Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
244/04.6TBSPS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
ERRO SOBRE A BASE DO NEGÓCIO
RENÚNCIA
DESISTÊNCIA
Data do Acordão: 02/01/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SÃO PEDRO DO SUL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.217, 247, 251, 252, 809, 813, 1229 CC
Sumário: I. Há erro sobre a base do negócio (art. 252/2 do CC) independentemente de o declaratário conhecer ou dever conhecer a essencialidade para o declarante, das aludidas circunstâncias e, por maioria de razão, sem necessidade de as partes se mostrarem de acordo quanto a essa essencialidade.

II. A renúncia abstracta aos direitos derivados do erro é sempre inválida.

III. Se o dono da obra fecha o acesso à obra e depois apenas permite que os trabalhadores do empreiteiro retirem as ferramentas, verifica-se uma desistência da empreitada.

Decisão Texto Integral:               Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:

              A (…) intentou em 01/07/2004 a presente acção ordinária contra O (…) e mulher I (…) e D (…), pedindo que os réus fossem condenados a: [o autor “ampliou” o pedido na audiência de julgamento de 26/03/2008, fls. 223, como se verá abaixo, o que foi admitido por despacho de fls. 259, transitado em julgado (os réus recorreram mas depois não apresentaram alegações); as alterações ficam sublinhadas e uma expressão retirada do pedido fica ainda entre parênteses recto e itálico]
         a) reconhecer a validade do contrato referido nos itens 20º e seguintes da petição e, por via disso, que rescindiram o contrato de empreitada com o autor e que se obrigaram a pagar-lhe a quantia de 30.000€, acrescida da cláusula penal de 75€ por dia; não sendo assim decidido, devem os primeiros réus ser condenados a
         b) reconhecer que o 1º réu abandonou a obra sem a ter con-cluído, encontrando-se em autêntico incumprimento, determinan-do-se ter havido resolução contratual, e consequentemente,
         c) reconhecer que o 1º réu recebeu a quantia de 39.500€, ten-do apenas gasto a quantia que em peritagem se vier a apurar mas nunca superior a 10.000€;
         d) pagar ao autor a diferença entre o recebido e gasto na referida obra;
         e) pagar ao autor as quantias de 9.586,80€, 500€, [6.825€], 936,42€ e 582€, a título de prejuízos sofridos pelo autor pela não conclusão em tempo da obra por parte do réu;
         f) pagar ao autor todos os prejuízos que advierem da não con-clusão das obras a partir da instauração desta acção, nomeadamente rendas, água, luz, bem como o diferencial entre os 47.000€ orça-mentados e os 65.000€ efectivamente pagos pelo autor ao novo empreiteiro e outras.

              Alega, em síntese, que vive em união de facto com (…)e que no decurso desta relação procuraram restaurar uma casa de habitação sua propriedade pelo que solicitaram ao 1º réu que elaborasse um orçamento para a reconstrução daquela casa, o que este fez, em Setembro de 2002, apresentando uma proposta no valor de 47.000€ que foi aceite pelo autor, tendo, em consequência, adjudicado a obra ao réu nos termos constantes do contrato junto aos autos da providência cautelar apensa nos termos do qual o pagamento seria efectuado em três prestações correspondentes a três fases de construção e a obra seria entregue em meados de Julho de 2003.

              Mais alega que, por intermédio da sua companheira, entregou ao 1º réu a quantia de 39.500€ mas o réu não concluiu a obra no prazo acordado, acres-centando que, a partir de Maio de 2003, o 1º réu nunca mais fez qualquer serviço na obra, nem deu sinais materiais de a querer concluir, tendo a sua companheira, com o seu consentimento e por sua indicação, por carta de 21/08/2003, recebida pelo 1º réu em 25/80/2003, procedido à interpelação deste para que cumprisse o contrato, concedendo-lhe uma prorrogação do prazo para a conclusão da obra até ao dia 15/12/2003.

              Alega ainda que o 1º réu nunca mais quis saber da obra e com receio de que ele fizesse desaparecer todo o seu património deu entrada de uma providência cautelar de arresto que não mereceu o respectivo deferimento, acrescentando que, ainda antes do autor ter conhecimento da respectiva decisão, o 2º réu e uma prima se deslocaram à sua residência e da sua companheira com vista a negociarem a situação, assumindo-se aquele 2º réu, nessa altura, como garante da dívida do 1º réu, na sequência do que foi celebrado um contrato denominado confissão de dívida e acordo de pagamento no qual os réus se declararam solidariamente devedores ao autor, na pessoa da sua companheira que o representava, da importância de 30.000€ que se comprometeram a liquidar no prazo de 45 dias, a partir do dia 27/01/2004, assim como se obrigaram, a título de cláusula penal, a pagar ao autor a 75€ por cada dia de atraso no pagamento integral da referida importância, rescindindo o contrato de empreitada e acordando que o autor pode-ria, a partir de então, contratar terceiros para realizar e concluir as obras, obri-gando-se este imediatamente a pôr termo à providência cautelar.

              Mais alega que os réus não cumpriram o acordado invocando um pre-tenso vício do contrato por, supostamente, o autor ter tido conhecimento da deci-são do arresto e nada lhes ter transmitido, acrescentando que desconheciam por completo a decisão da referida providência e que, embora o seu mandatário da altura pudesse ter tido eventualmente conhecimento da decisão, o certo é que não o transmitiu ao autor.

              Alega também que, seja como for, o 1º réu é devedor para com o autor das importâncias recebidas a mais do que os serviços prestados na obra, que dis-crimina, no valor de 10.000€, acrescentando que teve de contratar outro emprei-teiro, com conhecimento e anuência dos réus, que fizesse e concluísse as obras, a quem pagou a quantia de 65.000€, ou seja, mais 18.000€ do que o previsto, além de que teve de se socorrer de novo empréstimo bancário no montante de 30.000€, suportando encargos bancá-rios no valor de 9.586,80€, terá de despender mais de € 500 na limpeza do caminho, pagou a quantia de 936,42€, referente a seis meses de rendas, que não teria pago se a obra tivesse sido terminada até 15/12/2003, tem os seus pais em casa de um cunhado, por não ter condições na casa que ainda habita com a companheira, a quem paga uma prestação mensal de 75€ e paga água e luz de duas casas com o que sofre um prejuízo mensal de 97€, o qual ascende já ao montante de 582€.

              Os réus contestaram impugnando os factos alegados e susten-tando que o orçamento inicial foi alterado, por acordo das partes, para 112.500€, o qual incluía o valor de trabalhos a mais, tendo iniciado as obras nos primeiros dias de Outubro e acrescentando que não concluiu a obra no prazo contratado porque a mesma, com a concordância do autor, não foi iniciada na data prevista, assim como o autor também não efectuou os pagamentos nos prazos contratados e exigiu alterações que representaram um gasto elevado de tempo e materiais.

              Mais alegam que o autor, em Maio de 2003, expulsou da obra os traba-lhadores do réu e fechou a obra, assim como remeteu a carta aludida na petição mas o 1º réu não podia aceitar o prazo fixado pelo autor porque, entretanto, tinha retomado a execução de outras obras para as quais assumira compromissos de prazos, acrescentando que, em Novembro de 2003, a companheira do autor procu-rou aliciar o 1º réu para recomeçar a obra com o pagamento da quantia de 1.000€ e nos dias seguintes o 1º réu ainda deslocou pessoal para a obra mas surgiu outro conflito devido ao facto de a companheira do autor passar a invocar junto do réu que iria castigá-lo com uma indemnização pelo atraso na obra, o que levou a que este exigisse uma clarificação da situação com a elaboração de um documento escrito com a renegociação dos prazos, o que o autor não quis.

              Alegam também que, apesar de já terem conhecimento do indeferimento do procedimento cautelar, o autor e a sua companheira dirigiram-se a casa do 1º réu dizendo que no dia seguinte iriam arrestar todos os seus bens porque tinham ganho uma providência cautelar, induzindo, assim, os réus na ideia de que tinham obtido ganho no procedimento cautelar, tendo o 2º réu, que se assumiu como garante da dívida, criado a convicção de que o seu irmão havia sido condenado por sentença judicial na sequência do que se disponibilizou a garantir o pagamen-to da dívida, acrescentando que se tivessem conhecimento de que não existia qual-quer sentença judicial, ou de que a providência cautelar tinha sido julgada impro-cedente, jamais teriam assinado o documento em causa pelo que a declaração que dele consta é nula, o que invocam para os devidos e legais efeitos.

              Concluíram dizendo que as excepções invocadas devem ser julgadas pro-cedentes com as legais consequências ou, quando assim se não entenda, a acção deve ser julgada improcedente com a sua absolvição dos pedidos formulados.

              Replicou o autor mantendo a posição assumida na petição inicial.

              (utilizou-se, até aqui, no essencial, o relatório da sentença recorrida)

              Na audiência de discussão e julgamento o autor deduziu ampliação do pedido nos seguintes termos (acta de fls. 223 a 225):
         o autor pede a ampliação do pedido nos termos do art. 273 nº 2 do CPC, de forma a que no final da alínea A) do mesmo seja acrescentado o seguinte: "não sendo assim decidido, devem os primeiros réus ser condenados a" e que no final da alínea B) seja acrescentado o seguinte: "determinando-se ter havido resolução contratual, e consequentemente," e na alínea F) devendo acrescer-se imediatamente a seguir a luz ", bem como o diferencial entre os 47 000€ orçamentados pelo primeiro réu e os 65 000€ efectivamente pagos pelo autor ao novo empreiteiro".
         O ora pretendido não é mais do que mera consequência e/ou desenvolvimento do pedido primitivo, resultando ainda, essencialmente o acrescento requerido à alínea B) de confissão dos réus inserta no art. 46º da contestação.
         Requer também a rectificação da alínea E) do pedido, de forma a tirar daí o valor de 6 825€, uma vez que o mesmo já está incluído na alínea A) do petitório.

              Esta ampliação do pedido foi admitida por despacho de fls. 259, com a oposição dos réus.

              Depois foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos contra eles formulados.

              O autor recorreu desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
         1. A anulação do negócio com base em erro sobre os motivos ou sobre a base negocial tem como pressuposto que as partes hajam reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo (art. 252º do CC).
         2. A anulação exige, no mínimo, que a outra parte conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade do motivo ou do elemento em que incidiu o erro (como resulta dos arts. 247º e 251º do CC).
         3. No caso dos autos, a matéria apurada é completamente omissa a respeito dos indicados pressupostos, ficando a anulação sem base legal; ademais, na espécie, o direito de anulação está excluído por cláusula expressa do próprio contrato em causa (cláusula 6ª).
         4 A desistência da obra, por parte do dono, é extraída de factos inconcludentes que não comprometem o autor pessoalmente, além de ser incompatível com outros factos provados, quer um pagamento posterior à suposta desistência, quer uma interpelação formal para o cumprimento, passado quatro ou cinco meses (art. 1229º).

              Os réus contra-alegaram defendendo a improcedência do recurso.

                                                                 *

              Questões que importa decidir: a da existência dos pressupostos necessários à anulação, por erro nos motivos, do contrato de regulação do conten-cioso (como lhe chama o autor nas alegações); o valor da cláusula de exclusão do direito de anulação; se o autor desistiu da empreitada; no caso de não se dever concluir pela anulação do contrato de regulação do contencioso nem pela desistência da empreitada, fica por resolver a questão posta por cada um dos pedidos formulados pelo autor, ou seja, saber se os factos provados devem levar à procedência dos mesmos; caso contrário, ter-se-á de ver se algum dos restantes pedidos pode ser considerado por si.

                                                                 *

              São os seguintes os factos provados (os sob alíneas vêm dos factos assentes; os sob nºs. vêm da resposta aos quesitos):
         A) Por escrito datado de 03/09/2002, subscrito pelo 1º réu, este aí declarou o seguinte:
                                                                                  (…)
                                      Orçamento para obra pronta
            Fazem parte deste orçamento todos os trabalhos para construção de uma casa de habitação, a levar a efeito no lugar de ..., freguesia de ..., conselho de ....
            Depois de consultados os respectivos projectos de arquitectura memória descritiva projectos da especialidade, vimos dar o nosso melhor preço para a obra pronta sendo de 47.000€...
               Preço total 47.000€.
         B) Por escrito datado de 20/09/2002, subscrito pelo 1º réu e pelo autor, e por este dirigido àquele, consta o seguinte:

         Vimos através deste meio confirmar o contrato de construção de uma casa de habitação no lugar de ......, cujo orçamento apresentado por V. Exª para a obra pronta, tem o valor de 47.000€...

            Desta forma queremos confirmar o nosso interesse nos Seus serviços, comprometendo-nos a efectuar o pagamento em três prestações, assim determinadas:

            1ª  No valor de 5.000€, no início da obra;

            2ª No valor de 32.000€, após dois meses de trabalhos efectuados;

            3ª… No valor de 10.000€, no final da obra.

            Confirmamos ainda a nossa inteira satisfação em relação à data de entrega da obra concluída, apresentada por V. Exª”, isto é, meados de Julho do ano de 2003.
            […]      
         C) Para pagamento do preço da construção da casa de habitação, o autor entregou ao 1º réu os seguintes cheques, nas datas e pelos valores a seguir referidos: a) em 20/09/2002 um cheque no valor de 5.000€; b) em 24/09/2002 um cheque no valor de 5.000€; c) em 06/12/2002 um cheque no valor de 3.500€; d) em 09/01/2003 um cheque no valor de 25.000€; e) em 13/11/2003 um cheque no valor de 1.000€.
         D) O 1° réu, a partir de Maio de 2003, não executou qualquer obra ou serviço em cumprimento do acordo referido em A) e B).
         E) Por carta remetida pela companheira do autor, com o consenti-mento e indicações deste, e recebida pelo 1º réu em 25/08/2003, aquela, em nome do autor, solicitou-lhe que a obra fosse concluída até 15/12/2003.
         F) Depois de 25/08/2003, e até 15/12/2003, o 1º réu não executou qualquer obra ou serviço em cumprimento do acordo referido em A) e B).
         F) Datado de 26/01/2004, os 1ºs réus na qualidade de 1ºs outorgantes, o 2º réu na qualidade de 2º outorgante, e (…)e teor [no despacho saneador puseram-se as cláusulas pela ordem seguinte: 4, 1, 3, 5 e 8; neste acórdão do TRC altera-se a ordem para a fazer corresponder ao documento, e aditaram-se as cláusulas 6 e 11 e o último parágrafo, estando estes factos provados por documento não impugnado e por confissão, sendo acrescentados ao abrigo dos arts. 659/3, 712/1a)e 713/2, todos do CPC]:

            1. Os 1ºs e 2º outorgante declaram-se e confessam-se devedores à 3ª outorgante da importância de 30.000€ se comprometem a liquidar em 45 dias seguidos a contar do dia 27/01/2004.

            […]

            3. A partir desse prazo, e sem que o pagamento tenha sido efectuado à 3ª outorgante, constituem-se 1ºs e 2º outorgante na obrigação de, a título de cláusula penal, pagar a mais à 3ª outorgante a importância de 75€ por cada dia de atraso até o pagamento integral da importância supra referida;

            4. Por via deste acordo e com a sua aceitação, 1ºs e 3ª outorgante rescindem com efeitos imediatos o contrato de empreitada que haviam entre ambos sido celebrado para construção de uma moradia em ..., ..., ...”.

            5. Com o pagamento da referida importância fica a 3ª outorgante totalmente ressarcida, não podendo exigir dos demais outorgantes qualquer outra quantia, seja a que título for, nomeadamente em função do contrato de empreitada a que se pôs termo.

            6. Todos os outorgantes renunciam expressamente ao direito de acção sobre eventuais vícios de forma ou de vontade, resultantes da celebração deste contrato.

            […]

            8 O 1º outorgante (…) responde ainda pelo período de garantia legal por defeitos ou vícios de construção na moradia em construção da 3ª outorgante que sejam da sua exclusiva responsabilidade.

            […]

            11. A 3ª outorgante obriga-se imediatamente a colocar termo à providência cautelar de arresto que deu entrada no TJ de S. Pedro do Sul contra o 1º outorgante.

            […]

            Lido e achado conforme a sua vontade, vão as partes livres de coacção e de boa fé assinar, na presença simultânea dos seus advogados, (…).
            Oliveira de Frades, 26/01/2004.
         H) Ao nível do r/c da casa de habitação o 1º réu executou as seguintes obras:

            a) execução, em cimento, das escadas de ligação do r/c ao 1° andar;

            b) reboco, com cimento, das paredes do salão e dos tectos do r/c;

            c) execução de uma parede, em tijolo nu, a dividir o salão do quarto de casal e da casa de banho;
            d) reboco, em grosso, das paredes da cozinha.
         I) Ao nível do 1º andar dividiu o espaço, tendo feito todas as divisões desse piso em tijolo, assim dando origem a uma cozinha com despensa, 3 quartos, duas casas de banho e um salão.
         J) Efectuou as aberturas para cada um dos compartimentos referidos em 9 e um corredor sem abertura com a função de guarda-fatos.
         K) Executou uma varanda em cimento armado.
         L) Executou as paredes exteriores em tijolo nu, com duas aberturas.
         M) Efectuou uma 3ª placa desprovida de telhado, apenas com parte das paredes exteriores e sem qualquer divisória interior.
         1. Com a execução das obras e serviços referidos de H) a M) o 1º réu despendeu a quantia de 7.643,17€, acrescida do valor de IVA à taxa legal em vigor.
         2. O 1º réu deixou o caminho público adjacente à casa com entulho e restos de cimento colados à calçada.
         3. Assim como deixou um prédio vizinho àquela da obra entulhado com restos desta.
         4. A fim de proceder à limpeza do prédio vizinho referido no número anterior o autor terá que despender a quantia de 250€.
         5. Em consequência do não acabamento da obra, pelo 1º réu, o autor e seu agregado tiveram de continuar em casa tomada de arrendamento.
         6. O valor da renda mensal ascende a 156,07€.
         7. Na casa que tomou de arrendamento, o autor não possuía condições para que aí pudessem residir os seus pais.
         8. Os seus pais estiveram, por isso, a residir numa casa de um cunhado do autor.
         9. O autor pagou mensalmente a quantia de 75€ como contrapartida da estadia dos seus pais naquela casa do seu cunhado.
         10. O autor pagou a quantia de 4,65€ referente ao consumo de água, na casa a reconstruir, no mês de Fevereiro de 2004, assim como pagou a quantia de 10,21 € relativa ao consumo de electricidade, na mesma casa, entre 26/6/2003 e 29/7/2003.
         11. Na casa onde habitou com o seu agregado, o autor pagou, a título de aluguer do contador de electricidade, no mês de Maio de 2004, o montante de 5,72€.
         13. Em data não concretamente apurada do ano de 2003, situada em Abril ou Maio, os trabalhadores que se encontravam ao serviço do 1º réu encontraram o acesso à obra fechado, tendo a companheira do autor autorizado apenas que retirassem as suas ferramentas.
         14. O 1º réu, na sequência da carta referida em E), não retomou a execução da obra.
         16. O 2º réu subscreveu o acordo referido em G) por estar convencido que o autor e a sua companheira tinham obtido vencimento em procedimento judicial e que, por efeito do mesmo, iriam proceder ao arresto de todos os bens dos 1ºs réus. 
         17. Se os réus soubessem que o procedimento judicial referido em 16 tinha sido julgado improcedente não teriam subscrito o acordo referido em G.
         18. A outorgante - no acordo referido em G) – (…) agiu em representação do autor.
         19. O que os demais outorgantes sabiam.
         23. O 1º réu colocou placa na adega.
         26. Quando chovia a água que caía no terraço do 1º andar surgia no tecto do salão do r/c, sendo tal facto derivado de deficiente isolamento daquele terraço tal como efectuado pelo 1º réu.
         27. Em consequência de tal facto o autor teve de mandar executar novo isolamento do terraço.
         28. Na execução do novo isolamento do terraço e na conclusão da casa de habitação, o autor acordou com terceiro pagar a quantia de 65.000€.
         29. A fim de pagar a quantia referida em 28 o autor socorreu-se de um empréstimo bancário no montante de 30.000€.
         30. O reembolso de tal empréstimo, acrescido dos encargos bancários e juros contratados, ascendeu à quantia global de 10 092,82€.
         31. A fossa séptica ficou com paredes em tijolo nu, com cerca de 4 fiadas de tijolo a toda a volta.

                                                                  I

              Dos pressupostos da anulação por erro na base do negócio (art. 252/2 do CC):

              O primeiro pedido formulado pelo autor era, antes de mais, o do reconhecimento da validade do contrato transcrito em G).

              A sentença recorrida não lhe deu procedência, por considerar que o mesmo estava viciado por erro sobre os motivos na espécie de erro sobre a base do negócio, fundamentando tal decisão deste modo:
         “[…A] providência cautelar de arresto apensa aos presentes autos na qual foram requerentes o ora autor e a sua companheira (…) e requerido o ora 1º réu foi julgada improcedente por decisão proferida em 14/01/2004 [este facto não consta dos factos provados, mas pode ser dado como tal, ao abrigo do disposto nos arts. 659/3 e 713/2, todos do CPC – parêntese deste acórdão do TRC].
         Sendo certo que o documento em apreço encontra-se datado de 26/01/2004, apurou-se que o 2º réu subscreveu o referido acordo por estar convencido que o autor e a sua companheira tinham obtido vencimento em procedimento judicial e que, por efeito do mesmo, iriam proceder ao arresto de todos os bens dos 1ºs réus [é o facto 27 – parêntese deste acórdão do TRC], assim como se apurou que se os réus soubessem que o procedimento judicial tinha sido julgado improcedente não teriam subscrito o dito acordo [é o facto 28 – parêntese deste acórdão do TRC].
         Deste modo, há-de concluir-se pela existência de erro sobre as circunstâncias que constituem a chamada base negocial na medida em que se os réus soubessem que a providência cautelar de arresto instaurada pelo autor e a sua companheira (…) contra o 1º réu já havia sido julgada improcedente por decisão proferida em 14/01/2004 não teriam subscrito o dito acordo que consubstancia um acto de reconhecimento ou confissão de dívida por parte dos réus.
         Por conseguinte, uma vez provado que os réus fundaram a sua decisão de contratar com uma falsa ou deficiente representação de circunstâncias passadas, ou seja, os factos essenciais ao enquadramento do vício da vontade invocado pelos réus, o que acarreta a anulabilidade do dito acordo, há-de concluir-se pela improcedência do pedido […]”.

              Nas duas primeiras conclusões e na primeira metade da 3ª, o autor pretende que:
         “1. A anulação do negócio com base em erro sobre os motivos ou sobre a base negocial tem como pressuposto que as partes hajam reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo (art. 252º do CC). 2. A anulação exige, no mínimo, que a outra parte conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade do motivo ou do elemento em que incidiu o erro (como resulta dos arts. 247º e 251º do CC). 3. No caso dos autos, a matéria apurada é completamente omissa a respeito dos indicados pressupostos, ficando a anulação sem base legal […].”

              Não é, no entanto, assim (ou seja, embora a 2ª conclusão possa ser considerada correcta, não o estão nem a 1ª nem a 1ª metade da 3ª) e note-se desde já que mesmo o acordo exigido pelo art. 252/1 do CC não teria de ser expresso, poderia ser tácito, ou seja, poderia ser deduzido de factos que, com toda a probabilidade, o revelassem (art. 217/1 do CC – Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, tomo I, Almedina, 1999, pág. 542, citando vária jurisprudência nesse sentido).

              Radicalmente contra estas conclusões do recurso veja-se logo a posição do Prof. Inocêncio Galvão Telles (Erro sobre a base do negócio jurídico, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Raúl Ventura, Vol. II, FDUL, 2003, pág. 12):
         “Deve entender-se que a lei, convenientemente interpretada, e dado que autonomiza o erro sobre a base do negócio em relação aos demais erros, quer manifestamente inscrevê-lo num círculo conceptual mais restrito e mais exigente: só o admitindo em situações particularmente relevantes em que a sua invocação se justifique à luz da boa fé. Pode, assim, dizer-se que há erro sobre a base do negócio quando o erro verse sobre circunstâncias determinantes da decisão de contratar que, pela sua importância, justifique, sem mais, segundo os princípios da boa fé, a invalidade do negócio. Isto, pois, independentemente de o declaratário conhecer ou dever conhecer a essencialidade para o declarante, das aludidas circunstâncias e, por maioria de razão, sem necessidade de as partes se mostrarem de acordo quanto a essa essencialidade, Regime mais severo que o do art. 251 e, mesmo, que o do nº. 1 do art. 252”

              É também esta, no essencial, a posição do Prof. Mota Pinto. Ao contrário do que o autor desta acção diz, no caso especial do erro que incide sobre a base negocial, o regime estabelecido no nº. 2 do art. 252 do CC, ao dizer que é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído, leva a que haja lugar à anulabilidade do contrato “desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.” Ou seja, e como diz o Prof. Mota Pinto, “não se exigirá, portanto, nestes casos, uma cláusula de condicionamento” (Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, págs. 514/515).

              Mesmo quando se admite a necessidade do conhecimento da essencialidade, logo se diz:
         “o erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio será relevante independentemente do reconhecimento expresso da essencialidade dessas circunstâncias como motivo determinante da vontade, porque constituindo elas a base do negócio, estão necessariamente pressupostas por ambas as partes, ao realizarem o contrato. […]” (ac. do TRL de 25/06/1976, sumariado no BMJ, nº. 260/175 – citado através de Abílio Neto, CC anotado, 9ª edição, 1995, Ediforum, pág. 140).

               Ou:
         “Para ser relevante o erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, nos termos do nº. 2 do art. 252, não é necessário que as partes tenham reconhecido, por acordo, a essencialidade dessas circunstâncias como motivo determinante da declaração negocial da vontade. Embora seja indispensável o recíproco conhecimento da essencialidade do erro, como na hipótese do nº. 1 do citado art., esse conhecimento recíproco está pressuposto na situação prevista no nº. 2 (ac. do STJ de 02/11/1977, publicado no BMJ, nº. 271, pág. 190 – citado através de Abílio Neto, obra e local citados – os réus também invocam este acórdão).

              É mais ou menos nesta perspectiva, mas com o mesmo resultado (até porque depois aplica o critério do Prof. Mota Pinto), que segue a sentença recorrida:
         O n.º 2 do artigo 252º assenta na ideia central de um erro bilateral sobre as condições patentemente fundamentais do negócio jurídico (Castro Mendes, Direito Civil, Teoria Geral, volume III, página 217). Trata-se de circunstâncias ou factos passados ou presentes em relação à data do contrato (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, página 299).
         Só as circunstâncias conhecidas de ambas as partes como razão de ser da vontade negocial se devem considerar como constitutivas da base do negócio porquanto se a razão que levou cada uma delas a contratar for desconhecida da outra parte não se trata de circunstâncias base do negócio mas das razões de cada um dos contratantes.
         Segundo Mota Pinto, as hipóteses em que se poderá afirmar que o erro incide sobre a base negocial são “os casos em que a contraparte aceitaria ou, segundo a boa fé, deveria aceitar um condicionamento do negócio à verificação da circunstância sobre que incidiu o erro, se esse condicionamento lhe tivesse sido proposto pelo errante – e isto porque houve representação comum de ambas as partes da existência de certa circunstância sobre a qual ambas edificaram, de um modo essencial, a sua vontade negocial” (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, páginas 515 a 156).
         Para que as circunstâncias que constituem a base do negócio influam na edificação do contrato é preciso que a outra parte tivesse podido conhecer a importância basilar que lhes foi atribuída, que tivesse sido unicamente a pressuposição da sua existência, subsistência ou superveniência que houvesse levado a parte, que lhes atribuía tal importância, a prescindir da sua clausulação e que, a considerá-lo duvidoso, aquela outra parte tivesse acedido à pretensão atenta a finalidade do contrato e os princípios da boa fé.

               Note-se que, como lembra Castro Mendes:
         a base negocial não tem de ser determinante para ambas as partes; pode ser para uma delas, através da outra (TGDC, 1979, III – 207 - citado através de Abílio Neto, obra e local citados).

               O que no fundo é reconhecer que, como diz Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, tomo I, Almedina, 1999, pág. 546:
            “nada na lei exige a bilateralidade. O erro é-o do declarante, recaindo embora sobre um elemento decisivo do contrato, conhecido pela outra parte (a qual, sobre ele, podia não ter qualquer opinião).

               Seguindo-se a orientação de Mota Pinto, o que importa apurar é se neste caso o autor aceitaria, ou segundo a boa fé deveria aceitar, um condicionamento do negócio à verificação da circunstância sobre que incidiu o erro, se esse condicionamento lhe tivesse sido proposto pelo errante.

               Ora, sendo evidente que os outorgantes naquele acordo se representaram que ele estava a ser celebrado na pendência, sem decisão, de uma providência cautelar e que essa pendência era relevante (tanto que nesse mesmo acordo se prevê a desistência dela pelos autores da mesma), se os réus tivessem proposto ao autor que condicionassem o acordo à pendência da providência (por exemplo: este acordo só produz efeitos se a providência cautelar ainda estiver pendente), este, actuando de boa fé, teria de aceitar esse condicionamento, pois que não faria sentido que lhes respondesse: não, este acordo é válido mesmo que a providência já esteja finda. Pois que isso não seria compatível com o facto de ele dizer que ia desistir dela.

              Ora, exigir o cumprimento de um contrato que só foi celebrado pelos réus no pressuposto (conhecido do autor – só isso justifica a referência à desistência da providência) da pendência, sem decisão, da providência cautelar – como se deduz do facto 28 e da referência à desistência da providência no próprio acordo – o que não correspondia à realidade, afectaria gravemente aqueles princípios e não se poderia dizer coberto pelos riscos próprios de tal acordo.

              Como diz Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, toma I, Almedina, 1999, pág. 547:
         “integram a base do negócio os elementos essenciais para a formação da vontade do declarante e conhecidos pela outra parte, os quais, por não corresponderem à realidade, tornam a exigência do cumprimento do negócio concluído gravemente contrário aos princípios da boa fé”.

              Considera-se assim que a sentença decidiu bem ao concluir pela anulabilidade do contrato em causa, pelo que não poderia ser reconhecida a validade do mesmo como pedido pelo autor.

                                                                 II

              Da inadmissibilidade das cláusulas de exclusão de anulação por erro:

              Diz então o autor, na 2ª metade da 3ª conclusão: “o direito de anulação está excluído por cláusula expressa do próprio contrato em causa (cláusula 6ª)”.

              Esta cláusula, que foi agora [neste acórdão] transcrita nos factos provados, tem o seguinte conteúdo:               todos os outorgantes renunciam expressamente ao direito de acção sobre eventuais vícios de forma ou de vontade resultantes da celebração deste contrato. E o autor acrescenta nas alegações: aliás, o contrato foi analisado e verificado também pelos advogados das partes, como consta da sua parte final [mas não é bem isso que resulta expressamente da parte final do acordo, como se pode ver na transcrição acima efectuada…]

              No sentido de que a anulação por erro pode ser excluída por acordo prévio, o autor cita o prof. Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., Coimbra Editora, pág. 508) que diz:
         “Na verdade estamos perante matéria de carácter dispositivo, que não se vê razão para subtrair à disponibilidade das partes. Atente-se, aliás, em que, se numa compra e venda a prestação da garantia pelas qualidades da coisa pode ser contratualmente excluída [solução indiscutível nos contratos avulsos, mas limitada nos contratos de adesão (atenta a problemática especial desta figura e o disposto nos arts. 18, al. c), 21, als. c) e d), e 22, al. g) do Dec. Lei 446/85) e proibida nos casos de venda de bens a consumidores (art. 10 do Dec. Lei 67/2003, de 8 de Abril)], então não pode ser considerado um erro sobre as qualidades do objecto do lado do comprador”.

              Na nota 685 da 4ª edição, feita pelos profs. António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, faz-se referência a uma série de opiniões, quer a favor quer contra tal possibilidade, entre elas a do próprio Paulo Mota Pinto a favor da possibilidade.

              No seu estudo sobre os Requisitos de relevância do erro, Estudos em Homenagem Ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. 4, pág. 87, nota 118 (no mesmo sentido, veja-se a obra deste prof., Declaração Tácita e comportamento concludente no negócio jurídico, últimas linhas da pág. 375 e nota correspondente, Almedina, 1995), o prof. Paulo Mota Pinto, indica os vários argumentos que têm sido utilizados contra e a favor da exclusão convencional prévia do direito de anulação por erro:
         “ […R]azões puramente lógicas: seria impossível tentar resolver o problema do erro pelo conteúdo do negócio, pois ele estaria sempre fora deste – como que poderia sempre ‘recuar’, atingindo o próprio acordo de exclusão (ou a renúncia). O erro seria fenómeno irredutivelmente exterior ao negócio, e tentar ‘apanhá-lo’ nas malhas deste equivaleria, pois, a tentar saltar sobre a própria sombra. Uma cláusula pela qual se pretende excluir previamente a anulabilidade por erro só poderia, assim, traduzir-se numa modificação do conteúdo do negócio, tornando-o aleatório no que toca ao ponto em causa – e isto, só desde que o renunciante não estivesse em erro no momento da declaração de exclusão, pois caso contrário o erro afectaria esta. Ver, entre nós, J. Baptista Machado, Acordo negocial e erro…, cit., págs. 30 e segs, J. Oliveira Ascensão, obra citada, pp.165-7 (contra renunciabilidade em abstracto a qualquer erro – as págs. parecem ser antes as 151 a 153), M. Carneiro da Frada, Erro e Incumprimento…, cit., pp 467, e n. 7. A estas se juntariam, contra a renunciabilidade prévia à anulação por erro, razões jurídico-positivas, como o argumento que se poderia retirar do art. 288/2, in fine – referindo que não se deveria retirar um argumento a contrario do art. 668 do Código de Seabra e tendo a possibilidade de renunciar previamente ao direito de anular por muito questionável, v. tb. Rui de Alarcão, Breve motivação…, cit. pp. 36-7.” 
         “A favor desta possibilidade (além de, antes do actual Código, Manuel de Andrade, ob. cit. p. 241). J. Castro Mendes, TGDC, III, 1973, pp 200-2, C. Mota Pinto, ob. cit., p. 508, A. Ribeiro Mendes, Os vícios de consentimento…, cit., e, na Alemanha, a maioria da doutrina, afirmando que as normas sobre a impugnação por erro são dispositivas (sem curar, tanto quando pudemos aperceber-nos, do problema lógico-normativo que referimos) e que, se a garantia por vícios da coisa pode ser previamente excluída por via convencional, a impugnabilidade por erro também o deve poder ser – V., por ex., W. Flume, AT, Rcgtgerschäft, cit., p. 401. Nos PECL (arts. 4:118) admite-se expressamente a exclusão da anulabilidade por erro (mas não por coacção, dolo ou negócio usuário), se não for contrária à boa fé e fair dealing. E também os Princípios UNIDROIT não consideram as disposições relativas ao erro imperativas (art. 3.19).”

               Quer porque se reconhece que os argumentos lógico-normativos da primeira posição não são afastados, quer porque é essa a posição que tem sido seguida quanto à renúncia do credor aos seus direitos, e também porque a posição contrária poria em causa, no caso dos autos, (tal como próprio acordo…), parece mais razoável a tese da inadmissibilidade da cláusula, pois que, como diz o prof. Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, Janeiro 2004, nota 566:
         O art. 809 do CC recorda que a atribuição da juridicidade e das suas notas caracterizadoras não está na dependência de uma decisão da vontade dos sujeitos, antes pertence à ordem jurídica como competência, originária e própria, desta. É vedado ao credor uma manipulação da tutela jurídica que descaracterize ou desfigure o vínculo obrigacional e de, a seu bel-talante, se reservar a última palavra sobre a conveniência ou não dessa tutela (vejam-se ainda as págs. 464 a 466 – esta citação é feita livremente e por isso sem aspas).

              Explica o prof. Oliveira Ascensão, obra e local citado:

         “I - Que pensar porém da possibilidade de uma renúncia prévia aos efeitos do erro? Pode o declarante excluir a invocação da anulabilidade ou do direito à indemnização resultantes de erro simples, ou de dolo da outra parte, que eventualmente venha a descobrir?

         No que respeita ao dolo, aceita-se que se mantém em vigor doutrina análoga à constante do art. 668 do Código de Seabra: não é lícito renunciar previamente à nulidade resultante do dolo ou da coacção (esta previsão da renúncia à coacção seria sem conteúdo se houvesse coacção actual, pois estaria também ela própria inquinada pela coacção)

         O problema concentra-se por isso nas hipóteses de erro espontâneo.

         Seria chocante, e contrariaria mesmo os princípios de ordem pública, que o declarante pudesse renunciar validamente aos efeitos de um defeito que ignora qual seja. A parte mais forte poderia exigi-lo sempre, levando a situações de puro jogo (o art. 809, que considera a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos resultantes do inadimplemento do devedor, pode ser invocado por analogia). Particularmente nos contratos de adesão, isso reforçaria ainda mais a subordinação do aderente.

         Concluímos assim que a renúncia abstracta aos direitos derivados do erro é sempre inválida.

         Esta é a doutrina que resulta do art. 288/2, que permite a confirmação do negócio anulável cessado o vício, quando o “autor tiver conhecimento do vício e do direito à anulação”. A contrario, não é possível a confirmação prévia; e a confirmação e a renúncia ao direito de anular são substancialmente equivalentes.

         III – Castro Mendes observa que desta maneira se tornava impossível negociar quando o sujeito que está em erro foi advertido, mas pretende mesmo assim realizar o negócio a seu risco (TG, II, 1986 II. Antes exemplificara com a hipótese de alguém pretender comprar um quadro que pensa ser de pintor famoso, quando o vendedor lealmente põe em dúvida a asserção).

         Supomos dever distinguir.

         Se está em causa uma circunstância concreta e o sujeito mesmo assim quer o negócio, ele pode medir efectivamente o risco. Nada há que se oponha à renúncia que pretende realizar (uma vez que a lesão não é entre nós causa genérica de impugnação).

         Na realidade, o problema aqui não é de erro, é de risco; o contrato tomaria características válidas de aleatoriedade.

         Já não seria possível porém renunciar em abstracto a qualquer vício, pois então o sujeito não está confrontado com as circunstâncias concretas onde o erro se poderá albergar e não pode media portanto as consequências do seu acto”.

              É esta, como se disse, a posição que tem sido seguida quanto à interpretação do art. 809 do CC (“é nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no nº. 2 do art. 800”).

              Neste sentido, veja-se Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, págs. 72/73):

         “Qualquer destes direitos pode ser renunciado depois do não-cumprimento ou da mora. Antes, porém, a renúncia a eles desfiguraria, de um modo geral, o sentido jurídico da obrigação, transformando-a, em certos casos, numa simples obrigação natural, como se o credor perdesse o direito de exigir o cumprimento da obrigação ou a indemnização pelo prejuízo”.

              Como lembra o ac. do STJ de 20/05/2008, publicado sob o nº. 08A1253 da base de dados do ITIJ:

         O Professor Galvão Telles in “Direito das Obrigações” – 6ª edição – págs. 424-425 – depois de destrinçar as cláusulas limitativas da responsabilidade em caso de incumprimento – que considera válidas – das de irresponsabilidade pura e simples, escreve acerca destas: “As cláusulas de irresponsabilidade, que se distinguem das referidas no número precedente porque tendem não apenas a limitar mas a excluir a responsabilidade, são, pelo menos em princípio, nulas. A norma que estabelece o direito à indemnização tem carácter imperativo. Não pode excluir-se o direito a ser indemnizado em consequência da violação que o devedor cometa do vínculo obrigacional. O direito à indemnização, depois de adquirido, é, sem dúvida, renunciável. Mas não se pode renunciá-lo antecipadamente, pois de contrário a obrigação, desde que não fosse susceptível de execução forçada específica, ficaria privada de toda a força coerciva e, em qualquer caso, perderia muito do seu vigor. Assim se dispõe no artigo 809°: […] Um dos direitos consignados nas divisões anteriores é precisamente o direito à indemnização, que não poderá portanto ser renunciado antecipadamente, como dissemos. O que significa, por outras palavras, serem inadmissíveis as cláusulas de irresponsabilidade”. [destaque e sublinhado nossos, isto é, do ac. do STJ que segue:]. Como se sentenciou no ac. deste STJ de 26/03/1998, in BMJ 475, pág. 664: “I – Nos termos do artigo 809º do Código Civil, é nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor (os direitos de pedir o cumprimento da obrigação, a indemnização pelo prejuízo, a resolução do negócio e o “commodum” de representação), salvo o disposto no nº 2 do artigo 800º do mesmo Código. II – Se estes direitos não podem ser renunciados antecipadamente, dúvidas não há que qualquer deles pode ser renunciado depois do não cumprimento ou da mora.”

              Esta proibição da antecipação da renúncia tem pois sido lida como valendo para os casos em que o direito ainda não surgiu. Ou, dito de outro modo, como não valendo para os casos em que a renúncia é posterior à prática do facto ilícito (veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8/11/1984, publicado na CJ.84.5.245/246).

              Conclui-se assim que a cláusula aposta no acordo, não exclui a anulabilidade do mesmo por erro sobre a base do negócio, mantendo-se, pois, o acerto da sentença sobre a primeira pretensão do autor. 

                                                                 III

              Da desistência da empreitada:

              A 2ª pretensão do autor é a de que se reconheça que o 1º réu abandonou a obra sem a ter concluído, encontrando-se em autêntico incumprimento.

              Sobre isto a sentença diz o seguinte:
         […]
         Apreciando a matéria de facto apurada dúvidas não restam que entre o autor e o 1º réu foi celebrado um contrato de empreitada por força do qual aquele pagou a este a importância de 39.500€, a qual corresponde a parte do preço acordado para a execução dos trabalhos de construção da casa de habitação.
         Trata-se de um contrato sinalagmático, isto é, do qual resultaram obrigações para o 1º réu, como empreiteiro, a de realizar a obra, e para o autor, dono da obra, a de pagar àquele o preço convencionado.
         Discutida a causa, apurou-se que, a partir de Maio de 2003, o 1º réu não executou qualquer obra ou serviço em cumprimento do contrato de empreitada, isto é, abandonou a obra, sem que os trabalhos estivessem concluídos – alíneas D) e F) da matéria de facto.
         No entanto, apurou-se também que, em data não concretamente apurada do ano de 2003, situada em Abril ou Maio, os trabalhadores que se encontravam ao serviço do 1º réu encontraram o acesso à obra fechado, tendo a companheira do autor autorizado apenas que retirassem as suas ferramentas – ponto 13 da matéria de facto.
         Da matéria de facto elencada, com realce para a circunstância de ter ficado provado que o autor recusou o acesso à obra aos trabalhadores do 1º réu, tendo a companheira do autor autorizado apenas que retirassem as suas ferramentas, poderá concluir-se pela desistência, sendo irrelevante a carta remetida pela companheira do autor, recebida pelo 1º réu em 25/08/2003, na qual aquela, em nome do autor, lhe solicitou que a obra fosse concluída até 15/12/2003 pois era o autor que se encontrava já numa situação de incumprimento.
         Esta figura – diferente da denúncia unilateral e da recusa do cumprimento com abandono da obra, constitutiva de incumprimento definitivo – manifesta-se através de uma conduta reveladora de desinteresse na prestação.
         E aqueles factos demonstram, por apelo ao princípio da impressão do destinatário (constante dos artigos 236.º e 239.º), ter havido desistência por parte do dono da obra.
         […]
         Ao contrário da resolução, a desistência não é vinculada, não opera retroactivamente e pode ter lugar a todo o tempo, independentemente da obra já ter sido iniciada e não está sujeita a forma […]
         Assim, o contrato celebrado entre as partes acabou por se extinguir, não por causa imputável ao 1º réu, mas porque o autor recusou o acesso à obra aos trabalhadores do 1º réu sem para tal ter fundamento e posteriormente entregou a obra a terceiro, inexistindo fundamento para a resolução do contrato por parte do autor.
         Em face do exposto, uma vez que os demais pedidos formulados pelo autor estão relacionados com a resolução do contrato de empreitada, infundada, como vimos, hão-de aqueles ser julgados improcedentes.

              Em suma e no que interessa quanto a esta pretensão, a sentença recorrida diz que não houve abandono da obra por parte do 1º réu, porque antes disso o autor tinha desistido da empreitada.

              Na sua conclusão 4ª o autor diz: “[a conclusão quanto à] a desistência da obra, por parte do dono, é extraída de factos inconcludentes que não comprometem o autor pessoalmente, além de ser incompatível com outros factos provados, quer um pagamento posterior à suposta desistência, quer uma interpelação formal para o cumprimento, passado quatro ou cinco meses (art. 1229º do CC)”.

              O facto provado que está em causa quanto à desistência da obra por parte do autor é o facto 13.

              A partir desse facto, 13 - em data não concretamente apurada do ano de 2003, situada em Abril ou Maio, os trabalhadores que se encontravam ao serviço do 1º réu encontraram o acesso à obra fechado, tendo a companheira do autor autorizado apenas que retirassem as suas ferramentas – a sentença recorrida diz que ficou provado que o autor recusou o acesso à obra aos trabalhadores do 1º réu, podendo concluir-se pela desistência.

              Assim, a sentença recorrida faz a ligação destes dois factos: o acesso à obra estava fechado => foi o autor que recusou o acesso à obra.

              E o autor, no fundo, o que faz é dizer: é impossível fazer a ligação destes dois factos.

              No entanto, a posição da sentença é correcta e justifica-se deste modo: a atitude da companheira do autor, ao autorizar que os trabalhadores do réu retirassem as ferramentas, quando este encontram o acesso à obra fechado, é sem dúvida sinal de que a impossibilidade de acesso não decorria de um acto de terceiro mas era imputável ou ao autor ou à sua companheira. E como esta sempre agiu, perante o réu – ou perante os trabalhadores dele – como dona da obra ou como representante do dono da obra, os actos dela, perante o 1º réu ou perante os trabalhadores dele, tinham que ser tomados como actos do dono da obra ou em sua representação.

              Note-se que a companheira do autor “autorizou…”. Ou seja, ela “aparece” perante os trabalhadores do 1º réu com o poder de autorizar ou não. Veja-se ainda que o acordo referido em G), invocado pelo autor como fonte da rescisão do contrato de empreitada foi outorgado pela sua companheira, sem que nada conste formalmente quanto ao facto de ela estar a representar o autor. E apesar disso          o autor invoca (os factos 18 e 19 têm origem na petição inicial) que a sua companheira agiu em representação do autor e que os demais outorgantes (os réus) sabiam isso. Aliás, nesse contrato, a companheira do autor é a credora dos 30.000€ entregues; é a ela que o pagamento deve ser feito; é perante ela que os réus se comprometem numa cláusula penal por dia de atraso; é ela que é dada como sendo parte no contrato de empreitada; é ela que é dada como devendo ser indemnizada; a moradia é dada como dela. Ora, o autor não se pode aproveitar, para o que lhe interessa, da actuação da sua companheira como sua representante, e, quando não lhe interessa, invocar que esta não o representa. De resto, lembre-se ainda que na providência cautelar a companheira do autor era requerente (e por isso é que ela fala em desistir da providência), o que aponta claramente no sentido de a obra também ser dela. Veja-se aliás, que na petição inicial, nos termos resumidos acima, o autor diz que ele e a companheira dele “procuraram reconstruir uma casa de habitação”. Neste contexto, é por demais evidente que, perante os trabalhadores do 1º réu e também perante este, a actuação da companheira do autor era claramente a actuação da dona da obra ou de representante do dono da obra. E por isso é que o autor depois pode vir dizer (e provar) que os réus sabiam a sua companheira o estava a representar (sobre procurações tácitas e aparentes, veja-se o estudo de Oliveira Ascensão e Carneiro da Frada, na RDE (nºs. 16 a 19, 1990 a 1993, págs 43 e segs: Contrato celebrado por agente de pessoa colectiva. Representação, responsabilidade e enriquecimento sem causa).

              Ora, tendo o autor (por si ou através da sua companheira) encerrado a obra e quando os trabalhadores do 1º réu aparecem lá não lhes tendo permitido o acesso, apenas lhes permitindo a retirada das ferramentas, tal não pode deixar de ser tido como acto de desistência do contrato de empreitada com o 1º réu (art. 1229º do CC).

              Outra questão que se poderia pôr, mas mal (tanto que o autor não a pôs), seria a de não se saber quando é que tal encerramento se deu, se antes ou se depois do “abandono”. Mas a questão era evidente e daí que a sentença recorrida não tenha perdido tempo com ela, antes tenha pressuposto que tal ocorreu antes. Se o 1º réu, a partir de Maio de 2003, não executou qualquer obra ou serviço em cumprimento da empreitada, o facto 13 não pode ter ocorrido depois disso, mas antes disso.

                                                                 *

              Note-se que na doutrina se fala em desistência da empreitada, quer por desinteresse do dono da obra na própria obra, quer por desinteresse do dono da obra naquela empreitada, ou seja, naquele contrato, na obra a ser realizada por aquele empreiteiro (veja-se por exemplo, Antunes Varela e Pires de Lima, CC anotado, Vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 908, Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2ª edição, Almedina, Abril de 2006, págs. 564/566). Não quer pois a sentença recorrida dizer, no caso, que o autor deixou de ter interesse naquela obra, naquele resultado, mas sim naquela prestação a efectuar pelo 1º réu, como aliás o disse. 

                                                                 *

              Ora, tendo havido desistência do dono da obra, quanto à prestação do 1º réu, este não pode ser censurado por, a partir de então, não ter executado qualquer obra ou serviço em cumprimento da empreitada, pelo que tal conduta não pode ser considerada um abandono.

              Mais, mesmo que não se aceitasse que a conduta do autor (por si ou através da companheira) fosse qualificada de desistência da empreitada, sempre a mesma teria de ter os efeitos de uma constituição em mora por sua culpa (art. 813 do CC), com os mesmos efeitos relativamente à conduta posterior do réu: “não fica sujeito a responsabilidade alguma, dado que a falta de cumprimento lhe não é imputável” (Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 316)

              E, perante isto, os actos posteriores do autor (e da sua companheira) são irrelevantes quanto ao 2º pedido: é que, o que importa, para já, era  saber se o 1º réu abandonou a obra e a conclusão de que não o fez é já certa.

                                                                IV

              O autor, no decurso da acção, acrescentou ao 2º pedido: […] determinando-se ter havido resolução contratual.

              Resolução contratual? O autor quer dizer que o contrato foi resolvido pelas duas partes, ou seja, está a invocar, de novo, o acordo transcrito em G)? A questão já está resolvida.

              O autor quer dizer que com o abandono da obra o réu a resolveu? Já se disse que não se prova o abandono.

              O autor quer dizer que ele, autor, resolveu o contrato? Como e quando? Não o diz (a não ser que esteja de novo em causa o acordo G) que já foi afastado…).

              Perante isto, tem que se dizer que o acrescento em causa só é minimamente compreensível tendo em conta a explicação dada no requerimento da ampliação: os réus, no artigo 46 da contestação teriam confessado a resolução contratual.

              Ora, na verdade, o que os réus disseram, foi o seguinte: no artigo 46, “aceita, de qualquer das formas[,] o 1º réu[,] que rescindiu o contrato de empreitada que os ligava”. No artigo 54 diz: “apesar de o réu não ter dado qualquer anuência aos autores para contratarem outro empreiteiro, é verdade que manifestou vontade em rescindir o contrato celebrado, pois não tinha a confiança necessária nos autores para prosseguir com a obra. E no artigo 55 acrescenta: “o mesmo se diga em relação aos autores que perderam a confiança no réu”.

              Daqui não resultam quaisquer factos que possam ser qualificados como resolução contratual: o réu entende que rescindiu (mais à frente diz que manifestou a vontade de o rescindir, o que é diferente) o contrato mas não diz nem confessa por quê nem quando.

              Não há pois nada que possa ser considerado resolução do contrato.

              Improcede, pois, na íntegra, o 2º pedido, tal como resulta da sentença recorrida, que não há razões para censurar.
                                         V

               No 3º pedido o autor quer que se reconheça que o 1º réu recebeu a quantia de 39.500€, tendo apenas gasto a quantia que em peritagem se vier a apurar mas nunca superior a 10.000€:

               Face aos factos dados como provados em C) tem que se reconhecer que, no que diz respeito ao recebimento dos 39.500€ assim é e, por outro lado, não se vê que esta parte do pedido esteja prejudicado pela improcedência dos demais, ou por se ter considerado que o autor desistiu da empreitada.

               Já quanto à 2ª parte, não pode ser considerado que assim foi, visto que, aos factos sob H) a M) e 1, se tem de acrescentar mais um trabalho, o referido em 23, de que não se sabe o valor.

               O 3º pedido é, pois, em parte, mas apenas em parte (a 1ª), procedente.

                                                                VI

               Quanto ao 4º pedido -: pagar ao autor a diferença entre o recebido e gasto na referida obra:

               Diga-se, primeiro, que acima se chegou à conclusão de que o autor desistiu da obra. Nestes casos, a lei diz qual a consequência: o dono da obra tem que indemnizar o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra (art. 1229 do CC).

               Assim, o dinheiro que o autor pode vir a ter direito de receber é apenas a diferença entre esta (calculada nestes termos) indemnização (que teria de pagar ao empreiteiro) e o valor que pagou.

               Como não é este o direito que o autor está a exercitar, mas um que não existe, a sua pretensão não procede.

               E isto é um outro modo de dizer o mesmo que a sentença recorrida: a pretensão do autor estava na dependência da resolução do contrato. Como não se concluiu pela resolução do contrato, a questão fica prejudicada.

                                                                VII

               O 5º pedido fica claramente prejudicado pela conclusão de que o réu “não fica sujeito a responsabilidade alguma, dado que a falta de cumprimento lhe não é imputável”.

                                                               VIII

               O 6º pedido tem o mesmo destino, quer pelo que se diz em relação ao 5º pedido, quer, quanto ao diferencial, pelo que se disse quanto ao direito que o autor terá de receber apenas a diferença entre a indemnização calculada nos termos do art. 1229 do CC e aquilo que pagou: 39.500€.

                                                                 *

               Sumário:

              I. Há erro sobre a base do negócio (art. 252/2 do CC) independentemente de o declaratário conhecer ou dever conhecer a essencialidade para o declarante, das aludidas circunstâncias e, por maioria de razão, sem necessidade de as partes se mostrarem de acordo quanto a essa essencialidade (Galvão Telles).

              II. A renúncia abstracta aos direitos derivados do erro é sempre inválida (Oliveira Ascensão).

               III. Se o dono da obra fecha o acesso à obra e depois apenas permite que os trabalhadores do empreiteiro retirem as ferramentas, verifica-se uma desistência da empreitada.

                                                                 *

               Pelo exposto, julga-se o recurso apenas parcialmente procedente, condenando-se agora os réus a reconhecer que o 1º réu recebeu 39.500€ e mantendo-se, no resto, a sentença recorrida.

               Custas da acção e do recurso em 90% pelo autor e 10% pelos réus.

              

Pedro Martins ( Relator )
 Emídio Costa
 Virgílio Mateus