Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
749/11.2TJCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: RENÚNCIA AO MANDATO
EMBARGOS
SENTENÇA
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 12/06/2011
Votação: UNANIMIDADE NA VOT DA DEC
Tribunal Recurso: COIMBRA 1º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 39.º N.º 3 E 494.º H) DO CPC
Sumário: I – O credor que deduz embargos à sentença de declaração de insolvência não pode ser, para os efeitos do artigo 39.º n.º 3 CPC, considerado como autor.

II - A excepção dilatória prevista no artigo 494.º h) CPC só ocorre quando a parte se apresenta em juízo sem estar devidamente patrocinada por um advogado; quando intervém inicialmente no processo com mandatário constituído e, só mais tarde, ou por renúncia ou por revogação do mandato, passa a estar desacompanhada de causídico, a questão já é, então, resolvida segundo o regime estabelecido no artigo 39.º CPC.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

No processo de insolvência, que corre termos na comarca de Coimbra, em que foi declarada insolvente A... L.da foram deduzidos embargos à respectiva sentença pela credora B... L.da.

Admitidos liminarmente, foi pela insolvente e pelo Administrador da Insolvência apresentada contestação, onde sustentam a improcedência dos embargos.

Posteriormente foi apresentado pelo Ilustre Mandatário da embargante um requerimento em que afirma:

" C..., advogado constituído através da procuração outorgada pela credora B..., LDA, Requerente nos embargos à sentença declaratória da insolvência de A..., LDA, Vem declarar a sua renúncia ao mandato judicial conferido pela sua constituinte na dita procuração, renúncia que se estende à intervenção no processo principal e nos demais apensos, designadamente no apenso de verificação de créditos".

É então notificada a embargante desta renúncia e de que "sendo obrigatória a constituição de mandatário, deverá, no prazo de vinte dias, constituir novo mandatário, - art.º 39º, nº3 do Código de Processo Civil, sob pena de:

- ser ordenada a suspensão da instância, se a falta for do autor;

- o processo prosseguir seus termos aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado, se a falta for do réu".

Nada tendo feito a embargante na sequência desta notificação, pelo Meritíssimo Juiz foi proferido despacho em que decidiu que "atendendo à renuncia do mandato e ao decurso do prazo para constituição de novo mandatário, nos termos do disposto no art.º 39º, n.º 3 do C. P. Civil declaro suspensos os presentes autos."

Inconformados com tal decisão, a insolvente e o Administrador da Insolvência dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos dos embargos e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1. O despacho de fls., deve ser revogado

2. Por requerimento de fls. ajuizado Via CITIUS em 15.07.2011, e endereçado ao apenso de embargos à insolvência (Proc. n.º 749/11.2TJCBR-B, do 1.º Juízo Cível de Coimbra) veio o Ilustre Causídico Dr. C..., mandatário da embargante B... Lda, renunciar ao mandato que lhe foi conferido por esta

3. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39.º n.ºs 1 e 3, do CPC, a refenda B... não constituiu novo mandatário.

4, Nesse conspecto, e fazendo uso do disposto no n.º 3 do artigo 39.º do CPC, proferiu o Tribunal recor-ido o desoacho de fls. de 17082011, no qual se exarou que "Atendendo à renúncia do mandate e ao decurso do prazo para constituição de novo mandatário, nos termos do disposto no art.º 39.º, n.º 3 do CPCívil declaro suspensos os presentes autos",

5. Ora, o certo é que, na hipótese dos autos - e na senda da avisada jurisprudência que vem sendo produzida pelos nossos mais Altos Tribunais -, não deve aplicar-se a solução plasmada no n.º 3 do artigo 39.º do CPC,

6. Na medida em que tal solução é contrária ao direito, pondo em causa as finalidades subjacentes ao processo especial de insolvência

7. O processo de Insolvência, como resulta do artigo 1.º do CIRE é "(…) um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente."

8. Os embargos à insolvência configuram um incidente da instância que é autuado e tramitado por apenso à acção principal de insolvência, cf. artigo 41.º, n.º 1 do CIRE.

9. Nos termos do n.º 3 do artigo 40.º do CIRE, "A oposição de embargos à sentença declaratória da insolvência, bem como o recurso da decisão que mantenha a declaração, suspende a liquidação e partilha do activo sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 158.º".

10. É possível estabelecer - para os efeitos e economia do presente recurso - um paralelismo lógico, teleológico e etiológico entre a relação insolvência/embargos e execução/embargos de terceiro.

11. Com efeito, a execução comum para o pagamento de quantia certa é um processo de execução singular.

12. Os embargos de terceiro são autuados por apenso à acção executiva (cf. n.º 1 do artigo 353.º do CPC), sendo que, o despacho que receba os embargos "(…) determina a suspensão nos termos do processo em que se inserem, quanto aos bens a que dizem respeito (…)", cf. artigo 356.º do CPC.

13. Efeitos em tudo semelhantes aos que estão previstos para o ajuizamento dos embargos à insolvência. Ou seja fica suspensa a liquidação do património do devedor.

14. Em jeito de conclusão, podemos dizer que os interesses subjacentes ao processo executivo (note-se, à execução comum para pagamento de quantia certa) são sublinhados e vincados no processo de insolvência, que é um "processo de credores", onde se visa, em primeira linha, a satisfação dos interesses dos credores

15. De resto, é isso mesmo que resulta da exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18.03 que aprovou o CIRE, no qual se pode ler (cf. ponto 3, 1.º §) que "O objectivo precípuo de qualquer processo de Insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores",

16. Seja pela via da liquidação do património insito na massa insolvente, seja pela viabilização do devedor ("maxime', através da aprovação de um plano de insolvência)

17. Como é de resto sabido, ao processo de Insolvência subjaz um importante princípio: o do interesse público na preservação do bom funcionamento do mercado (cf. § 4.º do conto 3 da exposição de motivos do Decreto-Lei n.º 53/2004),

18. Ora, os nossos mais Altos Tribunais - com especial enfoque para o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) - têm-se detido sobre a questão da renúncia ao mandato operada no âmbito do incidente de oposição mediante embargos de terceiro, mais concretamente sobre os efeitos da mesma. Dito de outra forma, aplica-se, sem mais, o disposto no n.º 3 do artigo 39.º do CPC, determinando-se a suspensão da instância? Se assim for, e se não houver oportuna constituição de novo mandatário, poderá o processo de execução (singular) eternizar-se?

19. A esta candente questão responde o Ac. do TRG de 20.012011, tirado no processo n.º 2318/03.1TBFLG-B.G1 relatado pela Exm.ª Sra Juíza Desembargadora Raquel Rêgo disponível em http://wwwdgsi.pt (último acesso em 30.08.2011).

20. O entendimento professado pelo douto Acórdão retro identificado foi posteriormente subscrito por novo aresto, este proferido no processo n.º 2318/03.1TBFLG-D.G1, de 22.02.2011, do TRG, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador Augusto Carvalho, disponível em http://wwwdgsi.pt (acedido pela última vez em 30.08.2011)

21. Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, o argumentário expendido nos referidos Acórdãos, aplica-se, "mutatis mutandis", à hipótese "sub iudice".

22. É evidente a analogia das duas situações, sendo que os interesses que reclamam que a não constituição de mandatário no prazo de 20 dias previsto no n.º 3 do artigo 39.º do CPC dê lugar à extinção dos embargos de terceiro (e não à suspensão da instância) são igualmente divisáveis na relação que se estabelece entre o processo especial de insolvência (i.e., a acção principal) e os embargos à insolvência.

23. De resto, são divisáveis de uma forma (bem mais …) reforçada

24. Assim, por argumento analógico, teleológico e por maioria de razão (argumento "a fortiori"), se à renúncia ao mandato operada no âmbito dos embargos de terceiro - por parte do mandatário do embargante - não pode aplicar-se o disposto no n.º 3 do artigo 39.º do CPC, ou seja, a suspensão (sem mais .. ) da instância.

25. Então menos ainda se pode justificar tal solução num processo global de credores, em que em causa está, em 1.ª linha, o interesse público de saneamento económico do mercado e do tecido empresarial

26. Com efeito, suspensa a instância dos embargos à insolvência, suspensa fica a liquidação e partilha do activo do devedor nos termos do n.º 3 do artigo 40.º do CIRE.

27. Assim, importa ter em consideração o seguinte trecho do Aresto acima transcrito: "Dado terem a virtualidade de suspender a execução, a falta de constituição de novo mandatário por pa1e do embargante após renúncia, não pode conduzir à suspensão da instância dos embargos por se traduzir em fim contrário à lei."

28. Logo, a falta de constituição de novo mandatário por parte da embargante B... - após renúncia do Patrono primitivo - não pode conduzir à suspensão da instância nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do CPC

29. Por tal constituir uma solução contrária ao direito.

30. Assim, impõe-se a revogação do despacho recorrido de fls.

31. E a sua substituição por outra decisão.

32. Com efeito, na PI de embargos de fls. foi atribuído ao presente incidente o valor de 30.000,01€.

33. Assim, e tendo presente o disposto nos artigos 16.º e 17.º do CIRE, é obrigatória a constituição de mandatário por parte da embargante (cf. artigo 32.º, n.º 1, al. a), do CPC) .

34. Pelo que, tendo a embargante B... sido notificada, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 39.º do CPC para constituir novo mandatário, não o tendo feito. verifica-se uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que deve conduzir à absolvição da instância dos embargados (i.e., da insolvente e do respectivo administrador de insolvência), nos termos e para os efeitos conjugados dos artigos 288.º, n.º 1, al. e) e 494.º, al. h), ambos do CPC

35. O que se requer,

36. Com efeito, na ponderação de interesses e na harmonização de direitos que o "ius dicere" reclama, não pode fazer-se prevalecer o interesse de um alegado/putativo credor - B..., cujo "crédito" não foi reconhecido e é sobejamente litigioso - sobre os interesses da colectividade de credores e do tráfico (e tecido) económico.

37. Ao aceitar-se a pura e simples suspensão da instância permite-se que um putativo credor consiga paralisar, em grande medida, o normal andamento do processo de insolvência, evitando o trânsito da respectiva decisão, bem como a liquidação e partilha do activo em especial. e todos os actos e trâmites por natureza incompatíveis com a falta de trânsito da decisão de insolvência, em geral.

38. Assim, a tese subscrita (ainda que Implicitamente,) pelo despacho recorrido não pode vingar

39. A aplicação, "in casu", da solução previsto no n.º 3 do artigo 39.º do CPC contaria o sentir profundo do direito, conferindo uma injustificada vantagem a uma das partes nos autos, que assim faz refém a colectividade dos credores pondo em causa os destinos da Insolvente e da respectiva massa insolvente.

40. Ou seja, suspendendo-se a instância, suspendem-se os embargos, impede-se o trânsito da declaração judicial de insolvência e embaraça-se, injustificadamente, a tramitação do processo

41, Tudo sem qualquer fundamento visível.

42. Ou seja, um prémio injusto para um credor "litigioso" que se alheia (intencionalmente, quiçá …) do processo por si instaurado.

43 Assim, e com todos os fundamentos retro invocados, deve revogar-se o despacho de fls. substituindo-se tal decisão por outra que absolva os embargados da instância (i.e. , dos presentes embargos à insolvência retro epigrafados), declarando a extinção da mesma.

44. Podendo assim a acção especial de insolvência, naturalmente, e como é de direito, prosseguir os seus ulteriores termos transitando a sentença de Insolvência de tis.

45. Tudo com as legais consequências.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[1], as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:

a) face à renúncia ao mandato, por parte do então Ilustre Mandatário da embargante Dr. C..., a instância deve ser suspensa nos termos do artigo 39.º n.º 3;

b) "tendo a embargante B... sido notificada, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 39.º do CPC para constituir novo mandatário, não o tendo feito, verifica-se uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que deve conduzir à absolvição da instância dos embargados (…), nos termos e para os efeitos conjugados dos artigos 288.º, n.º 1, al. e) e 494.º, al. h), ambos do CPC."[2]


II

1.º


Os factos a considerar são os que resultam do já exposto no relatório que antecede e ainda que na procuração junto a estes autos[3] consta que "E..., na qualidade de gerente e em representação da sociedade comercial B..., Lda, (…), declara que constitui bastantes procuradores da sua representada C... e D... advogados de C... & Associados, Sociedade de Advogados (…), a quem confere todos os poderes forenses em Direito permitidos, inclusive os de substabelecer, podendo agir individualmente sem respeitar a ordem indicada, que não é de nomeação sucessiva, e receber quaisquer importâncias e cheques judiciais relativos ao litígio e a custas de parte."

2.º

Como já se viu, na decisão recorrida o Meritíssimo Juiz a quo limitou-se a dizer que "atendendo à renuncia do mandato e ao decurso do prazo para constituição de novo mandatário, nos termos do disposto no art.º 39º, n.º 3 do C. P. Civil declaro suspensos os presentes autos."

Apesar de não se chegar a afirmar expressamente neste sucinto despacho, parece claro que ele tem por subjacente um facto e uma qualificação de direito, pois, sem esses dois pressupostos o decidido não fazia qualquer sentido.

O facto consiste em se ter considerado que com a renúncia ao mandato por parte do Dr. C... a embargante deixou de estar representada por um advogado.

Já a qualificação de direito traduz-se no entendimento de que, para os efeitos do artigo 39.º n.º 3, a embargante assume a posição de "autor".

Será que são ambos verdadeiros?

Tendo a procuração emitida pela embargante sido passada em favor do Dr. C... e (também) da Dr.ª D... e tendo somente aquele renunciado ao respectivo mandato, fácil é de concluir que a embargante continua a ter mandatário nos autos. Significa isso, que não se verifica um dos pressupostos em que radica o despacho recorrido.

No que se refere ao segundo deles, temos que ter presente que os embargos à sentença declaratória de insolvência consistem num meio de oposição ou de reacção a essa decisão.[4]

"A sentença de declaração de insolvência pode ser impugnada tanto por via de embargos (arts. 40.º e 41.º) como por via de recurso (art.42.º). A impugnação por via de embargos funda-se na alegação pelo embargante de factos ou indicação de meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência."[5] Com efeito, "os embargos têm como finalidade o afastamento dos fundamentos da declaração de insolvência"[6] e eles "serão necessariamente fundados em razões de facto – novos factos alegados ou novas provas requeridas."[7]

Ora, o n.º 3 do artigo 39.º dispõe que "nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de vinte dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor; se for do réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado."

O preceito está redigido com excessiva simplicidade face à complexidade de alguns processos, pressupondo uma lide a dois, em que de um lado está um autor, que se identifica sem qualquer dúvida, e do outro um réu, que como tal se apresenta de forma evidente.

Sucede que em alguns processos, e o caso do de insolvência é a esse nível um bom exemplo[8], intervêm um conjunto vasto de sujeitos processuais, uns com interesses paralelos, outros antagónicos e alguns com interesses pontualmente coincidentes, onde podem ser deduzidos inúmeros incidentes e meios de oposição, com maior ou menor autonomia, em relação ao processo principal, nomeadamente correndo por apenso a ele, não emergindo desta teia processual como uma evidência quais deles são, para os efeitos daquele n.º 3, os autores e os réus.

O n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil diz-nos que "a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada", e o seu n.º 3 impõe que na interpretação dos textos legais "o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas". E, "não se sabendo ao certo qual tenha sido a vontade do legislador efectivo, é natural imaginar-se que ele entendeu a lei tal como a teria entendido um bom legislador."[9] As palavras em que o legislador se expressa "têm por trás de si um espírito, uma alma, e só quando a lei é vista no conjunto dos dois aspectos é que pode ser perfeitamente conhecida."[10]

Neste contexto, a alusão a "autor" que se encontra no n.º 3 do artigo 39.º tem que se entendida como abrangendo somente aquele que em primeiro lugar se apresentou em juízo, instaurado uma acção, formulando aí uma pretensão activa, dando, desse modo, início a um processo para o qual podem vir a ser chamados inúmeros sujeitos processuais, com interesses coincidentes ou opostos, no seu todo ou em parte, e onde alguns até intervêm sem sequer terem um interesse próprio, como é o caso do Administrador da Insolvência ou, no processo executivo, do Solicitador de Execução.

Nessa medida, imaginando que o legislador "entendeu a lei tal como a teria entendido um bom legislador", para este efeito, não pode ser tido como autor quem no processo apenas reage e se opõe ao que nele vai acontecendo, desencadeando incidentes ou meios de oposição, de natureza defensiva, como sucede com o executado quando se socorre da oposição à execução ou à penhora. Por estes motivos, está em igual situação o credor que, no processo de insolvência, ataca essa declaração pela via de embargos.

Dito com a simplicidade das coisas verdadeiras, a embargante não pode, no âmbito do n.º 3 do artigo 39.º ser qualificada como sendo autor; tem, estando nós limitados à linguagem rudimentar do preceito, que ser vista como réu.

Portanto, se nos embargos à declaração de insolvência a embargante estivesse sem mandatário (que como se viu não é o caso dos autos), e notificada para constituir um outro nada fizesse, à luz do disposto naquele n.º 3 "o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado,"[11] não havendo, nesse cenário, motivos para se suspender a instância.

Aqui chegados, conclui-se que não se verificam os dois pressupostos, acima enunciados, em que assentou o despacho recorrido[12], pelo que se não pode acompanhar a decisão do Meritíssimo Juiz a quo.

Por outro lado, salvo melhor juízo, a excepção dilatória prevista no artigo 494.º h) só ocorre quando a parte se apresenta em juízo, a instaurar a acção ou a contestá-la, sem estar devidamente patrocinada por um advogado[13]; quando intervém inicialmente no processo com mandatário constituído e, só mais tarde, ou por renúncia ou por revogação do mandato, passa a estar desacompanhada de causídico, a questão já é, então, resolvida segundo o regime estabelecido no artigo 39.º, o mesmo é dizer que nestes embargos não estaremos perante a excepção dilatória do artigo 494.º h) se a embargante, por renúncia ou revogação do mandato, vier a ficar sem advogado, na medida em que ela constituiu mandatário quando os deduziu.

Aqui chegados, conclui-se que não há fundamento para, nos termos do artigo 39.º, se ter suspendido a instância destes embargos, devendo eles prosseguir.


III

Com fundamento no atrás exposto julga-se procedente o recurso, pelo que se revoga a decisão recorrida e se determina que os embargos retomem a sua marcha.

Sem custas.

António Beça Pereira (Relator)

Nunes Ribeiro (por discordar de um dos fundamentos da decisão, declarou só votar a decisão)

Hélder Almeida


[1] São do Código de Processo Civil, na sua versão posterior ao Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto, todos os artigos adiante citados sem qualquer outra menção.
[2] Cfr. conclusão 34.ª.
[3] Cfr. folha 30.
[4] Cfr. artigos 40.º e 41.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[5] Menezes leitão, Direito da Insolvência, 2.ª edição, pág. 225.
[6] Maria do Rosário Epifânio, Manual de direito da Insolvência, pág. 51.
[7] João Labareda e Carvalho Fernandes, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, pág. 209.
[8] O mesmo acontece com o processo de inventário.
[9] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 29 e 30.
[10] Inocêncio Galvão Teles, Introdução ao Estudo do Direito, Vol. I, 11.ª Edição, pág. 235.
[11] O mesmo acontece na oposição à execução se o executado, pela via da renúncia ou da revogação do mandato, ficar sem mandatário.
[12] Sendo certo que era suficiente que não ocorresse apenas um deles para que já não houvesse fundamento para a suspensão da instância que foi decretada.
[13] Aplicando-se nessa altura o disposto no artigo 33.º se a parte persistir em não constituir mandatário.