Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
231/19.0T8CNF.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: FACTOS NÃO ALEGADOS PELAS PARTES
SUA ADMISSIBILIDADE
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
SUA MEDIDA
Data do Acordão: 03/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CINFÃES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 5º, Nº 2 NCPC; ARTºS 473º E 474º DO C. CIVIL.
Sumário: 1. A prova não visa a certeza absoluta, a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente, mas tão só, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto, sendo a certeza a que conduz a prova suficiente, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.

2. Resulta do n.º 2 do art. 5.° do CPC que o tribunal deve considerar na sentença factos não alegados pelas partes. Não se trata, contudo, de uma possibilidade sem limitações. Desde logo, não cabe ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos e, portanto, possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjecturas ou possibilidades abstractas.

3. A exigência de fundamentar a decisão sobre a matéria de facto não deve ser meramente formal, passando sim pela indicação expressa das razões que levaram à formulação do decidido, embora não se imponha ao tribunal a descrição minuciosa todo o processo de raciocínio, bastando que sejam indicados, de forma clara e inteligível, quais os meios de prova, fazendo-se a enunciação das razões ou motivos substanciais porque os mesmos relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador, de modo a que se possa controlar a razoabilidade da convicção expressa. Na circunstância, firmada, adequadamente, no referencial utilizado, reconhecido como de efluência e confluência ponderadora adequada.

4. O que também almeja esteio na circunstância de o enriquecimento sem causa depender da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento, b) que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique, c) que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição e d) que não haja um outro acto jurídico entre o acto gerador do prejuízo e a vantagem obtida pelo enriquecido. Sendo que, quem invoca o enriquecimento sem causa, deve alegar e provar o montante do enriquecimento e do empobrecimento.

5. O mesmo é dizer que o direito contra o enriquecimento sem causa visa directamente remover o enriquecimento, sendo indirecto e eventual o objectivo da remoção do dano daí resultante. O que provoca a reacção de lei é a vantagem ou aumento injustificado do património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição verificada no património do empobrecido pelo facto de o direito perdido não ler chegado a entrar no património do enriquecido. O princípio geral do art. 473.° do Cód. Civil teoriza - «enriquecer à custa de outrem» e não «enriquecer à custa» do empobrecimento «de outrem»; o que conta, não é assim o empobrecimento da vítima por causa da lesão patrimonial, como acontece na responsabilidade civil, mas sim o enriquecimento injusto à custa de outrem. Tal como, in casu, de outra forma aconteceria.

6. O princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz “o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios”, sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”.

7. Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova (342º Código Civil) é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se para a parte a quem compete no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.

8. Fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada pelo primeiro grupo das testemunhas, por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente. A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem.

9. Verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº 1, alíneas b), c) e d) do CPC - art. 615° NCPC).

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

A..., solteiro, professor, residente na ... instaurou a presente acção declarativa de condenação, em processo comum, contra M..., divorciada, residente na Rua ...

Pedindo a sua declaração como dono e legítimo possuidor do prédio misto sito no lugar de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial pela ficha ... e inscrito na matriz rústica sob o art. ... e na matriz urbana sob o art. ... e a condenação da Ré no reconhecimento desse direito de propriedade e na desocupação e restituição do referido prédio, nomeadamente da casa de habitação, deixando de nela residir, entregando-o livre da sua pessoa.

Alega, em suma, que adquiriu, por contrato de compra e venda, tal imóvel, exercendo no mesmo actos inequívocos de posse, estando a Ré, desde o início de Junho de 2019, a residir nessa habitação, sem autorização e contra a vontade do Autor, não tendo qualquer contrato que justifique essa ocupação, vindo este a instá-la a desocupar o prédio, o que aquela se recusa a fazer.

A Ré deduziu contestação na qual afirma:

 ter vivido em união de facto com o Autor durante 25 anos, até 01-03-2019, da qual nasceu uma filha;

 No período em que durou a referida união acordou com o Autor adquirir, em conjunto, o imóvel em causa, tendo entregue €20.000,00 para a compra (correspondente a 1/3 do valor total), visto que o Autor não dispunha do montante para a aquisição do mesmo, tendo-se ademais visto na necessidade de contrair um empréstimo bancário para o efeito;

 O Autor actuou na escritura de compra e venda em representação da Ré, tendo a Ré entregue o referido montante na convicção de que o prédio passaria a ser propriedade de ambos por força do acordado;

Deduziu pedido reconvencional, defendendo ter sido o imóvel adquirido por Autor e Ré, estando estes no seu uso e fruição, por si e seus antecessores, há mais de 20, 30 anos, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, de forma permanente, contínua e sem interrupção, pelo que teria adquirido a Ré metade do prédio por usucapião.

Ademais, alega ter entregue mais de 10.000,00€, correspondente à sua parte para aquisição do imóvel.

Assim, pede que seja:

a) O Autor-reconvindo condenado a reconhecer que, com início em 1994 e término em 1 de Março de 2019, as partes viveram em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges, bem como reconhecer a dissolução da união de facto entre Autor e Ré;

b) Declarada a Ré como legitima proprietária de ½ indivisa do prédio misto em causa e cancelado o registo do prédio misto em nome exclusivo do Autor;

Subsidiariamente, invoca que as partes compartilhavam as responsabilidades financeiras familiares e as despesas com o património que foi adquirido em comunhão de vida, sendo que a Ré trabalhava e recebia dinheiro do ex-marido e que, se o pedido do Autor fosse atendido ocorreria enriquecimento do Autor à custa da Ré, cabendo a esta receber:

 Metade do valor pago de prestações pelo empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, ascendo a cerca de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros);

 Metade dos valores pagos com as obras de beneficiação e reparação, com a aquisição do recheio;

 20.000,00€ entregue pela Ré ao Autor antes da escritura.

Pede, assim, a condenação do Autor, no caso de procedência do seu pedido, à restituição de todos os valores correspondentes ao seu enriquecimento, a liquidar em execução de sentença, por impossível de calcular na data da dedução do pedido, bem como o reconhecimento de direito de retenção da Ré, enquanto não lhe forem entregues tais quantias.

Refere ainda que, como consequência directa da posição assumida pelo Autor, bem como num conjunto de decisões por si tomada, a Ré tem vivido momentos de angustia, sofrimento, humilhação, prejuízo para a sua saúde, especialmente psíquica, e dignidade pessoal, encontrando-se em constante estado de ansiedade, o que se tem traduzido em tristeza, frustração, insónias, desinteresse e desânimo, pedindo uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a liquidar em execução de sentença.

Finalmente, opõe o abuso de direito por parte do Autor, visto que, havendo recebido mais de 30.000,00€ para aquisição do prédio, a verificar-se o direito reclamado pelo Autor, seria manifestamente ofensivo das mais elementares regras de justiça que o Autor venha pedir que seja declarado único e legitimo possuidor de prédio.

Notificado da contestação, o Autor-reconvindo apresentou réplica, na qual pediu a improcedência da reconvenção e manteve o alegado na petição inicial, embora admitindo a união e a filha em comum, alegando:

 Ter sido o único comprador do prédio misto, na escritura de compra e venda;

 Ter celebrado dois contratos de mútuo, garantidos por hipoteca, um de 55.000,00€ para aquisição de imóvel e outro de 39.400,00€, destinado a financiamento de investimentos múltiplos, utilizado para completar o valor de 60.000,00€, para compra do imóvel, bem como para a aplicação na compra de bens móveis, correspondentes ao recheio da habitação e de utensílios, e em diversas obras no imóvel;

 Foi sempre o reconvindo que, à sua exclusiva custa, suportou todos os custos e pagamento atinentes quer ao imóvel, quer a obras, não tendo a Ré-reconvinte participado com qualquer valor, quer aquando da escritura quer posteriormente, pois que tais despesas foram cobertas com os empréstimos contraídos pelo Autor;

 Não ter sido a aquisição decidida em conjunto pelas partes, correspondendo antes a um desejo do Autor de possuir uma propriedade na sua terra natal, que pudesse cultivar e utilizar como poiso de lazer e férias, sendo falso que houvesse agido em qualquer dos contratos em representação da Ré;

 A Ré nunca viveu com carácter de permanência na citada habitação, apenas acompanhando o Autor nas suas deslocações àquele local, estando a ocupar tal prédio por mero acaso e de forma meramente precária;

 A Ré não aufere quaisquer rendimentos, tendo sido sempre o Autor quem suportou todas as despesas e encargos decorrentes da vida quotidiana, bem como da aquisição de veículos automóveis, manutenção, pagamento do combustível, educação da filha e liquidação de todos os impostos.

 Não existe qualquer abuso de direito, porquanto o Autor exerce legitimamente o direito de reivindicar o prédio do qual é possuidor e proprietário, mantendo-se a Ré no prédio com o propósito de impedir que o Autor o ocupe, tendo inclusivamente mudado as fechaduras da mesma, impossibilitando-o de fruir de um bem que a adquiriu à sua própria custa.

 Não existe qualquer conexão directa entre o eventual crédito da Ré-reconvinte e os prédios que ocupa ilicitamente, não respeitando o mesmo a despesas realizadas com os mesmos.

       

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que:

«Em face de todo o exposto:

I. Julga-se a acção procedente, por provada e decide-se:

A. Reconhecer o Autor A... como dono e legítimo proprietário do prédio misto sito no lugar de ..., inscrito na matriz rústica sob o art. ... e na matriz urbana sob o art. ,,,, bem como o prédio rústico sito no lugar de ..., inscrito na matriz rústica sob o art. ...;

B. Condenar a Ré M... a desocupar o referido prédio e entregá-lo ao Autor A... livre da sua pessoa;

C. Condenar a Ré M... nas custas da acção.

II. Julga-se a reconvenção parcialmente procedente, por provada e decide-se:

A. Reconhecer a dissolução da união de facto entre o Autor-reconvindo A... e a Ré-reconvinte M...;

B. Condenar o Autor-reconvindo A... a restituir a quantia de 19.832,41€ (dezanove mil, oitocentos e trinta e dois euros e quarenta e um cêntimos) à Ré-reconvinte M...;

C. Absolver o Autor-reconvindo dos demais pedidos reconvencionais;

D. Condenar o Autor-reconvindo A... e a Ré-reconvinte M... nas custas da acção, em 30% e 70%, respectivamente».

A..., Autor/Reconvindo, com os sinais dos autos, notificado da sentença proferida e com a mesma não se conformando, vieram interpor RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que:

49ª - A sentença em recurso violou, para além de outras, as seguintes disposições legais: artºs 5º, nº 2 e 607º do Código de Processo Civil; artºs 342º; 471º; 372º; 393º; 473º a 482º do Código Civil.

TERMOS EM QUE DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E PROFERIDO ACÓRDÃO QUE ABSOLVA O RECORRENTE NO PEDIDO FORMULADO EM SEDE DE RECONVENÇÃO.

Legal e tempestivamente notificados, para o efeito, veio M..., RÉ/RECONVINTE, Recorrida, apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, por sua vez concluindo que:

...

23. De tudo quanto se deixou alegado resulta que os depoimentos invocados pelo Recorrente não sustentam qualquer alteração à matéria de facto provada, nem à matéria de direito, impondo-se a improcedência da pretensão do Recorrente.

24. Devendo, face aos argumentos supra expostos, manter-se inalterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, terá de manter-se também a decisão proferida sobre a matéria de direito, por não merecer qualquer reparo o enquadramento dos factos apurados nos autos.

25. Face a tudo quanto se deixou alegado, deverá o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se a douta decisão recorrida.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

Com relevo para a decisão, dá-se por provado o seguinte acervo factual:

...

De entre os factos alegados, com relevo para a decisão, não foram provados os seguintes factos:

...

Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

Das conclusões de Recurso ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística:

I.

27º - A livre apreciação da prova pelo julgador não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos quer por acordo ou confissão das partes - art. 607º, n.º 5 CPC.

28º - O Mtº Juiz ao condenar o Autor/Recorrente na restituição à Ré/Recorrida da quantia de 19.832,41€, estriba-se no instituto do enriquecimento sem causa - artigos 473º a 482º do Código Civil - que exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

a) existência de um enriquecimento

b) obtenção desse enriquecimento à do empobrecimento de outrem

c) falta de causa justificativa

29º – Mesmo admitindo, o que se não concede, se verificarem no caso em apreço os dois primeiros pressupostos ou requisitos, e que o Autor/Recorrente se enriqueceu à custa da Recorrida no valor referido,

30º – Tinha a Ré/Recorrida alegadamente empobrecida, o ónus de alegar e provar que entregou e efetuou ao Autor/Recorrente a prestação daquela quantia, em função de uma causa, qual seja a da continuação e subsistência da vida em comum com o Recorrente tendo cessado essa causa.

31ª - É certo que as partes, Recorrente e Recorrida, viveram em união de facto entre 1994 a 1 de Março 2019, mas não consta provado que a eventual entrega da quantia de 19. 832,41€, para pagamento do preço dos imóveis do Recorrente, tivesse sido feita no pressuposto da continuação e manutenção da união de facto.

32º - A Recorrida não alegou, como lhe competia, tal pressuposto nem, consequentemente o provou, como elemento constitutivo do seu invocado direito. [ Artº 5º, nº 1 Código de Processo Civil e Artº 342º, nº 1 do Código Civil].

33º - A falta de alegação daquele elemento constitutivo do direito da Recorrida, ou seja que a contribuição daquela quantia foi feita no pressuposto da subsistência da união de facto, sempre impediria que o mesmo fosse tido em conta nos presentes autos, até porque não foi objeto de alegação [Artº 5º, nº 2, b) do Código Processo Civil].

39º - Atenta a contribuição de cada um dos unidos de facto, Recorrente e Recorrida, para a aquisição dos identificados imóveis, para a execução das obras e ainda a contribuição de cada um deles para a economia e vida doméstica ao longo de 25 anos e aceitando-se, neste raciocínio, ter a Recorrida contribuído com a quantia de 19. 832,41€, o que se não concebe, não se entende nem a decisão recorrida o justifica, a verificação do requisito da existência de um enriquecimento sem causa, qual seja, o enriquecimento do Recorrente.

Apreciando, impõe-se começar por dizer que uma sentença é um ato jurídico e, enquanto tal são-lhe aplicáveis as regras relativas à interpretação da declaração negocial: art. 236.° a 239.° do Código Civil. Não podendo a sentença valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, certo é também que não deve olhar-se para um determinado segmento da sentença "desgarrado" dos demais. A escalpelização de uma determinada linha de argumentação, deve ser conexionada com os demais fundamentos abordados, com a interpretação que o juiz fez do objeto do litígio e das questões que entendeu serem de resolver (Ac. RG de 21.1.2016, Proc. 464/12: dgsi.Net).

Além disso, nem tudo o que é mencionado pelas próprias testemunhas tem que merecer o acolhimento do Tribunal. A apreciação da prova pelo julgador é muito mais profunda, merecendo um tratamento de decifração sério, objectivo e inequívoco, distanciada do interesse subjectivo da parte (Cf. Ac. RL de 26.1.2016: Proc. 111/11.7TBPDL-A.L1-1.dgsi.Net).

Do mesmo modo, no julgamento da matéria de facto importa ter presente a prevalência do princípio da liberdade de julgamento, consagrado no art. 607.°, n.º 5, do NCPC, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto controvertido, não invalidando a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos (Cf. Ac. RG de 11.2.2016, Proc. 185/10: dgsi.Net).

Mais se crescente que na fixação da matéria de facto provada e não provada, o juiz tem de atender a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não apenas aos factos que suportam a solução da questão de direito que considera aplicável. Assim, tal e qual acontecia no regime de pretérito - embora se admita que hoje, com a abolição do despacho saneador, a opção pelos temas de prova, e pela sentença unitária, tal pode constituir tarefa mais complexa -, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. Tais questões - a que se reporta a aI. d) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC -, «são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções». O juiz não tem que responder aos «temas de prova» mas aos factos que consubstanciam o direito invocado, ou as excepções deduzidas. Porém, tem agora uma maior amplitude na conformação de facto da acção em face ao disposto nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 5.º do NCPC (Ac. RE de 30.6.2016: Proc. 1715/12.6TBEVR.E1.dgsi.Net).

É assim que a prova não visa a certeza absoluta, a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente, mas tão só, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto, sendo a certeza a que conduz a prova suficiente, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.

Resulta do n.º 2 do art. 5.° do CPC que o tribunal deve considerar na sentença factos não alegados pelas partes. Não se trata, contudo, de uma possibilidade sem limitações. Desde logo, não cabe ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos e, portanto, possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjecturas ou possibilidades abstractas (Cf. Ac. RG de 15.9.2016: Proc. 572/14.2TBBG.C.G1.dgsi.Net).

Incontroverso se afigura, também, que a dedução intelectiva relativamente as factos não provados, por não terem sido objecto de prova, não demanda qualquer acrescido exame crítico da prova (Ac. RE de 6.10.2016, Proc. 475/09: dgsi.Net), para além do que, no caso se consumou.

Serve tudo isto para exprimir que a exigência de fundamentar a decisão sobre a matéria de facto não deve ser meramente formal, passando sim pela indicação expressa das razões que levaram à formulação do decidido, embora não se imponha ao tribunal a descrição minuciosa todo o processo de raciocínio, bastando que sejam indicados, de forma clara e inteligível quais os meios de prova, fazendo-se a enunciação das razões ou motivos substanciais porque os mesmos relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador, de modo a que se possa controlar a razoabilidade da convicção expressa (Ac. RL de 6.11.2012: Proc. 20697/ll.dgsi.Net). Na circunstância, firmada, adequadamente, no seguinte referencial – reconhecido, depois de aferição, como de efluência e confluência ponderadora -, que, por tal modo, se faz funcionar por expressão intertextual expressiva:

«(…) Através da prova por declarações de parte, testemunhal e documental, a Ré conseguiu criar no Tribunal a percepção de existir uma probabilidade qualificada de ter existido a entrega de 19.832,41€ ao Autor, conforme se verá infra.

É certo que para o Autor concorre o facto de ter feito dois empréstimos para aquisição tanto do imóvel, como do seu recheio, bem como a realização de obras e melhoramentos e ainda a circunstância de ter negado frontalmente ter recebido tal quantia.

Todavia, são substanciais os elementos que conduzem à conclusão de que a actividade probatória só pode desembocar na prova do facto atinente à entrega de 19.832,41€ pela Ré ao Autor, na medida em que a conjugação de meios de prova diversificados com as regras da experiência comum aponta claramente em tal sentido, não existindo infirmação por qualquer outro meio de prova, que não os elementos suprarreferidos.

Começando pela prova documental, que se afigura, regra geral, de superior fiabilidade, temos, por um lado, os comprovativos de levantamentos da C..., nos dias 03-02-2011 e 08-02-2011, bem como o documento designado «Partilha», em que a Ré se confessa devedora à mãe e aos irmãos do montante de 19.832,41€, o qual lhe teria sido emprestado ainda em vida de seu pai.

No que respeita ao primeiro documento vislumbra-se que existem dois levantamentos de contas de C... (pai da Ré) correspondentes ao valor que está em causa, o qual vem referido no documento «Partilha», não se podendo deixar de notar a manifesta proximidade entre a data dos levantamentos e a data de celebração do negócio, numa coincidência que não deverá constituir mero acaso.

A existência de uma execução (conforme consta da notificação de Agente de Execução) que impendia sobre a Ré a 01-06-2011 não tem a virtualidade de excluir a aplicação destes levantamentos para a aquisição do imóvel, posto que a proximidade da data dos levantamentos em face da escritura, comparativamente com a notificação do processo de execução, torna de sobremaneira mais credível que tivesse entregado o dinheiro ao Autor, do que esperasse, pelo menos, quatro meses para o entregar ao Agente de Execução.

Foi aliás descrito pela testemunha ... – que refira-se, prestou depoimento com total espontaneidade e segurança, não obstante a sua idade, depondo de modo visivelmente sentido – o procedimento de levantamento na C..., bem como a firme intenção da sua filha em adquirir o imóvel, em conjunto com o Autor, vontade de que não a conseguiu dissuadir e que a fez ver-se na contingência de convencer o marido C... para que acedesse no empréstimo dos montantes necessários, acrescentando que mais tarde veria o Autor a garantir ao seu falecido marido que seria restituída tal quantia ao casal.

Ora, o documento «Partilha» conjuga-se plenamente não só com os levantamentos, bem como com as descrições feitas pelas várias testemunhas arroladas pela Ré.

As testemunhas ..., às quais o Tribunal conferiu especial credibilidade, foram claras ao narrar o modo como tomaram conhecimento do empréstimo feito pelos pais da Ré para a aquisição do imóvel, o que decorria das qualidades do primeiro de procurador destes e da segunda como afilhada dos mesmos, salientando a necessidade que viram em que o empréstimo fosse reduzido a escrito.

Não se apresenta como minimamente inverosímil que os irmãos da Ré hajam sabido do empréstimo depois destas duas testemunhas, visto que decorre das regras de experiência comum que, sendo feita uma concessão individualizada a um filho em detrimento dos demais, os pais possam sentir alguma vergonha e receio de o explicitar de imediato aos outros filhos.

Também a testemunha ..., que, não obstante tendo três filhos com a Ré, já se separou da mesma há mais de 25 anos, deu conta de ter sido abordado por C..., o qual, em virtude da sua profissão de advogado, lhe transmitiu as suas preocupações com o empréstimo à filha, contribuindo assim para a formação da convicção do Tribunal.

Ainda que se pudesse, em abstracto, estabelecer algumas reservas quanto à imparcialidade dos depoimentos das testemunhas ..., é de considerar que as mesmas prestaram os seus depoimentos de modo sólido, tendo esta última corroborado a ocasião, descrita pela Ré, em que o Autor se encontrava na cama a contar o dinheiro em causa.

Mas importa sobretudo dar o devido enfoque à circunstância de, à excepção de ..., todas as testemunhas arroladas pela Ré terem conhecimento directo, por motivos diferentes, da existência de um empréstimo para compra do imóvel, o que permite não apenas corroborar a sua posição mas contribuir para a conclusão de que o acontecimento alegado pela Ré (o empréstimo e a entrega do montante) produziu efeitos na realidade, sem que existam discrepâncias significativas que o infirmem.

Ademais, importa ressalvar que se toma por altamente improvável que tanto ... fossem aludir à referência do empréstimo no próprio funeral de C... sem que a mesma correspondesse à verdade, pelo respeito que devem ao citado momento e à memória do sogro e do pai, sendo ainda de considerar que ... referiram claramente que o falecido C..., nos seus últimos tempos de vida se preocupava com a susceptibilidade de não ser reavida a quantia emprestada, valendo para estas testemunhas igual consideração.

Destarte, é de verificar a conjugação da prova documental e testemunhal para a sustentação do defendido pela Ré, que de modo claro e detalhado explicitou igualmente o processo do empréstimo e da entrega de tal quantia, percebendo-se ainda que, apesar de o montante emprestado ter sido destinado à casa de que os unidos de facto usufruiriam em conjunto (ficando assim em geral a ideia nas testemunhas de que teria havido um empréstimo a ambos), foi a Ré que pediu emprestado aos progenitores e foi só esta que se assumiu devedora perante a mãe e seus irmãos.

No que se reporta ao concreto emprego dado ao montante emprestado verifica-se que o Autor explicitou com clareza a aplicação das importâncias resultantes do financiamento (60.000,00€ para compra do imóvel, 25.000,00€ para o recheio e os restantes 9.400,00€ para obras), não existindo, contudo, qualquer elemento probatório que permita aquilatar qual o concreto preço do recheio ou das obras, por se fundar apenas nas declarações de parte do Autor.

Por recurso ao extracto bancário da conta do Autor verifica-se que o mesmo efectivamente contratou dois empréstimos (coerentes com os contratos de mútuo com hipoteca), vendo-se ainda em tal extracto que, no dia 14-02-2011, foi emitido um cheque de 60.000,00€, correspondente ao preço do prédio rústico, e outro de 32.500,00€, em 16-02-2011 (que o Autor, após ter sido confrontado com o mesmo, e após alguma hesitação, referiu ter sido o modo para o levantamento integral de tal quantia, não tendo tal cheque sido entregue a ninguém).

Ora, ainda que se possa conceder o benefício da dúvida ao Autor relativamente a esta justificação, importa salientar a dificuldade de compreender por que motivo o Autor pagou o valor correspondente ao recheio depois de 16-02-2020, só o fazendo de modo separado, quando o montante de 25.000,00€ era devido às mesmas pessoas que receberam os 60.000,00€.

Para desfazer tal dificuldade de compreensão deverá convocar-se a circunstância que foi aludida pela Ré, por ... e por ...: a possibilidade de o valor pago pelo imóvel ter sido diverso daquele declarado na escritura de compra e venda.

Repare-se que a simulação do negócio é um aspecto de natureza jurídica e que não está, nos presentes autos, em causa; aquilo a que se pretende dar relevo é a uma circunstância no plano factual, não estando o julgador vinculado, na formação da convicção relativamente a outros factos que não a prova do negócio ele próprio, pela inexistência de uma invocação da simulação.

Com efeito, pertencendo ao âmbito das regras de experiências comum que é frequente, na sociedade portuguesa, a declaração de um preço inferior àquele efectivamente pago, quando estejam em causa bens imóveis, de modo a diminuir os encargos fiscais emergentes de uma determinada transacção, é de ter por verosímil, em face dos demais elementos, a alusão da Ré e das citadas testemunhas suas filhas de que teria sido declarado um valor inferior ao negócio.

Ademais, a circunstância de ter o montante que excedia os 60.000,00€ sido objecto de levantamento concorre para a ideia de que teriam existido montantes que foram entregues em numerário, tal como a quantia de 19.832,41€.

De resto, é igualmente consabido ser preferível pedir um empréstimo a um familiar do que a uma instituição de crédito, de modo a obviar ao pagamento de juros remuneratórios.

Assim, a interligação coerente entre meios de prova, bem como o efeito (que se terá oportunidade de analisar adiante) que tal entrega de 20.000,00€ causou no espírito da Ré, fazendo-a sentir a casa como parcialmente sua, constituem notórios sintomas de verdade (nas palavras de ALBERTO AUGUSTO VICENTE RUÇO, em Prova e Formação da Convicção do Juiz).

Em suma, não apenas por se apoiar em diversas testemunhas, em prova documental e nas regras de experiência, mas por assentar num conjunto de evidências não demasiadamente bem urdida para se estranhar, nem demasiado inconsistente para não se lhe dar relevo, tornou-se, para o Tribunal, prevalecente a probabilidade da entrega do montante 19.832,41€ ao Autor pela Ré (…)».

Por tal forma a reconhecer e fazer funcionar (art. 607º NCPC) que a valoração probatória se traduz num raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis: ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio.

E nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextuaI histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos, segundo o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto no art. 396.º do Código Civil, em conjugação com o art. 655.º. n.º1 do CPC (607º NCPC), com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima (Cf. Ac. RL de 29.10.2013: Proc. 1922/05.dgsi.Net). Como no presente circunstancialismo na sentença em causa - em tais termos -, se evidencia.

Com este alcance, a tal respeito, releva que o conceito legal de enriquecimento sem causa deve ser interpretado (art.º 473º Código Civil - enriquecimento sem causa/princípio geral) como a vantagem patrimonial (reservada ao titular do direito segundo o conteúdo da destinação desse direito) obtida com meios ou instrumentos pertencentes a outrem (Cf. Ac. RL de 14.4.2005: CJ, 2005, 2º-92). Exactamente porque, no enriquecimento sem causa, releva o enriquecimento injustificado, e não o empobrecimento daquele à custa de quem o enriquecimento se deu, sendo sua medida a diferença entre a situação actual e a situação hipotética do enriquecido (Cf. Ac. RE de 10.4.2003, CJ, 2003, 2º-242).

Assim, pois que - igualmente a este respeito -, a decisão se revela de adequação ao equacionar, depois de tudo, que:

«(…) Revertendo ao caso dos autos, temos que o Autor-reconvindo aumentou o seu património em 19.832,41€, evitando um gasto adicional de tal valor e incorporando esse montante no valor pago pela aquisição do prédio misto e do seu recheio, os quais entraram apenas na sua esfera jurídica.

Por seu turno, a Ré-reconvinte contraiu uma dívida de 19.832,41€, encontrando-se privada do benefício patrimonial obtido através do mútuo que celebrou com os seus progenitores.

Verifica-se ainda que a causa justificativa da transferência patrimonial se baseava na união de facto existente entre as partes (sendo a casa utilizada por ambos e agindo a Ré na convicção de que, com a entrega do mencionado montante, poderia a casa pertencer ao casal), a qual se veio a dissolver, extinguindo-se assim tal causa.

Ora, tendo a entrega do montante pela Autora como pressuposto a manutenção da vida em comum e o gozo conjunto das vantagens do imóvel, revela-se evidente que a causa justificativa desapareceu, podendo a Ré pedir a restituição da parcela pecuniária com que contribuiu para o aumento do património do Autor (cf. Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 11-04-2019, Proc. n.º 219/14.7TVPRT.P1.S1; e de 03-11-2016, Proc. n.º 390/09.0TBBAO.S1).

É jurisprudência pacífica que quando um dos ex-unidos de facto investe na aquisição de um bem que integra, exclusivamente, o património do outro, sendo tal investimento fundado na perspectiva de que a relação se manterá e que poderão fruir desse bem em conjunto, deve o montante correspondente ao enriquecimento ser restituído ao ex-convivente empobrecido após a ruptura. (cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27-06-2019, Proc. n.º 944/16.8T8VRL.G1.S2; Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-04-2016, Proc. n.º 6157/08.5TBCSC.L1-6; Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 29-09-2004, Proc. n.º 1289/04-1; Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-05-2004, Proc. n.º 712/04; Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 13-06-2018, Proc. n.º 658/15.6T8GDM.P1)

Acresce que não assiste à Ré qualquer outro meio para obter o reembolso do montante indevidamente pago, visto que não pode recorrer ao instituto da responsabilidade civil, nem a qualquer espécie de partilha do bem após a dissolução da união de facto.

De resto, a circunstância de o Autor ter pago, maioritariamente, as despesas ordinárias do casal, não pode influir na decisão relativa ao enriquecimento sem causa, posto que se tratou de obrigação natural, de coercitividade e repetição impossíveis, atenta a natureza da relação instituída, nos termos do art. 402.º e seguintes do Código Civil e art. 1.º, n.º 2, da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, e sendo que, de resto, a compensação não foi expressamente invocada.

Assim, sendo contrária ao Direito a manutenção do enriquecimento, uma vez dissolvida a união, mostra-se necessário que seja pelo Autor reposto o montante de 19.832,41€ entregue pela Ré, visto que a causa, para tal deslocação patrimonial, entretanto desapareceu, restando apenas o empobrecimento da Ré à custa do Autor».

O que almeja esteio na circunstância de o enriquecimento sem causa depender da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento, b) que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique, c) que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição e d) que não haja um outro acto jurídico entre o acto gerador do prejuízo e a vantagem obtida pelo enriquecido. Sendo que, quem invoca o enriquecimento sem causa, deve alegar e provar o montante do enriquecimento e do empobrecimento (Cf. Ac. STJ 14-5-1996: CJ/STJ, 1996,2.°-70).

O mesmo é dizer que o direito contra o enriquecimento sem causa visa directamente remover o enriquecimento, sendo indirecto e eventual o objectivo da remoção do dano daí resultante. O que provoca a reacção de lei é a vantagem ou aumento injustificado do património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição verificada no património do empobrecido pelo facto de o direito perdido não ler chegado a entrar no património do enriquecido. O princípio geral do art. 473.° do Cód. Civil teoriza - «enriquecer à custa de outrem» e não «enriquecer à custa» do empobrecimento «de outrem»; o que conta, não é assim o empobrecimento da vítima por causa da lesão patrimonial, como acontece na responsabilidade civil, mas sim o enriquecimento injusto à custa de outrem (Cf. Ac. RL de 5-12-1996:BMJ 462.°- 478). Tal como, in casu, de outra forma aconteceria.

Entendimento que mais se traveja nas seguintes razões fundantes:

«(…) Com a Constituição da República Portuguesa de 1976 dá-se um importante passo no reconhecimento jurídico das uniões de facto. Com efeito, o seu artigo 36.°, n.° 1, proclama o "direito de contrair casamento e de constituir família em condições de plena igualdade", preceito que, no entender de alguns autores, confere dois direitos: o direito de contrair casamento e o direito de constituir família. 

Por seu turno, Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentam que no art. 36° da CRP se reconhece não só a família fundada no casamento, mas também a família emergente das "comunidades constitucionalmente protegidas" - onde se insere a união de facto -, havendo, por conseguinte, "uma abertura constitucional - se não mesmo uma obrigação ­de conferir relevo jurídico às uniões de facto.

Já Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira entendem que a união de facto corresponde a uma manifestação do direito ao desenvolvimento da personalidade, previsto no artigo 26.°, n.° 1, da CRP.

No plano internacional, a DUDH4, no seu art. 12° tutela o respeito pela vida familiar e no art. 16° estabelece o direito a casar e a constituir família e à proteção desta, entendida como elemento natural e fundamental da sociedade, quer por esta quer pelo próprio estado.

Também a CEDH estabelece no seu art. 8° consigna o direito ao respeito pela vida privada e familiar e no art. 12° salvaguarda o direito de casar e constituir família.

Por sua vez, o TEDH ter vindo a interpretar o art. 8° da CEDH no sentido de que se reporta não só às famílias constituídas com base no casamento, mas também às famílias de facto, assumindo, como critério relevante, a "efetividade de laços interpessoais.

Neste contexto, compreende-se que o legislador português tenha reconhecido determinados efeitos à união de facto, enquanto forma de comunhão de vida distinta do casamento, o que sucedeu no âmbito da Reforma do Código Civil em 1977, em que se faz, pela primeira vez, uma alusão à união de facto, através da consagração de um direito a alimentos ao membro sobrevivo da união de facto.

Posteriormente, vários foram os diplomas avulsos que consagraram efeitos jurídicos à união de facto, em diversos domínios.

Foi, porém, a Lei n.° 135/99, de 28 de Agosto que veio, de uma forma sistematizada, consagrar medidas de proteção da união de facto, tendo sido, mais tarde, revogada pela Lei n.° 7/2001, de 11 de Maio, entretanto alterada pela Lei n.° 23/2010, de 30 de Agosto, que se mantém em vigor e tem aplicação ao caso dos autos(doravante LUF).

No seu artigo 3°, a LUF atualmente em vigor, atribui determinados direitos aos membros da união de facto. Todavia, no plano dos efeitos patrimoniais, o legislador preferiu não estabelecer um regime patrimonial geral, relativamente aos bens dos membros da união de facto, nem definir regras sobre a administração e disposição desses bens, as dívidas contraídas pelos conviventes e a liquidação e partilha do património, em virtude da dissolução da união.

É certo que não pode falar-se da existência de um património comum, tal como o perspetivamos no casamento. No entanto, a comunhão de vida gerada pela união de facto, com a contribuição de ambos os membros, quer com o rendimento do seu trabalho, quer com receitas de outra proveniência, quer ainda com a sua participação nas tarefas da vida familiar, geram situações que deviam merecer a atenção do legislador.

Neste quadro difuso, importa, começar por assinalar que não há lugar à aplicação analógica do regime do casamento, pois estão em causa institutos materialmente distintos, o que, atendendo à dimensão material do princípio da igualdade (artigo 13.°, n.° 1, da CRP), desde logo impediria que fossem tratados da mesma forma.

Aliás, em rigor, nem poderá afirmar-se que se esteja perante uma lacuna em sentido próprio, a integrar através do recurso ao regime jurídico do casamento, já que o legislador, tendo oportunidade de regular a matéria, optou - deliberadamente - por não o fazer.

Além disso, não havendo, em regra, por parte dos conviventes de facto uma manifestação de vontade reveladora de que pretenderiam regular os efeitos patrimoniais da relação segundo um regime de bens semelhante ao previsto para o casamento, dificilmente se poderia preencher eventual «lacuna», impondo-lhes efeitos jurídicos que não tivessem sido claramente admitidos/pretendidos pelos interessados.

Finalmente, dir-se-á que o regime patrimonial do casamento é constituído por algumas normas excecionais, estando, por isso mesmo, vedada a sua aplicação analógica, por força do art. 11.° do CC.

Em suma: na vigência da união de facto, os conviventes podem efetuar livremente compras e vendas entre si, dado que não estão abrangidos pela proibição legal prevista no n.° 2 do art. 1714.° do CC. Podem igualmente, em princípio, realizar doações sem qualquer limitação (ao contrário das doações entre cônjuges que estão sujeitas a um regime especial previsto nos arts 1761.° a 1766.° do CC), estando apenas sujeitos ao regime geral da doação, previsto nos arts. 940.° a 979.° do CC.

Neste cenário, tendo em vista disciplinar os efeitos patrimoniais da cessação da união de facto, a doutrina e a jurisprudência têm analisado a matéria procurando encontrar soluções no plano do direito comum.

Segundo alguns, a resolução dos casos de divisão do acervo patrimonial constituído no seio da união de facto, poderá fazer-se através do recurso ao regime previsto para as sociedades de facto, desde que verificados os respectivos pressupostos.

No entanto, para além de outras limitações resultantes de diferenças essenciais nas situações de facto em presença, a Lei n.° 41/2013, de 26/06, que aprovou o novo Código de Processo Civil, eliminou o Processo Especial de Liquidação Judicial de Sociedades de Facto, designadamente as normas constantes dos arts. 1122° a 1130° do anterior CPC.

Assim sendo, parece inviável recorrer agora a um instrumento que a lei processual expressamente afastou.

O recurso ao instituto da compropriedade (cf. arts 1403° e ss., do CC) tem sido igualmente convocado para a divisão do património adquirido no seio da união de facto.

Importa, porém, ter em atenção que, ao contrário do que sucede no casamento em que o património comum dos cônjuges se reparte entre eles por quotas ideias - os cônjuges são, nas palavras de Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, titulares de um único direito sobre o património coletivo, sendo este uno e indivisível, em regra, até à dissolução do casamento —, na compropriedade podem fixar-se quotas quantitativamente diferentes, apesar de qualitativamente iguais, presumindo-se, no entanto, a igualdade quantitativa de quotas quando do título constitutivo não conste indicação em contrário (cf. n.° 2 do art. 1403°, do CC).

Em todo o caso, a aplicação do regime da compropriedade implica a intervenção de ambos os conviventes de facto no momento da aquisição do bem, como decorre do disposto no art. 1403.°, n.° 1, do CC., ao contrário do que ocorre na comunhão conjugal em que, por força do art. 1730°, n°1, do CC, os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer disposição em sentido diverso.

Ora, sucede muitas vezes que apenas um dos membros da união de facto consta como adquirente no título de aquisição. Nestes casos, o proprietário é quem efetivamente constar no título de aquisição do bem, não funcionado uma presunção de compropriedade semelhante à que vigora no casamento para o regime de separação de bens para os bens móveis (art. 1736.°, n.° 2, do CC).

Por outro lado, se a aquisição do bem se mostrar registada em nome de um dos conviventes, o titular do direito inscrito beneficia da presunção prevista no art. 7° do CRP.

Perante as dificuldades que a dissolução da união de facto suscita no plano das relações patrimoniais, a doutrina e a jurisprudência têm ainda lançado mão do enriquecimento sem causa, previsto nos arts. 473.° e ss., do CC.

Como ensina Antunes Varela, o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista: pode traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, numa diminuição do passivo, numa poupança de despesas, etc. A vantagem patrimonial pode ser direta (quando se assiste a uma deslocação patrimonial direta do empobrecido para o enriquecido) ou indireta (quando o enriquecimento é apenas um reflexo ou um efeito de uma prestação diferente efetuada pelo empobrecido) (Cf. Antunes Varela, Direito da Família, 5ª ed., vol. 1, Lisboa, Livraria Petrony, 1999, pp. 160 e ss).

Desta forma, o convivente que tenha contribuído igualmente para a aquisição de bens mas, não obstante isso, não conste no título aquisitivo como proprietário, poderá pedir a restituição da parcela por si investida na exata medida do enriquecimento sem causa do outro convivente (sendo que poderá, mesmo, também haver obrigação de restituir nos casos em que o membro da união de facto, ainda que titular do direito de propriedade de bens imóveis ou móveis adquiridos na constância da união de facto (e cujo preço até pode ter sido suportado exclusivamente à custa do seu património), beneficiou em grande medida do esforço/colaboração/participação do outro membro em prol da vida em comum (v.g., por via do trabalho doméstico, da criação e educação dos filhos, etc.), proporcionando, desta forma, poupanças significativas e facilitando/incrementando a carreira profissional de um deles) (Cf. Ac. STJ de 27-06-2019, Proc. nº 944/16.8T8VRL.G1.S2, Relator: PINTO DE ALMEIDA, com a seguinte sinopse:

«I. Para além de pontuais normas de protecção, próprias de diversas áreas (trabalho, fiscal, funcionalismo público e segurança social), o regime legal nada prevê sobre as relações patrimoniais entre os membros da união de facto: não existe um regime de bens, nem têm aplicação as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento, independente do regime de bens – administração de bens, dívidas, liquidação e partilha.

II. Assim, afastada a possibilidade de aplicação analógica das normas reguladoras das relações patrimoniais do casamento e nada tendo sido acordado entre os membros da união de facto (através dos designados contratos de coabitação), as relações patrimoniais entre estes ficam sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais.

III. Não sendo viáveis, perante o circunstancialismo fáctico provado, outras soluções jurídicas (v.g., sociedade de facto, compropriedade, contrato de trabalho), resta, para resolver os problemas patrimoniais causados pela ruptura da união de facto, o recurso ao enriquecimento sem causa (…)».

Mais se e sedimentando com a consideração de que:

«I - À liquidação e partilha dos bens adquiridos pelos membros de uma união de facto e à míngua de enquadramento normativo próprio não se aplica o regime do casamento nem o regime de dissolução de sociedades de facto (até porque este já foi eliminado pelo atual CPC), podendo-se, contudo, recorrer ao regime de compropriedade (caso ambos os conviventes tenham tido intervenção no acto de aquisição) ou ao instituto do enriquecimento sem causa (na hipótese em que apenas um dos conviventes conste do título aquisitivo, tendo, porém, ambos contribuído para aquisição do bem, directamente ou através da propiciação de poupanças significativas ao adquirente)» (Cf. Ac. STJ, de 11-04-2019, Proc. nº 219/14.7TVPRT.P1.S1, Relatora: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO).

Assim se configurando como negativa a resposta às questões em I..

II.

43º - Não se verificando os requisitos do instituto de enriquecimento sem causa não há suporte legal para a decisão de restituição à Ré/Recorrida da referida quantia deve ser julgado improcedente esse pedido formulado na Reconvenção.

44ª - Atento o exposto deve ser dada como não provada a última frase “… vontade que partilhou com a Ré/Recorrida e com qual esta concordou” do nº 3 do Item “Fundamentação de Facto”

45º - Como dado como não provado o facto transcrito no nº 5 do referido Item “Fundamentação de Facto”

46ª - E alterada e rectificado o número 19 da mesma parte da sentença, no seguinte sentido “ … e da pensão de alimentos do seu ex-marido devidos aos filhos de ambos, cessou muito antes de 2011……..”

47ª - Não se verificam os pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa, designadamente, como de forma errada a sentença conclui e decide, que a quantia supostamente entregue ao Recorrente, tenha sido destinada à aquisição dos imóveis comprados pelo Recorrido.

O que supra se deixa consignado aqui se projecta, necessariamente. Com tal tipo de tessitura institucional de adequação, torna-se incontroverso e incontrovertível - em reforço -, deixar expresso que, fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada pelo primeiro grupo das testemunhas (Ac. RE de 14.5.2015: Proc. 1246/1I.TBLGS.E1.dgsi.Net), por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente.

Assim, decorrência, também, de a Relação haver formado uma convicção verdadeira - e fundamentada -, sobre a prova produzida na 1.ª instância, independente ou autónoma da convicção do juiz a quo, que pode ou não ser coincidente com a deste último - não se devendo limitar a controlar a legalidade da produção da prova realizada naquela instância e a aceitar o resultado do exercício dessa prova, salvo os casos em que esse julgamento seja ilógico, irracional, arbitrário, incongruente ou absurdo (o que, aqui, não sucede). Sendo que, no caso, a apreciação da prova decorreu sob o signo da probabilidade lógica - de evidence and inference -. i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis (Ac. RC. de 23.6.2015: Proc. 1534/09.7TBFIG.C1.dgsi.Net), nos Autos reveladas e consagradas.

A tal pretexto mais se consagre que inexiste qualquer tipo de contradição entre a matéria factual consagrada, que vem referida. Cabendo dizer que a nulidade da sentença (art. 615º NCPC), decorrente dos fundamentos estarem em oposição com a decisão verifica-se quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se (o que, aqui, pelas razões invocadas, não existe) e, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, ou porque decide contrariamente aos factos apurados, ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente (Ac. RP. De 2.5.2016. Proc. 1556/14: dgsi.Net). O que na situação em apreço não acontece.

Podendo, pois, neste caso concluir-se - o que não deixa de se projectar, sequentemente -, que a mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem (Ac. STJ. de  12.5.2016. Proc. 1738/04: Sumários, Maio12016. p. 43).

O que, igualmente, decorre da supremacia e da absoluta dominância influenciadora do integral cotejo dos demais depoimentos produzidos, tal como assinalado em decisório.

Com este alcance - aqui, também, se impondo, ainda, referir -, por ser consabido que a prova testemunhal, ela própria, apesar de falível e precária, é aquela que, na prática, assume a maior importância, por ser a única a que pode recorrer-se na demonstração da realidade de muitos factos, como ensinava o Senhor Professor Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 614). Acrescentando que «se a vida moderna, por uma questão de segurança, tende a documentar um número cada vez maior de actos jurídicos, continua a ser enorme o contingente dos factos imprevistos e dos próprios factos previsíveis, com relevância para o julgamento dos litígios, em que o único meio de prova utilizável é o recurso ao depoimento das pessoas (terceiros) que tiveram acidentalmente percepção desses factos ou de ocorrências a ele ligados por qualquer nexo de instrumentalidade» (ibidem). O citado Professor rematava apelando ao particular cuidado - «o prudente senso crítico» - que o Tribunal, não podendo prescindir de tal meio de prova, deve ter no interrogatório e na ponderação do depoimento testemunhal, relembrando o vetusto brocardo do Digesto «testium fides diligenter examinanda» (Ac. STJ de 17.11.20111:Proc. 2190/07.2TBFAT.G1.S1.dgsi.Net). O que - tal como expresso -, não deixou de ser observado, com adequação e no seu enquadramento e análise no conjunto da demais prova, de cariz manifestamente holístico, produzida. Servindo tal apreciação para significar - e para que dúvidas não restem -, inexistir qualquer indevida apreciação de depoimentos, mesmo indirectos, ou erro na apreciação da prova testemunhal produzida), como vem alegado.

Assim, pois todas as testemunhas foram ouvidas em 1ª Instância, o que permitiu aquilatar do sentido do seu depoimento, alcance intrínseco e razão sustentada de ciência.

O que voltou a ser, no Tribunal da Relação, objecto de renovo probatório adrede, na forma legalmente convencionada. Por sua vez, em análise e apreciação de conformidade, expressa nos termos transactos.

Tal equivale a dizer, mais uma vez, que, em sede de recurso, suscitada a questão da sua credibilidade, na equivalência desse pretender (apenas) questionar a razão por que o tribunal atribuiu eventualmente maior, ou menor, crédito a uma dada testemunha, dentro da margem da formação da sua livre convicção, a sua apreciação, no universo da prova integral produzida, foi considerado como permitindo a inferência específica expressa.

Tanto mais que, quanto ao "sentido do depoimento", aí devem funcionar - como se fizeram funcionar -, as regras gerais das declarações (arts. 236.º e ss. do Cód. Civil), devidamente adaptadas, por não se tratar de declarações negociais, mas de declarações de ciência (Cf. ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, ps. 225 e s.); J. P. REMÉDIO MARQUES, Um breve olhar sobre o duplo grau de jurisdição em matéria de facto, em CDP, n.º especial 01/Dez. de 2010, pp. 80 a 90).

Razões determinantes de os factos identificados, acima descritos, permanecerem na redacção que em decisório lhes foi atribuída, com inteira sustentação na prova produzida e destacada.

A este respeito não pode deixar de se apreciar que a resposta, atribuída e validada, no condicionalismo das anteriores questões, através dos seus elementos de sustentação, se revelam, necessariamente, excludentes de qualquer outro sentido, agora, que não o efectivamente atribuído nas respostas, e particular consideração.

Numa outra específica mirada prospectiva, de confluência, consignando-se que o novo meio de prova por declarações de parte, instituído no art. 466.º do Novo CPC veio responder a uma corrente que se vinha densificando no sentido de considerar e valorizar o depoimento de parte, ainda que sem carácter confessório, e de livre apreciação pelo tribunal, desde que este viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade.

Se tal meio de prova ganha particular interesse em matérias do foro intimo ou pessoal dos litigantes, não presenciadas por terceiros e, à partida, de mais difícil demonstração, também é certo que a lei não restringe a sua admissão a esses casos, antes estabelecendo como requisito de admissibilidade, no que respeita à incidência, que as declarações da parte respeitem a factos em que o litigante interveio pessoalmente ou de que teve conhecimento directo.

Estamos no âmbito mais amplo do direito que assiste à parte de provar os factos por si alegados e que sustentam a sua pretensão, ou mesmo de fazer a contraprova dos factos contra si invocados, no quadro do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20.° da CRP), pelo que, nessa medida, é a cada uma das partes que incumbe eleger os meios de prova adequados à demonstração com que está onerada ou que, de algum modo, convém à prossecução dos seus interesses.

Tal não significa que não devam impor-se certas limitações aos meios de prova utilizáveis em cada caso, mas essas limitações devem mostrar-se materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade (Cf. Ac. RL de 29.4.2014: CJ, 2014. 2.º-325).

Não sem cuidar que as declarações de parte (art. 466.º do novo CPC) - que divergem do depoimento de parte - devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos (Ac. RP de 15.9.2014: Proc. 216/11.dgsi.Net).

Isto porque, presentemente, à luz do art. 466.°, n.º 1, do NCPC, a própria parte detém legitimidade para, até ao inicio das alegações orais em 1ª instância, requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, sendo que o valor probatório dessas declarações, caso respeite a factos favoráveis ao declarante é apreciado livremente pelo Julgador segundo o seu prudente critério. Não existe qualquer fundamento epistemológico para não se reconhecer nas declarações favoráveis ao depoente um meio válido de formação da convicção esclarecida e racional do julgador, isto é, uma fonte válida de convencimento racional do juiz (Ac. RL de 12.3.2015: Proc. 1/12.6TBTPTM.E1.dgsi.Net).

Consabido horizonte prospectivo, em que a prova por declarações deve merecer a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis e deverá ser valorada conforme se estabelece no art. 466.°, n.º 3 do NCPC, isto é, deverá ser apreciada livremente pelo tribunal. A credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspectiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respectivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade (Ac. RG. de 2.5.2016: Proc. 2745/15. 1T8VNF-A.G1.dgsi.Net).

A significar que a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção, desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie (Ac. RL. de 13.10.2016. Proc. 640/13: dgsi.Net).

Ainda, a propósito da admissibilidade das declarações de parte com factos favoráveis ao declarante, em situações insusceptíveis de outros meios de prova, REMÉDIO MARQUES assinala que "(…) a recusa, nestas raras eventualidades, em admitir e valorar livremente ou apenas como base de presunções judiciais as declarações favoráveis ao autor, volve-se, desde logo, numa concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro do direito de acesso aos tribunais e ao direito e de uma tutela jurisdicional efectiva (art. 20º, n.º1, da Constituição)". Acompanhamos sem reservas este raciocínio, sendo que - no nosso entender - esta argumentação abrange também a relevância e a atendibilidade do depoimento indirecto, na precisa medida em que, nas situações insusceptíveis de outros meios de prova, o julgador apenas se poderá socorrer das declarações de parte e das testemunhas indirectas.

Deste modo, e no limite, admitimos que o juiz possa fundar a sua convicção quanto a tal tipo de factualidade apenas nas declarações de parte e/ou nos depoimentos indirectos. Necessário é que a valoração dos mesmos, feita segundo as singularidades do caso concreto e as máximas da experiência convocáveis, permitam ao julgador atingir o patamar da convicção suficiente” (Luís Filipe de Sousa, in op. cit. pág. 198) (Cf. Ac. RL de 23.05.2014, Proc. nº 3069/06.0TBALM.L2-2, Relator: EZAGUY MARTINS).

O que, na circunstância, atendendo ao teor da prova holística produzida, e o que sobre ela se discreteou, mais não permite - em absoluto rigor, em função do registo operado -, que a sua consagração nos termos produzidos.

Desta forma, pois, se a parte a quem incumbe o “onus probandi” fizer prova por si suficiente, o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a naturalize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza; não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (Manuel de Andrade, Noções Elementares Proc. Civil, 2.ª ed., 193; ed. 1979, 207). Em todo o caso, tal ónus respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios. Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, como quer que seja, sofrer tais consequências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto - trazida, ou não, pela mesma parte (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Proc. Civil, 1979, 196).

O que, em si, inviabiliza a (plena) conversão da retórica argumentativa (operada em termos recursivos proactivos), de parte - perfeitamente compreensível, sempre se dirá, da defesa de individualizado “interesse” (justamente o que inter est as pessoas e os bens), de consequência específica determinada -, em elemento de objectivação que só pode ter correspondência, como se equacionou, na verdade “real” consubstanciada naquilo que a revelação processual intra-diegética possibilitou. E que, pelas razões indicadas, não pode ir além do que se consagrou em decisório.

É, por isso, negativa a resposta às questões em II. formuladas.

III.

49ª - A sentença em recurso violou, para além de outras, as seguintes disposições legais: artºs 5º, nº 2 e 607º do Código de Processo Civil; artºs 342º; 471º; 372º; 393º; 473º a 482º do Código Civil.

Declaradamente, não! Com efeito, firmada com adequação a prova produzida - nos termos utilizados -, questionar a forma como o tribunal a quo a valorou, não equivale, em absoluto, a uma verdadeira e própria impugnação da matéria de facto. Para que ocorra uma verdadeira e própria impugnação da matéria de facto, impõe-se - na sua plena dimensão -, que seja dado pelo recorrente o devido cumprimento aos ónus impostos pelo art. 640.° do NCPC (Ac. RE. de 20.10.2016: Proc. 182/16.0T8FTR.E1.dgsi.Net).

Depois, porque - tal como se expressou - a decisão sob escrutínio também não vai contra disposição expressa da lei que exija certa prova para a existência do facto, ou fixe a força de determinado meio de prova (prova vinculada), nem se entende que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou ocorrerem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito acontecida.

As considerações feitas pelo recorrente em relação à forma como o tribunal recorrido analisou e valorizou a prova dos autos, é, em absoluto, insubsistente, pelo que o recurso é claramente improcedente.

Nem se perfila a violação de preceitos ou princípios processuais civis, pois o legislador ao introduzir no sistema o art. 662.°, n.ºs 1, 2 e 4, do NCPC (alteração da matéria de facto pela Relação), quis, patentemente, introduzir excepções aos princípios da oralidade e da imediação da prova (Ac. STJ de 19.4.2016, Proc. 5654/13: Sumários, Abril/2016. p. 36), que se cumpriram e cumprem.

Tudo isto, sem prejuízo de existirem “factos com relevância processual” que são, pela sua própria natureza e condicionalismo, insusceptíveis de prova testemunhal directa, de prova documental, inspecção judicial e mesmo de prova pericial. Neste tipo de condicionalismos, os únicos meios probatórios admissíveis são as declarações de parte (artigo 466º do actual Código de Processo Civil) e as testemunhas indirectas (dentro dos padrões processuais que as balizam).

Assim se fixando a questão, nos termos preditos, no referencial condicionador de específico ónus de prova (art. 342º Código Civil), como obrigação que recai sobre uma pessoa de provar algum facto ou alguma circunstância com interesse para um determinado fim. Exactamente porque, em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se - haverá de dizer-se, agora e sempre -, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova (Anselmo de Castro, Proc. Civil, 1966, 3.°- 259).

Razões que determinam, de igual modo, atribuir resposta negativa às questões em III..

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº 7, NCPC), que:

1.

A prova não visa a certeza absoluta, a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente, mas tão só, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto, sendo a certeza a que conduz a prova suficiente, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.

2.

Resulta do n.º 2 do art. 5.° do CPC que o tribunal deve considerar na sentença factos não alegados pelas partes. Não se trata, contudo, de uma possibilidade sem limitações. Desde logo, não cabe ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos e, portanto, possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjecturas ou possibilidades abstractas.

3.

A exigência de fundamentar a decisão sobre a matéria de facto não deve ser meramente formal, passando sim pela indicação expressa das razões que levaram à formulação do decidido, embora não se imponha ao tribunal a descrição minuciosa todo o processo de raciocínio, bastando que sejam indicados, de forma clara e inteligível quais os meios de prova, fazendo-se a enunciação das razões ou motivos substanciais porque os mesmos relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador, de modo a que se possa controlar a razoabilidade da convicção expressa. Na circunstância, firmada, adequadamente, no referencial utilizado, reconhecido como de efluência e confluência ponderadora adequada.

4.

O que também almeja esteio na circunstância de o enriquecimento sem causa depender da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) existência de um enriquecimento, b) que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique, c) que ele seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição e d) que não haja um outro acto jurídico entre o acto gerador do prejuízo e a vantagem obtida pelo enriquecido. Sendo que, quem invoca o enriquecimento sem causa, deve alegar e provar o montante do enriquecimento e do empobrecimento.

5.

O mesmo é dizer que o direito contra o enriquecimento sem causa visa directamente remover o enriquecimento, sendo indirecto e eventual o objectivo da remoção do dano daí resultante. O que provoca a reacção de lei é a vantagem ou aumento injustificado do património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição verificada no património do empobrecido pelo facto de o direito perdido não ler chegado a entrar no património do enriquecido. O princípio geral do art. 473.° do Cód. Civil teoriza - «enriquecer à custa de outrem» e não «enriquecer à custa» do empobrecimento «de outrem»; o que conta, não é assim o empobrecimento da vítima por causa da lesão patrimonial, como acontece na responsabilidade civil, mas sim o enriquecimento injusto à custa de outrem. Tal como, in casu, de outra forma aconteceria.

6.

É certo que o princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz “o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios”, sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”. A que decisão não deixou de fazer jus.

7.

Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova (342º Código Civil), é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se - haverá de dizer-se, agora e sempre -, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.

8.

Fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada pelo primeiro grupo das testemunhas, por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente. A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem.

9.

Tudo, também, como decorrência de:

«

I. Para além de pontuais normas de protecção, próprias de diversas áreas (trabalho, fiscal, funcionalismo público e segurança social), o regime legal nada prevê sobre as relações patrimoniais entre os membros da união de facto: não existe um regime de bens, nem têm aplicação as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento, independente do regime de bens – administração de bens, dívidas, liquidação e partilha.

II. Assim, afastada a possibilidade de aplicação analógica das normas reguladoras das relações patrimoniais do casamento e nada tendo sido acordado entre os membros da união de facto (através dos designados contratos de coabitação), as relações patrimoniais entre estes ficam sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais.

III. Não sendo viáveis, perante o circunstancialismo fáctico provado, outras soluções jurídicas (v.g., sociedade de facto, compropriedade, contrato de trabalho), resta, para resolver os problemas patrimoniais causados pela ruptura da união de facto, o recurso ao enriquecimento sem causa (…)».

10.

Verificando-se, pois, que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº1, alíneas b), c) e d) do CPC - art.  615° NCPC).

III. A Decisão:

Pelas razões expostas nega-se provimento ao recurso interposto, assim se confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Coimbra, 16 de Março de 2021.

                                                 António Carvalho Martins - Relator

                                                 Carlos Moreira - 1º Adjunto

                                                João Moreira do Carmo - 2º Adjunto