Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
56/05.0GCPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONDIÇÃO
FALTA DE CUMPRIMENTO DOS DEVERES
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 495º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: A suspensão da execução da pena de prisão pode assumir uma de três modalidades: simples suspensão da execução da pena, suspensão sujeita a condições ou suspensão com regime de prova.
Se porventura a suspensão da execução da pena tiver sido uma suspensão não subordinada ao cumprimento de deveres, ou se mesmo tendo sido fixados deveres não tiver sido determinado o apoio no seu cumprimento, devendo a fiscalização ser efectuada pelo próprio tribunal em momento determinado, normalmente, no termo do prazo de suspensão - o caso típico da condição de pagamento de indemnização - não terá sentido a exigência da parte final do n.º 2, do art.º 495º, do C. Proc. Penal - audição do condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão - que se reporta apenas às situações em que tenha operado o n.º 1, do mesmo artigo e por referência ainda ao n.º 4, do art.º 51º, n.º 4, do art.º 52º e n.º 2, do art.º 53º, estes do Código Penal.

É obrigatória a audição do condenado antes da alteração dos deveres ou da revogação da suspensão.

Mas essa audição só tem que ser presencial quando a suspensão tenha sido subordinada a condições sujeitas a apoio e/ou fiscalização dos serviços de reinserção social.

Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

No processo comum que deu origem a este recurso em separado, A..., com os demais sinais dos autos, foi condenado por acórdão do Tribunal do Círculo Judicial de Pombal de 07/12/2006, ulteriormente confirmado por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Setembro de 2007, como autor material de um crime de incêndio, p. p. pelo art. 272º, nº 1,al. a), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por um período de três anos, sob condição de o arguido pagar aos demandantes cíveis, no prazo máximo de um ano, o valor total indemnizatório liquidado no acórdão condenatório.
Na parcial procedência do pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes, foi o ora recorrente condenado a pagar a ambos os demandantes, B... e C..., a título de indemnização pelos danos patrimoniais liquidados que sofreram, a quantia total de € 18.258,37 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação do pedido até ao seu pagamento, bem como a quantia a liquidar em execução de sentença, até ao limite do pedido, referente aos danos que sofreram relacionados com o valor da palha e barracão ardidos, e ainda a cada um dos demandantes, por danos não patrimoniais, a quantia de € 750 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da decisão condenatória.
Em 24 de Maio de 2011 a Mmª Juiz exarou nos autos decisão com o seguinte teor:
“A..., arguido nestes autos, foi nos mesmos condenado, por Acórdão proferido em 7 de Dezembro de 2006, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, suspensão esta subordinada à obrigação de pagamento do valor indemnizatório aos demandantes cíveis, no prazo de um ano.
Por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido a 12.09.2007, foi decidido manter a decisão recorrida.
Em 26 de Setembro de 2008 e 2 de Junho de 2009, o arguido requereu a prorrogação do prazo para pagamento do valor indemnizatório, pela ocorrência de circunstâncias modificativas da sua condição económica, prorrogações que lhe foram concedidas.
Em Março de 2010, o arguido pagou aos demandantes a quantia de € 2.000,00, permanecendo por pagar o remanescente.
Em Abril de 2010, foi determinada uma nova prorrogação do prazo de seis meses para cumprimento da injunção imposta.
Nessa altura, o arguido comprometeu-se a pagar o montante global em falta até ao Verão de 2010, o que não conseguiu fazer.
Até ao momento o arguido pagou aos demandantes a quantia de € 2.000,00, o que é manifestamente reduzido atendendo à data da decisão judicial e ao montante global em causa.
Vem agora o arguido requerer nova modificação dos deveres impostos, nomeadamente a prorrogação do prazo para a liquidação dos valores em causa, pelo prazo nunca inferior a 12 meses.
A Exmª Magistrada do Ministério Público pronunciou-se nos termos constantes de fls. 784 e seguintes.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 51º, nº 3, do Código de Processo Penal, os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período da suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o Tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.
Ora, tal como consta da promoção que antecede verifica-se que o arguido vem protelando o cumprimento da injunção imposta, alegando circunstâncias supervenientes, numa tentativa de obviar ao pagamento do montante que se encontra judicialmente obrigado a cumprir.
O Tribunal tem acedido aos seus pedidos sucessivos, por entender justificada a dificuldade económica do agente, numa altura de crise económica como a que o país vive actualmente.
Todavia, volvidos quatro anos desde que foi proferida a decisão torna-se necessário optar por uma decisão definitiva que impeça o sucessivo protelar do dever imposto ao arguido.
Estabelece o artigo 50º, nº 1, do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
A suspensão da execução da pena de prisão confere ao arguido a possibilidade de não cumprir pena de prisão caso se verifiquem determinados pressupostos, designadamente um pressuposto de índole formal, o limite máximo de duração da suspensão, e um pressuposto de índole material, a realização de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, quando o tribunal entender que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Refere o artigo 51º, nº 1, alínea a) do Código Penal que a suspensão da execução pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente pagar dentro de certo prazo, no todo ou em parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea.
No caso dos autos a suspensão da execução da pena de prisão ficou efectivamente subordinada ao cumprimento de um dever, nomeadamente o dever de pagar, dentro de certo prazo, o valor indemnizatório fixado na decisão judicial aos demandantes civis.
Ora, compulsados os autos verifica-se que o arguido não cumpriu esse dever, apesar das sucessivas prorrogações do prazo de pagamento.
O artigo 51º, nº 3, do Código Penal diz que os deveres podem ser modificados sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes.
Efectivamente o arguido alega que as suas condições económicas se alteraram sobremaneira desde a prolação da decisão, encontrando-se actualmente desempregado e impossibilitado de fazer face ao pagamento da indemnização, requerendo a modificação dos deveres impostos, nomeadamente a prorrogação do prazo de cumprimento.
O artigo 56º, nº 1, do Código Penal dispõe que “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Acrescenta o nº 2 da mesma disposição legal que “A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.
Ora, é evidente, verificarem-se no caso dos autos os pressupostos da revogação da pena suspensa aplicada, à luz do artigo 56º, nº 1, al. a), do Código Penal.
Conclui-se, assim, que a finalidade que se teve em vista com a suspensão da pena nestes autos não foi alcançada.
Compulsados os autos verificamos que é patente que o arguido infringiu culposamente o dever imposto, decorridos que estão quatro anos da data da sentença, tendo este pago apenas a quantia de € 2.000,00 até hoje.
Aqui chegados cumpre analisar se é legítimo ao arguido requerer esta nova modificação, ainda que com fundamento na alteração das circunstâncias económicas ou se, por outro lado este incumprimento sucessivo deve conduzir à revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
E isto porque a revogação não opera automaticamente pelo simples infringir dos deveres impostos. Em caso de incumprimento culposo dos deveres impostos ao arguido, deve o tribunal perceber se a violação da suspensão nos moldes em que a mesma foi fixada, importa a sua revogação, atendendo às finalidades que a sanção visa salvaguardar. Deve o tribunal perceber se os fundamentos da suspensão se mantêm válidos ou seja, se o juízo de prognose relativamente às finalidades da punição alcançadas com a mera censura do acto e a ameaça da prisão é ainda favorável ou não.
No caso em apreço dúvidas não temos de que o arguido violou grosseiramente os deveres que lhe foram impostos, tendo em conta o facto de apenas ter pago a quantia de € 2.000,00 em quatro anos.
Acresce que os deveres impostos só podem ser modificados até ao termo do período da suspensão, o qual já decorreu, em 02.10.2010.
Pelo exposto, em conformidade com o doutamente promovido pela Digna Magistrada do Ministério Público declaro, nos termos do disposto nos artigos 51º, nºs 1 e 3, 55º e 56º, nº 1, al. a), do Código Penal, revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos ao arguido.
Notifique.”

Inconformado, o arguido interpôs recurso deste despacho, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1- No âmbito do processo acima identificado foi o arguido A... condenado na pena única de três anos de prisão pela prática de um crime de incêndio, na forma consumada, p. e p. pelo art. 272, nº 1, al. a) do Código Penal.
2- Esta pena foi suspensa na sua execução, por um período de 3 anos, suspensão esta subordinada à obrigação do arguido pagar aos demandantes cíveis, no prazo máximo de um ano, fazendo de tal prova no processo, o valor total indemnizatório liquidado neste acórdão.
3- Em 29 de Setembro de 2008, o arguido veio invocar alterações supervenientes das circunstâncias que alteraram de forma irremediável a sua situação económica do arguido, conforme documento que se encontra junto ao processo e que aqui se reproduz para os devidos e legais efeitos.
4- Em 02 de Junho de 2009, o arguido veio comunicar ao processo que a sua situação pessoal tinha alterado em virtude de ter começado a trabalhar e ter sofrido dois acidentes de trabalho, que lhe determinaram incapacidade para o trabalho, conforme melhor consta na requerimento apresentado no âmbito dos presentes autos a 02 de Junho de 2009 e que aqui se reproduz para os devidos e legais efeitos.
5- Em virtude disto ficou impossibilitado de trabalhar por circunstâncias que não lhe são imputáveis, acrescendo o facto de quando foi solicitar subsídio de doença, o mesmo tem conhecimento pelos serviços de Segurança Social Francesa, que constava como falecido no dia 02/02/2001, ficando impossibilitado de receber qualquer remuneração seja a que titulo fosse, estando esta situação ainda hoje por resolver e correndo na Justiça Francesa um processo de averiguações.
6- Em 11 de Fevereiro de 2010, o arguido veio comunicar ao tribunal a difícil situação económica em que se encontrava, os motivos, pelos quais estava a enfrentar, essas dificuldades e que de forma lhe são imputáveis, sendo mesmo completamente alheias à sua vontade.
7- Em 25 de Novembro de 2010, o arguido comunicou a sua situação económica e todas as diligências que tornou com vista ao cumprimento da obrigação imposta pela douta sentença.
8- Em 04-3-2011 o Ministério Público promoveu que a suspensão da execução da pena fosse revogada, por o arguido não ter cumprido os deveres que a tinham condicionado.
9- Na sequência deste parecer o sr. juiz proferiu despacho de revogação da suspensão da pena de prisão.
10- Ora é este despacho que ora é objecto de sindicância.
11- Dispõe Ac. do TRP nº 2530/07, de 28/15/08, in www.trp.pt "Como é sabido, a revogação da suspensão da pena não opera de forma automática, nomeadamente porque para esse efeito a culpa na violação das obrigações de que aquela ficou dependente assume um papel de primeira importância" .
12- Tal violação da condição à qual a suspensão estava subordinada pressuporá a culpa grosseira e reiterada nesse incumprimento.
13- É manifesto que o ora recorrente não procedeu culposamente ao incumprimento da obrigação a que estava vinculado, para a manutenção da suspensão da execução da pena de prisão.
14- Foram circunstâncias supervenientes que o impossibilitaram e o impossibilitam de cumprir com a obrigação que lhe foi imposta, designadamente ter ficado desempregado, com salários em atraso, ter sofrido dois acidentes de trabalho, de que resultou uma incapacidade total para o trabalho durante um período de cerca de nove meses, de constar como falecido nos serviços de segurança social francesa e por esse motivo impossibilitado de receber subsídios sociais e de ter à data 58 anos de idade.
15- o arguido não tinha antecedentes criminais e não mais praticou nem veio acusado pela prática de nenhum crime até hoje.
16- No decorrer do período entre a prática dos factos, até à data, tem adoptado um comportamento ajustado ao ordenamento vigente.
17- À data da condenação o arguido era primário.
18- Do exposto, releva que o ora recorrente não procedeu culposamente ao incumprimento da obrigação a que estava vinculado, mas sim porque por circunstâncias supervenientes que a qualquer titulo nunca lhe podem ser imputáveis, ele viu a sua vida profissional e pessoal alterada de uma forma irremediável e atendendo à idade que tem e às mazelas com que ficou a nível da coluna em virtude dos acidentes de trabalho de que foi vítima, não conseguiu cumprir e não consegue cumprir com a obrigação imposta, tendo entregue 2000,00€ aos demandantes cíveis, tendo feito um esforço extraordinário, pois é uma pessoa de palavra e tendo falado com os mesmos e conhecendo eles a sua precária situação económica o entenderam.
19- Foi com grande esforço que entregou aos demandantes cíveis 2000,00€.
20- O arguido está bem inserido familiarmente, contando com o apoio de toda a família nuclear e amigos, que o têm ajudado neste momento difícil.
21- Os irmãos em tempos desentenderam-se com o arguido, mas agora neste momento difícil, todos se dão bem e conta com o apoio deles.
22- O arguido vive com uma companheira, auferindo a mesma o salário mínimo, sendo o único rendimento.
23- Dadas as circunstâncias e a conduta que revela neste momento, é manifesto estar ressociabilizado e inserido na comunidade onde habita, não constituindo ameaça para a sociedade.
24- Teme-se, neste momento, o efeito do cumprimento de uma pena efectiva de prisão, uma vez que o arguido está perfeitamente inserido em sociedade e não existem especiais exigências de prevenção e prevenção especial do deliquente.
25- A personalidade do arguido adequa-se perfeitamente à sua vivência em sociedade, sendo pessoa de trato fácil, e bem inserido familiarmente, não sendo conhecido pela sociedade como uma pessoa perigosa ou com laivos de perigosidade.
26- Ora, a pena deve respeitar os limites estabelecidos na lei, sendo feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, considerando-se a finalidade das penas indicada no artigo 40º do Código Penal, havendo ainda de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, possam depor a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as exemplificadamente indicadas no artigo 71º, nº 2 do Código Penal.
27- Com efeito, toda a pena tem como suporte axiológico normativo uma culpa concreta, significando este princípio não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas pressuposto e fundamento da validade da pena, mas afirma-se como limite máximo da mesma. E, sendo que a pena, além de dever ser uma retribuição justa do mal praticado, deve contribuir para a reinserção social do agente, de modo a não prejudicar a sua situação senão naquilo que é necessário e deve dar satisfação ao sentimento de justiça e servir de elemento dissuasor relativamente aos elementos da comunidade - neste sentido Acórdão do STJ, de 24/11/93, in C. P. Anotado, Leal Henriques/Simas Santos, VoI. I, pág. 567.
28- Quando medidas com rigor excessivo, as penas deixam de realizar os seus fins, o combate a este tipo de crimes não pode ser realizado só com penas muito severas, estas têm de ser justas e adequadas à culpa do agente.
29- A pena será sempre adequada à culpa ontológica do arguido e com base no princípio da culpa, cujas forças ao nível da medida concreta da pena não devem ser excedidas pela carga própria da prevenção geral e especial.
30- A condenação do arguido, ora recorrente, na revogação da suspensão da pena de prisão, não realiza, salvo o devido respeito, no caso concreto, nenhum dos fins das penas, como também não é adequada à culpa do agente pelas razões supra expostas. Conforme salienta o saudoso Prof. Eduardo Correia, in Direito Criminal, vol. II, pág. 329 "O conteúdo da ilicitude e a sua maior ou menor gravidade variam em função do número de interesses ofendidos ou das consequências que lhe estão ligadas".
31- Destarte, em nome da justiça e da equidade impõe-se tendo em conta o caso concreto, a personalidade do arguido, as condições de vida, profissionais e pessoais anteriores e posteriores ao crime, já descritas, que a pena de prisão, deve manter-se suspensa na sua execução.
32- De facto a simples ameaça de prisão, realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 50º, nº 1 do C.P.).
33- Tal, realizaria as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente e exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade.
34- Sendo que a pena aplicada não realiza nenhum dos seus fins, na medida em que a pena, para além de dever ser a retribuição justa do mal praticada, deve contribuir para a reinserção social do agente, por forma a não prejudicar a sua intenção senão naquilo que é necessário e deve dar satisfação ao sentido de justiça e servir de elemento dissuasor relativamente aos elementos da comunidade.
35- Sendo certo que a socialização em liberdade tem como limite inultrapassável a defesa do ordenamento jurídico, este não se vê ameaçado, assim, não subsistem razões de prevenção geral ou especial que exijam o cumprimento duma pena efectiva de prisão.
36- Violou a douta sentença recorrida as normas legais contidas nos art. 55° e 56° do Código Penal pelo que deve ser revogada.
37- Deverá o tribunal manter a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluindo que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, formulando-se um juízo de prognose social favorável que permite esperar que essa pena de substituição reintegre o agente na sociedade, mas também proteja os bens jurídicos, afinal os fins visados pelas penas (nº 1 do art. 40° do C. Penal).
38- Nesse sentido o Prof. Figueiredo Dias, “a primeira finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, mas não é a única.” Sendo que a suspensão da execução da pena de prisão tem de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o que assegura.
39- Dispõe Ac. do TC nº 29/2007, de 17/01/2007, publicado no DR II série, 26/02/2007 "o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena. ( ... ) Além disso, a revogação não dispensa a culpa do condenado ( ... ).".
40- Não se procedeu a audição do arguido, condição essencial na demonstração da culpa indispensável à conclusão da revogação decretada.
41- Violou a douta sentença / despacho recorrido as normas contidas no art. 495, nº 2 do CPP, aplicando-se a lei mais favorável ao arguido, portanto a lei anterior à reforma de 2007.
O meritíssimo JUIZ não procedeu à audição do arguido previamente à tomada da decisão.
42- A preocupação da lei de dar a conhecer aos sujeitos processuais as decisões que vão sendo tomadas ao longo do processo susceptíveis de os afectar radica no direito que estes têm de tomar posição perante cada elemento de facto e de direito relevante para a tomada de tais decisões.
43- Dispunha o nº 2 do art. 4950 do C.P.P., em vigor até Setembro de 2007, que depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério Público e audição do condenado o tribunal decidia sobre a violação dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações condicionadoras da suspensão da execução da pena de prisão. Depois da alteração havida no ano de 2007 esta mesma norma mantém o procedimento a cumprir previamente à tomada da decisão de revogação da suspensão da execução da pena, acrescentado apenas que a audição do condenado terá que ser feita «na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão».
44- O princípio do contraditório, impondo o dever de dar a todo o participante processual o direito se de pronunciar antes de ser tomada qualquer decisão que o afecte, vale em toda a sua amplitude - dele usufruem todos os participantes - e em todas as fases do processo.
45- A sua verdadeira autonomia aconteceu quando ele passou a ser conjugado com o princípio da audiência, que levou ao actual estádio do nosso direito, de que todo o participante tem o direito de influir na decisão através da sua audição.
46- Obviamente que se trata de um princípio geral, também aplicável ao arguido. Aliás, a este aplica-se por maioria de razão, e por maioria de razão se impõe a sua audição antes de se decidir se ele se vai manter em liberdade ou, pelo contrário, vai ser detido por via da "alteração" da sanção que lhe foi aplicada .(vejam-se a este propósito, entre outros, os acórdãos desta Relação de 29-10-2008, processo 0814770, de 31-5-2006, processo 0640033, e de 25-2-2004, processo 0410245).
47- No caso o arguido não só não foi ouvido sobre o alegado incumprimento dos deveres e condições a que a suspensão da pena aplicada ficou condicionada, como nem sequer foi notificado para se pronunciar.
48- Ora, a omissão de tal notificação configura uma nulidade que, porque viola o princípio do contraditório, afecta as garantias de defesa, determinando a invalidade do acto tomado, em conformidade com os art. 1200 e 1220 do C.P.P.
49- Razão pela qual, se impõe a revogação da decisão preferida nos autos, e a sua substituição por uma que decrete a manutenção da suspensão da aplicação da medida da pena nos termos do art. 50º CP.
50- Ainda, atenta a sucessão de leis penais no tempo, foram introduzidas alterações no Código Penal pela Lei Nº 59/2007,de 4 de Setembro.
51- O regime decorrente da lei anterior à nova redacção do art. 495, nº 2 do Código Processo Penal é concretamente mais favorável ao arguido/ pelo que terá de ser aplicado.
52- Preceitua o art. 56°, nº 1, aI. a) do Código Penal, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que/ no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social.
53- Neste circunstancialismo, verifica-se que os pressupostos que estavam na base da suspensão da execução da pena de prisão foram alcançados/ pelo que não se consideram verificados os pressupostos necessários para a revogação da suspensão concedido.
54- Face ao supra exposto, e ao abrigo do art. 56°/ nº 1, al. a) do Código Penal, não deverá ser revogada a suspensão de execução da pena de prisão decretada nos autos.
55- Acresce ainda dizer que resulta do nº 1 do art. 111° do C.P.P. que / a comunicação de um acto processual visa transmitir ou uma ordem de comparência/ ou a convocação para diligência/ ou o conteúdo de acto realizado ou de despacho proferido no processo.
56- Quanto aos termos em que as comunicações são feitas, a matéria é regida pelos art. 113° a 115° do C.P.P.
57- Assim e como regra geral/ estabelecida no nº 1 do art. 113º, temos que as notificações podem validamente efectuar­-se por contacto pessoal, via postal registada, via postal simples e por editais e anúncios.
58- Uma outra regra, constante da 1ªparte do nº 9 daquele mesmo artigo, diz-nos que as notificações ao arguido, assistente, e partes civis podem fazer-se na pessoa do defensor ou advogado.
59- No entanto, esta regra - que permite que a notificação destes intervenientes possa ser feita na pessoa do defensor ou advogado - tem uma restrição/excepção, consignada na 2a parte daquela disposição, nos termos da qual «as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.
60- Da conjugação dos art. 3990 e 4000 do C.P.P. resulta que a decisão de revogação da suspensão da pena de prisão é passível de recurso, a interpor no prazo de 20 dias «a partir da notificação da decisão» - a I. a), do nº 1 do art. 4110 do C.P.P ..
61- Portanto, no caso de decisão escrita, o prazo inicia-se com a sua notificação.
62- As actuais tendências do processo penal, nomeadamente derivadas das obrigações decorrentes dos tratados internacionais firmados pelo Estado Português, onde se contam as Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Declaração Europeia dos Direitos do Homem. A suspensão da pena é, sabemos bem, uma pena autónoma e não um modo de execução da pena aplicada.
63- Desta consideração uma parte considerável da jurisprudência tem concluído que a revogação da suspensão da pena, na medida em que interfere directamente com o dispositivo da decisão condenatória, deve entender-se como integrando materialmente a sentença e, por isso, a actividade processual dirigida à decisão de manutenção ou revogação da suspensão terá de processar-se de acordo com os princípios gerais do processo penal, de garantia de um processo equitativo, designadamente respeitando as garantias de defesa do arguido, onde se inclui o princípio do contraditório, regra orientadora da produção pelo tribunal de um juízo que interfira com o arguido.
64- Todas estas considerações determinam, então, que tal como acontece com a notificação da acusação, da decisão instrutória, da designação de dia para julgamento e da sentença, também a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada ao arguido e ao seu defensor, nos exactos termos da 2a parte do nº 9 do art. 113° do C.P.P.
65- Para além disto sabemos que o princípio do contraditório, com assento no art. 32°, nº 5, da nossa Constituição, garante ao arguido (bem como aos demais intervenientes) o direito de expor as suas razões e juntar as suas provas sobre todas as questões que lhe digam respeito.
66- Como se tem vindo a entender, este principio está intimamente conjugado com o princípio da audiência e desta conjugação resulta que o esclarecimento da situação jurídica do agente supõe não só a garantia formal de participação de cada um nos processos judiciais, mas a comprovação de todas as circunstâncias, de facto e de direito, relevantes à definição da situação, que só se alcança com a audiência de todos os intervenientes do processo.
67- E este princípio vale em termos amplos, no sentido de que o interessado na decisão tem sempre possibilidade de se pronunciar sobre as questões de facto e de direito relevantes para a decisão, e vale em todas as fases do processo, porque em todas elas é passível de surgir uma decisão judicial que afecte os direitos fundamentais.
68- E então concluímos que todo o participante processual deve poder influir na decisão a proferir, influência obtida com a sua audição por parte do tribunal ao longo do processo. Assim se garante o direito inalienável do arguido de intervir activamente no processo.
69- Assim, tal como a sentença tem que ser notificada pessoalmente ao arguido, também a decisão posterior que verse sobre a pena aplicada - decisão de manutenção, revogação da suspensão da execução da pena de prisão ou de alteração das condições - terá que ser, por igualdade de razões, notificada na pessoa do arguido, não bastando a notificação efectuada ao seu defensor ou Advogado.
70- E se é sempre assim, a necessidade da defesa desta tese aumenta consideravelmente quando aquela suspensão tenha sido revogada.
71- No moderno processo penal, melhor, no processo penal de um Estado de direito democrático como o nosso é regra absoluta a consideração dos direitos do arguido. Um dos seus mais essenciais direitos (como de todos nós) é o direito à liberdade, nomeadamente o direito à liberdade física. Então, estando em causa um acto que contende de forma tão directa com este direito fundamental decorre deste entendimento que este acto terá que lhe ser pessoalmente notificado, porque só esta tem a virtualidade de assegurar a cognoscibilidade do acto notificando, sobretudo quando o mesmo encerra uma tão radical alteração in pejus da sentença condenatória.
NORMAS VIOLADAS
O arguido não só não foi ouvido sobre o alegado incumprimento dos deveres e condições a que a suspensão da pena aplicada ficou condicionada, como nem sequer foi notificado para se pronunciar. Ora, a omissão de tal notificação configura uma nulidade que, porque viola o princípio do contraditório, afecta as garantias de defesa, determinando a invalidade do acto tomado, em conformidade com os art. 120° e 122º do C.P.P.
- foi violado o disposto no art. 495, nº 2 do CPP, sendo aplicável a anterior à reforma de 20071 por ser a mais favorável, o que acarreta nulidade da decisão proferida.
- Violou a douta sentença recorrida as normas legais contidas nos art. 55º e 56º do Código Penal pelo que deve ser revogada.
A douta sentença fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 55 e 56 do CP; não aplicou o artigo 4951 nº 2 do CPP e violou o disposto no art. 111 e 113 do CPP, a violação de tais normas acarreta nulidade insanável e consequentemente a revogação do despacho que revogou a suspensão da pena de prisão.
A correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos anteriores impõem em sede de reapreciação da prova colhida e documentada nos autos decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal “a quo" e consequentemente a revogação da sentença/ despacho substituindo-a por outra que mantenha a suspensão da execução da pena de prisão.
PEDIDO
Nestes termos deve o presente recurso vir a ser julgado procedente e provado e perante os elementos de prova existentes no processo, ser alterada a decisão recorrida a qual de revogação da suspensão da execução de pena de prisão deverá a passar a ser manutenção da suspensão da execução da pena de prisão e tudo sob as legais consequências.
Quando assim se não entenda deverá sempre e nesse caso esse Venerando Tribunal conceder provimento às nulidades invocadas e Anular a sentença / despacho ordenando o reenvio do processo e tudo sob as legais consequências

O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância, pronunciando-se também pela improcedência do recurso.
O arguido respondeu, mantendo a posição anteriormente assumida.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
- Violação do princípio do contraditório;
- Aplicação da lei concretamente mais favorável;
- Ausência de culpa do condenado no incumprimento da condição de suspensão da pena.

* * *

II - FUNDAMENTAÇÃO:

Com relevo para a decisão do recurso há que considerar o seguinte:
1. Por acórdão do Tribunal do Círculo Judicial de Pombal de 07/12/2006, ulteriormente confirmado por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Setembro de 2007, foi o ora recorrente condenado como autor material de um crime de incêndio, p. p. pelo art. 272º, nº 1,al. a), do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por um período de três anos, sob condição de o arguido pagar aos demandantes cíveis, no prazo máximo de um ano, o valor total indemnizatório liquidado no acórdão condenatório.
2. O acórdão liquidou a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos pelos demandantes a quantia total de € 18.258,37 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido até ao seu pagamento;
3. Arbitrando ainda a ambos os demandantes a quantia que se liquidar em execução de sentença, até ao limite do pedido, referente aos danos que sofreram relacionados com o valor da palha e barracão ardidos;
4. E a cada um dos mesmos demandantes, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreram, a quantia de € 750, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da decisão.
5. Suportam essa decisão os factos que no acórdão se tiveram como provados, com o seguinte teor:
No dia 14 de Março de 2005, cerca das 21.30 horas, o arguido, que previamente se tinha munido de um instrumento não concretamente determinado mas que permitia a emissão de chama, dirigiu-se à …, Pombal, mais exactamente a um barracão/palheiro anexo à residência de C... e de B..., seus proprietários, composto por seis pilares em betão e paredes laterais de barrotes de madeira colocados verticalmente e atravessados por ripas de madeira revestidas (todas as paredes laterais) de palha seca.
O arguido, de modo que não foi possível apurar ao certo, aproximando-se do barracão, mais exactamente da parede lateral esquerda (zona mais próxima das traseiras do barracão), e, com o supra referido instrumento não identificado, lançou fogo à palha que revestia as paredes laterais do barracão, palha esta que revestia também esse ao nível do tecto, começando imediatamente tal palha a arder, bem como as ripas de madeira e demais estrutura do barracão e os bens que aí se encontravam, designadamente um tractor agrícola que aí se encontrava estacionado, da marca Deutz-Fahar, modelo DOIS e matrícula … e um atrelado da marca Herculano, modelo SIE3125, de matrícula … .
Após, o arguido abandonou o local.
Tal barracão estava telhado mas não tinha portões de acesso, fazendo-se este livremente.
A uma distância não superior a 10 metros do barracão fica a casa de habitação de B... e de C…, da qual o fogo ainda se aproximou, danificando os estores das janelas (da dita habitação), cuja reparação importou em € 161,97.
Anexo ao barracão que ardeu existiam outros dois anexos que armazenavam grande quantidade de lenha seca.
Enquanto isso, os referidos B... e C… permaneceram na sua residência, só se tendo eles dado conta do incêndio quando esse provocou a falta de energia eléctrica na sua habitação, altura em que vieram à rua, num momento em que os vizinhos já aí iam chegando, tendo um desses chamado os Bombeiros.

O barracão ardeu na sua totalidade, à excepção dos seis pilares de betão que suportavam a estrutura, bem como os bens que continha no seu interior, ficando totalmente destruídos quer o barracão e a palha que nele existia, em valor não concretamente apurado, bem como o tractor e o atrelado, estes no valor total de € 18.096,40.
Os bombeiros, que entretanto acorreram ao local, combateram o incêndio e evitaram que este se alastrasse à vivenda e aos restantes anexos, tendo existido, em concreto, face à sua proximidade, perigo do incêndio se alastrar à residência propriamente dita, e demais anexos, em valor superior a € 50.000, onde, naquela hora, permaneciam os ofendidos que ainda não se tinham apercebido do incêndio.
Na verdade, se os vizinhos do ofendido não se tivessem apercebido do incêndio e não tivessem chamado os Bombeiros atempadamente o fogo poderia alastrar à residência propriamente dita, dada a sua proximidade, tendo chegado mesmo a danificar os estores.
O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente com o propósito conseguido de incendiar o barracão e os bens que estavam no interior deste, no intuito de os destruir e danificar, conhecendo bem que tais bens patrimoniais eram alheios e tinham valor consideravelmente elevado e sabendo, também, que desse modo causava aos ofendidos o inerente prejuízo patrimonial, como era seu propósito e conseguiu.
Sabia, ainda, que o barracão era contíguo à residência dos ofendidos e que àquela hora estes permaneciam no interior daquela residência.
Sabia, também, que ao colocar fogo do modo descrito no barracão este alastraria aos bens que se encontravam no seu interior, pois a palha que aquele continha é altamente inflamável e de combustão rápida e fácil, resultado este que quis atingir.
Estava, ainda, o arguido ciente de que podia existir perigo de que o fogo se alastrasse à própria residência e demais anexos, colocando em perigo esta e os seus moradores que aí permaneciam, caso estes se não apercebessem, resultado esse com que, no entanto, se não conformou.
Determinou-se movido por propósitos de vingança, num quadro de exaltação motivado por divergências que o opunham ao seu cunhado, estando pendente processo judicial, de natureza cível, no qual os ofendidos tinham sido testemunhas, tendo estas prestado, pouco tempo antes, no mesmo, declarações que o arguido considerou desfavoráveis à sua pretensão.
O arguido agiu sempre, ao assim actuar, livre, voluntária e conscientemente, conhecendo bem que praticava actos ilícitos e criminalmente puníveis.
Os factos referidos causaram, aos Demandantes cíveis, incómodos e dissabores, ficando estes abalados.
O arguido é solteiro e alterna a sua permanência entre Portugal e França, vivendo aqui sozinho e tendo uma companheira naquele País. Trabalha em pavimentos, em França, auferindo mensalmente, em média, cerca de € 2.500, tendo ido para esse País apenas com 13 anos, iniciando a sua actividade profissional.
Tem como habilitações literárias o 3° ano do ensino básico, que concluiu, tendo frequentado o 4° ano. Sabe ler e escrever.
Não possui antecedentes criminais no nosso País, tendo sido condenado, em França, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
O arguido está integrado social e profissionalmente, sendo visto, no seu círculo de amigos, como boa pessoa.
6. Mediante requerimento entrado em 29 de Setembro de 2008, certificado a fls. 39/40 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, A... solicitou prorrogação do prazo para proceder à liquidação dos valores que condicionaram a suspensão da execução da pena, o que veio a ser deferido por despacho de 23 de Outubro de 2008 (cfr. fls. 71).
7. Mediante requerimento entrado em 2 de Junho de 2009, certificado a fls. 72/73 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, A... requereu a prorrogação do prazo para liquidar os valores em causa por prazo não inferior a 12 meses, o que veio a ser deferido por despacho de 08/07/2009 (cfr. fls. 84).
8. Mediante requerimento de 11de Fevereiro de 2010, certificado a fls. 85/86 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, A... requereu uma vez mais a prorrogação do prazo para liquidar os valores que condicionam a suspensão da pena, o que veio a ser deferido por despacho de 21/04/2010 (cfr. fls. 91/92).
9. Por requerimento de 27 de Outubro de 2010, os demandantes vieram aos autos alegar, para além do mais, que o arguido mentiu no requerimento em que peticionou a modificação dos deveres impostos, na parte em que afirma ter entrado em contacto com os demandantes civis, tendo-lhes explicado os problemas que estava a passar e afirmando que os mesmos compreenderam a sua situação e disseram esperar até a situação económica do arguido se estabilizar, requerendo que o tribunal exija ao condenado garantias do cumprimento da obrigação que condiciona a suspensão, nomeadamente, garantia bancárias ou patrimoniais.
10. O recorrente apenas entregou aos demandantes a quantia de € 2000 (dois mil euros).

Vejamos então as questões suscitadas pelo recorrente precedendo, no entanto, uma primeira nota, para referir que as “conclusões” constantes do recurso interposto pelo condenado, ao reproduzirem praticamente in totum o teor da motivação, de modo algum poderão considerar-se o seu resumo sintético, conformação que lhes é apontada pelo nº 1 do art. 412º do Código de Processo Penal e que serve, entre outras finalidades, a da delimitação do objecto do recurso - Jurisprudência constante dos tribunais superiores., que opera a vinculação temática do tribunal superior, definindo o âmbito do conhecimento que obrigatoriamente se impõe ao tribunal ad quem. De todo o modo, oferecendo-se como claro o objecto do recurso, afigura-se inútil convidar o recorrente a alterá-las.

Sustenta o recorrente que não só não foi ouvido sobre o incumprimento dos deveres e condições a que a suspensão da pena foi condicionada como nem sequer foi notificado para se pronunciar, o que configuraria nulidade que, por violar o princípio do contraditório, afecta as garantias de defesa, determinando a invalidade do acto.
Resulta dos autos, contudo, que tanto o condenado como a sua ilustre defensora foram notificados do parecer do M.P. (certificado a fls. 115 a 121) na sequência de despacho que ordenou essa notificação (cfr. fls. 122, 123 e 130/131), sem que tenha havido reacção. Apenas depois de notificado da decisão que veio a ser ulteriormente proferida, revogando a suspensão da execução da pena, veio o condenado interpor recurso, arguindo nesta sede a nulidade decorrente do facto de não ter sido ouvido nem notificado para se pronunciar.
Que o ora recorrente foi notificado é questão que não suscita dúvidas, como resulta do que acabou de ser referido. Quanto ao não ter sido ouvido, porventura terá o recorrente em vista a sua audição presencial, já que lhe foi dada a possibilidade de se pronunciar, sendo esse o sentido da notificação que lhe foi feita.
Se é certo que alguns sectores da jurisprudência se pronunciaram num passado recente no sentido da obrigatoriedade da audição presencial, não os acompanhamos integralmente, por se nos afigurar que a economia do texto legal aponta para soluções diferenciadas consoante os casos. Temos por assente que o condenado tem que ser ouvido antes da decisão de revogação da suspensão, desde logo por imperativo legal que se prende directamente com os direitos de defesa que lhe assistem. Na verdade, o art. 61º, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal, assegura ao arguido o direito de ser ouvido sempre que o tribunal deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte, não havendo decisão judicial susceptível de o afectar mais gravemente do que aquela que o priva da sua liberdade. Não é, pois, concebível que uma decisão tão gravosa para o condenado em pena suspensa, como é a da revogação da suspensão da execução da pena ou mesmo a mera agravação da sua situação pessoal, decorrente da alteração das condições de suspensão, possa ser decidida sem que lhe seja facultada a possibilidade de expor as razões que conduziram ao incumprimento das condições que lhe foram impostas, ou mesmo de produzir prova que sustente as suas afirmações.
A questão que se coloca, porém, é a de saber se a audição tem que ser necessariamente presencial.
O recorrente procura descortinar argumento favorável na alteração que recaiu sobre o art. 495º, nº2, do CPP, sustentando que a redacção anterior lhe era mais favorável e deveria ter sido aplicada. Não vemos, porém, que no caso dos autos resulte qualquer diferença processual relevante ao ponto de influir nas garantias de defesa. Dispunha essa norma, na redacção imediatamente anterior à actual, que “o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério Público e audição do condenado”.
Com a alteração introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, o texto legal dispõe agora que “o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão”.
Não será a alteração da expressão «audição do condenado» para «ouvido o condenado» que sustenta e impõe a sua audição presencial, já que o sentido destas expressões é exactamente o mesmo. A lei inovou, é certo, mas apenas na medida em que impôs a audição do condenado «… na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão». A solução da quaestio colocada reside precisamente na relevância deste aditamento.
Diga-se desde já que extrapolar indiscriminadamente da obrigação de audição do condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão para todos os casos em que está em causa a revogação da suspensão traduz, quanto a nós, interpretação não consentida pelo texto legal, sabido que toda a interpretação pressupõe o recurso ao sentido útil da norma. Rege, a propósito, o art. 9º do Código Civil, que dispõe quanto à interpretação da lei:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação e sentido do alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
À luz do texto legal, qual é o sentido útil da norma de cuja interpretação cuidamos, com correspondência na letra da lei e que melhor se enquadra na unidade do sistema jurídico?
Se fosse necessário ouvir sempre presencialmente o condenado antes da alteração das condições da suspensão ou da sua revogação, a lei di-lo-ia pura e simplesmente. Contudo, não é isso que resulta do teor literal da norma, ainda que interpretada com muito boa vontade nesse sentido. Não é, pois, no argumento literal, que se poderá fundar a interpretação que questionamos.
O argumento de ordem sistemática, por seu turno, reforça a interpretação restritiva. Já vimos que a lei impõe sempre a audição do condenado antes da revogação da suspensão; e impõe-na também antes da alteração das condições da suspensão. Mas apenas se refere à audição presencial quando a suspensão da execução tenha sido subordinada a condições sujeitas a apoio e/ou fiscalização. Só quando se verifique esta última hipótese adquire sentido a imposição constante do nº 2 do art. 495º do CPP. Expliquemo-nos melhor:
O art. 495º, nº 1, do CPP dispõe que “quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos comunicam ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto no nº 3 do artigo 51º, nº 3 do artigo 52º e nos artigos 55º e 56º do Código Penal”. O art. 51º do Código Penal estatui sobre a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres e o respectivo nº 3 admite a respectiva modificação sempre que ocorram até ao temos do período de suspensão circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha conhecimento. O nº 4 do mesmo artigo prevê a possibilidade de o tribunal determinar que os serviços de reinserção social apoiem e fiscalizem o condenado no cumprimento dos deveres impostos. Portanto, se tiver havido uma suspensão da pena de prisão subordinada a cumprimento de deveres e se o tribunal tiver determinado que os serviços de reinserção social (ou outros serviços – cfr. 1ª parte do nº 2 do art. 495º do CPP) apoiem e/ou fiscalizem o condenado no cumprimento dos deveres impostos, a modificação dos deveres ou a revogação da pena exigem a prévia audição do condenado na presença do técnico que acompanhou e fiscalizou ou apoiou o respectivo cumprimento.
Não é por acaso que assim o dispõe a norma em questão. Repare-se que este evento processual apenas tem lugar se e quando o condenado não cumprir deveres que lhe foram impostos como condição de preservação da sua liberdade. A obrigatoriedade da audição do arguido antes da alteração dos deveres ou da revogação da suspensão não foi gizada para lhe permitir eximir-se a todo o custo à modificação ou agravamento dos deveres ou à revogação da suspensão, mas sim para lhe permitir esclarecer com transparência as razões que conduziram ao incumprimento. Claro que nesse momento importará garantir o contraditório (contraditório relativamente à promoção do M.P. para alteração dos deveres ou revogação da suspensão); mas importará também e sobretudo aferir do bem fundado da expectativa ou prognose em que assentou a decisão de suspensão da execução da pena, já que não está em causa apenas a liberdade do arguido, mas também a eficácia e credibilidade do sistema judicial e, em última instância, a própria realização da justiça (esta última a bastar-se com a manutenção do status quo, a exigir a alteração dos deveres ou a impor a prorrogação do período de suspensão ou mesmo a imediata revogação da suspensão da execução da pena, consoante a gravidade do incumprimento, a razoabilidade da justificação apresentada e os demais elementos apurados com relevo para a decisão). Equacionar a alteração das condições ou a revogação da suspensão significa, afinal, dar satisfação às exigências comunitárias de protecção dos bens jurídicos e garantir o funcionamento do elemento dissuasor. A presença do técnico que apoiou e fiscalizou o cumprimento dos deveres impostos funcionará como fiel das declarações do condenado, permitindo aferir da sua veracidade e facultando a aquisição de elementos preciosos para aquilatar da vontade e dedicação daquele no cumprimento dos deveres que lhe foram impostos. Justifica-se, pois, plenamente – e exige-se – uma audição do condenado não apenas presencial, mas em presença do técnico que apoiou e fiscalizou o cumprimento dos deveres que condicionaram a suspensão.
Contudo, como é sabido, a suspensão da execução da pena de prisão pode assumir uma de três modalidades: simples suspensão da execução da pena, suspensão sujeita a condições ou suspensão com regime de prova. Ora, se porventura a suspensão da execução da pena tiver sido uma suspensão não subordinada ao cumprimento de deveres, ou se mesmo tendo sido fixados deveres não tiver sido determinado o apoio no seu cumprimento, devendo a fiscalização ser efectuada pelo próprio tribunal em momento determinado, normalmente, no termo do prazo de suspensão – o caso típico da condição de pagamento de indemnização – não terá sentido a exigência da parte final do nº 2 do art. 495º do CPP, que se reporta apenas às situações em que tenha operado o nº 1 do mesmo artigo e por referência ainda ao nº 4 do art. 51º, nº 4 do art. 52º e nº 2 do art. 53º, estes do Código Penal.
Subsistirá nesse caso, ao menos, a obrigatoriedade da audição presencial, em termos tais que ouvido o condenado sem que o seja presencialmente, daí resulte nulidade insanável?
Não descortinamos argumento legal nesse sentido. Manifestamente, não resulta do art. 495º, nº 2, do CPP. E também não resulta da al. c) do art. 119º, ainda do CPP, já que não se vê onde é que a lei exige a comparência do arguido. O que a lei exige – já o dissemos supra – é que o condenado seja ouvido. De resto, não é difícil descortinar situações em que a audição presencial será de todo impossível. Basta pensar na hipótese de o condenado não só não cumprir as condições da suspensão como violar gravemente os deveres que sobre si impendem, ausentando-se de seguida para local incerto. Considerar, numa tal situação, inviabilizada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão por impossibilidade da audição presencial do condenado seria uma solução irrazoável, para não dizer absurda, e que o direito manifestamente não postula.
Acresce que não há qualquer razão teleológica, princípio de funcionamento do sistema ou garantia constitucional que obste a uma audição não presencial do condenado para aferir das razões do incumprimento das condições subjacentes à suspensão da pena ou da revogação da suspensão.
Em síntese, e concluindo quanto a este primeiro aspecto:
Teve lugar a audição do condenado – que no caso não tinha que ser presencial – tendo-lhe sido facultado em acto prévio à decisão revogatória o conhecimento das razões que justificariam a revogação da suspensão da pena de prisão. Não ocorre, pois, a nulidade por ele arguida.

Vejamos então se de todo o modo a decisão deveria ter sido outra, isto é, se deveria ter sido mantida a suspensão da execução da pena de prisão.
Importa ter presente que na suspensão da pena sob condição de pagamento da indemnização arbitrada ou de parte dela, como é o caso, o dever de indemnizar imposto ao condenado desempenha uma função adjuvante da realização da finalidade da punição - Cfr. Figueiredo Dias “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, págs. 352/353.. Na verdade, casos há em que a suspensão da execução da pena, enquanto pena de substituição, só opera verdadeiramente as finalidades subjacentes à aplicação de toda e qualquer pena – as de protecção dos bens jurídicos e de reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1, do Código Penal) – se concomitantemente lhe for associada a reparação dos danos causados, traduzida, nomeadamente, no pagamento da totalidade ou de parte da indemnização arbitrada aos lesados ou na garantia do seu pagamento por meio de caução idónea. É precisamente o que sucede no caso vertente, como facilmente se alcança pela matéria de facto que determinou a condenação. O efectivo cumprimento do dever de indemnizar os lesados imposto ao condenado oferece-se como essencial para garantia de que efectivamente foram alcançadas as finalidades subjacentes à punição. A gravidade dos factos praticados foi de tal ordem que o tribunal da condenação entendeu revelar-se insuficiente para alcançar as finalidades subjacentes à aplicação da pena a mera suspensão tout court da pena de prisão, antes a subordinando ao cumprimento de um dever destinado a reparar o mal causado pelo crime, nomeadamente, o pagamento da parte já liquidada da indemnização arbitrada aos demandantes. Efectivamente, face aos sentimentos manifestados pelo recorrente na execução do crime e aos objectivos que visou alcançar através da acção criminosa, apenas o efectivo cumprimento da obrigação que lhe foi imposta, pelo seu carácter pedagógico, permitiria considerar ter sido concedida efectiva tutela, através da suspensão da execução da pena, ao bem jurídico violado, e simultaneamente ter como alcançada a finalidade de reintegração social do condenado, não tendo assim razão o recorrente quando alega que a simples ameaça da prisão realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Os autos revelam, no entanto, a ausência de qualquer esforço sério do ora recorrente no sentido de dar cumprimento à obrigação de indemnizar os demandantes, vítimas da acção criminosa que desenvolveu com o intuito assumido e reiterado de os prejudicar com gravidade. Admitir que o recorrente se eximisse ao cumprimento da condição que lhe foi imposta para suspensão da pena, no enquadramento resultante da matéria de facto que se teve como provada no acórdão condenatório, agora que o período de suspensão fixado se encontra totalmente decorrido, não admitindo nova prorrogação – e repare-se que o tribunal usou para com o condenado de um critério de lata tolerância, concedendo-lhe sucessivas prorrogações sobre um prazo inicial de um ano para cumprimento daquela condição – equivaleria em termos práticos à renúncia à condição que verdadeiramente justificou a opção pela suspensão da pena de prisão. Na verdade, se por um lado não se mostra verdadeiramente justificada nos autos a sucessivamente invocada “impossibilidade” do condenado em proceder ao pagamento da quantia que condicionou a suspensão da pena (os “documentos” juntos pelo recorrente sempre que requereu prorrogação do prazo, verdadeiramente, nada provam), o facto de o recorrente dividir a sua vida entre Portugal e França impossibilita uma averiguação séria relativamente à veracidade do alegado. Mas ainda que porventura tivesse ocorrido alteração significativa da situação económica do recorrente após a fixação da matéria de facto que serviu de base à condenação e, consequentemente, à determinação da condição que lhe foi imposta, sempre seria a este que cumpriria alegar os factos pertinentes em resposta ao parecer do M.P. para revogação da suspensão da execução da pena, depois de notificado para o efeito, o que não fez.
Por outro lado, certo é que o pagamento apenas da quantia de € 2000 decorridos que são mais de quatro anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão condenatória deixa transparecer essencialmente a vontade de não cumprir a condição imposta. E, repete-se, o cumprimento dessa condição ou, pelo menos, a evidencia de um esforço sério para o seu cumprimento, revela-se essencial ao prosseguimento da finalidade visada pela pena, ainda que esse cumprimento lhe pudesse ser penoso ou lhe exigisse sacrifícios. Conforme decidiu o STJ, no acórdão de 13 de Dezembro de 2006 - Cfr. www.dgsi.jstj.pt, proc. nº 06P3116, o princípio da razoabilidade consagrado no nº 2 do art. 51º do Código Penal «significa que a decisão de imposição do dever ali previsto deve ter na devida conta “as forças” do destinatário, de modo a não frustrar, à partida, o efeito reeducativo e pedagógico que se pretende extrair da medida, sem contudo se cair no extremo de tudo se reconduzir e submeter às possibilidades económicas e financeiras oferecidas pelos proventos certos e conhecidos do condenado, sob pena de se inviabilizar, na maioria dos casos, o propósito que lhe está subjacente, qual seja o de dar ao arguido margem de manobra suficiente para desenvolver diligências que lhe permitam obter recursos indispensáveis à satisfação do dever ou condição».
As condições do arguido à data da imposição da obrigação de indemnizar consentiam, sem margem para dúvida, o pagamento da quantia liquidada no acórdão condenatório (recorde-se que auferia então em média a quantia mensal de € 2500). Decorridos mais de quatro anos, procedeu apenas ao pagamento da quantia de € 2000, pagos de uma só vez, quantia correspondente a menos do que auferia como média num mês da sua actividade profissional e que divida pelo período de tempo decorrido desde a data do trânsito da decisão condenatória corresponde a menos de € 500 por ano, o que é bem revelador do grau de desinteresse e alheamento do condenado relativamente ao cumprimento da condição que lhe foi imposta, ou seja, é revelador da sua culpa grosseira no incumprimento da condição imposta.
Consequentemente, mostra-se correcta a decisão de revogar a suspensão da execução da pena por não terem sido atingidas as finalidades subjacentes à aplicação daquela pena.

* * *
III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso.
Por ter decaído integralmente no recurso interposto, condena-se o recorrente na taxa de justiça correspondente a 3 UC.

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Coimbra, ____________
(texto processado e revisto pelo relator)




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(Jorge Miranda Jacob)




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(Maria Pilar de Oliveira)