Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
989/13.0TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
ACÇÃO DE INTERDIÇÃO
ESTADO CIVIL
Data do Acordão: 10/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: LEI Nº 52/2008 DE 28/8, LEI Nº 3/99 DE 13/1, LEI Nº 62/2013 DE 26/8, ART. 140 CC
Sumário: 1. O legislador, ao atribuir aos tribunais de família e menores competência para preparar e julgar “outras ações relativas ao estado civil das pessoas” (al. h) do art. 114º da LOTJ, na redação da Lei nº 52/2008, 08.08), terá tido em mente o conceito de estado civil em sentido estrito.

2. Como tal, a competência para as ações de interdição e inabilitação, quer ao abrigo da Lei nº 52/2008, quer ao abrigo da atual Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, continuará a pertencer aos tribunais de competência genérica – instância local, eventualmente desdobrada em seções cíveis.

Decisão Texto Integral:                                                                                                

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

O Magistrado do Ministério Público instaurou a presente ação especial de interdição por anomalia psíquica relativa a M (…), junto do Tribunal da Comarca de Leiria.

Citado o requerido, sem que tenha sido deduzida oposição, procedeu-se à realização de exame médico à requerida.

Após junção aos autos do relatório médico, pelo juiz a quo foi proferido despacho a declarar a Instância Local do Tribunal de Comarca de Leiria incompetente em razão da matéria, por o ser a 2ª Secção de Família e Menores – Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, absolvendo, em consequência, a requerida da instância.


*

Inconformado com tal decisão, o Magistrado do Ministério Público, dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

1. Os presentes autos versam sobre a decisão do Mm. Juiz a quo, de se declarar incompetente, em razão da matéria, para julgar a presente ação de interdição, por entender que a mesma, face ao disposto no art. 122.º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto, mais concretamente, da alínea g), é da competência do Tribunal de Família e Menores.

2. Tal asserção deveria determinar o envio da ação ao tribunal considerado competente, nos termos do disposto no art.576º nº2 do C.P.Civil, uma vez que se trata de apreciar questão relacionada com o estado das pessoas e, por isso, subtraída à disponibilidade das partes.

3. No sentido social, entende-se estado civil como a existência e condições da existência do indivíduo perante a lei civil (solteiro, casado, viúvo ou divorciado), o que em nada está relacionado com as situações julgadas e decididas nas ações de interdição ou seja, situações de incapacidade para o governo da sua pessoa e dos seus bens.

4. O facto das ações de interdição serem objeto de registo, nos termos do disposto no art. 1º do Código de Registo Civil, não implica que estas assumam natureza de ação de estado civil, uma vez que no art. 1º do Código de Registo Civil encontram-se elencados vários factos, cujo registo, não obstante ser obrigatório, v.g., declaração de insolvência, em nada estão relacionados com o “estado civil das pessoas”.

5. As ações de interdição não versam sobre o estado civil das pessoas, propriamente dito, mas sim sobre uma situação pessoal que afecta a capacidade de exercício de direitos do indivíduo.

6. O instituto da interdição e da inabilitação encontram-se reguladas na lei substantiva no Livro I (parte geral), Título II (das Relações Jurídicas), Subtítulo I (das pessoas), Secção V (incapacidades), subsecção I e II, a par com a maioridade e emancipação (subsecção I e II), releva, uma vez que, a interdição, tal como a menoridade, constituem modalidades de incapacidade para o exercício de direito, colocando-se as questões relacionadas com as mesmas, nomeadamente, a sua declaração, no plano da titularidade de situações jurídicas, relevante para efeitos de capacidade para ser parte em negócio jurídico.

7. Deste modo, é indubitável, que, por exemplo, no caso de incumprimento de contrato em que uma das partes é menor, legalmente representada, os tribunais chamados para resolver a questão não serão os tribunais de Família e Menores, mas sim, os tribunais de instância central ou local, apesar de se tratar de questão relacionada com menor.

8. Atendendo aos princípios proclamados pela “nova organização judiciária”, nomeadamente o espírito de especialização judiciária, apenas as questões de menores e família devem ser tratadas nos Tribunais de Família e Menores.

9. Por tudo o exposto, não podia o despacho declarar incompetente em razão da matéria a Instância Local Cível de Leiria, devendo, antes, considerar-se competente este tribunal,

10. O despacho sob recurso infringiu o disposto no art. 576º nº2 do C.P.Civil, bem como o art. 122º alínea g) da Lei nº62/2013 de 26 de Agosto;

11. Consequentemente, deve ser revogado e substituído por outro que, considerando competente a Instância Local Cível de Leiria, ordene o prosseguimento dos ulteriores termos do processo, ou, caso assim se não entenda, a sua remessa à 2ª Secção do Tribunal de Família e Menores de Leiria.


*

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados os vistos legais ao abrigo do disposto no nº4, do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil[1] –, a questão a decidir é uma só:
1. Se a competência para a ação de interdição pertence à Instância Local ou ao Tribunal de Família e Menores.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Competência para a ação de interdição: instância local ou instância central – tribunal de família e menores.

O juiz a quo veio a declarar a incompetência em razão da matéria da Instância Local do Tribunal de Comarca de Leiria, com o argumento de que, sendo a interdição e a inabilitação sujeita a registo civil e tratando-se perante uma ação sobre o “estado civil das pessoas”, tal competência se encontra atribuída ao tribunal de família e menores, por força da al. g), do artigo 122º, da Lei 62/2013, de 26 de Agosto.

A presente ação foi instaurada vigência da Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto (Lei de Organização dos Tribunais Judiciais), que continha uma alínea semelhante a esta (al. h) do artigo 114º), e suscitada, então, a questão de saber se nas “ações relativas ao estado civil das pessoas”, se incluíam ou não, as ações de interdição ou de inabilitação, ou mesmo as ações de justificação de ausência, a jurisprudência veio a dar maioritariamente resposta negativa a tal questão.

E, pela nossa parte, não descortinamos qualquer razão para alterar tal entendimento, que continua a ser maioritário nos tribunais superiores[2], seja ao abrigo da Lei anterior, em vigor à data da propositura da presente ação[3], seja ao abrigo da lei atual, que nesta sede não introduziu qualquer alteração relevante.

A Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de janeiro, distinguia dois grupos de questões da competência exclusiva dos tribunais de família:

a) competência relativa a cônjuges e ex-cônjuges (art. 81º);

b) competência relativa a menores e filhos maiores (art. 82º);

Aos tribunais de menores atribuía a competência em matéria cautelar educativa e de proteção (art. 83º).

A Nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, introduzida pela Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto, veio atribuir aos juízos de família e menores, competência material exclusiva em três grandes áreas:

a) competência relativa ao estado civil das pessoas e família (art. 114º);

b) competência relativa a menores e filhos maiores (art. 115º);

c) competência em matéria tutelar educativa e de proteção (art. 116º).

E, da comparação do anterior art. 81º (sob a epígrafe, “Competência relativa a cônjuges e ex-cônjuges”), com o art. 114º da LOTJ (“Competência relativa ao estado civil das pessoas e família”), resulta que à competência material do tribunal de família e menores, no que respeita ao estado civil das pessoas e família, foram aditadas duas novas matérias:

a. Processos de jurisdição voluntária relativos a união de facto ou de economia comum (al. b) do art. 114º);

b. Outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família (al. h), do art. 114º).

Deste modo, questionou-se se teria sido intenção do legislador atribuir aos juízos de família e menores a competência para preparar e julgar essas ações ou a disposição normativa em causa afigura-se desprovida de sentido útil?[4]

A resposta a tal pergunta ter-se-á de procurar, antes de mais, no conceito de “estado civil”.

A decisão recorrida socorre-se da noção dada por Ana Prata, in Dicionário Jurídico[5], segundo a qual, o estado civil consiste numa situação integrada pelo conjunto das qualidades definidoras do estado pessoal que constam obrigatoriamente de registo civil, sendo o estado pessoal a situação jurídica da pessoa, no que toca, entre outras, à idade (menoridade, maioridade, emancipação), relações familiares (casado, solteiro, divorciado, viúvo), relações com o Estado (nacional, estrangeiro, naturalizado, etc., à situação jurídica (interdito, inabilitado).

Adota, assim, tal autora uma noção de estado civil, em sentido lato[6] (por contraposição ao estado civil em sentido estrito, distinção que encontramos na doutrina e jurisprudência), enquanto conjunto de qualidades jurídicas que o Código de Registo Civil sujeita a registo[7].

Constatamos ainda existência do conceito de estado civil em sentido estrito, usado tradicionalmente ou vulgarmente, mesmo em textos legislativos e até no Código de Registo Civil, para designar a situação matrimonial das pessoas[8] ou as qualidades que resultam da posição em face do matrimónio[9].

Com efeito, é corrente a utilização que o Código do Registo Civil faz do conceito de estado civil em sentido estrito: é o caso do nº1 do art. 7º, onde se faz referência ao “estado ou capacidade civil” dos cidadãos portugueses; do nº1 do art. 220º-A, onde se refere que “A base de dados do registo civil tem por finalidade organizar e manter atualizada a informação respeitante à nacionalidade, ao estado civil e à capacidade dos cidadãos”; e ainda da al. p), do nº1 do art. 69º, determinando o averbamento ao assento de nascimento todos os factos jurídicos que modifiquem os elementos de identificação e o estado civil do registado.

Segundo J. Robalo Pombo, “O Registo Civil Português, na atualidade, não se limita ao registo do estado civil em sentido estrito, mas numa interpretação de sentido muito amplo que abrange pontualmente: o início e o termo da personalidade, a capacidade de exercício (inibições, limitações regulamentações, representações, etc.), a nacionalidade, o estado civil em sentido estrito, na categoria de factos sócio- individuais produtores de efeitos jurídicos e, conforme os casos, que importem a aquisição, a constituição, a modificação ou a extinção das situações definidas na lei civil, na categoria de factos sujeitos a registo[10]”.

Qual será o alcance do conceito “estado civil” utilizado pelo legislador na al. h) do artigo 141º da LOTJ, o sentido lato ou o sentido estrito (do qual se encontrariam excluídas as ações de interdição, inabilitação e de justificação de ausência)?

Ora, por um lado, a opção da noção de estado civil em sentido lato – abrangendo todos os factos jurídicos sujeitos obrigatoriamente a registo civil –, contemplando matérias como nacionalidade, mudança de nome e de sexo, situação de insolvência, extravasa claramente o âmbito e a natureza especializada dos tribunais de família e menores[11].

Por outro lado, o artigo 140º do Código Civil, norma que não sofreu qualquer alteração com a Lei 52/2008, continua a atribuir a competência para a interdição aos tribunais comuns[12].

É, certo que a sua não revogação pode ter resultado de meros lapsos do legislador[13].

De qualquer modo, atentar-se-á em que, se nos trabalhos preparatórios[14] é feita referência ao alargamento da competência dos tribunais de família relativamente aos processos de jurisdição voluntária relativos a união de facto ou economia comum e às ações de investigação de maternidade e paternidade, nada nos é referido quanto á interpretação a dar a tal alínea.

Ora, como tem vindo a ser defendido, se o legislador tivesse pretendido operar uma alteração de tamanho impacto na esfera de competência dos tribunais de família e menores (tais ações sempre estiveram confiadas aos tribunais cíveis), tê-lo-ia feito de modo direto e inequívoco, contemplando as ações de interdição e inabilitação e de declaração de morte presumida expressamente numa das suas alíneas, em vez de as fazer incluir numa alínea residual, suscetível de interpretações dúbias.

Concluímos, assim, que a competência para as ações de interdição e inabilitação, quer ao abrigo da Lei nº 52/2008, quer ao abrigo da atual Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, continuará a pertencer aos tribunais de competência genérica – instância local, eventualmente desdobrados em seções cíveis, como no caso em apreço.

A apelação será de proceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, e revogando-se a decisão recorrida, julga-se o tribunal recorrido o competente em razão da matéria, devendo dar-se seguimento ao processo de interdição.

Sem custas.                    

                           

Coimbra, 20 de outubro de 2015

Maria João Areias ( Relatora )

Fernanda Ventura

Fernando Monteiro


[1] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o art. 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[2] Entre outros, Acórdão do TRC de 28-04-2015, relatado por Anabela Luna de Carvalho, e respeitante a uma decisão semelhante proferida pela Instância Local Cível de Leiria.
[3] Cfr., entre outros, o Acórdão do TRL de 29-05-2012, relatado pela também aqui relatora, e o Ac. do STJ de 13-11-2012, relatado por João Camilo.
[4] António Fialho, in “Novos Caminhos e Desafios na Jurisdição de Família e Menores”, Artigo publicado na revista JULGAR, nº1 Especial, “O Poder Judicial Numa Democracia Descontente – Impasses, Desafios e Modernização da Justiça”, pag. 187 a 213.
[5] Cfr. Vol. I, Almedina 2011, 5ª ed., pag. 509 e 210.
[6] Entre os autores que procedem a tal distinção entre estado civil em sentido lato e em sentido estrito, destacamos João de Castro Mendes, in “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. I, rev. e atualizado, Lisboa 1987, Edição AAFLD, pags. 100 a 101, e J. de Seabra Lopes, “Direito dos Registos e do Notariado”, 5ª ed., Almedina, 2009, pags. 31 e 32.
Já outros autores, adotam uma noção de estado civil coincidente com o referido sentido mais abrangente. Assim, para Pedro Pais Vasconcelos, o estado civil “exprime a condição jurídica da pessoa enquanto maior ou menor, capaz ou incapaz” – cfr., “Teoria Geral do Direito Civil”, 6ª ed., Almedina 2010, pag. 96; para Luís A. Carvalho Fernandes, os “estados civis” corresponderão aos estados pessoais quando dependentes de factos obrigatoriamente sujeitos a registo civil – Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, 5ª ed., 2009, Universidade Católica Editora, pág. 166; em igual sentido, de que os estados civis correspondem aos estados pessoais publicitados pelo registo, se pronuncia António Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo III, Pessoas 2004, Almedina, págs. 308 e 320.
[7] Os arts. 1º e 69º do Código de Registo Civil, sujeitam a registo obrigatório os seguintes actos ou factos: nascimento, filiação, casamento, convenções antenupciais e alterações dos regimes de bens convencionados ou legalmente fixados, adoção, regulação do poder paternal, interdição e inabilitação definitivas, curadoria de ausentes e morte presumida, a declaração de insolvência da pessoa singular e a nomeação e cessação de funções do administrador de insolvência, a inabilitação e a inibição do insolvente para o exercício do comércio, a exoneração do passivo restante, o óbito, alteração de sexo e de nome, e em geral, todos os factos jurídicos que modifiquem os elementos de identificação e o estado civil do registado.
A lei sujeita ainda, em matéria de nacionalidade, a registo obrigatório as declarações de atribuição, aquisição ou perda de nacionalidade e a naturalização de estrangeiros (artigo 18º da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei nº 37/81, alterada pela Lei nº 25/94 de 19.08, e pela Lei nº 2/2006, de 17.04).
O art.7º do CRC sujeita igualmente a registo as decisões dos tribunais estrangeiros relativas ao estado ou capacidade civil dos cidadãos portugueses.
[8] Cfr., neste sentido, J. de Seabra Lopes, “Direito dos Registos e do Notariado”, 5ª ed., Almedina 2009, pag.32, distinguindo-o ainda do conceito ainda mais lato de estado pessoal utilizado por Castro Mendes, enquanto qualidade que condiciona a atribuição a uma pessoa de uma massa pré-determinada de direitos e de vinculações, cuja titularidade é aspeto fundamental da situação jurídica da pessoa (quanto a este, cfr., “Teoria Geral do Direito Civil”, Vol. I, ed. AAFDL, Lisboa 1978, pag. 100.
[9] Cfr., neste sentido, Castro Mendes, obra citada, pág. 101, e nota 205: “Assim, se fala nos quatro elementos usuais de identificação: nome, estado, profissão e morada, estado é o de solteiro, casado, viúvo ou divorciado. E a este se referem na maior parte das vezes os impressos em que figura a pergunta: estado ou estado civil?”. Também Cabral de Moncada definindo o “estado civil dos indivíduos” em sentido lato, como toda a situação ou posição que lhes modifica a capacidade em geral, fazendo atribuir-lhes um conteúdo de direitos mais determinado, maior ou menor, com relação a essa mesma capacidade, distingue três tipos de circunstâncias que influem sobre a medida da capacidade civil do individuo, conferindo-lhe posições ou estados diferentes:
a) relação com a sociedade política (cidadania);
b) relação para com a família (estado civil);
c) outras situações que podem modificar ou determinar a sua esfera jurídica (domicílio, ausência, idade, sexo, demência, prodigalidade, certas condenações penais e falência dos comerciantes).
Tal autor faz, assim, coincidir o conceito de estado civil em sentido estrito com o da relação do individuo com a sua família – cfr., “Lições de Direito Civil, Parte Geral, Vol. I, 3ª ed., Livraria Petrony, 1959, págs. 305 a 307, 322 e 323 e 330.
Cunha Gonçalves movia-se dentro da mesma ordem de ideias: definindo o estado da pessoa como a posição que esta ocupa em relação à sociedade e a família, subdistinguia nele três aspetos ou divisões: a) relações políticas (nacionalidade e qualidade de cidadão); b) relações de família; c) causas físicas normais (idade, sexo); d) causas físicas anormais (enfermidades físicas e mentais); e) causas económicas (prodigalidade e falência); f) causas sociais (condenação penal, mau comportamento, estado social, religião, profissão) – cfr., “Tratado de Direito Civil, em Comentário ao Código Civil Português”, Vol. I, Coimbra Editora 1929, págs. 211 e ss.
[10] “Código de Registo Civil, Anotado e Comentado”, Almedina 1991, pág. 38.
[11] Como afirma António Menezes Cordeiro, os diversos estados pessoais são tratados pelas disciplinas privadas de acordo com critérios legislativos e histórico culturais, sendo a nacionalidade, tradicionalmente vista na parte geral, o mesmo sucedendo com o sexo, a idade e as deficiências, tendo a nacionalidade passado para o direito internacional privado, já a família corresponde ao direito da família e a falência compete ao direito comercial. No entanto, todas estas qualidades têm relevo para o registo civil – cfr., obra e local citados, pag. 309.
[12] No sentido de que o art. 140º do CC estabelece expressamente a competência dos tribunais comuns para conhecer da ação de interdição e das matérias que, nos termos do suprimento do poder paternal/responsabilidades parentais são do tribunal de menores, se pronuncia Gabriela Páris Fernandes, “Comentário ao Código Civil, Parte Geral” Universidade Católica Editora, coordenação de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença, pág. 304. Segundo António Menezes Cordeiro, “trata-se de uma importante garantia dos visados que remonta à doutrina da pré-codificação. Como o art. 139º remete para as normas próprias do poder paternal, houve que convolar para os tribunais comuns as competências que as leis dos menores cometem aos tribunais de menores” – “Tratado de Direito Civil Português”, Parte Geral, Tomo III, Pessoas, Almedina 2004, pág. 419
[13] Lapso que, a verificar-se, se manteria com a aprovação da atual Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto).
[14] Cfr., Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 187/X, que deu origem à LOFTJ de 2008, e Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (DR IIª Série A nº 91/X/3, de 03.05.2008).