Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3/10.7TASBG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 11/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SABUGAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Legislação Nacional: ARTS. 89.º E 90.º, DO CPP
Sumário: I - A apreciação da legitimidade substantiva do requerente do acesso aos autos e da decisão compete à autoridade judiciária que presidir à fase em que se encontra o processo ou que nele tiver proferido a última decisão.

II - O n.º 2 do art.89.º do Código de Processo Penal, apenas atribui ao Juiz competência para decidir, por despacho irrecorrível, o requerimento apresentado por sujeitos processuais para consulta do processo e obtenção dos correspondentes extractos, cópias ou certidões, quando o Ministério Público se opuser à consulta ou à obtenção desses elementos referidos no n.º 1.

III - O art.89.º, n.º 2, do Código de Processo Penal não atribui ao Juiz de Instrução, entre os poderes de decisão irrecorrível, sobre requerimento apresentado por sujeito processual (que o denunciante não é), o de confirmar as decisões de indeferimento de confiança ou consulta dos autos anteriormente tomadas pelo Ministério Público, nem o de retirar ao superior hierárquico do Ex.mo Procurador Adjunto a possibilidade de se pronunciar sobre as reclamações apresentadas relativas aos despachos de indeferimento.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

Por despacho de 30 de Outubro de 2013, a Ex.ma Juíza do Tribunal Judicial da Comarca do Sabugal indeferiu o requerimento do denunciante A... , apresentado de folhas 548 a 560, dirigido ao Ex.mo Procurador da República, visando recorrer hierarquicamente para este dos despachos proferidos pelo Ex.mo Procurador Adjunto, solicitando que lhe seja permitida a consulta dos autos, sob pena de nulidade de todo o inquérito, por violação do princípio da publicidade do inquérito.

Inconformado com o douto despacho judicial dele interpôs recurso o denunciante A... para este Tribunal da Relação, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1.ª No entendimento do recorrente, e salvo melhor opinião, a Mma Juiz “a quo” não se devia ter pronunciado relativamente à questão em apreço, pelo que deve ser considerado nulo, uma vez que um pedido de exame dos autos fora da secretaria, apresentado ao abrigo do n° 4 do art. 89° do Código de Processo Penal, não está sujeito a controlo judicial. A única forma de contra ele reagir é suscitando a intervenção do imediato superior hierárquico do magistrado que proferiu o despacho.”

2.ª Por outro lado, já tinha sido deferida a consulta dos autos anteriormente ao despacho do MP e da douta decisão ora recorrida, pelo que não se compreende esta inflexão de ideias.

Assim, por já fazer caso julgado nos autos não poderia ter sido alterada a autorização de consulta dos autos.

3.ª O recorrente é irmão germano da B....

Nos presentes autos investiga-se um crime de fraude fiscal face ao aumento de nível de vida da D. B..., designadamente: apartamento no Algarve, aquisição de veículos novos, aquisição de um apartamento para a filha mais velha em Almada, aplicações financeiras junto de bancos e do IGCP, entre outras.

Considera o recorrente que as quantias utilizadas pela B... e marido para a aquisição de tais bens provêm das contas bancárias, aplicações financeiras e dos negócios dos pais do recorrente e de B....

O recorrente tem interesse em consultar os autos, pois nestes poderá encontrar as movimentações efectuadas das contas dos seus pais para as da sua irmã e marido e também para as filhas destes.

Além disso, terá acesso aos depósitos nas contas bancárias dos arguidos, de molde a se puder apurar de onde vêm as quantias depositadas, uma vez que só têm como fonte de rendimento o seu salário no trabalho por conta de outrem que prestam.

Apuradas tais entradas de dinheiro e tais aquisições os arguidos terão de justificar tais quantias junto da Fazenda Nacional, se se tratam de desvios de dinheiro ou de doações.

A serem doações dos pais do recorrente, tais quantias estão sujeitas a impostos, ao ónus de colação e ainda a redução por inoficiosidade aquando das partilhas por óbito dos pais do recorrente.

É indubitável que o recorrente é herdeiro legitimário dos seus pais, e com o falecimento destes é ele e a irmã quem em igualdade de circunstâncias irão concorrer à herança.

Por tudo isto o recorrente tem toda a legitimidade e interesse em consultar os autos, pois além de se tratar de uma fraude fiscal é também uma fraude às legítimas expectativas do recorrente na herança dos seus pais.

4.ª O recorrente por si e pelos seus pais deve ter acesso aos presentes autos, de modo a poder analisar os extractos das contas bancárias juntas após a reabertura do inquérito.

O património dos seus pais foi “esvaziado” em mais de 500000€, os arguidos fazem vida faustosa, têm bens de valor elevado, sem quaisquer dívidas ao banco.

Não pode esta situação passar impune aos olhos de V.Exas.

Nestes termos, requer a V.Exas. se dignem considerar procedente e provado o recurso, e em consequência considerar nulo o despacho recorrido, com as legais consequências, ou subsidiariamente autorizarem o recorrente a consultar o processo, confiando-lhe o mesmo caso se afigure necessário.

O Ministério Público na Comarca do Sabugal respondeu ao recurso, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da decisão recorrida.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação apôs visto nos autos.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

Despacho recorrido

l. A fls.535, A..., veio requerer a consulta dos presentes autos, tendo em vista eventual recurso hierárquico.

Por decisão de 08.10.2013 o Ministério Público indeferiu tal requerimento, alegando, em síntese, que a lei não atribuiu ao requerente, enquanto (mero) denunciante, a faculdade de requerer a intervenção hierárquica no âmbito dos presentes autos.

Inconformado com tal decisão veio o denunciante, a fls.548, apresentar “recurso hierárquico” requerendo que seja permitida a consulta dos autos, sob pena de nulidade de todo o inquérito, por violação do princípio da publicidade do inquérito.

Alega, em síntese, que veio requerer a confiança do processo, bem como a consulta dos mesmos, tendo tais pedidos sido indeferidos, contudo os mesmos justificam-se atento o disposto no art.86.°, n.°l e art.90.°, ambos do Código de Processo Penal, tendo o recorrente interesse legítimo em consultar o processo, uma vez que pretende tomar conhecimento das quantias que eventualmente foram doadas pelos seus pais à sua irmã e cunhado, denunciados, de modo a que estas quantias sejam contabilizadas na herança dos pais que futuramente será partilhada.

Determina o art.89.°, n.°2 do Código de Processo Penal, que “Se o Ministério Público se opuser à consulta ou à obtenção dos elementos previstos no número anterior, o requerimento é presente ao juiz, que decide por despacho irrecorrível”.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

2. Dispõe o art.86.º, n.º l do Código de Processo Penal, que “Durante o inquérito o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil podem consultar, mediante requerimento, o processo ou elementos dele constantes, bem como obter os correspondentes extractos, cópias ou certidões, (..

Ora, nos presentes autos, o requerente não assume a qualidade de arguido, assistente ou parte civil.

Considerando a natureza dos crimes investigados nestes autos (fraude fiscal e branqueamento de capitais) e os bens jurídicos protegidos pelas incriminações, verifica-se que o requerente também não reveste a qualidade de ofendido ou lesado.

Assim sendo, não assiste razão ao requerente quando fundamenta a sua pretensão no artigo 89.° do Código de Processo Penal.

Vem, ainda, o requerente alegar que tem interesse legítimo para pedir a consulta dos autos.

O artigo 90.°, n.º l, do Código de Processo Penal, determina que qualquer pessoa que nisso revelar interesse legítimo pode pedir que seja admitida a consultar auto de um processo que não se encontre em segredo de justiça e que lhe seja fornecida, à sua custa, cópia, extracto ou certidão de auto ou parte dele.

Para que a consulta seja permitida nos termos da referida disposição legal, é pois fundamental, tendo em consideração que o requerente não se assume como um verdadeiro sujeito processual nos termos do artigo 89.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, que o requerente nisso revele um interesse legítimo

O requerente vem alegar que pretende consultar os autos tendo em vista eventual recurso hierárquico.

Determina o artigo 278.° do Código de Processo Penal, que “No prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida, o imediato superior hierárquico do magistrado no Ministério Público pode, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir assistente, determinar que seja formulada acusação ou que as investigações prossigam, indicando, neste caso, as diligências a efectuar e o prazo para o seu cumprimento.

Dispõe ainda o n.°2 da referida norma legal que “O assistente e o denunciante com a qualidade de se constituir assistente podem, se optarem por não requerer a abertura de instrução, suscitar a intervenção hierárquica, no prazo previsto para aquele requerimento”.

Diz-nos, ainda, o artigo 68.° do Código de Processo Penal que podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito:

a) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos;

b) As pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento;

c) No caso de o ofendido morrer sem ter renunciado à queixa, o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou a pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que com o ofendido vivesse em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e adoptados, ascendentes e adoptantes, ou, na falta deles, irmãos e seus descendentes, salvo se alguma destas pessoas houver comparticipado no crime;

d) No caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, o representante legal e, na sua falta, as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a ordem aí referida, ou, na ausência dos demais, a entidade ou instituição com responsabilidades de protecção, tutelares ou educativas, quando o mesmo tenha sido judicialmente confiado à sua responsabilidade ou guarda, salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no crime;

e) Qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção.

Ora, tendo em consideração as disposições legais referidas, concluiu-se que A..., pese embora assuma a qualidade de denunciante nos presentes autos, não dispõe da faculdade de se constituir assistente.

Efectivamente, tendo-se investigado no presente inquérito factos susceptíveis de consubstanciar a prática de um crime de fraude fiscal, A... não assume a qualidade de ofendido dado que o crime em causa lesa a Fazenda Pública e não interesses e direitos particulares.

Acresce que, o crime de fraude fiscal não cai na previsão da alínea e) do artigo 68.°, n.° 1.

Assim sendo, entendemos que a lei não atribui ao requerente, enquanto (mero) denunciante, a faculdade de requerer a intervenção hierárquica no âmbito dos presentes autos, pelo que, não tem o mesmo interesse legítimo em consultar o inquérito.

3. Pelo exposto, tendo em consideração as citadas disposições legais, indefiro o requerido por A....

Notifique».

*
                                                                       *
                                                  
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. (Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente A..., as questões a decidir são as seguintes:

- se o despacho recorrido é nulo, porquanto a competência para decidir o requerimento do denunciante cabe ao superior hierárquico do magistrado que proferiu os despachos de que aquele recorre hierarquicamente, e não à Ex.ma Juíza; 

- se existe violação do caso julgado, porquanto já anteriormente ao despacho do Ministério Público e da decisão recorrida, lhe tinha sido deferida a consulta dos autos; e

- se o ora recorrente tem interesse legítimo em consultar os autos, pelo que, subsidiariamente,  deve ser-lhe dada autorização para consultar o processo, confiando-lhe o mesmo caso se afigure necessário.


-

            Passemos ao conhecimento da primeira questão.

O indeferimento pela Ex.ma Juíza do requerimento apresentado pelo ora recorrente A... decorre, essencialmente, do disposto nos artigos 89.º e 90.º do Código de Processo Penal.

Importa, assim, fazer-se uma breve menção a estas disposições legais.

O art. 89.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Consulta de auto e obtenção de certidão e informação por sujeitos processuais”, estabelece, com interesse para a decisão da questão, nomeadamente, o seguinte:

« 1 - Durante o inquérito, o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil podem consultar, mediante requerimento, o processo ou elementos dele constantes, bem como obter os correspondentes extractos, cópias ou certidões, salvo quando, tratando-se de processo que se encontre em segredo de justiça, o Ministério Público a isso se opuser por considerar, fundamentadamente, que pode prejudicar a investigação ou os direitos dos participantes processuais ou das vítimas.

2 - Se o Ministério Público se opuser à consulta ou à obtenção dos elementos previstos no número anterior, o requerimento é presente ao juiz, que decide por despacho irrecorrível.

3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os autos ou as partes dos autos a que o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil devam ter acesso são depositados na secretaria, por fotocópia e em avulso, sem prejuízo do andamento do processo, e persistindo para todos o dever de guardar segredo de justiça.

4 - Quando, nos termos dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 86.º, o processo se tornar público, as pessoas mencionadas no n.º 1 podem requerer à autoridade judiciária competente o exame gratuito dos autos fora da secretaria, devendo o despacho que o autorizar fixar o prazo para o efeito.».

Regulamenta-se neste preceito o acesso aos autos pelos sujeitos processuais.

Em face do seu n.º1, durante o inquérito, o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil podem consultar, mediante requerimento, o processo ou elementos dele constantes, bem como obter os correspondentes extractos, cópias ou certidões.

Tal requerimento é dirigido ao Ministério Público, que é quem tem a disponibilidade do processo para poder ser consultado e pode deferir a obtenção dos correspondentes extractos, cópias ou certidões.

No caso do inquérito decorrer em segredo de justiça, o Ministério Público pode opor-se ao requerimento apresentado pelos sujeitos processuais por considerar, fundamentadamente, que pode prejudicar a investigação ou os direitos dos participantes processuais ou das vítimas.

Opondo-se à consulta do inquérito ou à obtenção dos elementos dele constantes, o n.º 3 deste preceito, impõe ao Ministério Público que apresente o requerimento ao Juiz, a quem compete deferir ou indeferir o mesmo, por despacho irrecorrível. 

Regime algo diferente deste é o da chamada “ confiança do processo”, ou seja, a consulta dos autos, gratuitamente, “fora da secretaria”, finda a cessação dos motivos que determinaram a exclusão da publicidade.

De acordo com o n.º 4 deste preceito, o processo pode ser consultado, no prazo que for fixado, precedido de requerimento apresentado pelos sujeitos processuais e de decisão da autoridade judiciária competente. 

Só os sujeitos processuais mencionados no n.º1 podem requerer o exame fora da secretaria de daqueles processos. Por outro lado, é a autoridade judiciária competente que decide , seja no sentido do deferimento ou do indeferimento. Assim, se o requerimento de confiança do processo é dirigido ao Ministério Público este, no caso de não concordar com o pedido, deve logo indeferir o mesmo; não deve submeter o requerimento ao Juiz após prévia dedução de oposição, pois o  n.º 2 do preceito não tem aqui aplicação.

Neste sentido, a propósito do indeferimento de um pedido de exame dos autos fora da secretaria, apresentado pelo arguido ao abrigo do n.º 4 do art.89.º do C.P.P., decidiu o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10-12-2008, que « I. O arguido, que pretenda examinar fora da secretaria os autos de inquérito que se tenham tornado públicos, deve requerer tal exame ao MP. II. Se o MP recusar o exame dos autos fora da secretaria, o arguido pode reclamar do despacho para o respectivo superior hierárquico, mas não pode provocar a intervenção do juiz de instrução. III. De facto, o despacho de recusa de exame dos autos de inquérito fora da secretaria não pode ser sindicado pelo juiz de instrução, sob pena de violação do princípio do acusatório e, designadamente, da direcção do inquérito pelo MP.». [4]

Por fim, importa mencionar o art.90.º do Código de Processo Penal, que sob a epigrafe “ Consulta de auto e obtenção de certidão por outras pessoas”, estatui no seu n.º 1 o seguinte:

« 1 - Qualquer pessoa que nisso revelar interesse legítimo pode pedir que seja admitida a consultar auto de um processo que se não encontre em segredo de justiça e que lhe seja fornecida, à sua custa, cópia, extracto ou certidão de auto ou de parte dele. Sobre o pedido decide, por despacho, a autoridade judiciária que presidir à fase em que se encontra o processo ou que nele tiver proferido a última decisão. ».

Regulamenta-se aqui o acesso aos autos por outras pessoas que não os sujeitos processuais referidos no n.º1 do art.89.º do Código de Processo Penal.

O acesso depende da alegação e da prova de um interesse legítimo do terceiro.

A apreciação da legitimidade substantiva do requerente do acesso aos autos e da decisão compete à autoridade judiciária que presidir à fase em que se encontra o processo ou que nele tiver proferido a última decisão.

A decisão judicial de rejeição de acesso aos autos por parte do terceiro requerente é recorrível, nos termos gerais.

Já, no entender do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, « O despacho do Ministério Público de rejeição de acesso aos autos não pode ser sindicado pelo juiz, pois este não tem o poder de direcção do inquérito (…).O requerente só pode reagir contra a rejeição do requerimento pelo Ministério Público, submetendo a questão ao superior hierárquico do magistrado do Ministério Público, por intermédio de reclamação hierárquica (…).».[5]    

Resulta dos presentes autos que o Ministério Público, por despacho proferido a 30 de Setembro de 2013, determinou o arquivamento do inquérito, nos termos do art.277.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Por requerimento de 2 de Outubro de 2013, de folhas 529, o denunciante A... requereu, nos termos do art.89.º, n.º 4 do C.P.P., o exame gratuito dos autos fora da secretaria, pelo período máximo de 2 dias, fundamentando o pedido na necessidade de obter um vasto número de cópias eventualmente relevantes para outros processos em que o requerente é interveniente, nomeadamente, entre outros , o proc. n.º 15/09.3TASBG.

O Ministério Público, por despacho de 3 de Outubro de 2013, indeferiu o requerimento de 2 de Outubro de 2013, porquanto o requerente/denunciante não tem a qualidade de sujeito processual a que alude o n.º 1 do art.89.º do C.P.P. e, analisando o pedido à luz do art.90.º, n.º1 do mesmo Código, porque considera que o mesmo não tem interesse legitimo na consulta e, essencialmente, na extracção de cópias dos presentes autos para juntar a outros inquéritos e/ou processos.

Em novo requerimento, apresentado em 7 de Outubro de 2013, e dirigido ao Ex.mo Procurador da República, vem o denunciante solicitar a este que se digne autorizar-lhe a consulta do processo, para efeitos de eventual recurso hierárquico.

O Ex.mo Procurador Adjunto na Comarca do Sabugal, em novo despacho, datado de 8 de Outubro de 2013, indeferiu o requerimento do denunciante, porquanto a lei não atribui ao requerente, enquanto mero denunciante, a faculdade de requerer a intervenção hierárquica no âmbito do inquérito e não tem interesse legitimo em consultar o inquérito.

Por requerimento de remetido por telecópia a 14 de Outubro de 2013, dirigido ao Ex.mo Procurador da República ( folhas 546), o denunciante “vem recorrer hierarquicamente dos despachos proferidos pelo Ex.mo Procurador Adjunto”, concluindo que lhe seja permitida a consulta dos autos, sob pena de nulidade de todo o inquérito, por violação do princípio da publicidade do inquérito.

Em face deste requerimento apresentado pelo denunciante, o Ex.mo Procurador Adjunto, no dia 18 de Outubro de 2013, determinou , a folhas 547, que logo que fosse junto o original do requerimento se remetam os autos ao Ex.mo Procurador da República Coordenador.

Junto o original do requerimento remetido por telecópia ( folhas 548 a 560), o Ex.mo Procurador Adjunto proferiu novo despacho, datado de 24 de Outubro de 2013, em que  declara que por lapso na prolação do despacho de folhas 547 não atendeu ao disposto no art.89.º, n.º2 do C.P.P., e dando sem efeito a parte do despacho em que ordena a remessa dos autos ao Ex.mo Procurador da República Coordenador , determina a remessa dos autos à Ex.ma Juíza para apreciação do requerimento apresentado a folhas 548 e seguintes pelo denunciante A....

Nesta sequência foi proferido o despacho recorrido, conhecendo de requerimento do denunciante, dirigido ao Ex.mo Procurador da República, em que o mesmo visa recorrer hierarquicamente para este dos despachos proferidos pelo Ex.mo Procurador Adjunto, solicitando que lhe seja permitida a consulta dos autos, sob pena de nulidade de todo o inquérito, por violação do princípio da publicidade do inquérito.

Salvo o devido respeito, o n.º2 do art.89.º do Código de Processo Penal, apenas atribui ao Juiz  competência para decidir, por despacho irrecorrível , o requerimento apresentado por sujeitos processuais para consulta do processo e obtenção dos correspondentes extractos, cópias ou certidões , quando o Ministério Público se opuser à consulta ou à obtenção desses  elementos referido no n.º 1.

Ora, o único requerimento dirigido ao Ex.mo Procurador Adjunto pelo denunciante e ora recorrente, foi o de 2 de Outubro de 2013, constante de folhas 529, e não foi para consulta dos autos, nos termos do n.º1 do art.89.º, do C.P.P., mas sim para exame gratuito dos autos fora da secretaria, ao abrigo do n.º 4 do mesmo preceito.

O Ministério Público, no despacho que conheceu do requerimento, não se limitou então a declarar a sua oposição fundamentada à confiança do processo ao denunciante, nem remeteu os autos de inquérito ao Juiz para decidir o requerimento.

O Ministério Público decidiu ele próprio o requerimento, indeferindo-o não só ao abrigo do art.89.º, n.º4 do C.P.P., por o denunciante não ser sujeito processual, como ainda, adiantando a possibilidade do denunciante querer consultar o processo como terceiro ao abrigo do art.90.º, n.º1 do mesmo Código, indeferiu-lhe também a consulta nos termos deste último preceito, por considerar não ter interesse legítimo na consulta.

Considerando o que se deixou já exposto sobre o n.º 4 do art.89.º do C.P.P. e o n.º1 do art.90.º, do mesmo Código, andou bem o Ministério Público ao decidir não remeter aquele requerimento de confiança do processo de 2 de Outubro de 2013, ao Ex.mo Juiz, pois a autoridade judiciária competente para o decidir era ele próprio.     

O requerimento seguinte, apresentado pelo denunciante em 7 de Outubro de 2013, já é dirigido ao Ex.mo Procurador da República, solicitando a este que se digne autorizar-lhe a consulta do processo, para efeitos de eventual recurso hierárquico.

O requerimento é indeferido pelo próprio Ex.mo Procurador Adjunto na Comarca do Sabugal, por, no seu entendimento, a lei não atribuir ao requerente, enquanto mero denunciante, a faculdade de requerer a intervenção hierárquica no âmbito do inquérito e não tem interesse legitimo em consultar o inquérito.

Como vemos, o Ministério Público não remeteu os autos ao Ex.mo Juiz – e bem - para decidir o requerimento do denunciante de pedido de consulta do inquérito – como também não o remeteu a quem o requerimento era dirigido.

Mas se estes dois requerimentos estão fora do âmbito do art.89.º, n.º1 do C.P.P. – e só no âmbito dessa situação tem lugar a dedução de oposição do Ministério Público à consulta dos autos e remessa ao juiz nos termos do n.º 2 – não se percebe onde está a lógica da remessa do requerimento de folhas 548 e seguintes à Ex.ma Juíza para decidir um requerimento do denunciante, dirigido ao Ex.mo Procurador da República, em que o mesmo visa recorrer hierarquicamente para este dos despachos proferidos pelo Ex.mo Procurador Adjunto, solicitando que lhe seja permitida a consulta dos autos, sob pena de nulidade de todo o inquérito, por violação do princípio da publicidade do inquérito.

È que o Ministério Público já decidiu anteriormente, em dois despachos, que não lhe permite nem a confiança do processo, nem a simples consulta dos mesmos, e o requerimento do denunciante sobre que recai o despacho judicial recorrido é dirigido ao superior hierárquico do Ex.mo Magistrado que os proferiu.

O despacho recorrido ao decidir que assiste razão ao Ex.mo Procurador Adjunto na Comarca do Sabugal ao ter indeferido os requerimentos apresentados pelo denunciante, porque este não é sujeito processual, não tem interesse legítimo em consultar o inquérito e porque a lei não atribui ao requerente, enquanto (mero) denunciante, a faculdade de requerer a intervenção hierárquica no âmbito dos presentes autos, o que fez foi confirmar as decisões anteriormente proferidas pelo Ministério Público e retirar ao superior hierárquico daquele Magistrado a possibilidade de se pronunciar sobre as reclamações apresentadas relativas aos despachos de indeferimento.   

O art.89.º, n.º2, do Código de Processo Penal não atribui ao Juiz de Instrução, entre os poderes de decisão irrecorrível, sobre requerimento apresentado por sujeito processual ( que o denunciante não é), o de confirmar as decisões de indeferimento de confiança ou consulta dos autos anteriormente tomadas pelo Ministério Público, nem o de retirar ao superior hierárquico do Ex.mo Procurador Adjunto a possibilidade de se pronunciar sobre as reclamações apresentadas relativas aos despachos de indeferimento.   

Se o superior hierárquico do Ex.mo Procurador Adjunto vem ou não a admitir a suscitada intervenção hierárquica no âmbito da consulta do inquérito e/ou do seu exame gratuito fora da secretaria, é questão a dirimir entre o denunciante, que não é sujeito processual, e o Ministério Público.    

Assim, mais não resta que conceder provimento a esta questão e assim ao recurso do denunciante e revogar o despacho recorrido, ficando prejudicadas as outras duas questões objecto de recurso.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo denunciante A... e, consequentemente, revogar o douto despacho recorrido.

            Sem custas.


*

Coimbra, 19 de Novembro de 2014

Orlando Gonçalves (relator)

Alice Santos (adjunta)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] CJ, 2008, T5, pág. 217.

[5] in  “Comentário do Código de Processo Penal”, Univ. católica Editora, 2007, pág. 264.