Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6212/17.0T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO MOREIRA DO CARMO
Descritores: REGIME DOS RECURSOS NO ÂMBITO DO RGPTC
ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO
DESNECESSIDADE DE PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 647.º, DO CPC
ARTIGOS 4.º, 1 E 32.º, 4, DO RGPTC
Sumário: i) O regime de recurso do RGPTC é próprio e autónomo, é o previsto no art. 32º, nº 4, onde a lei previu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto, a fixar conforme a casuística apurada, mas sem estabelecer nessa hipótese a necessidade de qualquer caução.
Decisão Texto Integral:

                                              É de considerar que:

1. Em processo tutelar cível de regulação do exercício de responsabilidades parentais, foi proferida sentença que, além do mais, determinou que os 2 menores ficam entregues à mãe, ficando estabelecida a sua residência junto da mesma, em Espanha, que é quem exercerá a responsabilidade parental relativa aos actos da vida corrente dos filhos. O pai interpôs recurso, em 25.11.2022, requerendo a fixação de efeito suspensivo.  

Foi fixado na 1ª instância o efeito devolutivo (despacho de 20.1.2023).

Aquando da admissão do recurso nesta Relação, foi fixado efeito suspensivo ao recurso (despacho datado de 31.1.2023).

2. A mãe, AA, em 6.2.2023, reclamou para a conferência, requerendo que o despacho reclamado seja substituído por outro que conceda o competente efeito devolutivo.

O pai, BB, respondeu, em 19.2.2023, requerendo que o despacho reclamado seja confirmado.

Posterior a tal reclamação a mãe, em 8.3.2023, veio alegar que em 27 de Janeiro de 2023, o pai dos menores entregou-os à mãe de livre vontade, tendo estes seguido de imediato para Espanha, onde permanecem até hoje. Como o pai nessa data, já havia solicitado o efeito suspensivo ao recurso ao entregar voluntariamente os menores à mãe terá que se inferir que o requerente tacitamente desistiu de que ao recurso fosse atribuído efeito suspensivo. Sendo assim, deve ser mantido o efeito devolutivo fixado ao recurso pela 1ª instância.

O pai respondeu, em 28.3.2023, defendendo que por não ter cabimento processual, o requerimento deve ser desentranhado, pois a apelada já se pronunciou e apresentou pedido de Conferência. Caso assim não se entenda, afirma ser falso que tenha em algum momento aceitado o efeito atribuído pelo tribunal a quo ou sequer desistido do pedido de atribuição do efeito suspensivo, pois nunca praticou facto que permitisse gerar dúvidas quanto à sua pretensão ou posição e nunca apresentou qualquer requerimento de desistência sobre qualquer dos pedidos apresentados em juízo. Aliás, a apelada sabe da existência do processo que pende contra si, para Restituição Internacional de Menores n.º ... – J. Primeira Instância nº 1 de ...  ...24 onde tem mandatário constituído e compareceu a diligências.

3. No despacho reclamado escreveu-se que:

“Neste aspecto, dispõe a lei, no art. 32º, nº 4, do RGPTC, que os recursos têm efeito meramente devolutivo, excepto se o tribunal lhes fixar outro efeito.

O requerente, da presente acção de regulação de responsabilidades temporais e que a final determinou que os 2 menores, de 8 e 6 anos de idade, ficassem entregues à mãe, determinando a sua residência junto da mesma em Espanha, interpôs recurso, solicitando a atribuição de efeito suspensivo.

Alegou, em suma, que: por despacho proferido em 14.7.2022, para onde expressamente se remete, já depois do julgamento findo, a respeito da regulação dos tempos das férias escolares de Verão das crianças com os progenitores, determinou o Tribunal «Consequentemente, as atividades educativas e letivas dos menores iniciar-se-ão entre estas datas, permitindo que possam conviver com a mãe ainda durante o mês de setembro, regressando a casa do pai e da família paterna a tempo de retomarem a rotina e se prepararem para o início do ano letivo», fazendo prever no requerente e nas crianças que, independentemente da decisão final a proferir, o direito à estabilidade, educação e respeito pelo progresso no ensino destas crianças e sucesso alcançado em Portugal sempre seria respeitado e garantido; da sentença e documentos constantes dos autos, não existe fundamentação para duas crianças, desde o berçário inscritas e assíduas na escola portuguesa EB1 ... em ..., felizes, bem cuidadas, perfeitamente integradas a residir com o Pai sejam obrigadas a mudar a vida e rotinas que conhecem de um dia para o outro para Espanha, um País que apenas conhecem quando lá estão com a Requerida, em ambiente de fins-de-semana e férias escolares; também com interesse para a determinação de aplicação do efeito SUSPENSIVO, entre outros, na Sentença foi dado como provado e é aceite que a CC «59. É uma aluna responsável, atenta, com bom comportamento e facilidade de sociabilização com os elementos da mesma faixa etária e os adultos. 60. É uma das alunas com melhor rendimento e aproveitamento escolar»; sobre o DD «61. Na escola, DD apresenta-se como uma criança feliz, bem cuidada, tendo um registo de desenvolvimento educativo ajustado com bom conhecimento das matérias curriculares transmitidas e das letras. Por referência ao ano letivo de 2021/22, DD mostrou-se preparado para a transição para o 1.º ciclo do ensino básico». Foi provado e é aceite ainda que, «63. A escola elogiou o acompanhamento dos menores efetuados por requerente…» e que «66. CC e DD encontram-se bem de saúde, felizes, integrados social e familiarmente.». Foi provado e é aceite, quanto ao Requerente, que «29. Ao nível da capacidade e competência parental como a prestação de cuidados básicos, estimulação adequada das crianças, gestão do seu comportamento e promoção da sua socialização, não foram detetados, fatores de risco que comprometam a sua parentalidade (capacidades e competências parentais). 30. Existem da parte do progenitor condutas favoráveis ao desempenho de uma parentalidade adequada, com comportamentos parentais adaptativos e capacidade para retirar prazer enquanto exerce o seu papel». Foi provado e é aceite que «67. CC e DD gostam de estar com o pai, com a mãe e com os avós. E é aceite até «…mãe…» o ponto 68. Falam ao telefone com a mãe (…)»; como decorre da Sentença, «Ao nível das condições financeiras não há diferenças substanciais, afigurando-se que o rendimento de cada um permite satisfazer as necessidades dos filhos e dar-lhes conforto. Não se questiona o amor do pai pelos filhos nem do resto da família paterna, que deles têm cuidado nos últimos anos.», pelo que não se vislumbra necessidade para que se opere alteração imediata da residência da CC e do DD fixada junto do pai em Portugal, desde 2018, muito pelo contrário, nem que esta fixação da residência junto do pai seja de todo alterada; as crianças estão felizes e seguras em Portugal, com aproveitamento escolar, actualmente a mais de meio do primeiro período escolar e estão perfeitamente integradas na escola que sempre conheceram; por outro lado, a sentença não aprecia as implicações/benefícios/prejuízos que a decisão de mudar as crianças para País estrangeiro – com outra língua, outra cultura, outras rotinas – acarretaria para as suas vidas; a possibilidade de fixação do efeito meramente devolutivo e a aplicação da decisão à vida da CC e à do DD sujeitará estas crianças a uma rutura demasiado abrupta quanto aos elementos de segurança e vinculação, rede/vida social e escolar trazendo-lhes perigos de ordem psíquica suscetíveis de comprometer irremediavelmente o seu desenvolvimento e o seu progresso educativo, conforme Parecer Médico Pedopsiquiatra da insigne EE que se junta (elaborado em 4.11/2022, especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência, Psicoterapeuta pela Sociedade Portuguesa de Grupanálise, autora de várias publicações e obras, como “Sou rapariga e adoro”, ed. Impala); a atribuição do efeito suspensivo ao presente recurso é, pois, primordial para acautelar o superior interesse das crianças aqui em causa; sendo certo que se for dado provimento ao recurso, como se acredita, a fixação definitiva da sua residência junto do requerente seria injustificadamente interrompida e protelada durante o período de tempo necessário à prolação de acórdão pelo tribunal da Relação, com consequências nefastas para as crianças.

A requerida nas suas contra-alegações, opôs-se, requerendo a manutenção do efeito devolutivo, porquanto: Com a notificação da sentença, caducaram as medidas provisórias então em vigor, tendo após a audiência de discussão e julgamento o tribunal a quo decidido que o regime mais adequado à defesa dos interesses dos menores é, agora outro, que não o que foi estabelecido e vigorou provisoriamente desde Dezembro de 2018; o certo é que o pai mantém a sua atitude de intransigência, impossibilitando, sempre que pode, os convívios presenciais dos filhos com a mãe; a figura de referência dos menores era essencialmente a mãe, e que se manteve assim até Dezembro de 2018, quando os menores foram entregues ao pai; só agora com o regresso dos menores a Espanha e com a fixação da residência destes junto da mãe o recorrente se preocupa com a quebra de rotinas de um dia para o outro; a mãe, apesar da recusa do pai em entregar-lhe os filhos, deslocou-se a Portugal e no dia 10 de Novembro, dirigiu-se à escola EB1 das ..., tendo regressado a Espanha na companhia dos seus filhos, porém, o progenitor, aproveitando-se de ter ido passar o fim de semana com os filhos, no dia 9 de Dezembro deslocou-se a ... e não mais entregou os filhos, nem à mãe nem na escola, o que fez bem sabendo estar a contrariar a sentença em apreço e a vontade da recorrida; os menores não têm nem terão qualquer dificuldade em se adaptar quer à língua materna, que já falam, quer às actividades escolares, quer ao convívio com os demais, pois que a mãe jamais alterou a sua residência desde que foi para ... em 2017, pelo que os vizinhos e amigos e colegas da escola são já do conhecimento e das relações dos menores; quanto mais tarde for o regresso dos menores a Espanha, aí sim mais difícil pode ser a adaptação, até porque a menor CC, ingressará no próximo ano lectivo no segundo ciclo, onde a lecionação será diferente, pelo que será por demais vantajoso que a alteração de residência se faça de imediato, até para evitar maiores transtornos escolares aos menores, dado que agora ainda frequentam apenas o primeiro ciclo do ensino básico; há efectivamente um prejuízo considerável ou mesmo irreparável, se os menores continuarem em Portugal, adiando-se a sua transição para Espanha, com todos os prejuízos inerentes ao adiamento de uma integração imediato na lecionação espanhola, agora quando ainda só decorreu o primeiro período e se inicia o segundo período deste mesmo ano lectivo.

No despacho que fixou o efeito devolutivo, o tribunal a quo argumentou que: importa atentar no disposto no art. 4º, nº 1, do RGPTC, em particular a remissão para os princípios orientadores de intervenção estabelecidos na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, cujo art. 4º da LPCJP elenca os princípios orientadores da intervenção, desde logo o interesse superior da criança e do jovem (alínea a)), explicitando que a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto, princípio esse do superior ou do melhor interesse dos menores que deve ser convocado na concretização das situações excecionais que justificam a fixação de efeito suspensivo ao recurso das sentenças proferidas em processos tutelares cíveis; CC e DD viveram com os pais em Portugal, foram com a mãe viver em Espanha a 15.9.2017, regressaram com o pai a Portugal a 20.12.2018, foram viver com a mãe para Espanha em 10.11.2022 e regressaram com o pai a Portugal a 9.12.2022; a mudança de residência entre um país e outro não pode deixar de ser abrupta, seja em cumprimento da sentença seja por acção de um dos pais em realizar a deslocação dos filhos; da factualidade que consta da sentença em crise e da factualidade trazida posteriormente pelos pais, de forma consensual, não resulta que o melhor interesse dos menores imponha a fixação excepcional de efeito suspensivo ao recurso.

2. Acima referimos que o regime regra neste tipo de processos é o efeito devolutivo. A excepção do efeito devolutivo, pode, também, ser determinado, com toda a normalidade, dependendo da casuística de cada caso.

O que os autos nos mostram é que os 2 menores de 8 e 6 anos de idade sempre viveram com os pais, em Portugal, excepto no período de Setembro de 2017 a Dezembro de 2018, quando a mãe as levou para Espanha, sem autorização do pai, tendo logo de seguida ao seu regresso a Portugal, ainda no mesmo mês, sido fixado regime provisório para que elas ficassem a residir com o pai, o que aconteceu até pelo menos à prolação da sentença em Outubro de 2022 (no período posterior ambos os pais agiram unilateralmente retirando mutuamente as crianças e fazendo-as deslocar de Espanha para Portugal e vice-versa). Ou seja, o tempo da sua vivência tem sido regularmente em Portugal e com o pai (e, até certa altura, com a mãe), e não em Espanha, onde têm permanecido ocasionalmente.

Dos factos provados 29. e 30. resulta que o pai ao nível da capacidade e competência parental como a prestação de cuidados básicos, estimulação adequada das crianças, gestão do seu comportamento e promoção da sua socialização, não apresenta factores de risco que comprometam a sua parentalidade, existindo da sua parte condutas favoráveis ao desempenho de uma parentalidade adequada, com comportamentos parentais adaptativos e capacidade para retirar prazer enquanto exerce o seu papel. E dos factos 57. a 68. são descritas duas crianças bem integradas, equilibradas, sem sinais de sofrimento ou alterações psicológicas, com crescimento harmonioso, têm mesmo excelente rendimento escolar e adequado comportamento. Isto é, como decorre do facto 66. os menores encontram-se bem de saúde, felizes, integrados social e familiarmente. Estão integrados numa família, em escolas, actividades, têm estabelecida a sua rede social e familiar, na comunidade que lhes era também já familiar. São descritas duas crianças felizes, no seu actual contexto de vida. Ou seja, ao que parece têm estabilidade, previsibilidade, constância de cuidados, rotinas e afectos.

A decisão final determinou que os menores deverão voltar para Espanha, para junto da mãe, mas em recurso essa decisão pode ser alterada, para as crianças continuarem com o pai e família deste, em Portugal. Se as crianças forem já para Espanha, para junto da mãe, haverá uma ruptura, mudando novamente de país, de língua, de escola, de comunidade, de família. Situação que pode repetir-se com novo regresso a Portugal caso fique decidido a final que a residência das crianças seja com o pai.

O superior interesse das crianças aparentemente está bem protegido junto do pai, mas também junto da mãe. Apenas há que aguardar a decisão final no recurso, sem temporariamente e mera solução transitória, com hipotéticas andanças de um lado para outro, entre 2 países, hábitos e práticas, se perturbar o actual contexto de satisfação e estabilidade dos menores, a nível de segurança e conforto familiar, escolar e social.

Impõe-se, por isso, nas circunstâncias descritas, evitar por agora rupturas de vivência dos menores, e assim fixar efeito suspensivo ao recurso interposto e já admitido.”.

4.1. Não se pode desentranhar o requerimento da reclamante, porquanto ele é superveniente à sua reclamação e como tal deve ser conhecido.

4.2. O pai interpôs recurso, em 25.11.2022, requerendo a fixação de efeito suspensivo. Quanto ao efeito, foi fixado na 1ª instância o efeito devolutivo (despacho de 20.1.2023). Aquando da admissão do recurso nesta Relação, foi fixado efeito suspensivo ao recurso (despacho datado de 31.1.2023). 2. A mãe, AA, em 6.2.2023, reclamou para a conferência, requerendo que o despacho reclamado seja substituído por outro que conceda o competente efeito devolutivo. O pai, BB, respondeu, em 19.2.2023, requerendo que o despacho reclamado seja confirmado.

Posterior a tal reclamação a mãe, em 8.3.2023, veio alegar que em 27 de Janeiro de 2023, o pai dos menores entregou-os à mãe de livre vontade, tendo estes seguido de imediato para Espanha, onde permanecem até hoje. Como o pai nessa data, já havia solicitado o efeito suspensivo ao recurso ao entregar voluntariamente os menores à mãe terá que se inferir que o requerente tacitamente desistiu de que ao recurso fosse atribuído efeito suspensivo.

Ao contrário do propugnado pela reclamante, e como decorre da cronologia dos acontecimentos e conteúdo dos requerimentos, não se mostra que expressamente ou tacitamente o pai dos menores tenha desistido do pedido de atribuição do efeito suspensivo ao recurso por si interposto, pois não se evidencia facto que permitisse gerar dúvidas quanto a essa sua pretensão ou posição e nunca apresentou qualquer requerimento de desistência sobre o seu recurso ou efeito que requereu.

Assim, indefere-se a pretensão da apelada/reclamante.

4.3. A reclamação da requerente baseia-se, no essencial, na circunstância de o despacho que atribuiu efeito suspensivo ao recurso não ter fixado ou sequer mencionado qualquer caução, quando a lei é clara, no art. 647º do NCPC, a referir expressamente que o efeito suspensivo do recurso fica condicionado à efetiva prestação de caução, pelo que o efeito suspensivo atribuído ao recurso é nulo e de nenhum efeito. E ainda, no facto do mesmo se basear apenas em argumentação deduzida pelo requerente, esquecendo a da ora reclamante e do Mº Pº, sem apreciação da restante prova produzida e ao arrepio de tudo quanto os magistrados que com ele tiveram contato direto decidiram. Sendo que, por outro lado, e porque os menores se encontram já em Espanha, a frequentar uma escola espanhola, o seu regresso a Portugal implicaria danos graves para a estabilidade psíquica e emocional dos mesmos.

Por sua vez, o reclamado alegou, no essencial, que sobre a necessidade de prestação de caução, ainda que por mera cautela jurídica se tenha oferecido para a entregar, aquela não foi fixada por aqui não caber, pois o regime de recurso é o previsto no art. 32º, nº 4, do RGPTC, que não prevê qualquer caução, nem ela se adequa à situação substancial, ao invés do regulado no art. 647º do NCPC. Que os interesses das crianças junto do reclamado, junto da escola e do meio que conhecem desde que nasceram, e não em Espanha, onde têm permanecido ocasionalmente, estão melhor garantidos. A imposição de uma mudança abrupta ao centro de vida das crianças fará certamente perigar a sua saúde mental, com consequências previsivelmente nefastas para o seu desenvolvimento, sendo o efeito suspensivo determinante para assegurar que as crianças permanecem seguras como sempre aqui estiveram, em Portugal, junto do reclamado.

Aos 3 argumentos da reclamante responde-se assim:

- o regime de recursos do RGPTC é próprio e autónomo, é o previsto no citado art. 32º, nº 4, ou seja a regra é o efeito devolutivo e a excepção o suspensivo, que pode, contudo, ser determinado, com toda a normalidade, dependendo da casuística, das circunstâncias de cada caso.  

Porém, a lei na hipótese de fixação do efeito suspensivo, não previu a necessidade de estabelecer qualquer caução. Não há, assim, que esgrimir com a aplicação do art. 647º, nº 4, do NCPC, com o estabelecimento de qualquer caução, que nem sequer se adequaria ao caso substancial em apreço.

- ao contrário do que a reclamante sugere o despacho reclamado não se baseou apenas em argumentação deduzida pelo recorrente/pai, esquecendo a da ora reclamante e do Mº Pº, pois, além de esta ter sido ponderada, mais decisivamente foi tido em conta o que emerge dos autos e a factualidade apurada (nesta fase de admissibilidade e atribuição de efeito ao recurso não se aprecia, obviamente, a prova produzida).

Como decorre claramente da transcrição integral supra (sob o ponto 2.) do falado despacho reclamado. E cuja argumentação foi, em suma, a seguinte: “O que os autos nos mostram é que os 2 menores de 8 e 6 anos de idade sempre viveram com os pais, em Portugal, excepto no período de Setembro de 2017 a Dezembro de 2018, quando a mãe as levou para Espanha, sem autorização do pai, tendo logo de seguida ao seu regresso a Portugal, ainda no mesmo mês, sido fixado regime provisório para que elas ficassem a residir com o pai, o que aconteceu até pelo menos à prolação da sentença em Outubro de 2022 …. Ou seja, o tempo da sua vivência tem sido regularmente em Portugal e com o pai (e, até certa altura, com a mãe), e não em Espanha, onde têm permanecido ocasionalmente.” e que “O superior interesse das crianças aparentemente está bem protegido junto do pai, mas também junto da mãe. Apenas há que aguardar a decisão final no recurso, sem temporariamente e mera solução transitória, com hipotéticas andanças de um lado para outro, entre 2 países, hábitos e práticas, se perturbar o actual contexto de satisfação e estabilidade dos menores, a nível de segurança e conforto familiar, escolar e social.”.

- Se as crianças já estão em Espanha, este tribunal ad quem desconhece. Mas dir-se-á, de forma sumária, óbvia e conclusivamente, que se a sentença proferida teve alguma eficácia provisória, no que respeita à entrega à mãe dos menores, ficando determinada a sua residência junto da mesma, em Espanha, com a atribuição do efeito devolutivo na 1ª instância, todavia deixou de a ter com a fixação nesta Relação do efeito suspensivo.

Face ao expendido, não vemos motivo para alterar o despacho reclamado.  

(…)

6. Decisão

Pelo exposto, indefere-se a reclamação, mantendo-se o despacho reclamado.

*

Custas pela reclamante.

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                                        12.4.2023

                                 Moreira do Carmo

                                 Fonte Ramos

                                Alberto Ruço

                                                                                 *

                                                                                 *

Transitado em julgado, passe certidão comprovativa da suspensão da execução da decisão, proferida pelo Tribunal a quo, como o recorrente requereu. O pedido de emissão de mandados com vista à execução da entrega das crianças ao apelante, com a colaboração dos Órgãos de Polícia Criminal, deverá ser apreciado na 1ª instância.

                                                                  *

                                                                   12.4.2023

                                                                   J. Carmo