Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
157/12.8TBALD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS
DENÚNCIA
CADUCIDADE
ENTREGA DA OBRA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - ALMEIDA - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 342, 799, 800,, 1218, 1221, 1222, 1223 E 1225 CC
Sumário: 1.- O dono da obra que pretende denunciar os defeitos, e, simultaneamente, exigir a sua reparação e eliminação, tem apenas de provar a existência de defeitos, cabendo ao empreiteiro a prova de que tal exercício não foi feito no prazo estabelecido por lei ou acordado pelas partes se exceder aquele.

2.- A data de entrega da obra, sendo elemento integrante da excepção de caducidade, constitui facto, cuja prova incumbe ao empreiteiro, por se tratar de facto impeditivo do direito do dono da obra, à eliminação dos defeitos (art. 342º, n.º 2 do CC).

3.- O conceito “entrega da obra” há-de corresponder a uma entrega com a obra terminada, sem qualquer necessidade, previsível, de efectuar qualquer trabalho no âmbito da mesma empreitada.

4.- Na responsabilidade contratual do empreiteiro por defeitos da obra, tem aplicação a regra do art. 799º, n.º 1 do CC, isto é, o dono da obra, beneficia da presunção da existência de culpa, respondendo o empreiteiro pelos actos dos seus representantes, trabalhadores e colaboradores (art. 800º, n.º 1 do CC).

5.- Para afastar tal presunção o empreiteiro teria que provar a causa do defeito, sendo-lhe esta completamente estranha, pois que, só assim se exonerará da responsabilidade pelo defeito existente na obra.

6.- Os direitos mencionados nos artigos 1221º nº 1, 1222º nº 1 e 1223º do Código Civil têm uma hierarquia e/ou um regime de prioridade(s).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                            I

J (…) e A (…) vieram propor a presente ação declarativa, que segue a forma de processo comum, contra A (…), pedindo a condenação do Réu a:

i) Eliminar os defeitos e erros de construção, que enuncia na petição inicial, num prazo não superior a 90 dias após prolação da sentença a proferir nos presentes; e

ii) Subsidiariamente, para eliminar os defeitos e ressarcir os Autores dos erros de construção existentes na moradia, condenar o Réu a indemnizar os Autores na quantia de 38.155,00 €, acrescido de IVA, quantia acrescida de juros vencidos após citação.

Alegam para o efeito, em síntese, que acordaram com o Réu a realização duma empreitada para a construção de uma vivenda, num lote que previamente haviam adquirido.

A obra foi entregue aos Autores em Agosto de 2009.

Sucede que a obra apresenta um conjunto de defeitos, que se manifestaram em finais de Julho de 2011, que descrevem, os quais comunicaram ao Réu por carta em 15.09.2011, não tendo obtido qualquer resposta.

As obras de resolução de tais problemas importam um custo de 38.155,00 €, acrescido de IVA.

O Réu contestou começando por excecionar a caducidade do direito alegado por terem decorrido mais de 5 anos, já que a obra em causa terminou em finais de 2005, data em que entregou a obra aos Autores, sendo que, apenas recebeu uma notificação judicial avulsa a aludir aos defeitos em 18.11.2011.

Mais defende que a moradia não apresenta os defeitos alegados, sendo que os Autores, entre Maio e Junho de 2011, construíram um tanque para aproveitamento de água, cortando a laje onde está construída a casa, com compressor e utilização de explosivos, o que fez tremer a casa e provocar as fendas e os danos alegados.

Os Autores replicaram, sustentando que o seu direito não caducou, impugnando as datas referidas pelo Réu para esse efeito.

Foi relegada para final o conhecimento da exceção de caducidade.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que decidiu ter ocorrido a caducidade do direito dos Autores, declarando extinto tal direito e, por isso, julgou-se a ação totalmente improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos.

Inconformados com tal decisão vieram os Autores recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

(…)

Foram apresentadas contra-alegações, nas quais concluiu o Recorrido:

(…)

                                                                        II

São os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal a quo:

1. Em 8.01.2004, os Autores adquiriram a (…) um lote de terreno para construção, no qual veio a ser construída uma casa destinada à habitação, com três pisos, com a área coberta de 145,37, ficando de logradouro a área de 297,62 m2, sita na (...), (...), freguesia de Vilar Formoso, concelho de Almeida, inscrita na matriz sob o artigo 2236 e descrita na Conservatória do Registo Predial de Almeida sob o n.º 622, a favor dos Autores.

2. A fim de construírem a moradia referida em 1., os Autores apresentaram o projeto à Câmara Municipal de Almeida, o qual foi aprovado por despacho de 04.11.2004, tendo sido emitido o correspondente alvará de licenciamento administrativo de obras em 15.11.2004.

3. Em 2004, em data anterior a 15.11.2004, Autores e Réu celebraram um acordo verbal mediante o qual o segundo se comprometeu perante os primeiros a proceder à construção do imóvel referido em 1. (mediante um preço estipulado).

4. Em 10.01.2005, o Réu elaborou e entregou aos Autores, um documento intitulado “orçamento”, no qual declarou que o custo total de construção da referida moradia seria de € 86.000,00 com IVA incluído.

5. As obras (de construção civil) iniciaram-se a 20.11.2004 e terminaram até 20.10.2006.

6. A obra foi entregue aos Autores, para sua utilização, entre o Verão de 2006 e 20.10.2006.

7. Nas paredes do imóvel (descrito em 1.) abriram-se várias fissuras (com um milímetro).

8. Nesses locais, a pintura das paredes (também) estalou.

9. O remate da claraboia com a telha está mal executado, deixando entrar humidade.

10. Nas paredes da cave, por problemas na impermeabilização, são visíveis manchas de humidade na pintura.

11. Os muros exteriores (e os pilares) têm o reboco a desfazer-se.

12. Os vernizes das escadarias de madeira apresentam manchas ao nível dos degraus.

13. As paredes, em algumas zonas, ficaram com o reboco rachado e as pinturas manchadas.

14. Tais problemas (“defeitos”) referidos põem em causa a qualidade de vida que os Autores almejavam encontrar na nova casa.

15. Os Autores solicitaram a um técnico de construção civil a realização de um orçamento no qual se procedesse ao levantamento dos defeitos existentes no interior e exterior da habitação em causa, obras necessárias à sua reparação e custo das mesmas.

16. Tal orçamento foi entregue aos Autores em 27.7.2011.

17. Para reparação dos problemas / “defeitos” existentes, é necessário executar os seguintes trabalhos: fornecimento e execução de reparação de abertura de fendas, em paredes interiores de gesso e paredes da garagem, incluindo abertura tapamento de fendas e todos os trabalhos para posterior pintura, no valor de 1.125,00 €.

18. Limpeza de juntas dos azulejos das instalações sanitárias, incluindo preenchimento de juntas com betume com valor de 100.00 €.

19. Fornecimento e execução de reparação de humidade que entra pela claraboia em divisão do sótão, no valor de 200,00 €.

20. Reparação das escadas interiores em madeira, incluindo lixar e envernizar, bem como todos os trabalhos para um bom acabamento no valor de 500,00 €.

21. Fornecimento e execução de pintura interior com tinta de boa qualidade, no valor de 3.500,00 €.

22. Fornecimento e execução de muros exteriores, incluindo pintura e todos os trabalhos necessários para um perfeito acabamento, no valor de 2.000,00 €.

23. Fornecimento e execução de reparação de fendas abertas nas paredes exteriores da moradia, em que uma delas é necessário picar o reboco, tornar, rebocar e posterior lavagem com jacto de água no valor de, pelo menos, 2.500,00 €.

24. Fornecimento e execução de pintura exterior de toda a moradia, incluindo isolante e todos os trabalhos para um bom acabamento no valor de 2.500,00 €.

25. Na porta da cozinha, os vidros estão “biselados” e a sua substituição custa 250,00€.

26. Fornecimento e execução de impermeabilização de paredes da garagem com produtos específicos, incluindo picar reboco e execução de novo reboco e pintura no valor de 3.550,00 €.

27. Existem três zonas com uma fendilhação na laje de cobertura (constituída por deformação diferenciada a nível da flexa entre as zonas maciças e as zonas aligeiradas), da ordem dos centímetros.

28. O custo total da reparação dos “defeitos” referidos é de 16.225,00 €, mais IVA.

29. A habitação foi construída sobre lajes (rochedos) de pedra.

30. Os Autores construíram junto à moradia um tanque, para aproveitamento de água e uma churrasqueira entre o Verão de 2011 e o início de 2012.

31. Em 17.11.2011, o Réu foi notificado, mediante notificação judicial avulsa, de um requerimento efetuado pelos Autores, com o seguinte teor:

“1º O requerente adquiriu um lote de terreno para construção no ano 2004,

2º Convencionou, em 2004, com o requerido um contrato de empreitada para construção de imóvel no dito lote de terreno, sito na (...), Rua de S. Pedro, nº 5, 6533-318- Vilar Formoso.

3º A construção decorreu entre 2005 e 2009.

4º Em 2009, a edificação foi entregue ao requerente, o qual presumiu que esta estava em boas condições, que tinha sido entregue sem defeitos de construção, e que o requerido tinha cumprido a observância das normas técnicas gerais e específicas da construção bem como as disposições legais e regulamentares aplicáveis ao projeto.

5º Ora, com o decorrer do tempo e pela análise da ficha técnica de habitação, resultou claro que os materiais que tanto os materiais aplicados como a execução do trabalho não respeitou o acordado.

6º Dando lugar a uma série de defeitos supervenientes.

7º Os quais necessitarão de ser reparados.

8º As anomalias que se vão identificar surgiram durante o ano de 2011.

9º Assim, será necessário reparar aberturas de fendas, em paredes interiores de gesso e paredes da garagem, incluindo tapamento de fendas e todos os trabalhos para posterior pintura;

10º Preenchimento das juntas com betume;

11º Reparação da claraboia em divisão do sótão, uma vez que entra humidade;

12º Reparação das escadas interiores em madeira, incluindo lixar e envernizar;

13º Pintura interior;

14º Execução e pintura de muros exteriores;

15º Reparação de fendas abertas no exterior da moradia;

16º Pintura exterior da moradia, incluindo isolante;

17º Colocação da porta da cozinha;

18º E, por último, impermeabilização das paredes da garagem.

19º Ora, estes defeitos supervenientes surgiram dentro do prazo de cinco anos a que se refere o artigo 1225º do Código Civil e, como tal, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra;

20º O dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a eliminação dos defeitos quando estes possam ser suprimidos, como é o caso.

21ºAssim, solicita-se ao requerido, que se pronuncie no sentido de saber se está disposto a cumprir a sua obrigação.

22ºCaso não se disponibilize a reparar os defeitos, intentaremos uma ação judicial com vista a solicitar indemnização no valor do montante despendido com as reparações;

Termos em que requer a notificação judicial avulsa do requerido A A(...) para se pronunciar se está na disposição de efetuar as reparações identificadas e em que prazo.

Mais requer que a presente notificação seja efetuada por funcionário judicial”.

O Tribunal a quo julgou como não provados os seguintes factos:

a. O acordo de empreitada foi celebrado no dia 10 de Janeiro de 2005.

b. O documento descrito 4. foi emitido pelo Réu a pedido dos Autores, apenas para fundamentar um pedido de empréstimo bancário efetuado por estes.

c. As obras iniciaram-se durante a Primavera de 2005.

d. A obra terminou no Verão 2009, tendo sido em Agosto desse ano que a edificação foi entregue aos Autores.

e. O Réu terminou a obra e entregou-a aos Autores em finais de 2005.

f. Os Autores aceitaram a obra sem qualquer reclamação.

g. Os “defeitos” e outros problemas apurados foram verificados pelos Autores em finais de Julho de 2011.

h. As fendas nas paredes têm 1 a 2 cm. de largura.

i. As portas interiores empenaram e não fecham.

j. Os vernizes das escadarias e corrimão estalaram.

k. Os Autores solicitaram a um técnico de construção civil a realização de um parecer.

l. Para reparação dos problemas / “defeitos” existentes, são necessários 650,00 € para o referido em 18.

m.E 430,00 € para o referido em 19.

n. E 1.000,00 € para o aludido em 20.

o. E 4.950,00 € para o fornecimento e execução de pintura interior.

p. E 3.850,00 € para os trabalhos aludidos em 22.

q. E 4.350,00 € para os referidos em 24.

r. E 750,00 € para a reparação da porta da cozinha.

s. O custo total da reparação dos “defeitos” é de 38.155,00 € mais IVA.

t. Para reparar a fendilhação da laje da cobertura é necessário levantá-la, bem como o telhado e substituí-la por nova estrutura e telhado novo.

u. Implicando um custo de 15.000,00 € mais IVA.

v. Em 15.09.2011, os Autores enviaram ao Réu uma carta na qual o informavam da existência de tais defeitos e das supra referidas obras que eram necessárias para a sua reparação.

w. Solicitando ao Réu que procedesse às referidas reparações, concedendo-lhe um prazo de 8 dias para chegarem a acordo, findo o qual intentariam procedimento judicial.

x. O Réu recebeu a referida carta.

y. A construção do tanque e churrasqueira ocorreu em Abril, Maio ou princípios de Junho de 2011.

z. Para fazerem o tanque e depósito de água, os Autores tiveram de cortar parte da laje que estava situada na continuação da casa, tendo para o efeito utilizado um compressor.

aa. Para o rebentamento da laje (barroco) utilizaram explosivos.

bb. Estas obras fizeram tremer toda a casa e provocaram os danos supra referidos (os apurados).

                                                                        III

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (art. 635 nº 3 do nCPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 608 in fine), são as seguintes as questões a decidir:

I - Impugnação do julgamento de facto circunscrito à factualidade subjacente à questão da caducidade.

II – Na hipótese de procedência da 1ª questão - Verificação dos demais pressupostos de procedência da ação.

I - Impugnação do julgamento de facto circunscrito à factualidade subjacente à questão da caducidade.

Vieram os Autores/recorrentes impugnar os factos 5 e 6 da sentença, dados como resposta aos quesitos 3º, 25º e 26º da Base Instrutória.

Pretendendo que seja dado como provado o quesito 3º - Em agosto de 2009 foi a obra entregue aos AA..

Estão assim em crise os seguintes factos, dados como provados, da sentença:

“5. As obras (de construção civil) (…) terminaram até 20.10.2006.

6. A obra foi entregue aos Autores, para sua utilização, entre o Verão de 2006 e 20.10.2006”.

Sendo que, advêm os mesmos, dos seguintes factos controvertidos estabelecidos na base instrutória:

“3 - Em Agosto de 2009, a edificação foi entregue aos Autores?

25 - O Réu terminou a obra e entregou-a aos Autores em finais de 2005?

26 - Os quais a aceitaram, sem qualquer reclamação, tendo começado a habitar a moradia ainda naquele ano?”

Importa referir que, embora o tribunal a quo tenha levado ao probatório as duas versões: a versão dos Autores (que coloca o final e entrega da obra em Agosto de 2009) e, a versão do Réu (que coloca o final e entrega da obra em finais 2005), tal data de entrega, sendo aqui, elemento integrante da invocada exceção de caducidade, constitui facto, cuja prova incumbe ao Réu empreiteiro, por se tratar de facto impeditivo do direito do Autor (artigo 342º, n.º 2 do Código Civil).

 O prazo de cinco anos previsto no art. 1225 nº 1 do Código Civil, contado da data da entrega, constitui ónus probatório do Réu, cabendo-lhe a este provar que o direito foi exercitado para além do prazo, ou seja, que a denúncia dos defeitos foi efetuada para além do prazo de garantia.

O dono da obra que pretende denunciar os defeitos, e simultaneamente, exigir a sua reparação e eliminação, tem apenas de provar a existência de defeitos, cabendo ao empreiteiro a prova de que tal exercício não foi feito no prazo estabelecido por lei ou acordado pelas partes se exceder aquele.

Nesse sentido, citamos a título de exemplo os Acórdãos do STJ, de 26-10-2010, Pr. 571/2002.P1.S1, (Relator: Urbano Dias) e de 15-11-2012, Pr:25106/10.4T2SNT.L1.S1 (Relator: Granja da Fonseca), ambos in www.dgsi.pt.

Assim, tendo o Réu/recorrido invocado a caducidade do direito dos AA. intentarem a ação por decorrido o prazo de cinco anos previsto no artigo 1225 nº 1 do Código Civil, àquele cabe provar os factos essenciais que alegou em sustentação dessa exceção.

A prova há-de incidir, assim, sobre a alegação do Réu de que terminou a obra e entregou-a aos Autores, completa, em finais de 2005, ou com a antecedência de 5 anos sobre a data de 17/11/2011 (data da notificação judicial avulsa), sem que tenha reconhecido os mesmos.

Vejamos se o fez.

Em declarações de parte o Réu reafirmou o por si alegado na contestação, ou seja, o de que a obra foi terminada em 15/09/2005, admitindo, contudo que, em tal data, os AA. estavam na Suíça, onde eram emigrados.

Em declarações de parte o Autor, num depoimento que se nos afigurou credível, seguro, sem demonstrações de autofavorecimento, referiu que em Julho de 2006, a casa não estava toda concluída e havia muitas coisas que estavam mal. Que nessa altura só recebeu uma chave e logo chamou a atenção do Réu de que a casa não estava concluída porque havia muitas coisas para arranjar.  Ficou o Réu com as demais chaves e que, em 2007 e 2008 o Réu andou lá a fazer o remate da casa, porque havia humidade na cave. Que depois de 2006 o Réu continuou com as chaves porque continuou a lá ir. E que, só em 2009 foi à Câmara pedir a licença de habitabilidade porque o Réu, antes, não lhe dava os papéis.

(…) testemunha, de relevante, sobre esta questão, afirmou não saber quando foi a entrega da casa mas que, os AA. vieram, em definitivo, em 2011, e que anteriormente vinham apenas de férias.

(…), engenheiro civil, que realizou o trabalho de um tanque para os AA. em data posterior à dos factos, já fora do contexto da empreitada, referiu que, só com o termo de certificação de habitabilidade é que se pode ligar a água, assim o diz a sua experiência profissional. E que, os testes da Certiel, que servem para verificar se a instalação da eletricidade está correta, só são pedidos depois da obra concluída.

(…), eletricista, mora a cerca de 200 metros da casa e é cunhado do Réu, afirmou que não efetuou qualquer obra no local e que o Réu “deve ter terminado para aí em 2005”, “deve ter entregue para aí em finais de 2005” “acho que no verão de 2006 (o A.) já lá vivia”, suscitando-nos reservas a lembrança desse ano com tanta precisão e, a referência a uma situação que não é pessoal, que não é comum fixar e que ocorreu cerca de 9 anos antes. Veio depois referir que no verão 2006 os AA. foram para lá viver, admitindo depois que continuaram a viver na Suíça. Mais afirmou que, quando se pede um certificado de conformidade de telefone e eletricidade, a obra tem de estar pronta. A inspeção pode reprovar. Têm de estar colocadas tomadas, etc.

(…) disse ter fornecido materiais de construção para aquela obra e que a seguir, em 2005, o Réu foi para uma obra em Almeida. Também este depoimento no respeitante ao conhecimento de datas, suscita-nos reservas de credibilidade porque desacompanhado duma sustentável razão de ciência.

(…), eletricista, efetuou a instalação elétrica na casa dos AA., contratado pelo Réu. Disse não saber quando acabou o trabalho, mas que o eletricista uma vez terminada a instalação elétrica tem de fazer uma carta à Certiel, para que esta mande um engenheiro fazer a inspeção. O resultado da inspeção pode levar 10 dias a chegar. Se houver algum erro pode durar mais. No caso não abandonou a obra enquanto não chegasse o resultado. Para a Câmara passar a licença de habitabilidade tem de ter a certificação da Certiel.

(…), trolha, disse que trabalhou na obra com o Réu. Eram apenas os dois a efetuar toda  a construção. Começaram no fim de 2004 e em 2005 “foi até Setembro”. Apenas voltaram para fazer o muro que não estava incluído no primeiro contrato. Perguntado se, em certos momentos, deixaram a obra “a puxar”, ou seja, a secar, considerando que era uma casa de 3 pisos, ou se, foi tudo encadeado, disse que foi tudo encadeado. Que em setembro acabaram tudo. Mas afirmou-o sem convicção e de forma pouco segura. Depois referiu que, enquanto lá esteve,  não estavam lá a trabalhar os vidros, madeiras e estuque, o que nos leva a concluir que tais trabalhos ocorreram posteriormente.

O alvará de utilização data de Agosto de 2009 (fls. 18), tendo as telas finais sido entregues pelo Autor à Câmara em 04 de Agosto de 2009.

O certificado de exploração da Certiel, Associação Certificadora de Instalações Elétricas, data de 16 de Junho de 2006 (fls. 191).

O certificado da ITED, entidade certificadora da PT Comunicações SA foi emitido em 27 de outubro de 2005.

A avaliação dos registos acústicos tem a data de 31 de julho de 2009.

O Livro de obra tem registada a data de 20/10/2006 como a data em que a obra se encontra concluída, estando assinado pelo Engenheiro (…), o qual não foi ouvido em audiência, tendo ficado a dúvida sobre se em tal data – Outubro de 2006 – o mesmo estaria em Portugal ou estaria já a trabalhar no estrangeiro, como foi sugerido pelo Autor.

A dimensão da obra e as declarações de parte do Autor, nomeadamente quanto à manutenção das chaves pelo Réu para lá do ano de 2006 (facto não desmentido por este) e sua deslocação à casa dos AA. para terminar ou reparar trabalhos, criam-nos uma dúvida legítima quanto à afirmação de que os trabalhos terminaram em finais de 2005, ou mesmo até 16/11/2006 (5 anos antes da notificação judicial avulsa).

O livro de obra, ainda que assinado igualmente pelo Autor e apresentando a data de 20/10/2006, como a do final da obra, não pode ser erigido em documento de prova absoluta, uma vez confrontado com prova idónea que convença do prolongamento de trabalhos para além dessa data. O mesmo se diga do alvará da construção civil que define a validade do mesmo até 04/11/2006 (fls. 16). É da experiência comum que para lá das datas apostas em tais documentos muitos trabalhos são terminados.

As testemunhas do Réu que afirmaram ter a obra terminado em 2005, apenas repetiram uma afirmação sem se perceber como mantinham na memória uma data ocorrida 9 anos antes e sem relação credível com outros factos.

O facto de o Réu ter mantido em seu poder as chaves do imóvel é a nosso ver facto instrumental da sua pretensão em continuar na casa, não tendo a mesma terminada.

E, podia fazê-lo com relativa autonomia, pois que os AA. em 2006 permaneciam emigrados, só tendo regressado a Portugal em 2011.

Essa disponibilidade do Réu sobre a casa, fosse para acabar trabalhos não terminados, fosse para corrigir trabalhos efetuados defeituosamente, não pode deixar de relevar para efeitos de considerar ainda não entregue a obra e impedir a contagem do prazo de caducidade nesse período de tempo.

O conceito “entrega da obra” há-de corresponder a uma entrega com a obra terminada, sem qualquer necessidade, previsível, de efetuar qualquer trabalho no âmbito da mesma empreitada.

O que não aconteceu no presente caso.

Assim, ao contrário do julgado pela 1ª instância não temos como provado que a entrega da obra ocorreu em 2005, nem mesmo até 16/11/2006.

Nesse contexto procede parcialmente a questão da impugnação da matéria de facto, decidindo-se julgar como não provados os seguintes factos:

“5. As obras (de construção civil) (…) terminaram até 20.10.2006.

6. A obra foi entregue aos Autores, para sua utilização, entre o Verão de 2006 e 20.10.2006”.

O regime do artigo 1225º, n.º 1, do CC, prevê um prazo máximo de garantia dentro do qual devem ocorrer e ser denunciados os defeitos, e não exige que a ação judicial destinada a exigir a reparação e/ou indemnização tenha de ser proposta no prazo de 5 anos, o que exige, sim, é que a denúncia seja efetuada durante esse prazo.

Tendo os AA. denunciado defeitos à empreitada realizada pelo Réu e, não estando provado que o tenham feito para além de prazo legal, está a pretensão dos AA. em condições de ser conhecida, julgando-se improcedente a exceção de caducidade invocada.

II - Verificação dos demais pressupostos de procedência da ação.

No âmbito destes autos mostra-se provado que o Réu obrigou-se em relação aos Autores a realizar um certa obra, mediante um preço, estabelecendo-se, assim, entre eles um contrato de empreitada (art. 1207º do CC).

A obra a realizar pelo Réu consistia na construção de um imóvel num lote de terreno: uma casa destinada à habitação, com três pisos, com a área coberta de 145,37 m2, ficando de logradouro a área de 297,62 m2, sita na (...), (...), freguesia de Vilar Formoso, concelho de Almeida.

Os AA. que previamente denunciaram defeitos através da notificação judicial avulsa de 17.11.2011, sem que tal denúncia tivesse logrado qualquer efeito, pedem agora, que os Réus sejam condenados a “eliminar os defeitos e erros de construção, que enuncia”, num prazo não superior a 90 dias após prolação da sentença.

Está provado que a obra sofre de vícios ou imperfeições que reduzem o seu valor e a sua aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato. Não demonstrou o Réu a inexistência de nexo causal entre os mesmos e o trabalho que desenvolveu. Assim, são-lhe os mesmos imputáveis.

Efetivamente, provou-se que:

- Nas paredes do imóvel (descrito em 1.) abriram-se várias fissuras (com um milímetro).

- Nesses locais, a pintura das paredes (também) estalou.

- O remate da claraboia com a telha está mal executado, deixando entrar humidade.

- Nas paredes da cave, por problemas na impermeabilização, são visíveis manchas de humidade na pintura.

- Os muros exteriores (e os pilares) têm o reboco a desfazer-se.

- Os vernizes das escadarias de madeira apresentam manchas ao nível dos degraus.

- As paredes, em algumas zonas, ficaram com o reboco rachado e as pinturas manchadas.

- Tais problemas (“defeitos”) referidos põem em causa a qualidade de vida que os Autores almejavam encontrar na nova casa.

- Para reparação dos problemas/“defeitos” existentes, é necessário executar os seguintes trabalhos: fornecimento e execução de reparação de abertura de fendas, em paredes interiores de gesso e paredes da garagem, incluindo abertura tapamento de fendas e todos os trabalhos para posterior pintura, no valor de 1.125,00 €.

- Limpeza de juntas dos azulejos das instalações sanitárias, incluindo preenchimento de juntas com betume com valor de 100.00 €.

- Fornecimento e execução de reparação de humidade que entra pela claraboia em divisão do sótão, no valor de 200,00 €.

- Existem três zonas com uma fendilhação na laje de cobertura (constituída por deformação diferenciada a nível da flexa entre as zonas maciças e as zonas aligeiradas), da ordem dos centímetros.

Sendo os necessários trabalhos de reparação os seguintes:

- Reparação das escadas interiores em madeira, incluindo lixar e envernizar, bem como todos os trabalhos para um bom acabamento no valor de 500,00 €.

- Fornecimento e execução de pintura interior com tinta de boa qualidade, no valor de 3.500,00 €.

- Fornecimento e execução de muros exteriores, incluindo pintura e todos os trabalhos necessários para um perfeito acabamento, no valor de 2.000,00 €.

- Fornecimento e execução de reparação de fendas abertas nas paredes exteriores da moradia, em que uma delas é necessário picar o reboco, tornar, rebocar e posterior lavagem com jacto de água no valor de, pelo menos, 2.500,00 €.

- Fornecimento e execução de pintura exterior de toda a moradia, incluindo isolante e todos os trabalhos para um bom acabamento no valor de 2.500,00 €.

- Na porta da cozinha, os vidros estão “biselados” e a sua substituição custa 250,00 €.

- Fornecimento e execução de impermeabilização de paredes da garagem com produtos específicos, incluindo picar reboco e execução de novo reboco e pintura no valor de 3.550,00 €.

Ora, no âmbito do contrato de empreitada, o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, sem vícios que reduzam ou excluam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art. 1208º do CC).

No âmbito do contrato de empreitada, do art. 1218º, n.º 1 do CC resulta que se está perante uma situação de cumprimento defeituoso da obra quando:

a) A obra não foi realizada nas condições convencionadas; e

b) A obra sofre de um qualquer vício.

O dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a obtenção do resultado a que ele se obrigou.

Em face da matéria julgada como provada, não restam dúvidas de que a obra construída pelo Réu, empreiteiro, corresponde a um incumprimento defeituoso.

Como bem referiu a sentença recorrida, as desconformidades traduzem-se em desvios ao projeto de obra, expressa ou tacitamente convencionado. Nestes casos, o defeito resulta do facto do empreiteiro realizar obra diferente da que foi estipulada, independentemente de qualquer exclusão ou redução do seu valor, ou da adequação do fim a que se destina.

Os vícios são as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato. Essas deficiências na estrutura de composição da obra para relevarem como defeitos, têm de provocar uma exclusão ou redução do valor daquela, ou da sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, podendo ocorrer estas duas consequências em simultâneo.

E, no caso, dúvidas não haverá que tais vícios são imputáveis ao empreiteiro.

O cumprimento defeituoso da obrigação de realizar a obra, como fundamento de responsabilidade civil contratual, pressupõe a culpa (salvo casos excecionais de responsabilidade objetiva), que consiste na imputação da conduta violadora do dever de cumprimento ao obrigado, num juízo ético de censura.

Na responsabilidade contratual do empreiteiro por defeitos da obra, tem aplicação a regra do art. 799º, n.º 1 do CC, isto é, o dono da obra, ou seja, os Autores, beneficiam da presunção da existência de culpa, respondendo o empreiteiro pelos atos dos seus representantes, trabalhadores e colaboradores (art. 800º, n.º 1 do CC).

Portanto, quando não se mostre excluída a relevância da culpa do empreiteiro na realização da obra com defeitos, esta presume-se, como acontece na responsabilidade contratual.

Ao credor basta demonstrar a materialidade do incumprimento, cabendo ao devedor provar a ausência do nexo de imputação à sua pessoa desse incumprimento, o qual se presume iuris tantum.

Para afastar tal presunção o empreiteiro teria que provar a causa do defeito, sendo-lhe esta completamente estranha, pois que, só assim se exonerará da responsabilidade pelo defeito existente na obra.

Ora, considerando a factualidade provada e a presunção em causa, importa concluir que o incumprimento defeituoso dos trabalhos supra descritos, é imputável ao Réu.

Perante uma defeituosa execução da obra, para se ressarcir dos respetivos prejuízos, o dono da obra em relação ao empreiteiro poderá lançar mão dos direitos previstos nos arts. 1221º, 1222º e 1223º do CC.

« 1- Em contrato de empreitada só da denúncia dos defeitos por parte do dono da obra nascem e vivem os direitos conferidos nos artigos 1221º, nº1, 1222º, nº1, 1223º do CCivil.

2 – Os direitos mencionados em 1 têm uma hierarquia e/ou um regime de prioridade(s).

3 – É que a lei, que naturalmente constrange o empreiteiro ao dever de eliminar os defeitos da obra/vendida - porque tem obrigação de entregar a obra sem defeitos ao comprador, confere-lhe também o direito de eliminar os defeitos que a obra apresenta –o direito de cumprir sem defeitos a sua prestação que, obra humana em movimento, pode aqui ou ali não se apresentar perfeita»  - Ac. STJ de 10-09-2009, Pr. 08B3689 (Pires da Rosa) in www.dgsi.pt.

O dono da obra goza, pois, do direito de exigir a eliminação dos defeitos ou uma nova construção e, só no caso do não cumprimento destas obrigações, poderá exigir a redução do preço ou resolver o contrato.

O exercício dos direitos conferidos pelos arts. 1221º e 1222º do CC não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais (art. 1223º do CC), mesmo que os defeitos tenham sido eliminados ou a obra realizada de novo ou reduzido o preço ou resolvido o contrato.

Ora, in casu, os Autores peticionam a eliminação dos defeitos, o direito primeiramente elencado em tal hierarquia.

Assim sendo, e considerando tudo o que supra se desenvolveu, resta reconhecer-lhes tal direito, ficando o Réu obrigado à realização dos trabalhos supra descritos com vista à sua eliminação.

O prazo de 90 dias requerido para tais trabalhos afigura-se-nos ajustado, para mais tendo o Réu referido ter construído a casa de 3 pisos no espaço de um ano.

Em suma:

- A data de entrega da obra, sendo elemento integrante da exceção de caducidade, constitui facto, cuja prova incumbe ao empreiteiro, por se tratar de facto impeditivo do direito do dono da obra, à eliminação dos defeitos (artigo 342º, n.º 2 do CC).

- O conceito “entrega da obra” há-de corresponder a uma entrega com a obra terminada, sem qualquer necessidade, previsível, de efetuar qualquer trabalho no âmbito da mesma empreitada.

- Na responsabilidade contratual do empreiteiro por defeitos da obra, tem aplicação a regra do art. 799º, n.º 1 do CC, isto é, o dono da obra, beneficia da presunção da existência de culpa, respondendo o empreiteiro pelos atos dos seus representantes, trabalhadores e colaboradores (art. 800º, n.º 1 do CC).

- Para afastar tal presunção o empreiteiro teria que provar a causa do defeito, sendo-lhe esta completamente estranha, pois que, só assim se exonerará da responsabilidade pelo defeito existente na obra.

- Os direitos mencionados nos artigos 1221º nº 1, 1222º nº 1 e 1223º do Código Civil têm uma hierarquia e/ou um regime de prioridade(s).

                                                                        IV

Termos em que, acorda-se em julgar a apelação procedente revogando-se a sentença recorrida que se substitui por outra, condenando-se o Réu a eliminar os defeitos elencados supra, na casa dos Autores, no prazo de 90 dias.

Custas pelo Réu apelado.

Anabela Luna de Carvalho ( Relator )

João Moreira do Carmo

José Fonte Ramos