Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1643/10.0TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO
OBJECTO
REGISTO
INSCRIÇÃO PREDIAL
DESCRIÇÃO PREDIAL
Data do Acordão: 11/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – 1.º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2.º E 7.º DO C. REGISTO PREDIAL
Sumário: 1 - A presunção registal de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial – preceito em que se diz que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” – não abarca os elementos da descrição registal, mas apenas o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado.

2 - Efectivamente, o que se regista (o objecto do registo), como decorre do art. 2.º do C. Registo Predial, são os factos jurídicos (a compra e venda, a permuta, a sucessão) e não as situações jurídicas a que se pretende dar publicidade (o direito de propriedade ou outros); querendo-se assim dizer, com o art. 7.º do C. Registo Predial, que o facto jurídico definitivamente registado (“o registo definitivo”) faz presumir que o direito resultante do facto jurídico registado existe e pertence a quem assim é considerado no facto jurídico registado.

3 - Daí que a presunção (de titularidade constante do art. 7.º) diga respeito e se reporte apenas e só à inscrição predial, que é o único acto registal em causa (a descrição não é um registo, mas o suporte para o mesmo); daí, consequentemente, que os elementos da descrição registal (que não fazem parte do que se regista) não estejam abarcados pela presunção (de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial).

4 – Ademais, a função primacial do registo predial é publicitar as situações jurídicas reais, mas o seu efeito não é, em regra, atributivo de direitos reais; o que quer dizer que em caso de divergência entre a ordem substantiva e a ordem registal é a primeira que prevalece e que significa que a situação substantiva do prédio não é alterada se a descrição tiver uma área maior (ou menor) que a real (uma vez que a descrição predial não é um facto aquisitivo com eficácia real).

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... e esposa B..., residentes na Rua ..., em Castelo Branco, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra a Freguesia de C... , pedindo

Que se “declarem os AA. donos e legítimos possuidores dos prédios constantes do artigo 1.º (…) inclusive das faixas de terreno ocupadas”;

Que se “condene a R. a restituir tais faixas de terreno aos AA. e a retirar o poste de electricidade” e, ainda, “a pagar os danos causados aos AA., em sede de liquidação de sentença”.

Alegaram, em síntese, que compraram (em 2001) à R. os prédios – lotes 34 e 35 do loteamento n.º 1/1998 realizado pela própria R. e habitualmente denominado de Loteamento da D... – que descrevem no artigo 1.º da PI e que se encontram, desde a compra, na posse contínua, pacífica, pública e de boa fé dos aludidos prédios; sucedendo que, no início de 2008, a R. abriu uma estrada em alcatrão (no referido Loteamento da D...), com mais de quatro metros de largura, ocupando com a mesma um terço da área de ambos os lotes/prédios 34 e 35 e colocou um poste de electricidade no interior do lote/prédio 35, junto da estrema sul, ocupações e colocação que, limitando as suas áreas, impedem que seja dado aos lotes o fim/destino (construção de moradias unifamiliares) tido em vista pelos AA. quando os adquiriram.

A R., representada pelo Ministério Público, apresentou contestação onde, em resumo, alegou que, quando os AA. adquiriram os seus lotes 34 e 35, já estes estavam fisicamente demarcados e efectuados os arruamentos e infra-estruturas, tendo os lotes a configuração física que hoje possuem; negando pois que o arruamento (estrada em alcatrão) referido na PI tenha sido efectuado em 2008, já que foi concluído ainda no ano de 1997. E, quanto à colocação de postes de electricidade, diz ser alheia à mesma e que tal colocação é da exclusiva competência e responsabilidade da EDP.

Explicou e admitiu ainda, mais detalhadamente, que, na execução da estrada que faz a ligação do loteamento a C..., na zona próxima do Lagar, a construção da ponte sobre a ribeira que aí se encontra apresentou dificuldades técnicas que ditaram uma ligeira alteração no traçado dessa estrada, que levou à eliminação da curva projectada à entrada do loteamento e a uma deslocação de todo o loteamento acompanhando o novo traçado da referida estrada; porém, a construção de tal estrada e dos demais arruamentos e passeios do loteamento, nomeadamente o arruamento e passeios que se encontram junto dos lotes 34 e 35 (de que são proprietários os AA.), são muito anteriores à compra e venda efectuada aos AA. (porquanto a realização dos arruamentos do Loteamento da D... – e a construção de todos os acessos e infra-estruturas urbanísticas do Loteamento da D... – foi iniciada no ano de 1996 e a última factura paga à sociedade E..., SA. data de 25/8/1997, estando então a obra concluída). E mais acrescentou que a Freguesia de C... sempre se mostrou colaborante e, para os particulares adquirentes não serem prejudicados, por mais de uma vez abdicou de espaço ou parcelas a ela pertencentes para as incluir em lotes de forma a perfazer e até ultrapassar a área constante da planta de loteamento, postura que aliás teve também com os AA.; de tal modo que, quanto ao lote 35, que tem, na verdade, a área de 1.365,87 m2 (isto é, menos cerca de 30 m2), sempre foi intenção da R. ceder aos AA. a parcela identificada com o n.º 1 no doc. n.º 5, com a área de 205,159 m2; e, quanto ao lote 34, que tem na realidade uma área inferior à constante da escritura, também sempre foi intenção da R. ceder aos AA. as parcelas identificadas com os n.º 2 e 3 no doc. n.º 5 (com as áreas de 31,852 m2 e 100,043 m2), não obstante a área dos lotes nunca ter sido para os AA. um elemento essencial do negócio, na medida em que os AA. se limitaram a manifestar a sua vontade em adquirir os lotes 34 e 35 tal como já se encontravam fisicamente demarcados no local e, portanto, com as áreas que apresentavam à data da escritura e que correspondem às que actualmente apresentam.

Concluiu pois pela total improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido; sustentando e peticionando, ainda, que os AA. devem ser condenados como litigantes de má fé.

Os AA. responderam, mantendo a posição assumida na PI e peticionando a condenação da R. como litigante de má fé; articulado que, porém, apenas foi admitido na parte em que respondeu ao pedido (formulado na contestação) de condenação dos AA. como litigantes de má fé.

Foi proferido despacho saneador – em que se julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e foi organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, após o que foi instruído o processo e realizada a audiência, tendo a Exma. Juíza proferido sentença, em que concluiu do seguinte modo

“ (…) julgo a presente parcialmente procedente e, em consequência, decido:

a. Declarar que os AA. são donos dos seguintes prédios:

- prédio urbano, composto de lote de terreno para construção urbana, designado de lote 34, sito na D..., freguesia de C..., concelho de Castelo Branco, inscrito na respectiva matriz sob o art. 2153, com a área de 556,88 metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 1550.

- prédio urbano, composto de lote de terreno para construção urbana, designado de lote 35, sito em D..., freguesia de C..., concelho de Castelo Branco, inscrito na respectiva matriz sob o art. 2154, com a área de 1365,90 metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 1551. constantes do artigo 1.º da petição inicial.

b. Condenar a R. a reconhecer os AA. como proprietários dos prédios identificados em a..

c. Absolver a R. de tudo mais que contra si foi peticionado.

d. Não condenar, nem os AA. nem a R. como litigantes de má fé.

e. Condenar AA. e RR. nas custas do processo, na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixa em 80% para os AA. e em 20% para a R..

 (…)”

Inconformados com tal sentença, interpuseram os AA. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção essencialmente procedente.

Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª A presente acção assenta num primeiro momento no reconhecimento da propriedade em toda a sua extensão, composição e área dos prédios vendidos pela R. aos AA. (lotes 34 e 35).

Para tanto, os AA. alegaram que são donos e possuidores dos prédios acima descritos com as seguintes dimensões: o art.1550 com a área de 671,40m2; e o art.2154 com a área de 1365,90 m2.

2ª Analisando o douto despacho saneador e matéria dada como provada, consta da alínea A do saneador e dos factos provados da sentença sob o nº01, que os AA. são donos e legítimos possuidores dos seguintes prédios, ambos adquiridos à R.: (…)

3ª Os AA. compraram à R. os prédios com a área e composição considerada provada em nº1, o que esta reconhece (a propriedade vendida e transmitida por escritura pública foi com as dimensões constantes do nº01 dos factos provados), factos provados sendo indiferente para a boa decisão da causa, nesta parte, se a área que efectivamente utilizam é inferior ou superior (nº23 dos factos provados), tal interessará, somente, quanto à decisão do pedido formulado quanto às faixas de terreno ocupadas pela R., como infra se verá.

A aquisição de propriedade de imóveis dá-se nas formas previstas na lei, no caso dos autos a compra e venda (art.874º e 875º C.C), sendo este negócio gerador dos efeitos translativos da propriedade da coisa, tal como esta foi vendida e consta da escritura de compra e venda e do registo predial. (cfr. art.879º al. A do C.C.).

4ª A R. reconhece que os AA. são donos dos prédios com as áreas que lhes foram vendidas, independentemente da área efectivamente ocupado, estando por tal disposta a ceder área para completar a área vendida.

5ª A sentença recorrida ao não ter reconhecido a propriedade total dos imóveis violou as referidas disposições legais.

6ª O projecto de loteamento da D... foi deslocado do local da sua implantação, devido a um erro de construção de uma estrada (cfr. nº17 a 21 dos factos provados da sentença) o que levou a alguns lotes, entre os quais os dos AA. tenham ficado com áreas diferentes das constantes da planta de loteamento e das que lhes foram vendidas por escritura pública.

Apesar, disto a R. nunca rectificou o projecto de loteamento.

7ª Os AA. são donos de dois lotes de terreno que nunca poderão albergar uma construção no bom rigor da lei, face à incúria da R. que nunca alterou a implantação do seu loteamento.

8ª Com a deslocação de todo o loteamento, devido à eliminação da curva projectada à entrada do loteamento, o qual não foi rectificado no respectivo projecto e alvará, levou a que o poste de electricidade colocado pela EDP (nº16 dos factos provados) ficasse fora do local projectado.

Aliás, ele foi implantado no local projectado o que se “moveu” foi o terreno.

Assim, por incúria da R. o poste de electricidade foi implantado pela responsável EDP no local projectado, dada a falta de rectificação do projecto de loteamento levou a que o poste ficasse no interior do lote face à planta aprovada e não rectificada.

Desta forma, deve a R. ser responsabilizada pela remoção do poste de electricidade.

9ª A juiz “a quo” considerou que a presunção derivada do registo não abrange os elementos de identificação, área e limites que constam da descrição predial, o que significa que se tais elementos forem postos em causa, o reivindicante não pode beneficiar da presunção por forma a considerar-se que a propriedade foi adquirida com a área que consta do registo, quando é certo que está provado que a actuação da R. sobre o lote 34 ocorreu antes da celebração da escritura.

Para se decidir nestes termos carecia o tribunal que fosse pedida a rectificação da escritura pública de compra e venda e declarada previamente, o que até à data não ocorreu, pelo que a decisão é nula nos termos do art.668º nº 1 als. D e E.

10ª Todo o projecto de loteamento é da responsabilidade da R., a qual não rectificou o projecto face à deslocação de todo o loteamento, devido à eliminação da curva projectada à entrada do loteamento, deverá a R. ser condenada a pagar aos AA., em liquidação de sentença, todos os danos sofridos, quanto mais não seja a título de negligência, que se vierem a apurar e que até à data não estão quantificados, por se desconhecer a intervenção necessária no terreno.

A R. respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida quaisquer normas substantivas, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II – Fundamentação de Facto

Os factos, lógica e cronologicamente alinhados, são os seguintes:

1. Na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco consta o seguinte:

a) Prédio urbano, composto de um lote de terreno para construção urbana, designado por lote 34, sito em D..., freguesia de C..., concelho de Castelo Branco, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2153, com a área de 671,40 m2, descrito na Conservatório do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 01550/180298, estando a aquisição decorrente da compra referida em 2, em 1.º lugar, inscrita a favor dos AA. através da ap. 06/31052001.

b) Prédio urbano, composto de lote de terreno para construção urbana, designado de lote 35, sito em D..., freguesia de C..., concelho de Castelo Branco, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2154, com a área de 1365,90 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo Branco sob o n.º 01551/180298, estando a aquisição decorrente da compra referida em 2, em 2.º lugar, inscrita a favor dos AA. através da ap. 17/31012001.

2. Por escritura pública, outorgada no dia 15 de Maio de 2001, F..., na qualidade de Presidente da Junta de Freguesia de C... e A..., casado sob o regime de bens da comunhão de adquiridos com B..., declararam respectivamente vender e comprar, pelo preço de 537.120$00 o lote de terreno identificado em 1. a).

   Por escritura pública, outorgada no dia 17 de Janeiro de 2001, F..., na qualidade de Presidente da Junta de Freguesia de C... e A..., casado sob o regime de bens da comunhão de adquiridos com B..., declararam respectivamente vender e comprar, pelo preço de 1.092.720$00 o lote de terreno identificado em 1. b).

3. Prédios/lotes que se destinam à construção de moradias unifamiliares. (alínea C) dos factos assentes).

4. Tais prédios, adquiridos pelos autores, fazem parte do loteamento n.º 1/1998, realizado pela Junta de Freguesia de C..., habitualmente denominado de Loteamento da D.... (alínea D) dos factos assentes).

5. Figurando na planta então elaborada como lotes 34 e 35 (alínea E) dos factos assentes).

6. Tal loteamento foi planeado pela Junta de Freguesia de C... com o objectivo de desenvolver o local, abarcando uma zona industrial e uma zona residencial, com vista a atrair e aí fixar população. (alínea F) dos factos assentes).

7. E, por essa razão, sempre foi intenção da ré fixar um preço quase simbólico ou pelo menos muito inferior ao preço de mercado por metro quadrado de cada um dos lotes, conforme resulta da acta n.º 5 da Assembleia de Freguesia de C..., datada de 07 de Setembro de 1996 (alínea G) dos factos assentes).

8. Em 07 de Setembro de 1996 os lotes que iriam integrar o futuro Loteamento da D... já estavam fisicamente demarcados nos seus limites, assim como estava determinada a implantação dos arruamentos e a realização da rede de esgotos já tinha sido adjudicada (resposta ao artigo 13.º da base instrutória).

9. Na execução da estrada que faz a ligação do loteamento a C..., na zona próxima do lagar, a construção da ponte sobre a ribeira que aí existe conheceu dificuldades técnicas que levaram a uma alteração no traçado dessa estrada, mediante a eliminação da curva projectada à entrada do loteamento (resposta ao artigo 14.º da base instrutória).

10. Tal alteração levou a uma deslocação de todo o loteamento, acompanhando o novo traçado da referida estrada (resposta ao artigo 15.º da base instrutória).

11. A deslocação do loteamento levou a que alguns lotes de terreno ficassem com áreas diferentes daquelas que constavam da planta de loteamento (resposta ao artigo 16.º da base instrutória).

12. Por isso, com o objectivo de que os particulares adquirentes não fossem prejudicados, a R. chegou a abdicar de espaço ou parcelas a ela pertencentes, para as incluir em lotes, por forma a perfazer e até ultrapassar a área constantes da planta de loteamento (resposta ao artigo 17.º da base instrutória).

13. A área efectiva do prédio identificado em 1. a) dos factos assentes é de 556,88 metros quadrados (resposta ao artigo 22.º da base instrutória).

14. E a do prédio identificado em 1. b) é a área efectiva de 1365,99 metros quadrados (resposta ao artigo 18.º da base instrutória).

15. A ré dispõe de duas parcelas identificadas com os n.ºs 2 e 3 no documento junto sob o n.º 5 com a contestação, as quais poderão ser cedidas aos AA. (resposta ao artigo 23.º da base instrutória).

16. A construção dos demais arruamentos e passeios do loteamento, nomeadamente os arruamentos e passeios junto dos prédios identificados em 1. é anterior a 17.01.2001 (resposta ao artigo 25.º da base instrutória).

17. A construção dos acessos e infra-estruturas urbanísticas do Loteamento da D... foram entregues à sociedade “ E..., S.A.” (resposta ao artigo 26.º da base instrutória).

18. A ré pagou à referida construtora para realização da obra de construção dos acessos e infraestruturas urbanísticas do Loteamento da D... uma factura datada de 25.08.1997 (resposta ao artigo 27.º da base instrutória).

19. Por intervenção da ré, pelo menos desde a conclusão da obra de construção dos acessos e infra-estruturas urbanísticas do loteamento da D..., o prédio identificado em 1.a) não foi alterado na sua configuração, localização e dimensão (resposta ao artigo 31.º da base instrutória).

20. A ré fez passar pela parte norte e nascente, dentro do prédio identificado em 1.a), uma estrada em alcatrão, com mais de quatro metros de largura. (alínea H) dos factos assentes)

21. Estrada que ocupou ao prédio identificado em 1.a) 93,90 metros quadrados, na proporção de 14%, da área declarada na escritura de compra e venda (resposta ao artigo 2.º da base instrutória).

22. A estrada em alcatrão referida em 8) foi passar também, com a mesma largura, na parte nascente dentro do prédio identificado em 1.b). (alínea I) dos factos assentes)

23. Os autores adquiriram os prédios por terem considerado vantajosa a sua relação área/preço (resposta ao artigo 7.º da base instrutória).

24. O prédio identificado em 1.a) tem um valor mínimo de mercado de 20.146,06 € e o prédio identificado em 1. b) tem um valor mínimo de mercado de 26.987,54 € (resposta ao artigo 5.º da base instrutória).

25. Os prédios identificados em 1.a) e 1.b) nunca foram objecto de qualquer processo de expropriação por utilidade pública. (alínea J) dos factos assentes)

26. A ré nunca negociou com os autores a cedência, a qualquer título, da faixa de terreno por onde passa a estrada. (alínea L) dos factos assentes)

27. No projecto respeitante às infra-estruturas de electricidade e iluminação pública do loteamento da Defesa da Freguesia de C..., foi prevista a colocação de um poste de electricidade junto à estrema sul do prédio identificado em 1. a) (resposta ao artigo 9.º da base instrutória).

28. A implantação do poste foi efectuada pela EDP (resposta ao artigo 10.º da base instrutória).


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III – Fundamentação de Direito

O fulcro do presente litígio – o objecto do processo e do recurso – reside, todo ele, nas áreas dos dois prédios/lotes adquiridos pelos AA. à R.; uma vez que é a partir de tais áreas – das concretas áreas que, segundos os AA., eles têm que ter – que estes alicerçam as violações aos seus direitos de propriedade (por parte da R.) e as consequentes restituições e indemnizações pelos danos causados.

Com o que procedemos à delimitação do objecto do recurso e das questões sob apreciação e, por outro lado e acima de tudo, chamamos a atenção para o facto de nunca ter havido qualquer discussão ou controvérsia, no contexto do presente concreto litígio entre AA. e R., quanto à propriedade dos prédios/lotes (34 e 35) adquiridos pelos AA. à R.[1].

De tal maneira que estamos perante um caso a que, com o devido respeito, não serão inteiramente aplicáveis a totalidade das habituais considerações sobre a insuficiência da “invocação de um negócio translativo da propriedade para caracterizar a causa de pedir”.

Sem prejuízo de, via de regra, ser de facto assim, isto é, não basta a invocação e prova do título de aquisição do direito do autor – v. g., a escritura/contrato de compra e venda ou de doação – uma vez que tal título só prova que, sendo o alienante o legítimo titular do direito alienado, o autor adquiriu bem, mas não prova, em definitivo, a bondade do título de aquisição do alienante; porém, isto é assim – é, via de regra, assim – porque a contraparte trata logo de dizer/invocar que ignora se o alienante era o titular legítimo do direito alienado (com o que, diz-se, sujeita o autor a uma prova diabólica em cadeia e para o passado[2]).

Mas não é esta, compreensivelmente, a hipótese dos autos/recurso.

Sendo a R. a própria alienante, não contestou, como é evidente, a bondade do título de aquisição da alienante (dela própria); com o que aceita, sem qualquer tergiversação, que as compras e vendas (respeitantes aos lotes/prédios 34 e 35) outorgadas pelas escrituras referidas em 2 (dos factos provados deste acórdão) produziram quer o efeito obrigacional referido no art. 879.º/b) do C. Civil quer o efeito real (em face do princípio da consensualidade constante do art. 408.º do C. Civil) referido no art. 879.º/a) do C. Civil; assim como aceita, em consonância com tal transmissão/aquisição da propriedade, a aquisição derivada da posse (a tradição material ou simbólica a que alude o art. 1263.º, b), do CC), hipótese em que a posse – causal[3] – é uma projecção ou expressão do direito real, constituindo uma faculdade jurídica secundária do direito subjectivo.

Enfim, insiste-se, quer a propriedade quer também a posse dos AA/apelantes sobre os prédios/lotes (34 e 35) nunca foi um tema/questão controvertido; a R. aceita-os em todos os momentos da sua contestação.

E falamos nisto por a fundamentação da sentença recorrida ter seguido a “via comum e tabelar” e por, nessa linha de pensamento, se ter abstido de declarar os AA. “possuidores” dos prédios/lotes (34 e 35) por considerar a respectiva alegação dos AA. conclusiva[4].

Mais uma vez – agora sobre a alegação da posse – via de regra é/será assim; ou seja, se a questão nuclear, se a discussão/controvérsia pura e dura do litígio, é sobre a posse – sobre o exercício ou não de poderes de factos sobre a coisa – o autor não se pode limitar a dizer, como fazem os AA., que “se encontram na posse contínua, pacífica, pública e de boa-fé dos aludidos prédios”, uma vez que, como é evidente, uma tal alegação é/será, em boa verdade, factualmente “inexistente”.

Todavia, como já explicámos, não é este o caso dos autos/litígio.

O que, à partida, era reputado como uma alegação mal feita (na perspectiva duma exposição factual como deve de ser), converteu-se, em face da posição tomada pela R. na contestação, numa alegação suficiente; não colocando a R. em causa a propriedade e a posse dos AA. sobre os prédios/lotes (34 e 35), tudo que os AA. omitiram, em termos do que seria uma alegação factual consubstanciadora dos seus poderes materiais sobre os prédios/lotes e sobre a susceptibilidade de tais poderes já haverem conduzido à usucapião, perdeu relevo prático e processual.

Enfim – voltamos ao que dissemos no princípio – a questão, toda a questão, dos autos/recurso – está pois nas áreas dos dois prédios/lotes adquiridos pelos AA. à R.; ponto em que a R. não aceitou (naturalmente, ou não teríamos sequer litígio) a posição/alegação dos AA/apelantes.

E sobre tal questão a primeira observação a efectuar é justamente a de dizer que os AA/apelantes, verdadeiramente, não fizeram qualquer alegação específica[5]; apenas se conseguindo extrair da sua curta PI que construíram (e continuam a construir) todo o seu raciocínio a partir das áreas, dos m2, que estão mencionados na descrição predial dos dois lotes/prédios, áreas e m2 que reputam – é o ponto axial do seu raciocínio – como incluídos na presunção derivada do registo.

Mas não é assim[6]; é completamente pacífico, perdoe-se-nos o convencimento, que não é assim; ou seja, a presunção registal de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial – preceito em que se diz que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” – não abarca os elementos da descrição registal, mas apenas o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado.

É o que deriva com cristalina clareza da finalidade e função do registo predial, o que, por consequência, torna o “resultado” do facto jurídico inscrito (isto é, o direito que resulta do facto jurídico inscrito, a situação jurídica publicitada) o único quid susceptível de ser reportado à presunção de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial.

Basicamente, pelas seguintes razões[7]:

O C. Reg. Predial, logo no seu art. 1.º, proclama que “o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”, ou seja, a finalidade do registo predial consiste em dotar a ordem jurídica de um dispositivo organizado que permita a qualquer interessado aferir da existência e titularidade dos direitos reais incidentes sobre prédios.

Mas, para tal, o que se regista (o objecto do registo), como decorre inequivocamente do art. 2.º do C. Registo Predial, são os factos jurídicos (a compra e venda, a permuta, a sucessão) e não as situações jurídicas a que se pretende dar publicidade (o direito de propriedade ou outros)[8]; ou seja, inscrevem-se factos jurídicos[9] para, desta forma, dar a conhecer aos interessados a situação jurídica dos prédios (cfr. art. 1.º do C. Registo Predial).

E é justamente aqui, tendo por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios (art. 79.º/1 do C. Registo Predial) a que se referem os actos do registo – como suporte/instrumento para a inscrição/registo de factos jurídicos – que tem lugar e se mostra necessária a existência duma descrição predial; sem a qual (sem que a descrição do prédio esteja aberta/lançada[10]) nenhum acto registal – seja inscrição ou seja averbamento – pode ser feito e daí também (justamente por a descrição ser sempre instrumental em relação a um acto registal) que a descrição apenas possa ser feita na dependência de uma inscrição ou de um averbamento (art. 80.º/1 do C. Registo Predial).

Enfim, a descrição predial procede à individualização, caracterização e diferenciação dum prédio, tendo em vista dar uma pública compreensão do mesmo e, por via disso, tornar inteligível o prédio a que se referem os factos registados, assim publicitando com clareza os factos jurídicos inscritos.

Por tudo isto o que no art. 7.º do C. Registo Predial se dispõe; que, “traduzido”, quer dizer que facto jurídico definitivamente registado (“o registo definitivo”) faz presumir que o direito resultante do facto registado existe e pertence a quem assim é considerado no facto jurídico registado[11] (“constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”).

Daí que a presunção (de titularidade constante do preceito) diga respeito apenas e só à inscrição predial, uma vez que a inscrição é o único acto registal em causa (a descrição não é um registo, mas o suporte para o mesmo); daí, consequentemente, que os elementos da descrição registal (que não fazem parte do que se regista) não estejam abarcados pela presunção (de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial); daí a afirmação inicial da presunção apenas abarcar o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado (que uma inscrição de compra e venda traz, como resultado, a presunção do comprador ser o proprietário).

Não sendo assim pertinente objectar que quem consulta o registo predial tenderá a confiar nos elementos da descrição (constando eles duma repartição pública organizada e mantida pelo Estado) e que tais elementos podem vir a ser determinantes na celebração dum negócio jurídico, um vez que – importa ter sempre presente – a função primacial do registo predial é, como se referiu, publicitar as situações jurídicas reais, mas o seu efeito não é, em regra[12], atributivo de direitos reais[13]; o que quer dizer que em caso de divergência entre a ordem substantiva e a ordem registal é a primeira que prevalece; o que significa – não se repercutindo a descrição predial sobre a situação substantiva do prédio – que esta (a situação substantiva) não é alterada se a descrição tiver uma área maior (ou menor) que a real, se as confrontações estiverem mal feitas, se se omitiram construções existentes e, ainda, que um proprietário cuja descrição “ganhou” área ao prédio do vizinho por declaração falsa ou inexacta no registo não se torna proprietário da área que não é sua enquanto não ocorrer um facto aquisitivo com eficácia real a seu favor (e a descrição predial não é, obviamente, um facto com virtualidade para tal).

Concluindo – e sintetizando o que já foi juridicamente exposto – temos que os AA./apelantes são os proprietários (e possuidores causais) dos prédios/lotes 34 e 35 identificados no facto 1 deste acórdão (quer por os haverem adquirido da R. – que, naturalmente, não colocou em causa a bondade do seu título de aquisição e da posterior transmissão – quer pela presunção decorrente dos registos de aquisição).

Mas – também já o acabámos de explicar – a declaração/reconhecimento de serem proprietários de tais prédios não significa, não traz acoplada/associada, a inerência dos seus direitos de propriedade incidirem, necessária e automaticamente, sobre tantos m2 quantos os m2 que constam da identificação que a descrição predial faz dos prédios.

Aliás, neste ponto da exposição, vale a pena, corroborando o que na sentença se referiu sobre a natureza – real – da presente acção, chamar a atenção para o seguinte:

Dá-se a coincidência, já o referimos, de ter sido a R. que transmitiu aos AA. os direitos de propriedade que estes invocam, porém, não é na fase estática ou executiva dos contratos de compra e venda, celebrada entre AA. e R., que os AA. situam a presente acção; é já recorrendo ao “estatuto real” adquirido pelos AA. que a presente acção tem a sua sede.

Efectivamente, os AA./apelantes não invocam que os lotes, quando lhes foram vendidos, tinham menos área que a que lhe havia sido assegurada/prometida pela R/vendedora[14]; e não pretendem (nem peticionam), por via disso, exercer qualquer um dos direitos que, em tese geral, a lei confere ao comprador de coisa defeituosa. Dito doutro modo, os AA. não atribuem qualquer vício ou falta de qualidade às coisas/lotes quando foram vendidas; dizem antes e apenas que, em 2008, isto é, 7 anos após a formalização dos contratos de compra e venda, a R. colocou um poste de electricidade no interior do lote 45 e ocupou uma terça parte de cada um dos lotes/prédios (com a construção duma estrada) de que são proprietários[15].

Daí que apenas estejam – e/ou apenas sempre hajam estado – em causa os “reais” limites dos prédios/lotes dos AA.; a circunstância de ter sido a ora R. a transmitente dos direitos de propriedade invocado pelos AA. não passa duma “coincidência”, uma vez que a sua (da R.) posição é exactamente igual à de qualquer outra pessoa que ouse violar, na perspectiva dos AA., os seus direitos (absolutos) de propriedade.

Sendo assim, em síntese, o êxito da pretensão dos AA/apelantes passa/ria pela prova dos “reais” limites (das áreas pressupostas nos raciocínio dos AA/apelantes) dos seus prédios/lotes e, além disto, pela prova de que tais “reais” limites foram violados pela R. em 2008 (configurando o desrespeito por tais “reais limites” os factos perturbadores do uso e fruição exclusivos dos AA/proprietários e dando assim lugar à restituição e a uma indemnização por danos, nos termos conjugados dos art. 1305.º, 1311.º e 483.º e ss do C. Civil).

Provas estas que não lograram produzir.

Os limites físicos e as áreas dos prédios/lotes dos AA. (adquiridos 9 anos antes da instauração da acção) haviam por certo de ser dados, em sede de facto, em 1.ª linha, pelas peças, desenhos e plantas que foram oportunamente sujeitos a aprovação na entidade administrativa competente para licenciar o loteamento e conceder o respectivo alvará.

Tema (limites físicos e “reais” áreas dos prédios/lotes dos AA.) em que, pese embora a quase total ausência de contributos por parte dos AA/apelantes (na PI), se acabou por dar como provado – decerto a partir das explicações e alegações da R. – o que se refere nos factos 8 e seguintes deste acórdão, que, em resumo, é o seguinte:

Que o que está executado em termos de loteamento não corresponde exactamente ao que foi/está licenciado, uma vez que, na zona próxima do lagar, a construção da ponte sobre a ribeira conheceu dificuldades técnicas que levaram a uma alteração no traçado dessa estrada, o que obrigou a uma deslocação de todo o loteamento para acompanhar o novo traçado da estrada, havendo, em consequência, lotes que ficaram com áreas diferentes daquelas que constam da planta de loteamento.

Que o lote 34 tem/ficou com uma área de 556,88 m2; e o lote 35 tem/ficou com uma área de 1365,99 m2.

Que tal situação – “deslocação” de todo o loteamento e lotes com áreas diferentes daquelas que constam da planta de loteamento – está consumada/estabilizada desde data anterior a 17.01.2001; não tendo havido desde então (desde data anterior a 17.01.2001) qualquer intervenção da R. a alterar a configuração, localização e dimensão os lotes.

Resulta pois da factualidade dada como provada que os lotes/prédios 34 e 35 têm, hoje, exactamente os mesmos limites e áreas que tinham quando, em Janeiro e Maio de 2001, os AA/apelantes os adquiriram à R; o que significa – é a conclusão que cumpre enfatizar – que não se provou ter ocorrido qualquer uma das concretas violações (dos direitos de propriedade) imputadas pelos AA/apelantes à R. apelada; ou seja, não se provou que, em 2008, isto é, 7 anos após a formalização dos contratos de compra e venda, a R. haja colocado um poste de electricidade no interior do lote 45, assim como não se provou que haja ocupado uma terça parte de cada um dos lotes/prédios (com a construção duma estrada) de que são proprietários.

O que – não se ter provado qualquer uma das concretas violações imputadas pelos AA/apelantes à R./apelada – é só por si suficiente para concluir pela total improcedência da acção (estamos, naturalmente, a pensar apenas na parte da acção em que havia/há controvérsia e litígio).

Efectivamente, como já referimos, não estamos perante uma acção em que os AA/apelantes invoquem o cumprimento defeituoso da obrigação de entrega da coisa (imposta pelo art. 879.º/b) do C. Civil); os AA./apelantes não invocam, repete-se, que os lotes, quando lhes foram vendidos, em 2001, tinham menos área que a que lhe havia sido assegurada/prometida, ao invés, ao situarem a “subtracção” da área em 2008, até estão de certo modo a reconhecer que lhes foram entregues e receberam as coisas/lotes asseguradas/prometidas.

Vem isto a propósito de, agora, “mudando de agulha”, os AA. se pretenderem aproveitar do facto de, diferentemente do que haviam alegado/invocado, ter ficado provado que o loteamento não corresponde exactamente ao que foi/está licenciado, que houve uma deslocação de todo o loteamento, que os lotes ficaram com áreas diferentes daquelas que constam da planta de loteamento, que o lote 34 tem/ficou com uma área de 556,88 m2, que a R fez passar pela parte norte e nascente, dentro dos lotes 34 e 35, uma estrada em alcatrão, com mais de quatro metros de largura, com o que ocupou 93,90 m2 do lote 34 (tal qual este se encontraria desenhado na planta e demais peças que deram lugar ao alvará de loteamento).

Só que – pondo de lado os obstáculos processuais que se colocariam à utilização de tais factos como causa de pedir do que os AA/apelantes pretendem – mesmo de tais factos não resulta, a nosso ver, que noutro qualquer e diferente (de 2008) momento temporal os “reais” limites dos seus prédios/lotes hajam sido alguma vez violados pela R..

É verdade – não se contesta – que está provado/confessado que o loteamento não foi executado em harmonia com o que foi administrativamente aprovado, porém, era exactamente assim – incorrectamente executado, em face do alvará – que “realmente” o loteamento e os lotes estavam quando os AA/apelantes, em 2001, adquiriram à R. os lotes 34 e 35.

Assim, em termos de direito privado, era essa a realidade substantiva existente, pelo que, naturalmente, só essa “realidade” poderia ser transmitida e adquirida pelos AA/apelantes; o que sucedeu de menos correcto – ou o que está por fazer para corrigir o que foi feito de menos correcto – no âmbito da relação jurídico administrativa é nessa sede, pelos seus meios substantivos e processuais próprios e na jurisdição que lhe está reservada que deve, se for o caso, ser dirimido.

Tanto mais que, refere-se mais uma vez, a posição dos AA/apelantes não é a de alegar que a R. prometeu e assegurou exactamente o que estava desenhado nas plantas, hipótese em que, não cumprindo, se seguiria a consequente responsabilidade contratual; e não – tendo presente a provada circunstância de, na zona próxima do lagar, a construção da ponte sobre a ribeira ter obrigado a uma alteração no traçado dessa estrada, o que obrigou a uma “deslocação” de todo o loteamento – a compressão da realidade predial envolvente, por forma e em termos a dar cumprimento ao assegurado e prometido aos AA/apelantes[16].

Enfim, o desfecho jurídico dos autos e do recurso acaba por findar na aplicação das atinentes regras de ónus da prova; em o tribunal decidir contra a parte a quem incumbe o ónus da prova dos factos.

Significa isto que, sendo o ónus da prova dos AA/apelantes – era aos AA/apelantes que competia provar, de acordo com o invocado, os limites/áreas dos dois lotes e o desrespeito (em 2008) por parte da R. de tais limites/áreas (cfr. 342.º/1 do C. Civil – e não reflectindo os factos provados a realidade factual (bem pelo contrário) invocada pelos AA/apelantes, a solução/desfecho jurídicos dos autos e do recurso só pode ser a que lhe foi traçada – improcedência total, no que real e efectivamente havia/há litígio.

Em conclusão, improcede tudo o que os AA/apelantes invocaram e concluíram na sua alegação recursiva[17], o que determina o naufrágio do recurso e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola qualquer uma das disposições indicadas[18].


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IV - Decisão

Nos termos expostos, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, pelos AA/apelantes.


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Coimbra, 26/11/2013

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)



[1] Motivo pelo qual – não contestando a R. a propriedade dos AA. sobre os lotes e só isto tendo sido reconhecido na sentença recorrida – não vislumbramos qualquer razão para a sentença recorrida ter considerado que a R. decaiu em 20%.

[2] Daí o interesse e a relevância, para evitar tal prova diabólica, que decorre quer do regime da usucapião quer das presunções possessória e registal.

- Como a usucapião é uma forma de aquisição originária do direito real, destrói qualquer outro direito anterior; assim, feita a prova da posse boa para usucapião, fica provado o direito de que o autor se arroga.

- Como as presunções possessórias e registral invertem o ónus da prova, se o A. beneficiar delas cabe ao R. fazer prova que as ilida.
[3] Por que tem a causa no direito real.
[4] Embora tal “abstenção” não tenha qualquer relevo, jurídico-prático, uma vez que os AA. foram declarados proprietários.
[5] É estranho e um pouco paradoxal, mas a verdade é que os AA. deram como demonstrado o que seria o “quod erat demonstrandum”. Não é pois exacto o que referem no art. 1.º da sua alegação recursiva.
[6] Assim como não é o que se refere, a dado momento da alegação recursiva, sobre os factos assentes terem transitado em julgado por não ter havido reclamações; efectivamente, o conteúdo do despacho (sobre os factos assentes) não faz caso julgado formal (cfr. Assento 14/94, de 26-05-1994).
[7] Que são idênticas à da jurisprudência do STJ que, embora citada na sentença recorrida, não persuadiu os AA/apelantes.

[8] É frequente ver-se mencionado que se tem registada a propriedade, o usufruto, etc.; tais alusões – que todos nós, até para simplificar, fazemos – estão incorrectas do ponto de vista técnico. Era, aliás, o que de certo modo também constava dos factos 32 e 33 da sentença recorrida e que rectificámos na transcrição supra efectuada (cfr. facto 1 deste acórdão).

[9] Diz-se no art. 91.º/1 do C. Registo Predial que a inscrição registal visa “definir a situação jurídica dos prédios, mediante extracto dos factos a ela referentes”.
[10] Doutro modo, não estando identificado o prédio a que fosse reportável o concreto facto jurídico registado, este – o registo – não teria qualquer utilidade.
[11] Que o comprador na compra e venda registada é o titular do direito de propriedade sobre aquele prédio.
[12] Dizemos naturalmente “em regra”, em face das situações excepcionais de aquisição tabular constantes dos art. 5.º, 17.º/2 e 122.º do C. Reg. Predial e 291.º do C. Civil.

[13] Daí a natureza ilídivel da presunção constante do art. 7.º do C. Registo Predial.
[14] Eles dizem, isso sim, que adquiriram os lotes devido à área, mas, claramente, situam o “corte” na área em 2008; e não em momento coevo à conclusão do negócio.

[15] Simplificando, sem prejuízo para o rigor, podemos afirmar que a R. não é demandada na veste de vendedora dos lotes; mas antes e apenas na veste de alguém que não respeita o direito de propriedade dos AA sobre os lotes.

[16] Sem prejuízo, naturalmente, de ser inteiramente compreensível e meritório o comportamento da R. de “abdicar de espaço e parcelas para as incluir em lotes, por forma a perfazer e até ultrapassar a área constante da planta de loteamento”; de se disponibilizar a ceder aos AA. “as duas parcelas identificadas com os n.ºs 2 e 3 no documento junto sob o n.º 5 com a contestação”.

[17] A alegação dos AA/apelantes termina com estes a suscitar a nulidade da sentença por violação das alíneas d) e e) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, sem que, todavia, expliquem, ainda que sucintamente, onde vislumbram tais causas de nulidade. Segundo a alínea d), constitui causa de nulidade da sentença o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, porém, quando se fala, a tal propósito, em “omissão de conhecimento” ou de “conhecimento indevido”, está-se a aludir e remeter para as questões a resolver a que alude o art. 660.º do CPC. Segundo a alínea e), a sentença será nula, se condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, infringindo a regra segundo a qual ne eat iudex ultra vel extra petita partium. Assim, explicado o sentido de tais causas de nulidade de sentença, é de todo evidente que só por manifesto lapso se pode invocar o vício de nulidade em relação a uma sentença em que os fundamentos, de facto e de direito, se encontram expostos, em que se conclui em perfeita harmonia com o exposto e em que se conheceu, sem excesso ou omissão, das questões devidas.

[18] Como já se referiu em relação à questão da “posse”, a divergência em relação à sentença recorrida não tem qualquer relevo jurídico-prático; aliás, a sentença recorrida interpretou – e bem – o pedido dos AA. no sentido da sua declaração como proprietários e procedeu a tal declaração/reconhecimento.

Por outro lado, embora, em rigor e perfeição técnico-jurídicos, não se deva dizer que se “condena a R. a reconhecer os AA. como proprietários”, mas apenas “declarar” os AA. como proprietários, também não se vê qualquer relevo jurídico-prático na correspondente alteração à sentença recorrida; é que – é a explicação para o que acabamos de referir – à expressão “reconhecimento do seu direito”, constante do art. 1311.º do C. C., corresponde, em termos processuais, a declaração do direito, isto é, numa acção, quando se declara um concreto direito real, o respectivo réu, contra quem a decisão passa a fazer caso julgado material, passa a estar, sem mais, obrigado/“condenado” a reconhecer tal direito e a abster-se de praticar actos que prejudiquem o direito de propriedade do A. (ou seja, quer se condene um R. a reconhecer o A. como proprietário, quer apenas se declare que o A. é proprietário, sempre o R. fica obrigado/“condenado” a reconhecer e a abster-se de praticar actos que desrespeitem o direito de propriedade do A.).

Finalmente, quanto à má-fé, considerando embora que os AA. faltaram à verdade ao situar em 2008 factos e ocorrências – relevantes na estruturação jurídica das violações que eles imputaram à R. – que já estavam verificados quando, em 2001, compraram os lotes/prédios à R., entendemos, em face da explícita e justificada decisão de não condenação (da sentença recorrida) dos AA. como litigantes de má fé, que o princípio da proibição da reformatio in pejus veda que, aqui e agora, possamos proceder à condenação dos AA/apelantes a tal título.