Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1524/12.2T3AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: ENCERRAMENTO DE EMPRESA
ENCERRAMENTO DO ESTABELECIMENTO
RESPONSABILIDADE PENAL
ELEMENTOS DO TIPO
Data do Acordão: 02/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – AVEIRO – MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL – J1 (EXTINTO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 311.º, 312.º, 316.º, 346.º, N.º 4, E 363.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO DO TRABALHO (LEI N.º 7/2009, DE 12-02)
Sumário: I - As disposições do Código Penal são subsidiariamente aplicáveis aos factos puníveis pelo Código do Trabalho, sem prejuízo de este diploma conter alguma norma que concorra com as daqueloutro diploma, sendo, neste caso, aplicáveis as regras gerais do concurso.

II - A responsabilidade penal do empregador tipificada no art. 316.º do Código do Trabalho - Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro -, exige a verificação cumulativa dos seguintes elementos objectivos: (i) encerramento definitivo de uma empresa ou estabelecimento; (ii) omissão do dever de o empregador iniciar os legais procedimentos com vista à cessação do contrato de trabalho através do despedimento colectivo (tratando-se de microempresa, comunicação do encerramento a cada trabalhador, nos termos do disposto nos arts. 346.º, n.º 4, e 363.º, n.ºs 1 e 2, do referido compêndio legislativo), ou, na falta dele, das comunicações previstas no n.º 3 do artigo 311.º, ainda do mesmo Código); (iii) falta de constituição da garantida de caução, conforme previsão do art. 312.º do CT.

III - Não descrevendo a matéria de facto provada na sentença do tribunal da 1.ª instância factos donde decorra que o encerramento das lojas abertas ao público configurou um encerramento definitivo de determinada sociedade comercial, e ainda o número de trabalhadores que aquela empregou em certo ano, não é possível concluir se a empresa representada pelos arguidos é, ou não, uma microempresa e, assim, se aqueles estavam obrigados a proceder ao despedimento colectivo ou apenas à comunicação enunciada no n.º 4 do art. 346.º do CT.

IV - Consequentemente, tais factos não têm aptidão para integrar o tipo objectivo do ilícito configurado no artigo 316.º do CT.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. Por sentença proferida em 25 de Fevereiro de 2014, foram, cada um dos arguidos, A... e B... , com sinais nos autos, condenados pela prática de um crime previsto e punido pelo art. 316º, nº1, do Código de Trabalho conjugado com o disposto nos artigos 311º, 312º e 315º, do mesmo diploma, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 10€ (dez euros), num total de 1500,00€ (mil e quinhentos euros).

Mais foram os arguidos condenados a pagar, solidariamente, à demandante, C... , a quantia de 3 000€ (três mil euros), acrescida de juros legais a contar da notificação do pedido de indemnização cível, a título de danos não patrimoniais.   

2. Inconformados recorrem os arguidos, formulando as conclusões que a seguir se sintetizam:

1ª – Como resulta da matéria de facto provada e dos documentos juntos aos autos, a sociedade F... Unipessoal, Lda., é uma micro-empresa, contando com 4 trabalhadores, à data do seu encerramento.

2ª – Sucede que os arguidos foram condenados erradamente por ilicitude no encerramento, nos termos previstos pelo nº 1, do art. 316º, do Código de Trabalho, como se fosse uma pequena, média ou grande empresa.

3ª – À micro-empresa apenas é exigida a comunicação da decisão de encerramento, ficando dispensada a fase negocial, nos termos previstos pelo nº 4, do art. 346º, aplicável por força do estatuído no art. 315º, in fine, do Código de Trabalho de 2009.

4ª – Os arguidos agindo em representação da micro-empresa, comunicaram às trabalhadoras o encerramento com a antecedência de 6 dias.

5ª – Não lhes é aplicável o art. 311º e 312º, nem o nº 1 do art. 316º, do Código de Trabalho.

6ª – Nem a insuficiência de aviso prévio em Microempresa se poderia traduzir em responsabilidade

7ª – Enferma de manifesta inconstitucionalidade a interpretação do art. 315º do Código de Trabalho de que decorra a exclusão do regime previsto pelo nº 4 do art. 363º do Código de Trabalho, com aplicação do nº1, do art. 316º, por violação da proporcionalidade que decorre da noção de Estado de Direito e do principio da legalidade democrática – art. 2º, 3º, 18º e 86º, da Constituição.

8ª – Deve, em consequência ser revogada a decisão recorrida e serem os arguidos absolvidos do crime que lhes é imputado.

9ª – Deve, ainda ser decidida a improcedência do pedido cível, que tem por suporte os danos morais causados pela falta de pagamento dos créditos de férias e de fim de contrato (parcialmente satisfeitos pelo Fundo de Garantia Salarial) e pelo subsequente desemprego, na medida em que nem este, nem a incobrabilidade, decorrem da exiguidade do aviso prévio verificado, nem a demandante cível invocou danos relacionados com a exiguidade de aviso prévio, pelo que deve o pedido cível improceder na íntegra.  

10ª – Quando porém, assim, não se entenda e, a título subsidiário, dir-se-á, ainda;

11ª – A exegese do nº1 do art. 316º do Código de Trabalho aponta não apenas para empresas de maior dimensão, designadamente as industriais, como também para as situações de desprotecção máxima do trabalhador.

12ª – Não é o caso da Assistente nem o das demais trabalhadoras que tinham a possibilidade de reclamar a integração na empresa mãe, a E... , dona de outros estabelecimentos.

13ª – Não apenas porque lhe prestavam serviços ocasionais, sendo a F..., detida a 100% pela E... e partilhando com ela estruturas organizativas comuns, mas também porque a E... incorporou um dos dois únicos estabelecimentos seus, reabrindo-os dias depois e prosseguindo na sua exploração.

14ª – O direito laboral atribui grande relevo a tais vicissitudes, com reforço do estatuto dos trabalhadores que têm a opção de reclamar a sua reintegração na empresa dominante incorporante – cf. art. 101º, 285º e 334º do Código de Trabalho.

15ª – Opção que as trabalhadoras da F... não exerceram, pois não reclamaram a integração na E... .

16ª – Esse é um direito que lhes assiste, o que não quer dizer que essa opção possa, na prática, determinar se a actuação dos arguidos integra ou não responsabilidade criminal.

17ª – Deve a decisão recorrida ser revogada e os arguidos absolvidos do crime que lhe é imputado ou, quando assim não se entenda, substancialmente reduzida a pena de multa, por se revelar excessiva nas concretas circunstâncias do caso.

18ª – Deve, igualmente, improceder o pedido cível porquanto os alegados danos morais decorrem da opção da própria demandante que não reclamou a sua reintegração na empresa mãe como era seu direito.

19ª – Quando assim não se entenda devem os danos morais ser substancialmente reduzidos, uma vez que as dificuldades da empresa eram de pleno conhecimento da demandante pelo menos desde que recusou assumir a gerência da loja ou qualquer outra solução.

3. O Ministério Público em primeira instância respondeu à motivação dos Recorrentes (fls. 327 a 329), tendo concluído que, não obstante tratar-se de uma micro-empresa, ainda assim, os arguidos cometeram o crime pelo qual foram condenados, devendo, por isso, manter-se a sentença sob recurso.

4. O Digno Procurador-Geral-Adjunto, nesta Relação, acolhendo os argumentos da Senhora Procuradora Adjunta que subscreveu a resposta referida em 3, pugnou pela improcedência do Recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.

II – A DECISÃO RECORRIDA

A primeira instância deu como assentes os seguintes factos:

1. Os arguidos são, pelo menos, desde 22 de Dezembro de 2008, os únicos gerentes da sociedade por quotas F... Unipessoal, Lda., com o NIPC (...) , com sede no (...) , na Gafanha da Nazaré – Ílhavo (Doc.1), qualidade que ainda mantinham, pelo menos, em Dezembro de 2012.

2. Por sua vez, a sociedade F... Unipessoal, Lda. tem por objecto o Comércio a retalho de bijutaria, perfumaria, brinquedos, recordações, vestuário, adornos pessoais, marroquinaria, revistas, jornais e tabaco. Comércio por grosso de bijutaria, perfumaria, brinquedos, recordações, vestuário e adornos pessoais.

3. A sociedade F... Unipessoal, Lda. exerceu a sua atividade em estabelecimentos comerciais de venda ao público, na cidade de Aveiro, até 29 de Fevereiro de 2012, entre outros, nos estabelecimentos situados na Rua (...) e na Av. (...) , ambos em Aveiro.

4. Em data não concretamente apurada, mas com efeitos reportados a 1-6-1991, os arguidos admitiram C... , id. a fls. 26, para trabalhar na loja situada na Rua (...) , pertencente à sociedade F... Unipessoal, Lda., sob as suas ordens, direcção e fiscalização, na sua qualidade de sócios gerentes da sociedade, para a qual também admitiram as trabalhadoras G..., id. a fls. 30 e H..., id. a fls. 32, estas rotativamente entre as duas lojas referidas em 3., desde datas não concretamente apuradas mas, pelo menos, desde 22-12-2008.

5. E, para trabalhar na loja situada na Av. H..., em Aveiro, os arguidos admitiram J..., id. a fls. 28, desde data não concretamente apurada mas, pelo menos, desde 22-12-2008.

6. Em data não concretamente apurada do mês de Fevereiro de 2012, os arguidos reuniram-se com aquelas empregadas, referidas em 4. e 5., e manifestaram-lhes a sua intenção de, a partir do dia 18 de Fevereiro de 2012, encerrarem para férias os estabelecimentos comerciais supra referidos, devendo elas iniciarem o gozo das férias a que tinham direito nesse ano após aquela data, como veio a acontecer.

7. Então, encontrando-se aquelas trabalhadoras em gozo de férias, por carta datada de 23 de Fevereiro de 2012, assinada pelo arguido A... e com o conhecimento e consentimento da arguida, na qualidade de sócios gerentes da sociedade F... Unipessoal, Lda., da qual apuseram o carimbo, os arguidos comunicaram às trabalhadoras que por motivos alheios à nossa vontade, somos obrigados a encerrar a empresa, por falta de meios. A queda abrupta do volume de vendas e das margens de comercialização não nos permite subsistir. Lamentamos, mas não podemos continuar a assegurar o seu posto de trabalho. Enviamos-lhe, em anexo, o mod. RP5044-DGSS, devidamente preenchido e assinado, para solicitar o subsídio de desemprego e para o mais que tiver por conveniente. Apresentamos os melhores cumprimentos. Atentamente,

8. E, a partir de 1 de Março de 2012, os arguidos encerraram os estabelecimentos identificados em 3., impedindo as trabalhadoras supra identificadas, desde essa data em diante, de acederem aos locais de trabalho e recusando-lhes o fornecimento de trabalho e de condições e instrumentos para o levarem a efeito.

9. Porém, os arguidos, agindo em representação da sociedade F... Unipessoal, Lda. não haviam iniciado qualquer procedimento com vista a despedimento colectivo que incluísse aquelas trabalhadoras, nem tinham implementado procedimento visando a extinção dos respectivos postos de trabalho com o consequente despedimento das trabalhadoras, nem tinham organizado procedimento tendo por objectivo a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho das mesmas.

10. Com efeito, os arguidos agindo sempre em representação da sociedade F... Unipessoal, Lda., sequer liquidaram às trabalhadoras qualquer indemnização pela cessação dos contratos de trabalho, nem qualquer quantia referente a férias, subsídios de férias e de natal, valores pelos quais foi condenada no Juízo de Trabalho de Aveiro no âmbito das acções intentadas pelas trabalhadoras supra referidas, com os números 281/12.7T4AVR; 279/12.5T4AVR; 489/12.5T4AVR e 280/12.9T4AVR e que ainda se encontram em falta.

11. Os arguidos sabiam que antes de encerrarem os estabelecimentos comerciais supra referidos estavam obrigados a iniciarem procedimento com vista a despedimento colectivo que incluísse aquelas trabalhadoras, e a implementarem procedimento visando a extinção dos respectivos postos de trabalho com o consequente despedimento das trabalhadoras e ainda que tinham que organizar procedimento tendo por objectivo a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho das mesmas, o que não fizeram.

12. Os arguidos sabiam ainda que antes de encerrarem os estabelecimentos deveriam informar as trabalhadoras e a comissão de trabalhadores, ou na sua falta a comissão intersindical ou as comissões sindicais da empresa, se as houvesse, da duração previsível e consequências do encerramento, com antecedência não inferior a 15 dias, o que também não fizeram.

13. Além disso, os arguidos sabiam que em caso de encerramento deveriam constituir caução que garantisse o pagamento das retribuições em mora e demais compensações, o que não fizeram, continuando em dívida às trabalhadoras os valores pelos quais a sociedade por eles representada foi condenada nos processos referidos em 10.

14. Os arguidos agiram sempre de comum acordo e em união de esforços, de forma livre, deliberada e conscientemente, sabedores de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

15 - Os arguidos não têm antecedentes criminais.

16 - A sociedade F... , constituída em 22/12/08 era detida pela sociedade D... Lda., detentora de uma quota de 5000 €.

17 - A sociedade D... Lda. foi transformada em 13/08/2009 em sociedade anónima, com a denominação de “ E... , SA”

18 - As duas sociedades tinham estruturas organizativas comuns, designadamente a gestão de recursos humanos, a central de compras, sendo administradas pelas mesmas pessoas singulares, os ora arguidos,

19 - Ocasionalmente, as trabalhadoras da F... exerciam as suas funções em lojas da empresa-mãe, para a satisfação de necessidades pontuais.

20 – Após o encerramento da F... Unipessoal Lda., o negócio desta foi incorporado pela E... que assumiu uma das lojas encerradas, incorporando-a, sendo nestes moldes que a loja situada na Av. H... reabriu alguns dias depois.

21 - As trabalhadoras da F... não reclamaram a sua integração na E... ;

22 - Desde o início de 2012 que os arguidos expuseram as dificuldades existentes e propuseram à assistente e demais trabalhadoras uma redução salarial que viabilizasse a continuação em funcionamento, proposta que não foi aceite

23 - - A situação de insolvência iminente não permitia à F... o recurso ao crédito bancário

24 - As trabalhadoras receberam já do Fundo de Garantia salarial os valores que lhe assistem, não tendo reclamado créditos na insolvência da E... ;

25 - Os bens que se encontravam nas lojas encerradas passaram para a E... , sendo o dinheiro proveniente das vendas gasto no pagamento de fornecedores e bancos.

26 - O arguido é médico trabalhando em regime de prestação de serviços numa empresa de medicina do trabalho, auferindo cerca de 3000 € por mês. A arguida é responsável por uma das antigas lojas da F... , trabalhando para a empresa “I...”. Aufere cerca de 600 €. Os arguidos, casados entre si, têm duas filhas a cargo e pagam 1000 € de renda de casa.

27 - A ofendida C... era pessoa da confiança dos arguidos, vendo-se abruptamente privada do seu emprego, com o que ficou extremamente abalada, passando a viver permanentemente angustiada, temendo pela sua subsistência e a dos seus. Ainda está desempregada.

A ofendida ainda não recebeu a quantia de 33.408,42 € em que a F... Unipessoal Lda. foi condenada por sentença do Tribunal do Trabalho de Aveiro

Não se provou que

- A situação de inviabilidade económica não permitisse o pagamento de indemnizações inerentes ao despedimento coletivo ou à extinção do posto de trabalho, nem a constituição de caução

- fosse sempre na expetativa da salvação da empresa e dos postos de trabalho que a F... se manteve em funcionamento até Fevereiro de 2012, tendo encerrado apenas quando se tornou impossível a continuação da exploração;

III . QUESTÕES A DECIDIR

Aceite que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões que o Recorrente extrai da respectiva Motivação que delimitam o objecto do Recurso, a questão essencial a decidir consiste em saber quais os elementos típicos da responsabilidade penal em caso de encerramento definitivo de empresa ou de estabelecimento prevista e punida no art. 316º, nº 1, do Código de Trabalho, ilícito pelo qual foram os recorrentes condenados.

IV.  DO OBJECTO DO RECURSO

1. Da delimitação dos conceitos jurídicos exarados no art. 316º do Código de Trabalho[1]

O Tribunal a quo considerando que houve um encerramento definitivo da empresa, por  violação do disposto no nº 1, do art. 311º, nº 1, e no art. 312º, condenou os arguidos pela prática de um crime previsto e punido pelo art. 316º, nº 1.

 Dispõe este último preceito que:

«O empregador que encerre, temporária ou definitivamente, empresa ou estabelecimento, em caso previsto no art. 311º ou no artigo anterior, sem ter dado cumprimento ao disposto nos art.s 311º e 312º, é punido com pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias».

Antes de nos pronunciarmos, em concreto, sobre os elementos objectivos e subjectivos deste ilícito, importar definir os conceitos jurídicos nele contidos, não olvidando que apreciamos a responsabilidade penal do agente da infracção e não a responsabilidade contratual do «empregador».

O art. 12º, nº 7, da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova o Código de Trabalho de 2009 (cf. art. 1º) - na senda do que se estabeleceu no art. 21º, nº3, da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto (que aprovou o Código de Trabalho de 2003) – dispõe que «o regime sancionatório constante do Código de Trabalho não revoga qualquer disposição do Código Penal, sugerindo, «que as disposições do Código Penal são aplicáveis aos factos puníveis pelo direito laboral – crimes previstos no Código de Trabalho – não se verificando a ressalva da parte final do seu art. 8º, ou seja, que o Código de Trabalho não contém qualquer disposição que deva ser interpretada como afastando a aplicação do Código Penal, ou, de outro modo, que o conjunto de disposições penais do Código de Trabalho não constitui um regime de excepção relativamente ao direito penal comum, embora possa ter normas especiais.

Resulta assim que as disposições do Código Penal são subsidiariamente aplicáveis aos factos puníveis pelo Código do Trabalho, sem prejuízo deste Código conter alguma norma que concorra com as do Código Penal, sendo aplicáveis as regras gerais do concurso[2]».

Por outro lado, como é sabido, vigoram no direito penal o princípio da legalidade - segundo o qual, só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática  (art. 1º, nº 1, do Código Penal) –  e o principio da tipicidade[3], significando este que é «a própria lei que deve especificar clara e suficientemente os factos em que se desdobra o tipo legal de crime ou que constituem os pressupostos da aplicação da medida de segurança nacional[4]», não sendo permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime -  art. 1º, nº 3, do Código Penal.

O Código do Trabalho não contém definição sobre o que deve entender-se por empregador, empresa, estabelecimento e encerramento definitivo, para efeitos do disposto nos art. 316º, 315º, 311º e 312º, sendo certo que ao longo do diploma, se regulam várias realidades, com sentido e alcances diferentes, conforme os efeitos que visam atingir.

Referimo-nos, por exemplo, ao encerramento temporário ou definitivo de empresa ou estabelecimento (art. 316º, 315º e 311º), em confronto com a transmissão de empresa ou estabelecimento (art. 285º). No primeiro caso, o legislador reporta-se, apenas e só à «empresa ou estabelecimento», enquanto que no segundo engloba não só o «a empresa ou estabelecimento», mas também, «parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica», definindo, ainda que se deve entender por «unidade económica» o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória (art. 285º, nº 1 e 2)[5].  

Os conceitos jurídicos de «empresa ou estabelecimento» diferenciam-se, conforme se trate de responsabilidade criminal pelo encerramento definitivo de empresa ou estabelecimento ou de transmissão de empresa ou estabelecimento.

Nestas circunstâncias, justifica-se, a nosso ver, uma breve abordagem sobre as noções de empregador, empresa, estabelecimento, encerramento temporário ou definitivo, para efeitos do art. 316º, já citado. 

a) O empregador

A designação de “empregador” é, actualmente, usada para indicar a posição contratual daquela ou daquelas pessoas que recebem a prestação de trabalho e estão obrigadas a pagar a retribuição ao trabalhador.

O «estatuto» do empregador pode sinteticamente definir-se como uma posição de poder ou de autoridade – que é, afinal, o reverso da subordinação em que o trabalhador se coloca pelo contrato[6]».

«O empregador é assim a pessoa singular ou colectiva para quem se transmite a disponibilidade – o poder de dispor – da força de trabalho doutrem[7]».

Para o direito penal, o empregador é o agente da infracção, aquela pessoa singular ou colectiva, que dispondo, da força de trabalho dos seus empregados, pratica o acto ilícito.

No direito laboral, o capitulo I, do Livro II, do Código de Trabalho, dedica dois preceitos à responsabilidade penal, estatuindo o primeiro, o art. 546º[8], que «as pessoas colectivas ou equiparadas são responsáveis, nos termos gerais, pelos crimes previstos no presente Código».

Ou seja, quando o empregador for uma pessoa colectiva, a definição da sua responsabilidade penal e bem assim dos seus representantes, rege-se, nos termos gerais dos art. 11º e 12º, do Código Penal.

O último deste preceitos pune quem age voluntariamente como  titular de um órgão de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem , mesmo quando o respectivo tipo de crime exigir:

a) Determinados elementos pessoais e estes só se verificarem na pessoa do representado; ou

b) Que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado.

«Sempre que o agente actuar funcionalmente, como titular de um órgão de uma pessoa colectiva ou em representação de outrem, responde pessoalmente pelo facto perpetrado, mesmo quando o tipo de crime exigir determinados elementos pessoais e estes só se verificarem na pessoa do representado, seja ou não também responsável pelo crime o representado. 

Todos os crimes previstos no Código de Trabalho (…) são crimes próprios, sendo o sujeito activo o “empregador”, na generalidade das incriminações. (…).

   Assim, a pessoa  física só é penalmente responsável por esses crimes, quando tiver a qualidade de empregador a titulo individual ou praticar os respectivos factos na qualidade de titular de um órgão representativo ou em sua representação, nos termos já referidos do Código Penal [9]».

Não podemos, contudo, olvidar, que «a emergência crescente de formas de cooperação empresarial de nível horizontal que proliferam a um ritmo vertiginoso  (v.g. consórcios, agrupamentos complementares de empresas, associações de participação) e que do ponto de vista material podem defraudar a tutela juslaboral[10]», pode dar azo, a que o trabalhador esteja sujeito a mais do que um empregador.

A este propósito, permite o art. 101º, nº 1, a possibilidade de existir pluralidade de empregadores na celebração do contrato de trabalho, desde que, entre eles exista uma relação societária de participações recíprocas - cf. art.485º, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) -, de domínio – cf. art. 486º do CSC - ou de grupo –  cf. art. 488º e ss, 492º, e 493º e ss, do CSC , ou que tenham estruturas organizativas comuns.

A doutrina[11] e a jurisprudência laborais[12] parecem ter estabilizado um entendimento mais funcional da pluralidade de empregadores: basta que, ocorrendo um dos requisitos do nº 1 (relação societária entre vários empregadores ou a existência de estruturas organizativas comuns), naturalmente necessário para conferir o carácter “conjunto” à “pluralidade”, se prove que o trabalhador presta, em regime de subordinação, serviço a todos ou vários empregadores envolvidos, e independentemente da formalização imposta pelo nº 2, para que o regime do art. 101º seja aplicável[13]

Desta feita, quando existirem vários empregadores, coloca-se a questão de saber, a qual deles é imputada a responsabilidade penal prevista no art. 316º.

É que se, de um lado, a violação do disposto nos nºs 1 e 2, do citado art. 101º, constitui uma contra-ordenação grave, sendo responsáveis pela mesma todos os empregadores, os quais são representados para este efeito, por aquele que «represente os demais no cumprimento dos deveres e no exercício dos direitos emergentes do contrato de trabalho» (art. 101º, nº 6), de outro, nada se prevê sobre a responsabilidade penal decorrente de encerramento de empresa ou estabelecimento, quando ocorrer uma situação de vários empregadores.

Temos para nós que, neste caso, são de considerar as regras gerais da responsabilidade penal das pessoas colectivas, tal como previsto nos art.s 11º e 12º, do Código, Penal e não a norma especifica do nº 6, do citado art. 101º. 

Donde, será o caso concreto, a delimitar se existe um ou mais empregadores e, na afirmativa, qual deles é responsável pelo encerramento da empresa ou do estabelecimento, nos termos gerais do Código Penal.

b) A empresa

Muito embora a lei laboral não forneça uma noção jurídica de empresa – amplamente tratada no direito civil e comercial (cf. art. 230º, do Código das Sociedades Comerciais) -  o que é certo é que configura uma realidade com importantes reflexos na área do direito do trabalho. Diga-se, aliás, como afirma, Monteiro Fernandes[14] que as leis laborais se centram sobre as «relações de trabalho na empresa. Essa atinência é de tal modo vincada que, em larga medida, a compreensão e a aplicação das normas implicam que se tome em conta a perspectiva “organizacional” e o facto de o contrato de trabalho se executado num contexto colectivo, em conjunto com outros contratos do mesmo tipo que com ele de algum modo se relacionam».

A empresa, no «seu sentido objectivo» corresponde à «organização ou complexo articulado de meios produtivos[15]», e pode ser definida como «uma unidade organizatória, no âmbito da qual o empresário, individualmente ou com os seus trabalhadores, prossegue determinados fins produtivos com o auxilio de meios técnicos ou imateriais, os quais se destinam à satisfação das suas próprias necessidades.

A dimensão das empresas surge, assim, no direito laboral, como um factor importante de diferenciação dos regimes legais aplicáveis às relações de trabalho existentes.

Para este efeito, o art. 100º, distingue no seu nº 1, vários tipos de empresa, qualificando como:

a) Microempresa a que emprega menos de 10 trabalhadores;

b) Pequena empresa a que emprega de 10 a menos de 50 trabalhadores;

c) Média empresa a que emprega de 50 a menos de 250 trabalhadores;

d) Grande empresa a que emprega 250 ou mais trabalhadores.

As empresas são, pois, tipificadas, como micro, pequena, média ou grande, conforme o número de trabalhadores que empregue, número esse calculado, com base nos critérios estabelecidos nos n.ºs 2 e 3, do citado art. 100º.

No ano de início da actividade, o número de trabalhadores a ter em conta é o existente no dia da ocorrência do facto (nº 3, do citado art. 100º). Decorrido esse ano, o número de trabalhadores a ter em conta corresponde à média do ano civil antecedente (cf. nº 2, do mesmo preceito). Melhor dizendo, se o ano da prática do facto não coincidir com o ano de início de actividade, o número de trabalhadores – para efeitos de qualificação do tipo de empresa, como micro, pequena, média ou grande empresa -  há-de ser aferido por referência à média de trabalhadores no ano civil antecedente.

Uma vez decorrido o ano civil do início de actividade, a qualificação de uma empresa como micro depende do número de trabalhadores que empregue, em cada ano civil que antecede à ocorrência do facto. Se em média tiver tido menos de 10 trabalhadores, então estaremos perante uma microempresa.

São várias as disposições legais que tratam de uma forma mais favorável as microempresas, aqui se destacando, no que ao caso interessa, o encerramento definitivo da empresa (art. 315º e 346º,  nº 4), de que falaremos adiante.

A dimensão da empresa constitui, assim, um factor importante de aferição do regime que lhe é aplicável.

c) O estabelecimento

O direito laboral não fornece uma noção do que deve entender-se por estabelecimento para efeitos do art. 316º, havendo, por isso, que recorrer ao conceito que se tem desenvolvido doutrinal[16] e jurisprudencialmente.

«A tendência dos comercialistas é no sentido de conceber o estabelecimento como organização, tomada como coisa diferente da pluralidade dos seus elementos constitutivos, e, portanto, como objecto autónomo de direitos. O estabelecimento poderá ser reivindicado como unidade e constituir como tal objecto de direitos reais (…). A tendência geral é no sentido de equiparar as noções de «empresa»  e de «estabelecimento. (…).

 No campo do direito do trabalho, os textos legislativos não conduzem a qualquer distinção rigorosa entre estabelecimento e empresa. Nota-se, contudo, uma certa tendência para se referir estabelecimento em sentido objectivo ou material ou de qualquer modo objecto de direitos, e empresas em acepção subjectiva, sobretudo, enquanto comunidade de trabalho ou como organização de pessoas[17]».   

Para efeitos de transmissão da empresa ou estabelecimento, o Código de Trabalho de 2003 e 2009, respectivamente, nos art. 318º, nº 4 e 285º, nº 4, acolheram a noção de empresa e estabelecimento oriunda da Directiva nº 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Maio de 2001[18] e bem assim, a orientação jurisprudencial que se firmou nas instâncias comunitárias, segundo a qual o objecto de transmissão, para efeitos de sujeição ao regime laboral da transmissão do estabelecimento, deve constituir uma unidade económica[19], considerando-se esta como um conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.

«Adoptou-se com esta definição um critério material em que avultam dois elementos: um organizatório, a entidade económica apresenta-se como um complexo organizado de bens e/ou pessoas; um funcional, esse complexo organizado de meios visa prosseguir uma actividade económica[20]».

No domínio da aplicação do art. 37º, da LCT, tem entendido, lê-se no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.09.2009, que «o conceito de estabelecimento (ou empresa) abrange, quer a organização afecta ao exercício do comércio ou industria quer os conjuntos subalternos que correspondem a uma unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de autonomia técnica-organizativa própria, constituindo uma entidade produtiva autónoma, como organização especifica, do que resulta a irrelevância quer da transmissão de elementos patrimoniais isolados, interligados ou não, mas não essenciais à prossecução de determinada actividade económica».

Tudo isto para dizer que o conceito de estabelecimento é flexível, exigindo, que, casuisticamente, se verifique qual o tipo de «unidade económica» que está em causa, com vista à sua categorização como estabelecimento ou outra entidade, como por exemplo, um espaço comercial de venda ao público.

Para efeitos de responsabilidade penal pelo encerramento de um estabelecimento, torna-se necessário, analisar, caso a caso, as circunstâncias concretas da estrutura empresarial, para aquilatar, se estamos perante um estabelecimento ou uma simples loja aberta ao público.

O conceito de estabelecimento pressupõe, assim, uma análise global de todas as componentes envolvidas, componentes essas que hão-de resultar dos factos materiais e concretos que descrevam a entidade a caracterizar juridicamente. 

d)  Encerramento temporário

Considera-se encerramento temporário por facto imputável ao empregador, sempre que, por decisão deste, «a actividade deixe de ser exercida, ou haja interdição de acesso a locais de trabalho ou recusa de fornecimento de trabalho, condições e instrumentos de trabalho, que determine ou possa determinar a paralisação da empresa ou do estabelecimento» (art. 311º, nº 2). 

e) Encerramento definitivo

Contrariamente, ao que se estipulou para o encerramento temporário, o legislador laboral não definiu, o que se deve entender por encerramento definitivo de empresa ou do estabelecimento.

Porém, decorrendo a responsabilidade penal pelo encerramento definitivo da empresa, no caso do art. 315º, da inobservância do que dispõe o art. 311º, temos para nós, salvo melhor opinião, que as circunstâncias previstas no nº 2 do art. 311º - quando a actividade deixe de ser exercida, ou haja interdição de acesso a locais de trabalho ou recusa de fornecimento de trabalho, condições e instrumentos de trabalho, que determine ou possa determinar a paralisação da empresa ou estabelecimento -  podem integrar uma das causas qualificar o encerramento da empresa ou estabelecimento, como definitivo.

Com efeito, se, de um lado, a interdição de acesso ao local de trabalho, ou recusa de fornecimento de trabalho, condições e instrumentos de trabalho, que determine ou possa determinar a paralisação da empresa ou do estabelecimento, podem não corresponder ao encerramento definitivo destas, mas a outro tipo de vicissitude do contrato de trabalho, de outro, casos há, em que aquelas circunstâncias podem ocasionar a paralisação da empresa ou estabelecimento equivalente a um verdadeiro encerramento total e definitivo. 

Pressuposto é, que, se trate de um fecho total, irrevogável e permanente da empresa ou estabelecimento.

Neste sentido, aponta o artigo 315º, quando impõe a aplicação do regime previsto nos art.s 311º a 314º, apenas para os casos de inobservância do procedimento do despedimento colectivo ou da comunicação de encerramento a que alude o art. 346º, nº 4.

Desta remissão, resulta, a nosso ver e salvo melhor opinião, que o encerramento definitivo a que aludem os art.s 315º e 316º, tem o mesmo alcance e conteúdo que o estatuído no art. 346º.

Este preceito, sob a epígrafe “A morte do empregador, extinção de pessoa colectiva ou encerramento da empresa”, reporta-se aos casos de caducidade dos contratos de trabalho, quando a actividade da empresa ou do estabelecimento deixar definitivamente de existir, por causa subjectiva (a morte do empregador ou extinção da pessoa colectiva) e/ou por causa objectiva (encerramento da empresa).

A morte do empregador em nome individual faz caducar o contrato de trabalho, na data de encerramento da empresa, salvo se o sucessor do falecido continuar a actividade para que o trabalhador se encontra contratado, ou se verificar a transmissão da empresa ou estabelecimento (nº 1 do art. 346º).

De igual modo, a extinção de pessoa colectiva empregadora determina a caducidade do contrato de trabalho, quando não se verifique a transmissão da empresa ou estabelecimento (art. 346º, nº 2).

O encerramento total e definitivo de empresa também determina a caducidade do contrato de trabalho, devendo, neste caso, seguir-se o procedimento previsto nos art.s 360º e seguintes, com as necessárias adaptações (art. 346º, nº 3).

Daqui resulta que a morte ou extinção do empregador – conforme seja pessoa singular ou colectiva – não implica necessariamente o encerramento total e definitivo da empresa, já que este pressupõe a cessação da actividade para cujo exercício a empresa ou o estabelecimento foram constituídos e que dá sentido à sua própria existência.

Só assim, se compreende que a morte ou extinção do empregador determinam a caducidade dos contratos de trabalho, apenas e só, se a actividade para que o trabalhador foi contratado cesse por completo, seja porque o seu exercício não é continuado pelo sucessor do falecido, seja porque não houve transmissão da empresa ou do estabelecimento.

«A realização do trabalho pressupõe a existência e funcionalidade de um conjunto de factores que formam o substrato objectivo da prestação laboral, nos quais se incluem, por exemplo, as instalações onde o trabalho é executado, os instrumentos de produção, as matérias primas, etc. Por isso se diz que esse conjunto de factores genericamente referidos pelo termo «estabelecimento» é o meio próprio no qual se desenvolve, a relação de trabalho, constituindo uma «condição necessária do trabalho».

Na  ausência dessa condição ou desse pressuposto, a actividade laboral não pode ser executada o que origina a impossibilidade de satisfação da obrigação de trabalho[21]».

O encerramento definitivo[22] da empresa ou do estabelecimento acarreta irremediavelmente a impossibilidade da prestação da força laboral por parte dos trabalhadores, podendo esta impossibilidade decorrer de actos praticados pelo empregador que determinem ou possam determinar a paralisação total e definitiva da empresa ou estabelecimento, como o deixar de exercer a actividade, a interdição de acesso a locais de trabalho ou recusa de fornecimento de trabalho, condições e instrumentos de trabalho, previstos no nº 2, do art. 311º.

  Ensina Bernardo Xavier[23], que «existe encerramento definitivo, quando se rompe ou se desintegra a unidade jurídica que o estabelecimento ou empresa supõem. Não tanto contará o facto de a empresa ter deixado de produzir, mas a circunstância de ela se ter desintegrada (…) a desintegração da empresa tornar-se-á patente e eficaz em face dos trabalhadores ao seu serviço quando de modo algum se verifique, que, globalmente, os contratos de trabalho deixam de formar os restantes complexos empresariais (máquinas, segredos de fabrico, clientela, direitos a arrendamento e outros) aquela unidade que permite a existência de uma organização produtiva. Parece-nos de modo líquido que essa desintegração se pode operar em confronto dos trabalhadores sem qualquer necessidade de aviso do empresário. Bastará até que, encerrada a empresa por qualquer impedimento, seja improvável que este impedimento venha a cessar, não sendo de esperar que isso se dê ou tal aconteça dentro do espaço de tempo em que a finalidade do negócio possa a vir a ser alcançada».

2. Os elementos objectivos do tipo de ilícito previsto no art. 316º

«A ilicitude típica, o tipo de ilícito ou o tipo legal em sentido restrito existe em função do bem jurídico que se quer proteger[24]».

A responsabilização penal do empregador decorrente do encerramento temporário ou definitivo de empresa, visa «tutelar os direitos constitucionais que consagram o trabalho e a segurança no emprego contra comportamentos abusivos e desproporcionados por parte da entidade empregadora.

Numa outra vertente, dúvidas não restam de que estamos em presença da forma de tutelar a garantia constitucional relacionada com a tutela da justa causa para qualquer despedimento[25]».

A responsabilidade penal do empregador resultante deste preceito corresponde a uma sanção de cariz criminal por violação dos procedimentos legais que lhe são exigidos para modificar ou extinguir as relações laborais.

Recordando a previsão do art. 316º:

«O empregador que encerre, temporária ou definitivamente, empresa ou estabelecimento, em caso previsto no artigo 311º ou no anterior, sem ter dado cumprimento ao disposto nos art. 311º e 312º, é punido com pena de prisão até dois anos ou de multa até 240 dias».

Trata-se de uma norma que define os elementos objectivos do ilícito por remissão para outras normas.

Num primeiro momento, delimita o âmbito de aplicação – o caso previsto no «artigo 311º ou no artigo anterior» - e, num segundo define quais são as violações normativas cominadas com sanção criminal – a inobservância do «disposto nos artigos 311º e 312º».

Concretizando, cada uma destas situações, temos que:    

«O caso previsto do art. 311º» respeita «ao encerramento temporário da empresa ou do estabelecimento por facto imputável ao empregador, sem que este tenha iniciado procedimento com vista ao despedimento colectivo, a despedimento por extinção de posto de trabalho, a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho em situação de crise empresarial, ou que não consista em encerramento para férias» (cf. nº 1, do preceito).

Indicando o nº 2, como já se referiu, o que se deve considerar por encerramento temporário e integrando os nºs 3 e 4, do mesmo art. 311º, normas de procedimento para o encerramento temporário da empresa, concluímos, que a previsão deste preceito – art. 311º, nº 1 - está pensada para o encerramento temporário da empresa ou do estabelecimento e não para o encerramento definitivo.

«O caso previsto no artigo anterior» a que se alude no art. 316º corresponde à previsão do art. 315º (e não o art. 310º [26]), ou seja, ao «encerramento definitivo da empresa ou estabelecimento que ocorra sem ter iniciado procedimento para despedimento colectivo ou sem ter cumprido o disposto no art. 4º, do art. 346º».

Conjugando estes preceitos, podemos dizer que os elementos típicos da responsabilidade penal por encerramento de empresa ou estabelecimento se diferenciam, conforme ocorra o encerramento temporário ou definitivo.

Quando está em causa o encerramento definitivo da empresa ou estabelecimento, é imputável ao empregador a responsabilidade penal prevista no art. 316º, se, no caso do art. 315º, encerrar definitivamente a empresa ou estabelecimento, sem ter dado cumprimento ao disposto no art. 311º e 312º.

Ora, o art. 315º estabelece que ao encerramento definitivo da empresa ou estabelecimento, se aplica, com as necessárias adaptações, o regime previsto nos art.s 311º a 314º, quando não se tenha iniciado o procedimento para despedimento colectivo ou cumprido o disposto no nº 4, do art. 346º, preceito que, conjugado com o que lhe antecede (nº3), regulamenta a forma e os efeitos do encerramento definitivo da empresa.

Confrontando esta previsão com a do art. 311º, nº 1, notámos que a acção típica de encerramento temporário e definitivo, se bem que integre alguns actos objectivos em comum, contém algumas diferenças.  

São comuns a ambos os encerramentos (cf. art.s 311º, 312º e 315º), os seguintes elementos objectivos:

   - O encerramento de empresa ou estabelecimento por facto imputável ao empregador (art. 311º, nº1);

- A omissão do dever de informar os trabalhadores e a comissão de trabalhadores, ou na sua falta, a comissão intersindical ou as comissões sindicais da empresa, sobre fundamento, duração previsível e consequências de encerramento, com antecedência não inferior a 15 dias ou, sendo esta inviável, logo que possível (art. 311º, nº 3);

- A omissão do dever de prestar caução, nos termos exigidos pelo art. 312º.

Contudo, nem todo o empregador que decida encerrar temporária ou definitivamente a empresa ou estabelecimento, com violação dos deveres de informação (art. 311º nº 3) e de prestação de caução (art., 312º), é sancionado penalmente nos termos do art. 316º.

Na verdade, o art. 311º, nº 1, estatui que, no encerramento temporário, só é punido aquele que encerrou a empresa ou estabelecimento, sem ter dado inicio ao procedimento com vista a despedimento colectivo (art. 359º a 366º), a despedimento por extinção do posto de trabalho (art. 367º a 372º), a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho em situação de crise empresarial (art. 294º a 308 , ou que não consista em encerramento para férias.

Já no encerramento definitivo (art. 315º), o empregador incorre em sanção penal, quando procedeu ao encerramento da empresa ou estabelecimento, sem iniciar o procedimento de despedimento colectivo ou não cumpriu a comunicação a que alude o art. 346º, nº 4.

Temos assim, que a acção típica que integra os elementos objectivos da responsabilidade penal pelo encerramento da empresa ou estabelecimento e que corresponde a uma conduta violadora de procedimentos legais se diferencia, conforme se trate de encerramento temporário ou definitivo.

A omissão do procedimento com vista a despedimento colectivo, a despedimento por extinção do posto de trabalho, a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho em situação de crise empresarial, ou que não consista em encerramento para férias, constitui, assim, uma acção típica do ilícito de encerramento temporário da empresa ou estabelecimento (art. 311º, nº 1).

A omissão do procedimento para despedimento colectivo e da comunicação a que alude o art. 346º, nº 4, consubstancia a acção típica do encerramento definitivo da empresa ou estabelecimento (art. 315º).

A nosso ver e salvo melhor opinião, só a inobservância destes dois procedimentos por parte do empregador impõem que o encerramento definitivo da empresa siga o regime a que alude o art. 311º, nº 3 e 4.

A tanto não obsta a circunstância do art. 315º mandar aplicar ao encerramento definitivo, o regime previsto no art. 311º.

Com efeito, este último regime não se aplica in totum e em absoluto ao encerramento definitivo da empresa ou do estabelecimento, mas antes com «as necessárias adaptações». (cf. art. 315º).

Ora, uma das diferenciações que o legislador assinalou expressa e literalmente no art. 315º, consiste na formulação desta norma: a previsão da primeira parte do nº 1 do art. 311º é substituída pela última parte do art. 315º.

No encerramento definitivo, a observância do art. 311º fica afastada, quando o empregador não tiver iniciado procedimento para despedimento colectivo ou cumprido o disposto no art. 346º, nº 4.

No encerramento temporário, o afastamento do regime previsto nos nº 2 a 4, do citado art. 311º, ocorre, quando empregador que inicie procedimento com vista a despedimento colectivo, a despedimento por extinção do posto de trabalho, a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho em situação de crise empresarial; no encerramento definitivo, aquele mesmo regime fica arredado, quando o empregador dê inicio ao procedimento para despedimento colectivo ou cumpra o disposto no art. 346º, nº 4.

Neste sentido, aponta, ainda, a alteração legislativa que sofreu esta matéria com a alteração do Código de Trabalho, em 2009.

O art. 299º da Lei 35/2004, de 29 de Julho (Regulamento do Código de Trabalho) (antecedente do art. 315º) dispunha:

«O regime previsto nos artigos 296º[27], 297º[28] e 298[29]º, aplica-se com as devidas adaptações, ao encerramento definitivo da empresa ou estabelecimento, sempre que este tenha ocorrido sem ter iniciado um procedimento com vista ao despedimento colectivo ou, tratando-se de microempresa, cumprido o dever de informação previsto no art. 390º do Código de Trabalho ou despedimento por extinção de posto de trabalho, sem prejuízo do disposto no nº 2 do art. 390º, daquele diploma».

O art. 390º do Código de Trabalho de 2003 antecedeu o actual art. 346º, regulando os efeitos da morte do empregador extinção ou encerramento da empresa.

A responsabilidade penal pelo encerramento de empresa estava prevista no art. 465º do Regulamento do Código de Trabalho (antecedente do art. 316º), punindo a violação do disposto nos artigos 296.º e 299.º com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.

O legislador de 2003 distinguia de forma mais clara, quais os procedimentos legais que o empregador devia observar, no caso de encerramento definitivo da empresa, prevendo expressamente o caso de omissão de procedimento para extinção do posto de trabalho.

Já o legislador de 2009, com recurso à técnica legislativa da remissão, parece ter optado pela imposição do regime do art. 311º, nº 2 a 4 apenas nos casos em que o encerramento definitivo ocorra sem se ter iniciado o procedimento para despedimento colectivo, ou, tratando-se de microempresa, a comunicação a que alude o art. 346º, nº4. 

Em face do regime diferenciado entre encerramento temporário e definitivo, o nº 1, do art. 311º e o art. 315º, concluímos, pois, para o encerramento definitivo, não é exigível ao empregador que dê inicio ao procedimento com vista a despedimento por extinção do posto de trabalho, a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato e trabalho em situação de crise empresarial.

Chegados aqui, estamos em condições de elencar os elementos objectivos do ilícito do art. 316º, decorrente de encerramento definitivo da empresa ou estabelecimento, que tutela e garante a segurança no trabalho e a proibição de despedimentos sem justa ou por motivos  políticos ou ideológicos (cf. art. 53º, da Constituição da República Portuguesa e art. 30º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), considerando o tipo de empresa.

Tratando-se de uma microempresa, existe aquela responsabilidade penal quando o empregador:

1. Encerre definitivamente a empresa ou estabelecimento,

2. Omita a comunicação do encerramento[30] a cada trabalhador, com a antecedência mínima, relativamente à data de encerramento[31], de:

a) 15 dias, no caso de trabalhador com antiguidade inferior a um ano,

b) 30 dias, no caso de trabalhador com antiguidade igual ou superior a um ano e inferior a  cinco anos;

c) 60 dias, no caso de trabalhador com antiguidade igual ou superior a cinco anos e inferior a dez anos;

c) 75 dias, no caso de trabalhador com antiguidade igual ou superior a dez anos.

Esta comunicação deverá ser feita com antecedência mínima prevista no nº 2, do art. 363º, quando o encerramento envolver a cessação dos contratos de trabalho de ambos os cônjuges ou pessoas que vivam em união de facto, ou

b) Não informe os trabalhadores e a comissão de trabalhadores ou, na sua falta a comissão intersindical ou as comissões sindicais da empresa, sobre o fundamento do encerramento e consequências deste, com a antecedência de 15 dias, ou sendo, esta inviável, logo que possível (art. 311º, nº3),

3. Não constitua caução que garanta o pagamento de retribuições em mora, se existirem, e das compensações por despedimento, nos termos do art. 312º.

Se não se tratar de uma microempresa, existe aquela responsabilidade penal quando o empregador:

1. Encerre definitivamente a empresa ou estabelecimento e,

2. Não inicie um dos seguintes procedimentos legais e necessários à extinção das relações laborais:

a) O despedimento colectivo, nos termos dos art.s 359º e 360º (art. 315º) ou

 b) Informe os trabalhadores e a comissão de trabalhadores ou, na sua falta a comissão intersindical ou as comissões sindicais da empresa, sobre o fundamento do encerramento e consequências deste, com a antecedência de 15 dias, ou sendo, esta inviável, logo que possível (art. 311º, nº3).

3. Não constitua caução que garanta o pagamento de retribuições em mora, se existirem, e das compensações por despedimento, nos termos do art. 312º.

Em suma, a tipicidade da responsabilidade penal do empregador pelo encerramento ilícito previsto no art. 316º, integra cumulativamente, 3 elementos objectivos: a) o encerramento definitivo de uma empresa ou estabelecimento; b) a omissão do dever do empregador iniciar os legais procedimentos com vista a cessação do contrato de trabalho, por uma de duas vias, ou a do despedimento colectivo (tratando-se de microempresa, a comunicação do encerramento a cada trabalhador do art. 346º, nº 4 e 363º, nº 1 e 2) ou, na falta destes, a omissão das comunicações a que alude o art. 311º, nº 3; e c) a falta de constituição da garantia de caução, nos termos do art. 312º.

No que toca ao elemento subjectivo:

O art. 13º do Código Penal – que materializa a consagração do principio nulla poena sine culpa, ou seja, toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta – determina que «só é punível o facto praticado com dolo, ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência».

Ou seja, um facto só é punível com negligência, quando lei especial o determinar.

Não contendo o Código de Trabalho norma que regule a punibilidade dos factos, a título de negligência, aqueles só podem ser punidos, quando praticados com dolo, nos termos subsidiários do art. 13º, do Código Penal.

Neste sentido, Germano Marques da Silva, ob. citada, pág. 21.

3. O Caso dos autos

Feita a abordagem jurídica da responsabilidade penal do empregador decorrente do encerramento definitivo da empresa, voltemos ao caso concreto.

Os arguidos foram condenados pela prática do ilícito previsto no art. 316º por terem encerrado definitivamente a empresa e não apenas os denominados estabelecimentos comerciais de venda ao público, na cidade de Aveiro, «sem terem iniciado o procedimento com vista ao despedimento colectivo, a despedimento por extinção do posto de trabalho, a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho» e sem terem «prestado a caução que garanta o pagamento das retribuições em mora, se existirem e de compensações por despedimento, relativamente aos trabalhadores abrangidos, a não ser que haja declaração expressa nesse sentido» (cf. fls. 284).

Presumiu, assim, o tribunal recorrido que a factualidade apurada integrava todos os elementos subjectivos e objectivos da responsabilidade penal do empregador pelo encerramento definitivo da empresa (e não apenas de um estabelecimento)

Porém, basta uma leitura da matéria de facto, para facilmente se concluir, que omite actos essenciais à acção típica e ilícita.

Já assinalámos que os conceitos de empresa ou estabelecimento, encerramento temporário e definitivo de empresa ou estabelecimento, são flexíveis, dependendo a sua qualificação jurídica do caso concreto, impondo, por isso, uma descrição factual tanto rigorosa quanto possível.

Se há matéria em que não pode haver confusão entre os conceitos de facto e os conceitos jurídicos, este é, seguramente, um desses casos.

Não podem existir dúvidas que os conceitos utilizados na descrição dos factos têm apenas e só um significado real.

É sabido que a decisão sobre a matéria de facto deve conter a enumeração de factos materiais e concretos (na expressão de alguns “nus e crus, evidenciadores de uma certa realidade”), cada um deles, com uma única significação, e não já conceitos de direito, conclusões, expressões conclusivas ou generalidades susceptíveis de várias interpretações.

No caso dos autos, os pontos de facto dados como provados contêm expressões que correspondem quase, in totum, ipsis verbis aos conceitos normativos.

São elas:

- «Estabelecimentos comerciais (…) e estabelecimentos» (ponto de facto nº 3) ;

- « (…) encerraram os estabelecimentos (…) impedindo as trabalhadoras de acederem aos locais de trabalho e recusando-lhe o fornecimento de trabalho e de condições e instrumentos de trabalho para o levarem a efeito» (ponto de facto nº 8, corresponde à literalidade do art. 311º, nº 2).

- «(…) não haviam iniciado qualquer procedimento com vista a despedimento colectivo que incluísse aquelas trabalhadoras, nem tinham implementado procedimento visando a extinção dos postos de trabalho com o consequente despedimento das trabalhadoras, nem tinham organizado procedimento tendo por objectivo a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho das mesmas» (ponto de facto nº 9, descreve os conceitos jurídicos do art. 311º, nº 1).

- Os arguidos sabiam que antes de encerrarem os estabelecimentos comerciais supra referidos estavam obrigados a iniciarem procedimento com vista a despedimento colectivo que incluísse aquelas trabalhadoras e implementado procedimento visando a extinção dos postos de trabalho com o consequente despedimento das trabalhadoras e ainda que tinham que organizar procedimento tendo por objectivo a redução temporária do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho das mesmas» (ponto de facto nº 11).

- «Os arguidos sabiam que, antes de encerrarem os estabelecimentos deveriam  informar as trabalhadoras e a comissão de trabalhadores, ou na sua falta a comissão intersindical ou as comissões sindicais da empresa, se as houvesse, da duração previsível e consequências do encerramento, com antecedência não inferior a 15 dias» (ponto de facto nº 12, transcreve o art. 311º, nº 3).

- «constituir caução que garantisse o pagamento das retribuições em mora e demais compensações»  (ponto de facto nº 13, reproduz o art., 312º, nº 1). 

As expressões estabelecimento ou estabelecimento são conceitos jurídicos que, no caso, importa clarificar com factos materiais e concretos, quer porque se podem referir apenas a lojas, à unidade económica nelas desenvolvida, ou a outras realidades.

E, se os bens que se encontravam nas lojas passaram para a empresa mãe (ponto de facto nº 25), dúvidas se suscitam, quais as componentes do denominado «estabelecimento comercial» no facto n º3: integrava apenas o espaço de cada uma ou de todas as lojas ou, outras realidades, como por exemplo, os bens a que se faz referência nos factos provados?

Também o termo «encerramento», nos termos em que foi utilizado, pode, no caso, querer significar o simples encerramento das lojas que estavam abertas ao público, mas pode, também significar «extinção da F...». Ora, tendo sido dado como provado que, «após o encerramento da F... o negócio desta foi incorporado pela (…) que assumiu uma das lojas encerradas, incorporando-a, sendo nestes moldes que a loja situada em (…) reabriu alguns dias depois» - ponto de facto nº 20 -, ficamos sem saber se estamos perante um verdadeiro encerramento ou transmissão da empresa ou estabelecimento e, no primeiro caso, se se trata de encerramento temporário ou definitivo, total ou parcial.

As expressões dos pontos de facto nº 8, 9 e 11, aqui transcritas reproduzem o texto do art. 311º, nº 1 e 2.

Quanto à descrição dos pontos de facto nºs 12 e 13, que se reporta ao elemento subjectivo do ilícito, diga-se, que não demonstram, objectivamente, os autos a premissa fáctica, donde se extrai as ilações aí exaradas.

Na verdade, sem se saber se, no caso existia a comissão de trabalhadores, a comissão intersindical ou as comissões sindicais da empresa, não se pode concluir que os arguidos sabiam que tinham a obrigação de informar aqueles organismos.

Já no ponto de facto nº 13, não se concretizam quais as retribuições que estavam em mora, nem as compensações que, no caso, eram devidas pelo dito encerramento.

Tudo para concluir que, reproduzindo as expressões acima descritas conceitos jurídicos, devem as mesmas ser tidas por não escritas e arredadas da matéria de facto.

Acresce ainda:

Se atentarmos na matéria de facto que foi dada como provado e os elementos tipos do ilícito que acima assinalámos, facilmente constatamos que a sentença e a acusação não contêm factos essenciais para a prolação da decisão, seja de condenação ou absolvição dos arguidos, na medida em que não se concretizaram factos determinantes ao enquadramento jurídico-penal, a saber:

1) O número de trabalhadores que a Sociedade F... Unipessoal empregou no ano de 2011 (imprescindível a determinar se se trata de uma microempresa);

2) Sendo uma microempresa, se procedeu à comunicação prevista no art. 346º, nº 4;

3) De que modo concreto exercia a F... a sua actividade económica e em que contexto explorava as lojas referidas no ponto de facto nº 3. Só possuía estas lojas? Quais as componentes do estabelecimento comercial correspondente às lojas de venda ao público?  Não se pode falar em encerramento da F..., sem se delimitar qual a actividade económica efectivamente exercida em cada uma das lojas e bem assim qual a que foi cessada definitiva e permanentemente.

4) A estrutura empresarial que a ligava a F... à E... , SA, nomeadamente, como se processava a gestão comum dos recursos humanos referida no ponto de facto nº18.

5) Como se realizou a incorporação da F... na E... ? Se esta, depois da incorporação daquela, recebeu os bens e continuou a mesma actividade numa das lojas abertas ao público, como é que se pode concluir que «os estabelecimentos identificados em 3» foram encerrados pelos arguidos? (cf. facto nº 8).

6) Como se compatibiliza o encerramento da F... Unipessoal Lda. com a incorporação do negócio desta na E... , que assumiu uma das lojas encerradas, incorporando-a, sendo nestes moldes que uma das lojas reabriu dias depois (facto nº 20)?

7) Qual a entidade que, em 1991, admitiu ao seu serviço, C... (não resulta dos autos que a F... já existisse como pessoa jurídica ou unidade económica naquela data e que explorasse a loja referida no ponto nº 4).

8) Resultando dos autos, designadamente da participação de fls. 3 a 7 e foi alegado pelos arguidos, que esta trabalhadora foi contratada, em 1991, pela sociedade D..., Lda., (actual E... ) importava esclarecer que tipo de relação laboral existia entre C... e as duas sociedades, até porque foi dado como provado que, ocasionalmente, as trabalhadoras exerciam as suas funções em lojas da empresa mãe, para satisfação de necessidades pontuais (facto nº 19). 

Desta feita, e à falta de factos, não podemos concluir que:

1. Os arguidos procederam ao encerramento definitivo da empresa F....

Com efeito, esta empresa foi incorporada na E... , que, não só, recebeu os bens existentes nas lojas abertas ao público, como continuou a actividade de venda ao público.

2. Os arguidos estavam obrigados a iniciar o procedimento de despedimento colectivo. Como assinalámos acima, os arguidos só estavam obrigados a iniciar este tipo de procedimento, se não se tratasse de uma microempresa. Neste caso, a sua obrigação limitava-se à comunicação aos trabalhadores a que alude o art. 346º, nº 4 e nºs 1 e 2, do art. 363º, que, se desconhece se foi efectivada ou não.

Não consta da matéria de facto assente, quantos trabalhadores é que aquela empresa empregou no ano civil anterior ao encerramento (2011).

Os pontos de facto nºs 4 e 5 elucidam a data de admissão ao serviço e o local de trabalho de 4 trabalhadoras, mas não fazem qualquer referência ao número global das pessoas que estavam empregadas na empresa, seja no ano civil anterior ao do encerramento, seja na data em que este ocorreu.

Em suma, os factos que foram julgados pela primeira instância não permitem concluir que tipo de empresa é a F... , Unipessoal, Lda., para efeitos do disposto no art. 100º, nº1, al. a) e nº 2, do Código de Trabalho.

Donde, não existindo factos bastantes donde se possa concluir que o encerramento das lojas abertas ao público configurou um encerramento definitivo da F..., e não tendo sido apurado qual o número de trabalhadores que aquela empregou em 2011, não se pode determinar se a empresa representada pelo arguidos é ou não uma micro empresa e, se consequentemente, estavam obrigados a proceder ao despedimento colectivo ou apenas à comunicação a que alude o art. 346º, nº 4.

Os factos julgados pela primeira instância, não são, assim, susceptíveis de integrar os elementos típicos (desde logo a nível objectivo) da imputada responsabilidade penal prevista no art. 316º, (ou de qualquer outro tipo legal de crime), impondo, inevitavelmente a absolvição dos arguidos/recorrentes.

Extinta a responsabilidade penal, decai a condenação dos arguidos em indemnização cível, daquela dependente.

V. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Criminal desta Relação em julgar provido o Recurso e, consequentemente revogar a sentença recorrida, absolvendo os arguidos/recorrentes do ilícito previsto e punido pelo art. 316º, nº 1, conjugado com os art.s 311º, 312º e 315º do Código de Trabalho, por que haviam sido condenados em primeira instância.

Sem custas.

Coimbra, 25 de Fevereiro de 2015

(Alcina da Costa Ribeiro - relatora)

(Cacilda Sena - adjunta) 


[1] Diploma a que, de ora em diante nos referiremos, sem menção do contrário.
[2] Germano Marques da Silva, Direito Penal do Trabalho – Notas Sobre Disposições Criminais do Código de Trabalho, Estudos de Homenagem ao Juiz Conselheiro António da Costa Neves Ribeiro, pág. 20. 
[3]  Para Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio da tipicidade, consagrado constitucionalmente, contém os seguintes requisitos: a) suficiente especificação do tipo de crimes, tornando ilegítimas as definições vagas, incertas e insusceptíveis de delimitação; b) proibição da analogia na definição dos crimes; e c) exigência de determinação de qual a pena que cabe a cada crime, sendo necessário que essa conexão decorra directamente da lei -  Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição, volume 1º, pág. 206.
[4]  Maia Gonçalves, Código Penal Português, 2004, pág. 49.
[5]  A lei laboral transpôs para o direito interno, (art. 318º, nº 4, do Código de Trabalho de 2003 e 285º, nº 5), a noção de unidade económica acolhida pela Directiva Comunitária 2001/23/CE, do Conselho de 12 de Março de 2001.
[6]  António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 16ª edição, pág. 209.
[7]  Luís Menezes Leitão, Direito do Trabalho, 4ª edição, pág. 213.
[8] A propósito  do art. 607º do Código de Trabalho de 2003, que apenas dispunha que as pessoas colectivas respondiam pela prática dos crimes previstos naquele diploma, cf. Germano Marques da Silva, Direito Penal do Trabalho …, pág. 21 a 24.
[9] Germano Marques da Silva, Direito Penal do Trabalho …, pág. 26.
[10] J. N. Zenha Martins, A descentralização produtiva e os grupos de empresas ante os novos horizontes laborais, Questões Laborais, 2001, pág. 214.  
[11] A este propósito, cf. os estudos de Catarina Carvalho; Contrato de trabalho e pluralidade de empregadores, Questões Laborais, 2005; O equivoco jurisprudencial quanto à (in)admissibilidade do contrato de trabalho com pluralidade de empregadores antes da vigência do Código de Trabalho – O comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/05/2006, Questões Laborais, 2007 e As perplexidades suscitadas pela regulamentação positiva de uma figura não inovadora: o contrato de trabalho celebrado com pluralidade de empregadores, Prontuário de Direito do Trabalho, 2011.      
[12] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Abril de 2009 (Relator, Vasquez Dinis) e de 29 de Fevereiro de 2012 (Relator, Gonçalves da Rocha).
[13]  António Monteiro Fernandes, ob. citada pág. 220.
[14]  Ob. citada, pág. 215.
[15]  António Monteiro Fernandes, ob. cit. pág. 213.
[16] Para uma análise do estabelecimento comercial, cf. Coutinho de Abreu, Da empresarialidade – As empresas no “direito”, Colecção Teses, Almedina.
[17] Bernardo da Gama Lobo Xavier, A repercussão do encerramento definitivo do estabelecimento nos contratos de trabalho, em Revista do Direito e de Estudos Sociais, Ano XX, nº 1, pág. 2 e 3.
[18] Relativa à aproximação de legislações dos estados-membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos ou de parte de empresas ou estabelecimentos.
[19]  O critério decisivo para estabelecer a existência de uma transferência ou de uma transmissão de estabelecimento, (…) está em saber se a entidade económica (unidade económica) em questão mantém ou não a sua identidade. (…)
Devido ao elevado grau de indeterminação deste conceito, para salvaguardar a subsistência de um estabelecimento, de parte de estabelecimento, ou de uma unidade económica, a doutrina e a jurisprudência considera relevantes a verificação de vários critérios, mas a ponderação desses critérios varia de acordo com o caso concreto.
O que é relevante é a existência de um conjunto organizado de meios especial e duradouramente afectos a uma tarefa comum e a manutenção da sua identidade. E para verificar se essa identidade se mantém, apesar das vicissitudes, o TJCE entende que é necessário recorrer a múltiplos elementos cuja importância pode variar de caso para caso, segundo o tipo de empresa ou estabelecimento, a sua actividade ou métodos de gestão, sendo que esses elementos devem ser objectos de uma apreciação global, não sendo, em princípio, decisivo qualquer deles - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Outubro de 2007, in Colectânea de Jurisprudência, 2007, Tomo IV, pág. 167.
[20]  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Setembro de 2011 (Relator, Pinto Hespanhol).
[21] Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição, pág. 88.
[22] Sobre caracterização de situações de encerramento definitivo, cf. entre outros, o Acórdão do STJ de 20 de Maio de 2009 (Relator, Sousa Grandão) e o Acórdão da Relação de Lisboa de 1 de Abril de 2009 (Relator, Leopoldo Soares), in Colectânea de Jurisprudência, ano 2009, Tomo II, pág. 172 a 176.  
[23] «A repercussão do encerramento definitivo nos contratos de trabalho» RDES, ano XX, nº 1, pág. 11,
[24]  Acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça de 14.03.2013.
[25]  Miguel Ângelo do Carmo, Comentário das Leis Penais Extravagantes, pág. 876.
[26] Neste sentido, se pronunciou Miguel Ângelo do Carmo, Crimes Laborais: realidade ou utopia,  Revista do CEJ , 2013, Tomo, I, pág.180 e 181.   
[27]  O art. 296º, respeitante ao encerramento temporário, previa: «1) O encerramento temporário da empresa ou estabelecimento por facto imputável ao empregador, sem que este tenha iniciado um procedimento com vista ao despedimento colectivo, por extinção de postos de trabalho,  à redução temporária do período normal de trabalho ou à suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao empregador, rege-se pelo disposto nos números seguintes». 2) Para efeitos do número anterior, considera-se que há encerramento temporário da empresa ou estabelecimento por facto imputável ao empregador sempre que, por decisão deste, a empresa ou estabelecimento deixar de exercer a sua actividade, bem como se houver interdição de acesso aos locais de trabalho ou recusa em fornecer trabalho, condições e instrumentos de trabalho que determine ou possa determinar a paralisação da empresa ou estabelecimento; 3) O empregador deve informar os trabalhadores e a comissão de trabalhadores ou, na sua falta, a comissão intersindical ou as comissões sindicais da empresa, com uma antecedência não inferior a 15 dias, da fundamentação, duração previsível e consequências do encerramento temporário da empresa ou estabelecimento, bem como prestar garantia nos termos dos números seguintes; 4) O empregador deve prestar garantia das retribuições em mora, se existirem, das retribuições referentes ao período de encerramento temporário da empresa ou estabelecimento e dos valores correspondentes à compensação por despedimento colectivo, relativamente aos trabalhadores abrangidos pelo encerramento; 5)  Decorridos 15 dias após o não pagamento da retribuição, a garantia deve obrigatoriamente ser utilizada; 6) A garantia deve ser reconstituída no prazo de quarenta e oito horas a contar do dia em que for utilizada; 7) O empregador não está adstrito ao cumprimento da obrigação de prestar a garantia na parte final do nº 4, sempre que dois terços dos trabalhadores da empresa tenham manifestado a sua concordância escrita e expressa e 8) O disposto nos números anteriores aplica-se igualmente em caso de aumento de duração do encerramento temporário da empresa ou estabelecimento.
[28]  O art. 297º respeitava aos actos que o empregador estava impedido de praticar em caso de encerramento temporário da empresa ou estabelecimento.
[29]  O art. 298º previa os actos de disposição do património da empresa veados ao empregador.
[30] E justificam-se estas comunicações. Na verdade, como sintetiza Monteiro Fernandes, ob. cit. pág. 456, «Só o empregador sabe ou pode prever, normalmente, se o encerramento será permanente ou provisório; é necessário que o exteriorize ou manifeste, através de comunicação adequada».
[31]  Art. 316º, 315º, 346º, n 4 e 363, nº 1 e 2.