Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1023/19.1T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
PEAP
PREJUDICIALIDADE
Data do Acordão: 06/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL RECURSO:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTS.8, 222-E, 222-G, 222-J CIRE
Sumário: 1 – Intentado um PEAP e nele proferido e publicado no Citius o despacho inicial a nomear o AJP, suspendem-se os processos de insolvência anteriormente intentados em que ainda não haja sido proferida sentença declaratória de insolvência (cfr. art. 222.º-E/6 do CIRE).

2 – Justifica tal suspensão a circunstância de no PEAP poder vir a ser aprovado e homologado um acordo de pagamento.

3 – Assim, sendo o acordo de pagamento aprovado e homologado, o processo de insolvência “passa” da suspensão à extinção (cfr. art. 222.º-E/6/in fine do CIRE); e, não sendo o acordo de pagamento aprovado e homologado, deixa de existir razão para se manter a suspensão do processo de insolvência.

4 – Nesta segunda hipótese, o AJP tem, no PEAP, que se pronunciar sobre a situação do devedor e ou entende que o mesmo não se encontra em situação de insolvência, hipótese em que o PEAP encerra e extingue todos os seus efeitos (cfr. art. 222.º-G/2 do CIRE); ou o AJP entende que o devedor se encontra em situação de insolvência, hipótese que culmina na remessa e distribuição de tal Parecer do AJP (como novo processo de insolvência) e na situação de prejudicialidade prevista no art. 8.º/2 do CIRE e aí solucionada a favor do prosseguimento do processo de insolvência (por ser o primeiramente instaurado) e da consequente cessação da suspensão do anterior processo de insolvência.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

B (…) SA, com sede na (...), intentou, em 20/03/2019, ação especial de insolvência contra C (…) casada, em regime de separação de bens, com L (…), residente (…) pedindo que seja declarada a sua insolvência.

Iniciada a respetiva tramitação, foi nos autos, em 08/07/2019, proferido o seguinte despacho:

“(…) Face à pendência de processo especial para acordo de pagamento (PEAP) relativamente à aqui Requerida, a correr termos sob o n.º 2175/19.6T8LRA neste Juízo e Juiz, nos moldes previstos pelo artigo 222.ºE, n.º1, do CIRE, declaro suspenso o presente processo de insolvência.”

Após o que – tendo sido recusada, por decisão proferida em 9/12/2019, a homologação do acordo de pagamento apresentado em tal PEAP (sentença essa confirmada por Acórdão desta Relação de Coimbra proferido a 18/02/2020 e transitado em julgado) – foi nestes autos, em 23/03/2020, proferida sentença (em que se observou que a requerida não deduziu oposição e se consideraram confessados todos os factos alegados na PI, nos termos do art. 30.º/5 do CIRE) que declarou a insolvência da requerida C (…).

Inconformada com tal decisão, interpõe a requerida o presente recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que mantenha os presentes autos de insolvência suspensos até o PEAP ser encerrado nos termos do art. 222.º-J/1/b) do CIRE.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“ (…)

I) Tendo o prazo da Recorrente para deduzir oposição aos presentes autos iniciado no dia após a nomeação de patrono (26/06/2019), o último dia (com os 3 de multa) seria no dia 08/07/2019.

II) Sucede que a presente instância de Processo de Insolvência suspendeu-se, por despacho datado do mesmo dia (08/07/2019), nos termos do art. 222 E nº 1 do CIRE, em virtude da Devedora se ter apresentado a PEAP, assistindo assim, ainda à Recorrente um dia para deduzir oposição, retomada que fosse a presente instância

III) Sucede que a presente instância só poderia ser retomada após despacho transitado em julgado de encerramento do PEAP, nos termos do art 222-J. al. b) do CIRE, que até à data ainda não foi proferido.

IV) Com efeito, um processo de insolvência que foi suspenso por força da instauração e pendência de um processo especial de revitalização, apenas quando encerrado este último processo, deve retomar o seu normal curso, retomando-se no exato estado em que havia sido interrompido ou suspenso (art. 276º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil).

V) O Tribunal “a quo” ao retomar os autos de insolvência, sem que tivesse sido ainda proferido despacho de encerramento dos autos de PEAP, coartou à Recorrente a possibilidade de deduzir oposição à insolvência (já que ainda tinha um dia para o efeito)

VI) Retomados que fossem os autos, teria de ser proferido despacho de prosseguimento da presente instância, notificando a Devedora e alertando-a para a retoma do prazo de oposição à insolvência que se encontrava suspenso desde o dia 08/06/2010

VII) A presente decisão revela-se desprovida de qualquer sentido de justiça, já que foi proferida à revelia da própria vontade do Requerente da insolvência- Banco B (…), na medida em no PEAP da devedora, que (reitere-se), deu entrada na pendência do presente Processo, foi este credor (maior credor) que conseguiu aprovar o Plano apresentado, votando favoravelmente o mesmo -Voto este que foi demonstrativo da confiança deste Credor na recuperação económica da Devedora –não acreditando outrossim que a mesmo estivesse insolvente. (…)”

O B(…)/requerente não apresentou qualquer resposta.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II A – Elementos factuais com relevo para o conhecimento do recurso:

1. O B(…), em 20/03/2019, requereu a declaração de insolvência da aqui apelante;

2. Esta foi citada em 13/05/2019, após o que requereu o apoio judiciário, incluindo o patrocínio judiciário, em 22/05/2020;

3. Em virtude de tal pedido de apoio judiciário, o prazo para contestar foi interrompido por despacho proferido nestes autos em 27/05/2019;

4. Apoio judiciário que lhe foi concedido/deferido em 25/06/2019, tendo-lhe, em tal data, sido nomeado patrono;

5. A aqui requerida/apelante (e o seu marido), em 28/06/2019, deu entrada a Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), processo que foi distribuído com o n.º 2175/19.6T8LRA e em que a nomeação do AJP ocorreu no dia 08/07/2019, tendo a publicação do anúncio da sua nomeação sido efetuada no dia 09/07/2019;

6. Em 08/07/2019, foi nos autos proferido o seguinte despacho:

“(…) Face à pendência de processo especial para acordo de pagamento (PEAP) relativamente à aqui Requerida, a correr termos sob o n.º 2175/19.6T8LRA neste Juízo e Juiz, nos moldes previstos pelo artigo 222.ºE, n.º1, do CIRE, declaro suspenso o presente processo de insolvência.”

7. Por sentença proferida em 9/12/2019 foi recusada a homologação do Acordo de Pagamento apresentado no âmbito do PEAP (identificado no ponto 5), sentença que veio a ser confirmada por Acórdão desta Relação de Coimbra proferido em 18/02/2020 e transitado em julgado.

8. Em 23/03/2020, foi proferida a sentença sob recurso (que decretou a insolvência da requerida/apelante), tendo-se em tal sentença observado que a requerida não deduziu qualquer oposição e, em função disso, considerado como confessados todos os factos alegados na PI (nos termos do art. 30.º/5 do CIRE);

9. Em 25/03/2020, o AJP juntou ao PEAP referido o Parecer a que alude o art. 222.º-G/4 do CIRE.


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II B – Fundamentação de Direito

Resumindo os factos acabados de alinhar, temos que, estando já pendente e a correr termos o presente processo de insolvência (requerido por um credor), a aqui requerida/apelante apresentou um PEAP, no âmbito do qual foi proferido o despacho inicial de nomeação do AJP (despacho a que se refere o art. 222.º-C/4 do CIRE) antes de aqui (nestes autos) ser proferida a sentença declaratória de insolvência.

O que provoca/ou a suspensão dos presentes autos de insolvência.

Efetivamente, dispõe-se no art. 222.º-E/6 do CIRE que “os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere o n.º 4 do art. 222.º-C, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória de insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovada e homologado o acordo de pagamento.”

Não foi exatamente isto que foi respeitado, na medida em que se declarou a suspensão no dia (8/07/2019) em que foi proferido o despacho do n.º 4 do art. 222.º-C do CIRE e não no dia em que tal despacho foi publicado no portal Citius (9/07/2019); para o que se invocou que a suspensão estava a ser declarada nos termos do art. 222.º-E/1 do CIRE – quando tal suspensão está especificamente prevista no transcrito n.º 6 do mesmo preceito legal – o que certamente levou a que a suspensão fosse decretada um dia antes do devido.

Vem isto a propósito da requerida/apelante dizer que o seu prazo para apresentar oposição (do art. 30.º do CIRE) terminava, incluindo os 3 dias da multa do art. 159.º/3 do CPC, naquele dia 08/07/2020.

O que significa – “contando” e valendo, como é evidente, o que foi feito constar, sem oposição, do despacho de suspensão proferido em 08/07/2020 (e não o que resultaria do art. 222.º-E/6 do CIRE) – que é realmente como a requerida/apelante diz: como se extrai dos factos, o prazo inicial que a requerida tinha para contestar foi interrompido com o seu pedido de apoio judiciário, voltando de novo o prazo a correr (desde o seu início) quando tal pedido lhe foi concedido em 25/06/2019, passando a requerida a ter então 10 dias (+3 com multa) para deduzir oposição, o que mostra que, pagando a multa referida no art. 139.º/5/c) do CPC, podia ainda deduzir oposição no dia 08/07/2020[1], pelo que, ficando os presentes autos suspensos em tal dia 08/07/2020, continuou a requerida a ter/manter o 3.º dia do art. 139.º/5/c) do CPC para deduzir oposição nos presentes autos de insolvência.

O que só por si é suficiente para dizer/concluir que a sentença proferida não pode subsistir.

Efetivamente, a sentença recorrida assenta, em termos factuais, na aplicação do cominatório constante do art. 30.º/5 do CIRE – ou seja, considerou-se na sentença que a requerida não deduziu qualquer oposição e, por isso, consideraram-se confessados todos os factos alegados na PI – sendo que não se podia dizer, quando a sentença foi proferida, que estava já esgotado o prazo da requerida para deduzir oposição.

Em 08/07/2019, como já referimos, foi proferido despacho a “declarar suspenso o presente processo de insolvência.”, pelo que, tendo ainda a requerida, em tal data, o 3.º dia do art. 139.º/5/c) do CPC para deduzir oposição nos presentes autos de insolvência, o retomar da sua marcha tinha que ser iniciado com um despacho a declarar a cessação da suspensão, tendo a requerida, após a notificação de tal despacho, o 3.º dia do art. 139.º/5/c) do CPC para, querendo, deduzir oposição nos presentes autos de insolvência (após o que, então sim, nada dizendo/deduzindo, se poderia aplicar a cominação do art. 30.º/5 do CIRE).

Tudo isto, claro está, admitindo que havia/há fundamento para proferir despacho a declarar a cessação da suspensão dos presentes autos de insolvência.

Questão esta que, não se oculta, é a questão relevante e decisiva.

Questão em que a requerida/apelante sustenta que tal cessação não pode acontecer sem ser declarado, com trânsito em julgado, o encerramento do PEAP, nos termos do art. 222.º-J/1/b) do CIRE, razão pela qual, ainda segundo a requerida/apelante, os presentes autos não podem retomar a sua marcha, ser proferido o referido despacho de cessação e, após, proferida a devida sentença.

Que dizer?

Que se trata de questão que não tem uma resposta explícita no CIRE.

O CIRE aponta soluções e a seguir, não raras vezes, não desenha/prevê o impacto de tais soluções no percurso processual, o que, face à complexidade e às infindáveis conexões e ocorrências que o processo de insolvência suscita, é em parte compreensível.

Neste contexto, como início de raciocínio, começaremos por perscrutar/estabelecer o desfecho processual para uma hipótese mais simples, ou seja, para a hipótese de apenas haver o PEAP (para a hipótese de não existir, antes e como é o caso, um processo de insolvência).

Se, no âmbito dum PEAP, o acordo de pagamento não for aprovado ou, uma vez aprovado, o juiz recusar (oficiosamente ou a solicitação dos interessados) a sua homologação, passa-se o seguinte:

Após ouvir o devedor e os credores, tem o AJP o dever de emitir Parecer sobre se o devedor se encontra ou não em situação de insolvência (cfr. art. 222.º-G/4 do CIRE).

E se o AJP entender (for de Parecer) que o devedor não se encontra em situação de insolvência, o PEAP encerra, extinguindo-se em consequência todos os seus efeitos (cfr. art. 222.º-G/2 do CIRE).

Mas se entender que o devedor se encontra em situação de insolvência, o AJP requer, no referido Parecer, a respetiva insolvência – não equivalendo (na sequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional, cfr. Ac. 675/2018 e 388/2019) tal parecer/requerimento (do AJP) ao pedido de insolvência por apresentação do devedor, não se aplicando o segmento inicial do art. 28.º do CIRE caso não exista reconhecimento pelo devedor da sua situação de insolvência – sendo que “o tribunal notifica o devedor para, querendo e caso se mostrem preenchidos os respetivos pressupostos, em 5 dias, apresentar plano de pagamentos nos termos do disposto no art. 249.º e ss. ou requerer a exoneração do passivo restante (…)” (cfr. art. 222.º-G/5 do CIRE), após o que, de acordo com o art. 222.º-G/3 do CIRE, estando o devedor em situação de insolvência, deve a sua insolvência ser declarada pelo juiz no prazo de 3 dias úteis, havendo quem entenda que o devedor deve ser citado para, querendo, deduzir oposição ao parecer/requerimento do AJP[2] e quem entenda que ele apenas “poderá deduzir oposição à sentença declaratória de insolvência através de embargos ou de recurso (por força da aplicação analógica do art. 40.º/1/a) e 42.º/1 do CIRE, ditada pelo princípio do contraditório)[3].

Colocando-se aqui a seguinte questão: em tal hipótese, entendendo o AJP que o devedor se encontra em situação de insolvência, a declaração de insolvência será proferida no próprio PEAP, que se converte em processo de insolvência, ou é proferida num novo processo a distribuir?

Questão em que, pese embora a letra da lei – o art. 222.º-G/3 e 8 fala mesmo em PEAP “convertido” em processo de insolvência – se vem entendendo que não se trata em rigor duma conversão, tratando-se antes de um outro e novo processo, devendo o Parecer/requerimento do AJP ser remetido à distribuição, sendo acompanhado do PEAP apensado.

Ora, desta solução processual – para a hipótese de, antes do PEAP, não existir um qualquer processo de insolvência – resulta que o PEAP, em que não é aprovado e/ou homologado acordo de pagamento e em que, a seguir, o AJP entende que o devedor se encontra em situação de insolvência, passa em substância, a partir do Parecer do AJP e da sua distribuição em juízo como um processo/pedido de insolvência, a ser e a “funcionar” como um novo e verdadeiro processo de insolvência.

E, sendo assim, passando à hipótese dos autos/recurso, com a distribuição em juízo do Parecer do AJP, passará a haver dois processos de insolvência – ao lado do novo processo de insolvência, decorrente da remessa à distribuição do parecer/requerimento do AJP, há o anterior processo de insolvência (este nosso processo), suspenso nos termos do art. 222.ºE/6 do CIRE – e a verificar-se a situação de prejudicialidade prevista no art. 8.º do CIRE[4], segundo o qual “(…) o tribunal ordena a suspensão da instância se contra o mesmo devedor correr processo de insolvência instaurado por outro requerente cuja petição inicial tenha primeiramente dado entrada em juízo” (art. 8.º/2 do CIRE).

Efetivamente, havendo dois processos de insolvência contra o mesmo devedor, manda o CIRE que se proceda à suspensão da instância aberta em último lugar[5], instância esta que ficará a aguardar o desfecho da primeiro aberta e que apenas prosseguirá se na instância primeiro aberta não for declarada a insolvência (uma vez que, se o for, fica prejudicado o seu conhecimento).

Ou seja, numa hipótese como a dos autos – em que existe um anterior processo de insolvência e em que no PEAP não foi aprovado e/ou homologado acordo de pagamento e em que, a seguir, o AJP entende que o devedor se encontra em situação de insolvência – a apreciação da situação de insolvência do devedor tem que começar por ser efetuada neste nosso processo, por ser o entrado em primeiro lugar (cfr. art. 8.º/2 do CIRE).

Seguindo o PEAP a sua tramitação, após o Parecer/requerimento do AJP, será este remetido à distribuição (acompanhado do PEAP apensado) como processo de insolvência, momento em que, verificando-se a referida prejudicialidade, deverá nele ser proferido o despacho de suspensão (ex vi art. 8.º/2 do CIRE) em relação à aqui requerida C... [6] e, ato contínuo, deverá neste processo ser proferido o despacho de cessação da suspensão, seguindo-se a notificação da requerida de tal despacho e a demais tramitação processual que ao caso couber.

Efetivamente, o que justifica a suspensão dum processo de insolvência por efeito da instauração posterior dum PEAP é a circunstância de neste processo poder vir a ser aprovado e homologado um acordo de pagamento.

Daí que:

Sendo o acordo de pagamento aprovado e homologado, o processo de insolvência passe da suspensão à extinção (cfr. art. 222.º-E/6/in fine do CIRE).

Não sendo o acordo de pagamento aprovado e homologado, deixe de existir razão para manter a suspensão do processo de insolvência.

Aliás, aqui, nesta segunda hipótese, o AJP irá ter que se pronunciar sobre a situação do devedor e ou entende que o mesmo não se encontra em situação de insolvência, hipótese em que é o próprio art. 222.º-G/2 do CIRE o dizer que PEAP encerra, extinguindo-se em consequência todos os seus efeitos; ou o AJP entende que o devedor se encontra em situação de insolvência, hipótese que culmina na remessa e distribuição de tal Parecer do AJP (como novo processo de insolvência) e na situação de prejudicialidade supra referida, prevista no art. 8.º do CIRE e aí solucionada a favor do prosseguimento do processo de insolvência (antes instaurado).

Enfim, uma coisa é a ratio que leva a uma disposição como a do art. 222.º-J do CIRE (sobre o encerramento do PEAP) e outra é a ratio da suspensão (dum processo de insolvência anterior) ocasionada pela instauração dum PEAP.

Em conclusão, uma vez que ainda não se verificava a referida situação de prejudicialidade[7], os presentes autos não podiam ter retomado a sua marcha com a prolação em 23/03/2020 da sentença recorrida[8], porém, para retomarem a sua marcha, não têm que aguardar pela encerramento do PEAP.

É quanto basta para julgar parcialmente procedente o recurso[9].


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III – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, anula-se a decisão recorrida (art. 195.º/1 e 2 do CPC) e mantém-se a suspensão da instância nestes autos de insolvência até que se verifique a situação de prejudicialidade (do art. 8.º/2 do CIRE) referida, após o que, suspenso o processo (de insolvência) resultante da distribuição do Parecer do AJP, estes autos retomarão a sua marcha com a prolação de despacho a declarar a cessação da suspensão da instância.

½ das custas pela apelante.


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Coimbra, 22/06/2020

Barateiro Martins ( Relator )

Arlindo Oliveira

Emídio Santos


[1] O que não aconteceria se o despacho de suspensão tivesse cumprido o referido art. 222.º-E/6 do CIRE e, em função disso, tivesse sido proferido no dia devido: 09/07/2019.
[2] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 429 a 432, a propósito do PER.
[3] Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência, pág. 470.
[4] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 431 e 432.

[5] Solução esta a que por certo não será alheio o relevo jurídico que certos preceitos do CIRE dão à data de início do processo, como é o caso, v. g., dos art. 120.º e 186.º do CIRE.
[6] Efetivamente, embora a requerida seja casada no regime de bens da separação (e não esteja preenchido o disposto no art. 264.º/1 do CIRE, aplicável ex vi 222.º-A/3), o PEAP foi intentado e seguiu contra ela e o marido.
[7] Aliás, quando foi proferida a sentença sob recurso, não havia ainda sequer sido emitido o Parecer pelo AJP (cfr. ponto 9 dos factos).
[8] Como se referiu, a sua marcha deve, no caso, ser iniciada com o despacho que declare cessada a suspensão.

[9] O argumento constante da conclusão VII é completamente irrelevante ou, mais exatamente, se o requerente/BCP já não pretende a insolvência da requerida/apelante tem um meio processual simples e próprio – desistência – para aqui, nestes autos, o demonstrar/manifestar.