e a levantou na direcção da vítima visou ou não atingir com ela as zonas da cabeça e da face desta e se quis dessa forma pôr fim à vida da JC..., a verdade é que o arguido não pôs em causa tais factos assim descritos na acusação, os quais, aliás, também resultam das regras da experiência, pois, dada a proximidade existente entre o arguido e a vítima, o facto daquele empunhar com as duas mãos a marreta para com ela desferir as pancadas que quis desferir no corpo da vítima que levou a que a marreta se içasse a uma altura seguramente superior à do corpo da vítima ( considerando que o cabo da marreta tem de cumprimento 90 cm e que a altura da vítima, segunda o relatório da autópsia, era de 1,64 m ), não podia o arguido ter deixado de pretender direccionar tais pancadas contra a cabeça e a face da vítima e de querer atingir tais zonas do corpo da mesma, como efectivamente veio atingir, relativamente às quais também não podia o arguido ignorar, como ninguém ignora, que alojam órgãos vitais ( no caso da cabeça ), e que uma vez atingidas com o referido instrumento e com a violência a este por ele imprimida seguramente causariam a morte da vítima, que, seguramente, o arguido quis como resultado da sua conduta.
Além disso, tendo o arguido desferido as aludidas pancadas na cabeça e na face da vítima no circunstancialismo de modo descrito na factualidade provada, mormente o facto de ter desferido essas pancadas quando a vítima se encontrava de costas para ele e com os braços cruzados à frente do corpo da mesma – posição esta que manifestamente se apresenta, à luz das regras da normalidade, como posição de relaxamento e de descontracção de quem jamais contará ser atingida com uma marreta de ferro, ainda que dela se tenha apercebido nas mãos do arguido anteriormente - não poderão deixar de inculcar que o arguido se aproveitou do facto da vítima se encontrar de costas para ele, completamente descontraída e desprevenida, para a surpreender com as pancadas que quis desferir e desferiu no corpo daquela sabendo que a mesma não tinha qualquer hipótese de se defender dessas pancadas, quer pelo facto de se encontrar de costas para ele, quer pela potencialidade do meio por si utilizado quer ainda pela violência que usou aquando da utilização deste.
Na verdade, não é crível que a vítima adoptasse tão evidente atitude de descontracção e relaxamento se efectivamente não estivesse tranquila, sossegada, à vontade e sem contar ser agredida com a marreta que o arguido tinha na mão, conclusão que se retira das próprias declarações do arguido quando este relatou ao Tribunal que a vítima, ao vê-lo munido da marreta, lhe disse “ pensas que tenho medo de ti ?“ após o que lhe virou as costas e cruzou os braços à frente do corpo, posição essa em que veio por ele a ser atingida.
A respeito do exacto local onde tais agressões ocorreram a versão apresentada pelo arguido na audiência de julgamento mostra-se consentânea com os vestígios, sinais e objectos assinalados no referido relatório de exame de fls. 99-105, do qual se comprova a existência no local indicado pelo arguido a existência de manchas hemáticas que vieram a comprovar-se conter perfil genético da vítima JC... (vestígios hemáticos recolhidos no caminho e na marreta ) conforme se colhe do relatório pericial junto a fls. 359-366, marcas de arrastamento e outros elementos aí recolhidos e também da roupa da vítima e do arguido que, conjugados com o relatório de palinologia forense, junto a fls. 375-380 e os relatórios de exame juntos a fls. 91-96 e 282-285, confirmam a ocorrência dos factos em tal local.
Sobre o número de pancadas desferidas pelo arguido com a dita marreta na cabeça e na face da vítima e também sobre a violência destas, mostrou-se essencial o relatório de autópsia junto a fls. 401-409, do qual resulta de forma irrefutável quais as lesões que a mencionada JC... apresentava quando foi sujeita a tal autópsia bem assim como a respectiva localização e características, da mesma forma que para apuramento de tais factos se revelou contributivo o exame tanatológico ao cadáver, junto a fls. 106-111, do qual resultam também bem evidentes as zonas do corpo em que a vítima foi atingida.
Apontam-se em tal relatório de autópsia como lesões apresentadas pela vítima, entre outras, três feridas contusas: uma na região frontal ( parte mediana a nível de glabela ), com 4 cm de comprimento e um de afastamento de bordos; outra sobre o rebordo orbitário direito, com 4 cm de comprimento e um de afastamento de bordos; outra na região zigomática direita, com 4 cm e 15 mm de afastamento de bordos; e, ainda, outras três feridas contusas, paralelas, junto à comissura labial direita, com 1 cm, 5 mm e 3 mm de comprimento, respectivamente; uma ferida contusa rostro-caudal na região frontal ( metade direita ) na linha de intercepção do couro cabeludo, com 4 cm de comprimento e 15 mm de afastamento de bordos; e, ainda, uma ferida contusa na região parieto-occipital direita, formando dois ramos em forma de T, cada uma com 3 cm, lesões essas que, pela sua multiplicidade e diferente localização nas zonas da face e do crânio da vítima onde se situam, denotam ter resultado de acção plúrima do instrumento de natureza contundente ou actuando como tal com que foram produzidas, instrumento esse utilizado de forma violenta, como para tal apontam também tais relatório de autópsia e exame tanatológico ao cadáver, o que vai de encontro às características da marreta utilizada pelo arguido e que se coadunam, pela respectiva localização, com a descrição feita pelo arguido a respeito da forma como utilizou a marreta e da posição em que a vítima se encontrava aquando dessa sua actuação.
Sem embargo do que se deixa dito, afigura-se-nos ser de afastar a possibilidade de imputar à conduta agressiva do arguido emergente da utilização da dita marreta a totalidade das lesões que a vítima apresentava quando veio a ser examinada, visto que algumas de tais lesões certamente lhe advieram em consequência da queda do corpo da mesma depois de morta aquando da precipitação do veículo no interior do qual foi o seu corpo colocado pelo arguido depois da agressão por ele nela perpetrada.
Ainda sobre a actuação do arguido reportada à agressão por este protagonizada importa referir que se antolham ao Tribunal sérias dúvidas a respeito da versão da acusação sobre o facto das pelo menos mais duas pancadas que se seguiram à primeira das desferidas pelo arguido com a dita marreta terem ocorrido com a vítima já imóvel e inanimada no solo.
Neste particular o arguido adiantou nas declarações que prestou na audiência de julgamento que não desferiu pancadas na vítima depois desta ter caído ao chão, versão esta que não se mostra infirmada por outros elementos probatórios trazidos aos autos, versão essa que sempre o arguido manteve e reforçou ao longo da audiência de julgamento quanto a esse respeito foi questionado.
Acresce que do referido relatório de autópsia não se extraem elementos que permitam aquilatar qual a ordem sequencial por que foram sendo produzidas as lesões apresentadas pela vítima que lhe causaram a morte e, ainda, que possam inculcar se alguma dessas lesões por si só era susceptível de fazer desfalecer de imediato a vítima.
Por outro lado, vêm mencionadas em tal relatório de autópsia lesões traumáticas constatadas ao nível dos membros superiores da vítima, caracterizadas como escoriações e equimoses, as quais, segundo se adianta em tal relatório de autópsia, poderão ser consideradas lesões de defesa.
Ora, do cotejo da análise de tais elementos probatórios, entende o Tribunal não resultar cabalmente esclarecido se das pelo menos três pancadas desferidas com a marreta pelo arguido no corpo da vítima no circunstancialismo de tempo, modo e lugar descritos na factualidade as que se seguiram à primeira daquelas foram desferidas pelo arguido já com a vítima imóvel ou inanimada no solo.
É que, para sustentação da tese nesta parte propugnada pela acusação tornar-se-ía necessário que a primeira pancada desferida pelo arguido na vítima tivesse contribuído para o imediato desfalecimento e subsequente queda desta ao solo, sendo que tal parece não ser articulável com a consideração a que se faz alusão no relatório da autópsia a respeito do entendimento como lesões de defesa das apresentadas pela vítima nos membros superiores, e também com a versão trazida à audiência pelo do arguido a respeito da posição da vítima quando no corpo dela desferiu tais pancadas.
De facto, a admitir-se que as lesões apresentadas pela vítima nos membros superiores foram produzidas quando esta se quis defender das pancadas que lhe estavam ser desferidas e a fazer fé nas declarações do arguido no sentido de que as pancadas por ele desferidas no corpo da vítima ocorreram quando esta se encontrava de costas para ele e de braços cruzados à frente do corpo, ditam as regras da experiência comum que tais lesões nos membros superiores só poderiam ter sido foram produzidas quando instintivamente a vítima quis proteger-se depois de já se ter sentido atingida com a primeira de tais pancadas, pela qual foi colhida de surpresa, ou seja, quando lhe estavam a ser desferidas pelo arguido as pelo menos mais duas pancadas que se seguiram à primeira delas, o que, manifestamente, se não articula com a possibilidade da vítima se encontrar já imóvel ou inanimada no solo, porque nesta situação esta estaria incapaz de esboçar qualquer reacção de defesa.
Também sobre os objectos recolhidos nos locais onde os factos ocorreram e a que se faz alusão nos referidos relatórios de exame, sopesou-se, ainda, a reportagem fotográfica junta a fls. 288-297 e o termo de entrega junto a fls. 298 e, ainda, o depoimento da testemunha DD..., inspector da Polícia Judiciária responsável pela investigação a que se reportam os autos, o qual confirmou as diligências investigatórias levadas a cabo e o contributo que o arguido deu para a localização de tais e ainda de outros vestígios, procedendo nos respectivos locais à sua indicação, como disso se dá conta no Relato de Diligência Externa de fls. 78-82.
No concernente à actuação do arguido depois de ter constatado que a vítima se encontrava morta tendente a eliminar os vestígios que o implicassem na morte daquela, ancorou-se o Tribunal nas próprias declarações prestadas pelo arguido na audiência de julgamento, que admitiu ter actuado pela forma descrita na factualidade provada, adiantando, ainda, que depois de matar a vítima colocou o corpo desta dentro do veículo e andou com esse corpo dentro do veículo durante várias horas, sem conseguir concretizar quantas, não sabendo o que fazer com ele até que se lembrou de se dirigir para a barragem de … sobre a qual a JC... lhe tinha falado em tempos, seguindo na direcção dessa barragem orientado para o efeito pelas placas indicativas existentes na estrada, e que, uma vez aí chegado, sentindo-se desorientado e depois de se auto-mutilar atirando-se para o chão, decidiu fazer precipitar para a barragem o veículo com o corpo da vítima no interior do mesmo, veículo esse que colocou em posição de poder deslizar na direcção da barragem, sem travão de mão accionado e sem qualquer mudança engrenada, que assim acabou por nela se precipitar, imobilizando-se capotado pela forma que se evidencia nas fotografias que integram o relatório de exame junto a fls. 54-66 e o relato de diligência externa junto a fls. 78-82 e 97-98, os quais juntamente com as demais fotografias que os integram retratam também de forma assaz elucidativa a localização da dita barragem, o modo como o referido veículo ficou imobilizado no talude da mesma, a forma como no seu interior se encontrava o corpo da vítima e demais objectos pertença desta e do arguido e, ainda, os locais para onde foram arremessados pelo arguido o casaco e uma sapatilha pertença do mesmo.
Sobre tais aspectos também levou o tribunal em conta o depoimento prestado pela mencionada testemunha DD..., inspector da Polícia Judiciária responsável pela investigação, o qual confirmou que a viatura conduzida pelo arguido quando foi encontrada se encontrava capotada, desligada e com a chave na ignição na posição de desligada, sem qualquer mudança engrenada e sem o travão de mão accionado, factos esses para os quais também aponta a informação do INEM ( CODU ) junta a fls. 7.
Tais elementos probatórios incutiram no Tribunal a ideia de que o arguido depois de perceber de matara a namorada, e ainda que perturbado com esse facto como o próprio referiu, congeminou a ideia de iludir a investigação que forçosa e necessariamente haveria de encetar-se para apuramento dos factos, sendo disso evidente a escolha que fez do meio para o efeito, pois, ao fazer precipitar o seu carro com o corpo da vítima lá dentro e sem ele a conduzi-lo, quis manifestamente pôr-se à margem dos acontecimentos e ensaiou uma forma de poderem estes vir a ser imputados a terceiros.
Tal entendimento extraiu-o, ainda, o Tribunal do facto do arguido se ter dirigido – depois de já ter feito precipitar o veículo com o corpo da vítima morta lá dentro na barragem – ao “ Bar … “ onde bateu à porta por volta das 2.30 horas do dia 18 de Novembro de 2009, e se apresentou descalço e com terra na face e pediu ajuda para chamar a polícia, dizendo “ JC... “, “ eram dois “, “ isto não podia ter acontecido “, sem nada mais contar do sucedido, como de tudo deu conta no seu depoimento prestado na audiência a testemunha HH..., proprietário do dito bar, o qual depois acabou por solicitar ajuda policial e dos bombeiros, comportamento que não pode deixar de demonstrar que o arguido quis fazer passar ao proprietário do dito bar uma versão diferente dos factos, comportamento esse que manteve no Hospital São ... onde foi admitido no serviço de Urgência pelas 5.20 horas do referido dia 18 de Novembro de 2009, onde referiu na entrevista que ali lhe foi feita pelo respectivo médico “ ontem íamos para o ... e um carro aproximou-se do nosso ...nunca tinha visto aquelas pessoas ... disseram que íamos pagar caro “, comportamento este que não poderá considerar-se como resultado de qualquer delírio do arguido, pois, a par de tais informações que então transmitiu ao médico também transmitiu outras totalmente correspondentes com a realidade relativas á pessoa dele, de acontecimentos ocorridos nos dias anteriores, além de que, segundo observação médica o mesmo se apresentava consciente, vigil e orientado no espaço e pessoa, sem alterações da sensopercepção, sem delírios ou sintomatologia deliroide ou outras alterações do pensamento dignas de relevo, elementos estes que se colhem do relatório de episódio de urgência e demais documentação clínica junta a fls. 13-35.
Sobre a personalidade do arguido esteou-se o Tribunal na prova pericial carreada para os autos, essencialmente, no Relatório da Avaliação Clínico- Psiquiátrica junta a fls. 805-809, esta conjugada com o Glossário e Guia de Classificação das Doenças, Perturbações e Anomalias Mentais, segundo a nona revisão da Classificação Internacional das Doenças, da Organização Mundial de Saúde ( O.M.S. ) junto a fls. 822-827, e no Relatório da Perícia sobre a Personalidade, junto a fls. 823-829, cujas conclusões traduzem juízos científicos que mereceram absoluta concordância por parte do Tribunal por não ter este quaisquer razões para as infirmar.
De facto, da análise de tal prova pericial foi possível ao Tribunal inteirar-se da capacidade do arguido para avaliar a ilicitude dos seus actos e efectuar uma adequada valoração positiva ou negativa das suas atitudes e para se determinar de acordo com essa avaliação e dos traços da personalidade do arguido – descartando-se nesta a inimputabilidade do arguido e adiantando-se nele que o arguido possui uma personalidade anormal psicopática com traços anormais explosivos -, a qual, segundo o referido Glossário da Classificação Internacional das Doenças, da O.M.S., se caracteriza pelas condutas e pelos comportamentos descritos na factualidade provada, dos quais se destacam acessos irreprimíveis de cólera, ódio, violência ou irrupções de afectos intensos, exprimindo-se a violência ou verbalmente ou por actos violentos, não controlando os indivíduos com facilidade tais acessos e fora disso sem tendência a exibir comportamento anti-social, entendimento este para o qual inequivocamente converge o exame sobre a personalidade a que foi o arguido sujeito, e de que se dá conta no referido Relatório da Perícia sobre a Personalidade, quando neste se adianta que, em situações problemáticas, indutoras de maior stress, as acções do arguido de tomada de decisão e/ou a resolução de problemas são habitualmente alvo de forte interferência por parte das emoções e sentimentos, com rigidez de pensamento, sérias limitações quando se trata de rever e alterar atitudes ou opiniões ou mesmo quando é necessário adoptar outra perspectiva que não a sua, evidenciando dificuldades em controlar as suas reacções emocionais e diminuição de mecanismos defensivos eficientes para fazer face aos conflitos agindo de forma impulsiva com comportamentos agressivos.
Tais exames periciais apontam, ainda, que a agressividade do arguido e a dificuldade de auto-controle dos impulsos por parte do mesmo se revelam no contexto das relações emocionais e de afectividade mais próximas e que fora destas não tende a exibir comportamento anti-social.
A análise efectuada em tais exames periciais articula-se, também, com os depoimentos prestados na audiência de julgamento pelas testemunhas familiares do arguido, os pais já supra identificados e ainda o tio e a prima daquele, respectivamente, que demonstraram conhecer a personalidade do mesmo e que a traçaram ao Tribunal, relatando situações ou episódios da vida do arguido que presenciaram ou das quais tiveram conhecimento que são demonstrativos da agressividade manifestada pelo arguido quando se sente contrariado pelos outros, designadamente pelos pais, e, ainda, com o depoimento da mencionada testemunha AX… que relatou ao tribunal que durante o período em que se relacionou com o arguido, como namorada, ele lhe bateu uma vez e lhe tentou bater noutras vezes, ainda que sem contextualizar tais situações, revelando-se agressivo quer com ela quer com os pais do mesmo.
Sobre as consultas de psicologia e de psiquiatria frequentadas pelo arguido por ocasião de alguns dos comportamentos que o mesmo evidenciou ao longo da sua adolescência e juventude e por virtude destes ancorou-se o Tribunal nos depoimentos das testemunhas pais do arguido supra identificadas que delas deram conta nos seus depoimentos e que se mostram corroboradas pelo teor dos recibos juntos a fls. 612, 613, 614 615, 616, 617 e 677, dos quais se apura, não só as especialidades de tais consultas como, ainda, as datas em que as mesmas tiveram lugar.
Também sobre a personalidade do arguido no que tange ao seu comportamento em sociedade, o Tribunal alicerçou a sua convicção na prova testemunhal a esse respeito trazida à audiência de julgamento, através dos depoimentos das testemunhas …, os quais por serem ou terem sido professores do arguido deram a conhecer ao Tribunal o comportamento desde, quer quanto aos aspectos académicos, quer quanto às relações interpessoais do arguido com os professores e com os colegas, pautadas, segundo tais testemunha, pela harmonia e pela integração do arguido no meio académico, e, ainda, com base nos depoimentos das testemunhas …, as quais traçaram do arguido uma postura de normalidade enquanto elemento dos escuteiros em que esteve integrado e, a última das mencionadas testemunhas, enquanto aluno da escola de condução de sua propriedade que aquele frequentou, para além, também, do que a respeito do processo de socialização e condições sociais pessoais de vida do arguido, se colhe do Relatório Social junto a fls. 711-715, elementos probatórios estes que, quando conjugados com o teor dos referidos exames periciais, apontam para que, fora das relações emocionais mais próximas, o arguido assume uma postura pautada pela adequação à vida em sociedade e sem tendência para comportamentos anti-sociais.
A respeito do percurso académico do arguido ancorou-se o Tribunal na certidão do diploma junta a fls. 608-609, atestativa da conclusão pelo arguido do curso de especialização em Técnico de laboratório com a classificação final de 15 valores.
No que respeita à ausência de passado criminal do arguido, mostrou-se essencial o teor do CRC do mesmo junto a fls. 584.
Sobre os laços de filiação que ligam a vítima à demandante, sua mãe, a dedicação daquela aos amigos e á mãe, a proximidade e cumplicidade existente entre mãe e filha e a personalidade da vítima, enquanto jovem e pessoa, ancorou-se o tribunal nos assentos de nascimento da vítima e do pai desta, juntos a fls. 746-748 e 867-869, e nos depoimentos das testemunhas MM..., AX… e CK…, as quais por conheceram a vítima e o relacionamento desta com a mãe, ora demandante, depuseram sobre tais factos, por forma que o Tribunal reputou concisa e objectiva, os quais, por isso, ofereceram credibilidade.
Sobre o sofrimento advindo para a demandante em consequência da morte da filha, a revolta e inconformismo por ela vivenciados, sopesou o Tribunal que, embora a tal propósito a prova carreada para os autos pela demandante se tivesse apresentado pouco esmiuçada, a verdade é que tratando-se a demandante da mãe de uma filha muito próxima e dedicada que foi assassinada em plena juventude, com 20 anos de idade à data dos factos, à luz das regras da experiência é por demais compreensível que a mesma sofra a dor própria de uma mãe que perdeu a filha e tenha sentimentos de inconformismo e de revolta em face das trágicas e violentas circunstâncias em que a sua filha perdeu a vida.
Sobre os gastos tidos pela demandante com o funeral da vítima, a aquisição de flores para esse funeral e a compra do terreno para a sepultura, considerou o tribunal o teor do recibo e da factura juntos a fls. 533 e 534 ( respeitante às despesas com o funeral ), do recibo e da factura juntos a fls. 542 ( relativos às despesas com flores para o funeral ), da guia de recebimento e alvará juntos a fls. 536 e 537( referente as despesas com aquisição de terreno para a sepultura ).
Sobre despesas suportadas pela demandante com a obtenção de escritura de habilitação e outros documentos junto do Cartório Notarial, ancorou-se o Tribunal no teor da factura junta a fls. 538, e das facturas-recibos juntas a fls. 539-541, documentos esses do primeiro dos quais se extrai que a demandante requereu uma escritura de habilitação de herdeiros e dos demais ainda outros documentos cujo custo se cifrou nos valores neles indicados, desconhecendo-se, embora, a que documentos respeitam as referidas facturas/recibos, visto do teor delas não constar a menção dos actos notariais que lhe estão subjacentes, para prova dos quais também não foram trazidos aos autos outros elementos probatórios.
Sobre a encomenda de uma lápide cujo custo foi orçamentado no valor referido na factualidade provada, considerou o tribunal o teor da encomenda junta a fls. 535, a qual atesta essa encomenda e o valor do respectivo orçamento.
A respeito da despesa suportada pela demandante com uma consulta de psicoterapia, ancorou-se o tribunal no teor do recibo junto a fls. 542, o qual dá conta do pagamento pela demandante desse valor reportado à actividade de psicoterapia.
Já quanto à circunstância alegada pela demandante de tal consulta de psicoterapia lhe ter sido ministrada pelo facto da mesma ter ficado extremamente afectada pela morte violenta filha, sopesou o Tribunal que para prova de tal facto não foram trazidos aos autos elementos probatórios que o atestem, sendo que de tal documento apenas se pode inferir que os serviços nele aludidos foram prestados em 16 de Março de 2010, ou seja, cerca de 4 meses após a morte da vítima, pois, apesar de se saber que a psicoterapia trata problemas psicológicos, dos quais os mais comuns são a depressão, a ansiedade e as dificuldades de relacionamento com as outras pessoas, a verdade é que nenhuma prova foi trazida aos autos no sentido de que a demandante por causa da morte da filha ficou afectada por algum de tais problemas, o que também nem sequer foi alegado, razão pela qual o Tribunal não se convenceu de qualquer relação entre a referida consulta de psicoterapia frequentada pela demandante e a morte da filha desta.
Também quanto ao facto relacionado com a actividade profissional da demandante e os prejuízos económicos por esta sofridos em resultado de a não ter prestado durante o período entre 18 de Novembro e 4 de Dezembro de 2009 por virtude da morte da filha, considerou o Tribunal que para prova do mesmo apenas foi única e exclusivamente carreada para os autos a prova documental estribada nas declarações juntas a fls. 543-548, que o tribunal reputou sem consistência bastante para sustentar tal facto, não só porque de tais declarações não se retira qual a actividade profissional da demandante e menos ainda se as pessoas que as subscrevem são pessoas a quem a mesma prestava à data os serviços domésticos pela mesma alegados, para além também de que uma das datas nelas referidas – a de 1 de Dezembro de 2009 – se tratou de um dia feriado nacional, no qual, habitualmente não é prestada actividade doméstica.
Ao que se deixa dito, acresce, ainda, a circunstância de que para prova de tal actividade profissional e dos prejuízos que da falta do seu exercício durante o referido período pudessem ter resultado para a demandante poderia esta ter lançado mão de outros elementos probatórios ao seu alcance susceptíveis de os comprovar, mormente através dos depoimentos como testemunhas das pessoas para quem à data trabalhasse, junto das quais poderia o Tribunal ter aquilatado dos mesmos e da razão de ser também do não exercício dessa actividade durante o período de tempo alegado pela demandante.
A respeito dos demais factos considerados não provados, sopesou o Tribunal a circunstância de não ter sido possível extrair a prova dos mesmos dos elementos probatórios carreados para os autos e supra analisados, pois que, para além do que já resulta da convicção supra exposta a respeito de tais elementos probatórios, de índole testemunhal, documental e pericial nenhum outro elemento de prova foi carreado para os autos susceptível de sustentar a prova dos mencionados factos, sendo que alguns de tais factos não provados resultam até infirmados com base nos elementos probatórios já referidos.


Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac do STJ de 19/6/96, no BMJ 458-98).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr Germano marques da Silva, in “Curso de Processo penal”, III, pg 335).

Questões a decidir:
- Se foram incorrectamente julgados os factos dados como provados;
- Se a pena aplicada ao arguida peca por excessiva ou, peca por módica;

Questão prévia

Sustenta o Mº Pº que a assistente, desacompanhada do Mº Pº, não tem legitimidade para recorrer, pedindo o agravamento da pena aplicada ao arguido.
Esta questão tem vindo a ser discutida e a jurisprudência tem-se dividido. Contudo, o Ac.do STJ nº 5/2011 de 11 de Março veio de alguma forma dar resposta a esta questão.
Como é referido no acórdão cit. “os assistentes, no processo penal, são configurados como «colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei», nos termos do n.º 1 do artigo 69.º do Código de Processo Penal. Como se vê, previne
desde logo esta norma, ao ressalvar excepções, que nem sempre os assistentes subordinam a sua actuação no processo à actividade do Ministério Público, a significar que, na prática de determinados actos processuais, detêm poderes autónomos, poderes esses que, permitindo–lhes «co-determinar, dentro de certos limites e circunstâncias, a decisão final do processo», sustentam o seu estatuto de sujeitos processuais (cf. Figueiredo Dias, Sobre os Sujeitos Processuais no Novo Código de Processo Penal, Jornadas de Processo Penal, 1988, p. 11).
Um desses poderes dos assistentes, e que importa aqui analisar por se lhe referir a divergência a dirimir, é o previsto na alínea c) do n.º 2 daquele preceito: o de «interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito».
Mas, mesmo nos casos em que actua autonomamente, o assistente é sempre um colaborador do Ministério Público, no sentido de que, com a sua actuação, contribui para uma melhor realização dos interesses cometidos ao Ministério Público, a quem, em conformidade com o disposto no artigo 53.º, n.º 1, do código citado, compete, no processo penal, «colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito». Valem neste ponto as palavras de Damião da Cunha: «O conceito de colaboração e de subordinação não significa obviamente que a intervenção do assistente não possa entrar em directo conflito com as decisões do MP. O que se pretende dizer é, isso sim, que o interesse que o assistente eventualmente corporize (que tem de ser um interesse particular, autónomo) tem que estar subordinado ao interesse público, pelo que a actuação do assistente, fundada no interesse particular, só assume relevância (processual) na medida em que contribua para uma melhor realização da administração da justiça (ou, no caso concreto, um melhor exercício da ‘acção penal’). O que significa, pois, que colaboração e subordinação se referem aos ‘interesses’ em jogo» (RPCC, 1998, p. 638).
É a esta luz que deve definir -se o alcance do poder do assistente de interpor recurso das decisões que o «afectem», previsto no artigo 69.º, n.º 2, alínea c), que se identifica com a legitimidade para recorrer das decisões «contra ele proferidas», conferida pelo artigo 401.º, n.º 1, alínea b).
O assistente, sendo imediata ou mediatamente atingido com o crime, adquire esse estatuto em função de um interesse próprio, individual ou colectivo. Porém, a sua intervenção no processo penal, sendo embora legitimada pela ofensa a esse interesse, que pretende afirmar, contribui ao mesmo tempo para a realização do interesse público da boa administração da justiça, cabendo -lhe, em função da ofensa a esse interesse próprio, o direito de submeter à apreciação do tribunal os seus pontos de vista sobre a justeza da decisão, substituindo o Ministério Público, se entender que não tomou a posição processual mais adequada, ou complementando a sua actividade, com o que, por isso, se não desvirtua o carácter público do processo penal.
O assistente só tem legitimidade para recorrer das decisões contra ele proferidas, mas dessas decisões pode sempre recorrer, haja ou não recurso do Ministério Público.
A circunstância de haver ou não recurso do Ministério Público não aumenta nem diminui as possibilidades de recurso do assistente. A única exigência feita pela lei ao assistente para poder recorrer de uma decisão é que esta seja proferida contra ele. Não há que procurar outras a coberto do chamado interesse em agir, a que alude o n.º 2 do artigo 401.º
De facto, sendo a legitimidade, no processo civil, a posição de uma parte em relação ao objecto do processo, justificando que possa ocupar-se em juízo da matéria de que trata esse processo (cf. Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, Faculdade de Direito de Lisboa, Lições, 1973 -1974, p. 151), em processo penal, a legitimidade do assistente para recorrer significa que ele só pode interpor
recurso de decisões relativas aos crimes pelos quais se constituiu assistente (cf. Damião da Cunha, ob. cit., p. 646).
Já o interesse em agir do assistente, em sede de recurso, remete para a necessidade que ele tem de lançar mão desse meio para reagir contra uma decisão que comporte para si uma desvantagem, que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, a significar que ele só pode recorrer de uma decisão com esse alcance, de acordo com Figueiredo Dias, que conclui, citando Roxin: «Aquele a quem a decisão não inflige uma desvantagem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na sua correcção, não lhe assistindo, por isso, qualquer possibilidade de recurso» (RLJ, ano 128, p. 348).
Sendo assim, deve concluir -se que o texto da alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º já abrange o interesse em agir, ao exigir, para além da qualidade de assistente, que a decisão seja proferida contra ele, ou seja, que lhe cause prejuízo ou frustre uma expectativa ou interesse legítimos. O assistente tem interesse em pugnar pela modificação de uma decisão que não seja favorável às suas expectativas. Parece ser este o pensamento do mesmo autor, quando afirma, referindo–se ao artigo 401.º: «ao demarcar nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 a legitimidade dos sujeitos e participantes processuais para além do Ministério Público, aquele preceito legal deixa já no essencial consignado o sentido e alcance do respectivo interesse em agir» (ob. cit., p. 349).
Deste modo, repete -se, para o assistente poder recorrer, não há que fazer -lhe outras exigências para além das que o artigo 401.º, n.º 1, alínea b), comporta: que a decisão seja relativa a um crime pelo qual se constituiu assistente (legitimidade) e seja contra ele proferida (interesse em agir)”.
No caso vertente há que ponderar se o assistente desacompanhado do Mº Pº, pode recorrer da decisão final pedindo a agravação da pena.
Ora, o assistente em relação aos crimes em que é ofendido tem direito de recorrer, mesmo que o Mº Pº o não faça, pedindo a agravação da pena aplicada, por ainda assim estar a colaborar na administração da justiça submetendo a decisão a exame por um tribunal superior, por a mesma não realizar o direito, na sua perspectiva.
“Damião da Cunha pronuncia -se sobre esta matéria nos seguintes termos: «o assistente apenas pode recorrer de decisões em que activamente tenha participado e em que tenha formulado uma qualquer ‘pretensão’, não tendo essa ‘pretensão’ merecido acolhimento na decisão — ou seja, a decisão foi proferida contra as expectativas do assistente». E de modo algum identifica a formulação dessa «pretensão» com a dedução de acusação, pois, referindo-se à possibilidade de o assistente interpor recurso dirigido à questão da medida da pena, fá-la depender da formulação de uma pretensão sobre essa matéria durante a audiência de julgamento, designadamente nas exposições introdutórias ou nas alegações finais (ob. cit., pp. 646 e 647). (Ac. cit.)
Desde que o assistente se tenha por afectado pela decisão penal por ela não corresponder, segundo o seu juízo de valor, à justiça do caso concreto, em que ele, como ofendido, é interessado directo, então também não pode colocar-se em dúvida o seu “interesse em agir” o seu “interesse processual”, a sua necessidade do processo ou do recurso, pois que a sua pretensão só pode ser resolvida através do processo penal, no caso, através do recurso, tendo este por objecto um interesse material na reapreciação da decisão que, segundo ele, não fez aplicação ajustada do direito ao caso submetido a julgamento” (acSTJ 9/4/97 CJ II, 172).
Indefere-se, pois, a questão prévia suscitada pelo Mº Pº.


A assistente não se conformando com o acórdão proferido nos autos, veio interpor recurso manifestando a sua discordância relativamente à pena concreta que foi aplicada ao arguido, defendendo uma pena “nunca inferior a 22 anos”.
Para tal pretende que a qualificação do crime deve também, resultar da al j) do nº 2 do art. 132º do CPenal, defendendo que o Tribunal deveria ter dado como provado que o arguido comprou a marreta com a finalidade de tirar a vida à JC..., por não admitir que esta colocasse o fim à relação amorosa entre ambos.
Da leitura da motivação do recurso interposto pela recorrente concluímos que esta discorda com a forma como na decisão recorrida foi apreciada a prova produzida em julgamento e as conclusões de convicção probatória a que ali se chegou.
De acordo com o disposto no art 412 nº 3 al b) do Código Processo Penal, a matéria de facto impugnada só pode proceder, quando a recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que “imponham decisão diversa”.
A recorrente não pode fazer o seu julgamento esquecendo a convicção formada pelo tribunal à luz das regras da experiência comum. Se aquela resulta clara destas, demonstradas no exame crítico das provas que a lei lhe impõe (art 374 nº 2 do Código Processo Penal) o raciocínio feito pelo tribunal não pode ceder perante um qualquer outro raciocínio do recorrente. Exige-o o princípio da livre apreciação da prova (art 127 do referido diploma).
A recorrente ao pretender a alteração da matéria de facto pretende que o Tribunal faça tábua rasa às declarações prestadas por SS... e restantes testemunhas. Ora, tal não é indicar provas que imponham decisão diversa.
O Tribunal ao decidir teve em consideração todos os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos. Foi no conjunto de todos os elementos que o tribunal fundou a sua convicção.
O que afinal a recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
De acordo com o disposto no art 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O principio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355 do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
«Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) .Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais ". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234 .
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J. , ano XXV|II, 20 , página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pela recorrente.
O Sr juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando as provas tidas em consideração.
A recorrente com a sua argumentação apenas pretendem e com já se referiu extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
A recorrente faz o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando a recorrente qualquer fundamento válido que a possa abalar.
A recorrente ao impugnar a matéria de facto esquece os elementos de prova nos quais o tribunal se baseou. É no conjunto de todos esses elementos que se fundamenta a convicção e não, apenas, num ou noutro dos mesmos elementos (Rec nº 2541/2003 do Tribunal da Relação de Coimbra).
Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida em julgamento a questão a decidir é a de saber se a escolha do tribunal está fundamentada. Hoje exige-se que o tribunal indique os fundamentos necessários para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado e como não provado.
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
É o juiz de julgamento que tem em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós, neste Tribunal, não temos. O juiz do julgamento tem um contacto vivo e imediato com a todas as partes, ele questiona, ele recolhe todas as impressões e está atento a todos os pormenores.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade congnitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Ora, analisando a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada e, de forma exaustiva faz uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e faz um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. O acórdão recorrido indica de forma clara e na medida do que é necessário, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal.
Sustenta a recorrente que o Tribunal deveria ter dado como provado que o arguido comprou a marreta com a finalidade de tirar a vida à JC..., por não admitir que aquela colocasse o fim à relação amorosa entre ambos. Para tal sustenta que o Tribunal não valorou de forma correcta o depoimento do pai do arguido e que em toda a actuação do arguido houve premeditação.
Ora, da conjugação de todos os depoimentos prestados e documentos junto aos autos não é essa a conclusão a que se chega.
Na verdade e como vem referido na fundamentação o arguido no decurso das declarações que prestou na audiência de julgamento não só negou categoricamente que tivesse adquirido a dita marreta com o propósito de a utilizar para tirar a vida à sua então namorada, como, ainda, deu como explicação para a aquisição da mesma o facto de andar com medo de dois rapazes a um dos quais tinha desferido uns murros e que o tinham ameaçado, tendo comprado a dita marreta para se defender no caso daqueles vierem a concretizar as ameaças que lhe tinham feito.
Estas declarações mereceram ao Tribunal sérias reservas, não só porque a dita marreta, pelas suas características, não é à luz das regras da experiência um instrumento que vulgarmente seja utilizado como meio de defesa de uma pessoa, não só pela dificuldade do seu manuseamento devido ao peso e demais características em caso de ataque eminente, como também pela menor potencialidade e eficácia para a defesa que o mesmo apresenta quando comparado com outros meios de defesa normalmente utilizados – v.g. armas de fogo e vulgares paus – e, também, por nem sequer, representar um tipo de instrumento dos que os jovens da idade do arguido procuram para trazer com eles para eventuais situações de defesa.
Sendo certo que aquando do seu primeiro interrogatório após a sua detenção na sequência dos factos referiu que comprou a marreta para andar na mala do carro, como meio de defesa, caso algo acontecesse, e, ainda, que andava com medo, mas não sabendo esclarecer porquê. Tudo isto, lançou na convicção do Tribunal dúvidas sobre a veracidade das declarações do arguido a respeito dos motivos que efectivamente estiveram subjacentes à compra por ele da dita marreta.
O pai do arguido, a testemunha TS..., referiu que no fim-de-semana anterior ao que precedeu os factos viu, em ZZ..., no carro conduzido pelo arguido a dita marreta e questionou o filho sobre a razão daquela ali se encontrar, obtendo como resposta do arguido a de que andava a ser ameaçado por uns indivíduos porque tinha tido uma discussão com eles numa discoteca por causa da namorada.
No entanto este depoimento e apesar de ter merecido credibilidade ao Tribunal, pela forma concisa e objectiva como tal testemunha depôs, revelando-se isenta ao relatar factos atinentes ao comportamento do arguido, que apesar de ser seu filho, não escondeu do Tribunal e que são reveladores da agressividade deste para os pais quando por eles contrariado, a verdade é que o Tribunal considerou que o mesmo não possui força probatória bastante para se assegurar, sem margem para qualquer dúvida, de que o motivo que lhe foi adiantado pelo arguido para a aquisição da dita marreta – ter sido ameaçado por uns rapazes e ter adquirido a marreta para se defender deles em caso de necessidade - corresponda efectivamente ao verdadeiro motivo subjacente à aquisição daquela, pois, ainda que o arguido tenha adiantado ao pai tal motivo não será de pôr de lado, como hipótese, o facto do arguido assim ter agido para esconder do pai o verdadeiro motivo para a aquisição de tal instrumento.
De igual forma, também a circunstância do veículo do arguido ter sido atingido por uma paralelo no fim-de-semana anterior aos factos, para prova do que o tribunal se estribou da declaração junta a fls. 610, conjugada com as fotografias de fls. 611, com as declarações prestadas pelo arguido na audiência de julgamento que confirmou tais factos, com os depoimentos das testemunhas pais do arguido que corroboraram também tais factos, com o teor das transcrições das mensagens trocadas via sms entre o arguido e a vítima algumas das quais versam sobre tal assunto, e, ainda, com as declarações da assistente que deu a saber que no domingo anterior aos factos a filha lhe relatou que, pelo contacto que nesse dia tinha tido com o arguido via internet, este lhe tinha dito que lhe tinham partido o vidro do carro, não constitui, no entender do Tribunal, prova cabal da versão do arguido trazida à audiência referente às ameaças de que tinha sido alvo como motivo para ter adquirido a marreta, porquanto, não se tendo apurado os exactos contornos que rodearam a fractura do vidro do carro do arguido quando este com ele circulava em plena cidade de ..., é difícil de poder estabelecer qualquer ligação entre tal facto e eventuais ameaças feitas ao arguido, pois, tal situação bem pode ter-se tratado de um evento puramente acidental de alguém que está no lugar errado e à hora errada.
Por outro lado e como bem vem referido na fundamentação não deixa de se estranhar o facto do evento relatado pelo arguido por ele relacionado com as ameaças ter ocorrido, segundo o mesmo, numa discoteca desta cidade e o arguido não ter sido capaz de indicar ao Tribunal alguém que o tivesse presenciado, se não as ameaças em concreto, pelo menos os murros que o arguido alegou ter desferido num dos rapazes que por causa isso depois o ameaçaram, pois que, o arguido apesar de ter adiantado ao Tribunal que tais factos foram presenciados pela testemunha IM… que na altura se encontrava na dita discoteca na companhia da vítima então sua namorada, tal testemunha não confirmou tais factos, como também os mesmos não foram confirmados pela testemunha CC…, que alegando ser segurança da discoteca W... onde e quando o arguido referiu terem acontecido tais factos, referiu não se ter apercebido de qualquer confusão numa noite em que se lembra de ali ter estado o arguido, a vítima e a mencionada testemunha IM…, o que, obviamente, não descarta a possibilidade dessa confusão poder ter existido e dela se não ter a dita testemunha apercebido, visto que nem sempre os seguranças das discotecas se apercebem de tudo quanto nelas se passa, contrariamente ao que tal testemunha quis fazer crer no depoimento que prestou na audiência de julgamento quando referiu encontrar-se num local sobranceiro da discoteca que lhe permitia ver tudo o que nela se passava.
Resta, ainda, dizer que também se estranha que tendo o arguido referido nas suas declarações que um dos dois rapazes que o ameaçaram estudava então na sua escola, não tenha aquele tido a preocupação de apurar a identidade desse rapaz para se prevenir se algo lhe acontecesse no futuro, mas apenas a de comprar um instrumento com as características da marreta apreendida nos autos para se defender de eventuais ameaças que aquele e o outro rapaz viessem a concretizar na sua pessoa, ou, pelo menos, de tentar apurar a identidade desse rapaz para fazer valer no julgamento a sua versão de que a aquisição da dita marreta se prendeu com as ameaças por aquele e também por outro rapaz contra si proferidas.
Da análise global de quanto se deixa dito, resultou duvidosa a comprovação da versão trazida aos autos pelo arguido atinente à explicação por si adiantada para a compra da marreta que utilizou quando desferiu as pancadas na pessoa da JC..., como também resultou de pouca evidência o facto do arguido ter adquirido a dita marreta na data em que essa aquisição ocorreu – 6 de Novembro de 2009 – já com o fito de a utilizar para matar a namorada.
Assim, bem andou o Tribunal ao concluir que “em face das apontadas dúvidas, não resulta seguro que o arguido tivesse formulado a sua intenção de tirar a vida à JC... em momento anterior aquele em que os factos ocorreram, e concretamente no dia em que adquiriu a marreta, e também que não se afigura isento de dúvidas que tenha adquirido a dita marreta para esse fim”.
Por outro lado, atendendo à relação conflituosa que existia entre a vitima e o arguido não é descabido não é descabido a ida do arguido na companhia da JC... para o pinhal, onde os factos vieram a desenrolar-se, na sequência das pazes feitas entre ambos e para ali festejarem essa reconciliação. Tal não se afigura improvável ao Tribunal, não só porque já em muitas outras situações anteriores o arguido e a vítima se haviam zangado e posteriormente reconciliado, como também porque a relação de namoro que os unia se mostrava intensa, a avaliar, não só pelo facto de perdurar há já cerca de 5 anos, como também por ter sobrevivido a várias zangas e outras vicissitudes, a que se seguiram outras tantas reconciliações.
A este propósito, referiu a testemunha IM…, que cerca de um mês antes da morte da vítima se ter deslocado na companhia desta a uma discoteca desta cidade e de ali ter aparecido o arguido a dizer que precisava de falar com a JC..., o que acabou por acontecer - segundo tal testemunha durante cerca de uma hora - após o que a JC... se lhe voltou a juntar, chorando e dizendo que ia para casa e que mais tarde falariam sobre o assunto, acabando por dali sair sozinha, segundo adiantou tal testemunha, vindo mais tarde tal testemunha a questionar a JC..., já na escola, sobre o sucedido tendo apenas obtido desta como resposta que já estava tudo bem.
A testemunha MM..., também esta amiga da JC..., a qual sobre a relação existente entre o arguido e a JC..., adiantou que esta última dizia que o SS...era o amor da vida dela e que o arguido andava sempre agarrado aquela.
Tudo leva a crer que a deslocação do arguido e da vitima para o pinhal acabou por acontecer na sequência da reconciliação havida entre ambos, e não, como caso pensado pelo arguido que para ali atraiu a vítima com vista a for fim à vida desta.
Assim temos que o arguido adquiriu a marreta no dia 6 de Novembro de 2009, facto esse que além de ter sido admitido pelo arguido, se mostra também comprovado pelo teor da venda a dinheiro emitida nessa data, junta a fls. 193, e pelo depoimento do empregado do estabelecimento comercial onde o arguido adquiriu a mesma, testemunha essa que no decurso do seu depoimento confirmou a venda de tal instrumento ao arguido na referida data e a emissão da correspondente venda a dinheiro, bem assim como a dificuldade de manuseamento que, pelas suas características, mormente do peso, tal marreta acarreta.
Ora, do que se deixou dito a respeito do relacionamento de namoro existente entre o arguido e a vítima, nada permite de forma consistente apontar para que esse relacionamento se encontrasse deteriorado na data da aquisição da dita marreta – em 6 de Novembro de 2009 – de tal forma a que o arguido tivesse nessa data já congeminado a ideia de tirar a vida à sua namorada e de para esses efeito ter adquirido a dita marreta.
Dos depoimentos prestados, e restantes elementos probatórios analisados é de concluir que eram frequentes as zangas entre o arguido e a vítima assim como as reconciliações que se lhe seguiam, como até, para o contrário parece convergir o teor das mensagens enviadas pelo arguido à sua então namorada, a mencionada JC..., no período que se segue à referida data de 6 de Dezembro 2009 e até à sexta feira anterior aos factos (dia 13 de Novembro de 2009 ) – data em que efectivamente ocorreu outra zanga entre eles.
Na verdade, escalpelizando o conteúdo das ditas mensagens enviadas via sms pelo arguido para a sua namorada no período compreendido entre a aquisição da dita marreta e a zanga entre ambos ocorrida no dia 13 de Novembro de 2009, a conclusão que irrefutavelmente se impõe é a de que durante esse período a relação entre o arguido e a namorada se pautava por um clima de perfeita e normal harmonia entre namorados, evidenciando-se, de forma incontornável, das transcrições de tais mensagens que através das mesmas o arguido bastas vezes manifestou através das mesmas amor e carinho pela namorada e se mostrou um namorado romântico, o que, de forma alguma, se compadece, à luz das regras da experiência, com a possibilidade de aquando do envio dessas mensagens ter já então o arguido planeado matar a namorada, congeminado a forma de o fazer e ter já comprado a marreta como instrumento por ele eleito para utilizar para concretizar essa morte.
Aliás, paradigmático de que o arguido após a discussão havida entre o mesmo a e namorada na sexta-feira anterior aos factos ainda acreditava numa possível reconciliação entre ambos, parece ser o teor da mensagem enviada pelo mesmo à vitima no dia anterior aos factos, pelas 11 horas, 47 minutos e 17 segundos, cuja transcrição se encontra a fls. 258, através da qual o arguido faz uma apelo à namorada para pararem com a situação em que se encontravam por a mesma não levar a lado nenhum e no sentido de poderem ser felizes, pelo facto de existir carinho entre ambos e mil e um momentos para viver e sorrir, mensagem essa cujo conteúdo, quando conjugado com os demais elementos probatórios analisados, posterga também a ideia de que o arguido quando a escreveu já tinha pensado matar a namorada e já se tinha munido do instrumento com que pretendia levar a efeito a morte da mesma.
A assistente não menciona um só argumento que invalide a fundamentação da decisão de facto exposta pelo Tribunal. Não indica uma só prova que ponha em causa a matéria factual adquirida pelo tribunal.
A assistente o que pretende é que o Tribunal substitua as suas dúvidas pelas certezas da assistente.
E o certo é que perante a prova produzida não se pode concluir que o arguido comprou a marreta com o fim, com a intenção de matar a vítima e que formulou tal propósito no fim-de-semana antecedente aos factos criminosos ou até quando se dirigiu com a JC... para o local do crime.
Perante os factos apurados e a sua motivação não procede a critica da recorrente. Esta esquece a prova produzida e as regras da experiência e sobrevaloriza a sua apreciação subjectiva do que deveria ter sido considerado provado, querendo fazer prevalecer a sua versão dos factos, sem apoio na prova produzida.
É de notar que o juiz da 1ª instância é o juiz da oralidade e da imediação da audiência de julgamento, logo está numa posição que lhe permite apreender as emoções, a sinceridade, a objectividade, as contradições, todas os pequenos gestos que escapam no recurso. Portanto, o juiz do julgamento, em virtude da oralidade e da imediação, portanto, do seu contacto, com arguidos, testemunhas, tem uma percepção que escapa aos juízes do tribunal da Relação.
O Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e critica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.
Do exposto tem este Tribunal de concluir que se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art 131º e 132º, nº 1 e 2 al i) do CPenal.

Quer a assistente, FF…, quer o arguido SS..., põem em causa a pena aplicada.
A assistente entende que o arguido é imputável e que a pena concretamente aplicável à conduta do arguido deveria ser também calculada por referência à norma qualificadora constante na al j) do nº 1 do artº 132º do CPenal.

Como bem vem referido no acórdão recorrido as circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas do nº 2 daquele preceito não serão de aplicação automática, por resultar do nº 1 da mesma norma a exigência, de carácter geral, de que o agente tenha agido com “especial censurabilidade ou perversidade” tratando-se os elementos descritos no nº 2 de meros exemplos que poderão – ou não – preencher a exigência do nº 1, dependendo das circunstâncias concretas do caso (cf Figueiredo dias, “Comentário Conimbricense do Código Penal”,II,,pag, 26)
No art. 132.º do CP o legislador utilizou a chamada técnica dos exemplos-padrão, estando em causa, pelo menos para parte muito significativa da doutrina, no seu n.º 2, circunstâncias atinentes à culpa do agente e não à ilicitude, as quais podem traduzir uma especial censurabilidade ou perversidade do agente Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 27 e Teresa Quintela de Brito, Direito Penal – Parte Especial: Lições, Estudo e Casos, pág.191.
Assim sendo, é possível ocorrerem outras circunstâncias, para além das mencionadas, se bem que valorativamente equivalentes, as quais revelem a falada especial censurabilidade ou perversidade; e, por outro lado, apesar da descrição dos factos provados apontar para o preenchimento de mais alíneas do n.º 2 do art. 132.º, não é só por isso que o crime de homicídio cometido, deverá ter-se logo por qualificado.
A partir da verificação de circunstâncias que o legislador elegeu, com “efeito de indício” (expressão de Teresa Serra, Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena, pág. 126), interessará ver se não concorrerão outros factos que, funcionando como “contraprova”, eliminem a especial censurabilidade ou perversidade do acontecido, globalmente considerado. ( Ac. do STJ de 15-05-2008, Proc. n.º 3979/07 - 5.ª Secção)
O cerne do referido ilícito está, assim, na caracterização da acção letal do agente como de especial censurabilidade ou perversidade face às circunstâncias em que, e como, agiu, ou dito de outro modo, está nas circunstâncias reveladoras ou não de especial censurabilidade ou perversidade que integraram a acção letal do agente.
Como conclui Teresa Serra, in Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, Coimbra, 2003, p. 124:
“3. O critério generalizador do artigo 132º integra um tipo de culpa fundamental que permite caracterizar de forma autónoma a atitude especialmente censurável ou perversa do agente.
4. Só no âmbito de um conceito material de culpa susceptível de graduação, tendo como objecto de referência próprio o maior ou menor desvalor da atitude do agente actualizada no facto, a função de tipos de culpa agravadores da moldura penal pode ser inteiramente compreendida.”
O legislador apesar de optar pela técnica dos exemplos padrão, consubstanciados no artigo 132º funda-se porém “na combinação de um critério generalizador, constituído por uma cláusula geral de agravação penal, com uma enumeração exemplificativa de circunstâncias agravantes de funcionamento não automático” (Ac STJ de 21/10/2009, proc. 589/08.6PBVLG.S1).
Dispõe o artº 132 nº 2 al j) que:
“É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a circunstância de o agente agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas”.
A frieza de ânimo está relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime e é entendida como a conduta que traduz calma, reflexão e sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na execução (ac.STJ de 30/9/99, proc. 36/99-3ª sec.SASTJ, nº33, pg 94.
Como refere o Prof Eduardo Correia em “Direito Criminal, II, 1965, pg 301, “É que, diz-se, tal firmeza, tenacidade e irrevogabilidade de uma resolução previamente tomada revela uma forte intensidade da vontade criminosa. Efectivamente, a circunstância de mediar um grande intervalo de tempo entre o momento em que, definitivamente, a resolução criminosa se formou e a sua execução, ou seja a pertinácia da resolução, a mora habens, mostra não só que o criminoso teve uma larga oportunidade, que não aproveitou, para se deixar penetrar pelos contra-motivos sociais e ético-jurídicos de forma a, pelo menos transitoriamente, desistir do seu desígnio, mas ainda que a paixão lhe endureceu totalmente a sensibilidade e sobretudo que a força de vontade criminosa é de tal maneira intensa que o agente, largo tempo depois de tomar a resolução, pratica o respectivo crime sem hesitação como mero déclancher da decisão tomada prévia e longinquamente. Certo que o critério referido envolve uma relativa margem de incerteza, na medida em que o tempo de permanência de uma resolução previamente tomada, até à sua execução, considerado necessário para revelar uma especial perigosidade ou a possibilidade de uma normal intervenção de contra-motivos, só pode ser fixado por apelo às regras da experiência. Mas isto corresponde à natural fragilidade de todos os conceitos que se relacionam com os factos humanos e pode ser corrigido pela existência formal da fixação de um certo lapso de tempo, especialmente quando à premeditação correspondam efeitos agravantes particularmente graves”.
Ora, no caso vertente, não se apurou que o arguido tivesse adquirido a referida marreta com o intuito de matar a JC..., o que decidiu na altura em que adquiriu a marreta, por não aceitar que esta colocasse fim ao relacionamento amoroso existente entre ambos e que escolheu o pinhal, para onde atraiu a JC... e a escuridão da noite de forma a melhor perpetrara o crime, o qual engendrou simular.
O que resulta dos factos é que o arguido perante a manifestação de vontade da JC... de acabar o relacionamento e uma vez que os ânimos estavam exaltados, o arguido que tem uma personalidade com propensão para acessos irreprimíveis de cólera e com dificuldade de controlar as suas reacções emocionais, foi à bagageira do carro buscar a marreta em ferro e munido dela, aproximou-se da JC..., a qual se virou de costas para o arguido e cruzou os braços à frente do corpo da mesma, depois de se aperceber da marreta nas mãos do arguido e de seguida, este, desferiu-lhe três violentas pancadas.
É evidente, que a conduta do arguido é altamente censurável, mostrando insensibilidade e indiferença pelo valor fundamental que é a vida. Mas, não agiu com frieza de ânimo como sustenta a recorrente. E o facto de o arguido já depois de ver a vitima morta lhe ter colocado um saco na cabeça desta, tendo dado dois nós na zona mentoniana só por si não é sinónimo de revelar frieza de ânimo.(E ter colocado na cabeça um saco e ter dado dois nós na zona mentoniana, consta dos documentos junto aos autos e das declarações prestadas pelo arguido em 1º interrogatório e no relatório da policia judiciária). Na verdade, arguido com as pancadas desferidas atingiu o rosto da vitima, desfigurando-o. O arguido ao tapar o cara da vitima com um saco deixa de ver o rosto da vitima, ocultando assim o seu acto. O arguido após o seu acto está de “cabeça perdida”, descontrolado, cometendo erro, após erro, o que demonstra que não está a agir com frieza de ânimo.
Por outro lado e pelo já exposto temos de concluir que não houve premeditação. Não há prova nos autos de que o arguido quando comprou a marreta o fez já com a intenção de matar a vitima e também não ficou demonstrado que o arguido tivesse intenção de o fazer quando levou a JC... para o local do crime.

O arguido entende que padece e é portador de doença psicopática que determina a sua imputabilidade diminuída, o que, necessariamente, tem particular relevância no que à culpa concerne, diminuindo-a sensivelmente.
Tal como vem referido no acórdão recorrido o arguido possui personalidade anormal psicopática com traços anormais explosivos, que, de acordo com a Classificação Internacional das Doenças da O.M.S., se caracteriza por:
- condutas anormais persistentes, de carácter profundo, que se manifestam já na adolescência, por vezes antes, e prosseguem durante a vida de adulto, com tendência a diminuírem de expressão na meia idade e na velhice, condutas anormais essas que se traduzem em perturbações do comportamento, que causam sofrimento ao indivíduo ou nos que o rodeiam e que acarretam consequências nocivas quer para o indivíduo quer para a sociedade; e
- instabilidade do humor, com propensão para acessos irreprimíveis de cólera, ódio, violência ou irrupções de afectos intensos, exprimindo-se a violência ou verbalmente ou por actos violentos, não controlando os indivíduos com facilidade tais acessos e fora disso sem tendência a exibir comportamento anti-social.
Por força de tal personalidade, em situações problemáticas, indutoras de maior stress, as acções do arguido de tomada de decisão e/ou a resolução de problemas são habitualmente alvo de forte interferência por parte das emoções e sentimentos, com rigidez de pensamento, e sérias limitações quando se trata de rever e alterar atitudes ou opiniões ou mesmo quando é necessário adoptar outra perspectiva que não a sua, evidenciando dificuldades em controlar as suas reacções emocionais e diminuição de mecanismos defensivos eficientes para fazer face aos conflitos agindo de forma impulsiva com comportamentos agressivos.
Do ponto de vista emocional o arguido apresenta um modo de funcionamento revelador de baixa auto-estima, emoções disfóricas e ansiedade.
Contudo e de acordo com a avaliação clínico-psiquiatrica efectuada o arguido é imputável.

Sustenta o arguido que a pena aplicada peca por exagerada e a assistente entende que a mesma peca por módica.
A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C. Penal.
O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”
Aduz o mesmo Ilustre Professor –As Consequências Jurídicas do Crime, §55 que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida’”.
Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – in ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”
Ou, e, em síntese: “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.
Como vem referido no AC do STJ de 21/10/2009 acima citado, e que seguiremos de perto: “A função da culpa encontra-se consagrada no artº 40º nº 2 do Código Penal que estabelece: Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
É no âmbito do exposto, que o Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.
Como resulta, v. g. do Ac. do Supremo de 15-11-2006, Proc. n.º 3135/06 - 3.ª Secção, o modelo de prevenção acolhido pelo CP - porque de protecção de bens jurídicos - determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
O nº 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece: Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b)A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados”.
No caso vertente há considerar que a vitima era namorada do arguido pelo menos há cinco anos, que o arguido usou uma marreta como instrumento de morte da própria namorada, que confiava nele e que não deixa á vitima qualquer hipótese de defesa, a actuação do arguido depois de matar a namorada. Este, não pede auxilio, não se entrega às autoridades, tenta ocultar a sua conduta. Todo a actuação do arguido não diminui a sua culpa como o arguido pretende mas sim, a agrava, já que revela uma personalidade mal formada e desconforme aos valores da sociedade.
Assim, valorando a matéria fáctica provada nos termos do artº 71º nºs 1 e 2 do CP, há que ter em conta:
O grau de ilicitude do facto: o mais elevado, pois que a violação do direito à vida é o bem primeiro, o suporte de todos os bens da tutela jurídica;
O modo de execução: toda a actuação do arguido.
A gravidade das consequências: atinentes à quantidade, natureza e características das lesões que directa e necessariamente produziram a morte.
A intensidade do dolo: específico, pois que o arguido quis atingir a JC..., sua namorada, de forma a retirar-lhe a vida, fim que conseguiu alcançar.
O arguido manifestou indiferença pela vida da JC... com quem tinha namorado durante cinco anos.
Os motivos e fins determinantes: agiu revoltado e descontrolado por a JC... pretender terminar o relacionamento existente entre ambos.
O arguido confessou no essencial os factos descritos.
A conduta anterior e posterior ao facto: Do seu certificado de registo criminal nada consta.
“A prevenção geral atinge as suas exigências mais prementes ou mais elevadas, o seu expoente máximo de maior intensidade dissuasora na punição do crime de homicídio, em que a reposição contrafáctica da norma violada pressupõe o restabelecimento da confiança da comunidade na norma violada, pois que ninguém se sentirá seguro, nem haverá sociedade que subsista se a punição das actuações homicidas ficar aquém da necessidade, forem inadequadas ou desproporcionais ao âmbito de protecção da norma na defesa e salvaguarda da vida humana”.
Por sua vez, as exigências de prevenção especial, mostram-se intensas, na medida em que o arguido demonstrou ter uma personalidade que não respeita os valores humanos, age emotivamente, com pouca capacidade de controlo e é bastante agressivo.
A culpa do arguido, por sua vez, é muito elevada, traduzindo qualidades especialmente desvaliosas em termos de relevância jurídico-penal, pelo desvalor da acção que quis empreender e do desvalor do resultado que procurou e conseguiu atingir.
As circunstâncias anteriores, contemporâneas e posteriores ao crime, constantes da matéria de facto provada não diminuem a ilicitude do facto nem a culpa do arguido, para que a pena mereça ser atenuada.
Do exposto temos que a pena aplicada mostra-se justa, equilibrada e proporcional.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente os recursos, mantendo-se o douto acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes fixando-se a taxa de justiça em 10 ucs.

Alice Santos (Relatora)
Belmiro Andrade