Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
71/14.2T8CLD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE LOUREIRO
Descritores: CADUCIDADE DA ACÇÃO DISCIPLINAR
INTERRUPÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 06/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – CALDAS DA RAINHA – 2ª SECÇÃO DO TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 329º, Nº 2, E 352º DO CT/2009.
Sumário: I – A contagem do prazo para o procedimento disciplinar (de 60 dias subsequentes àquele em que o empregador...teve conhecimento da infracção) poderá ser interrompida mediante a instauração de um processo prévio de inquérito, quando o mesmo se revele necessário à fundamentação da nota de culpa.

II – A instauração de inquérito prévio só tem a eficácia interruptiva prevista no artº 352º CT/09 se estiverem preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) necessidade de a ele se proceder para fundamentar a nota de culpa; b) condução do mesmo de forma diligente; c) ter sido iniciado dentro dos trinta dias subsequentes ao conhecimento da suspeita de comportamentos irregulares; d) ser a nota de culpa notificada ao arguido no prazo de trinta dias contados desde a conclusão das averiguações.

III – O ónus de alegação e prova dos factos necessários à integração cumulativa desses requisitos impende sobre aquele que pretende prevalecer-se dessa causa interruptiva, o empregador.

IV – O primeiro dos mencionados requisitos exige que estejam em causa situações em que existam meras suspeitas ou indícios, de contornos vagos e imprecisos, sobre as circunstâncias dos factos com eventual relevo disciplinar, designadamente as de tempo e lugar em que os mesmos ocorrem, sobre a extensão e consequências dos mesmos, e sobre a identidade dos agentes.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

A autora propôs contra a ré a presente acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, mediante apresentação do formulário legalmente imposto para o efeito.
A ré apresentou articulado motivador do despedimento, pugnando pela declaração da licitude do despedimento da autora por si promovido com invocação de justa causa para o efeito, com a consequente improcedência da acção.
Na contestação que apresentou e para lá do mais que agora não importa considerar, a autora suscitou a excepção de caducidade do direito da ré proceder disciplinarmente conta a autora pelos factos invocados como fundamento para a justa causa do despedimento, tendo em conta que tinha decorrido um prazo de mais de sessenta dias entre o conhecimento pela ré da infracção disciplinar e a dedução pela ré da nora de culpa, sem intercorrência de qualquer causa suspensiva ou interruptiva daquele prazo.
A ré respondeu, aduzindo que teve lugar a realização do inquérito prévio a que se alude no art. 352º do CT/09, com a consequente interrupção do prazo de caducidade de sessenta dias que a autora considera ter-se esgotado.
No despacho saneador, o tribunal recorrido decidiu nos termos seguidamente transcritos:
Pelo exposto, julgo procedente a excepção de caducidade aduzida pela A. e, em consequência, julgo ilícito o despedimento da A. operado pela R. através da decisão proferida em 18/9/2014.”.
Não se conformando com o assim decidido, a ré apelou, tendo apresentado as conclusões seguidamente transcritas:
[…]
A autora contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
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II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, é a seguinte a única questão a decidir: se o processo de inquérito prévio tramitado pela ré no âmbito do procedimento disciplinar que moveu à autora teve, em relação ao prazo de caducidade previsto no art. 329º/2 do CT/09, a eficácia interruptiva prevista no art. 352º do CT/09.
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III – Fundamentação

A) De facto

Os factos provados

A primeira instância deu como provados, por referência à única questão que importa abordar e decidir, os factos seguidamente transcritos:

[…]
*

B) De Direito

Questão única: se o processo de inquérito prévio tramitado pela ré no âmbito do procedimento disciplinar que moveu à autora teve, em relação ao prazo de caducidade previsto no art. 329º/2 do CT/09, a eficácia interruptiva prevista no art. 352º do CT/09.

Nos termos do art. 329º/2 do CT/09, “O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.”, sendo que nos termos do art. 352º do CT/09 “Caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos nºs 1 ou 2 do artigo 329º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo.”.
Assim, a contagem daquele prazo de sessenta dias poderá ser interrompida mediante a instauração de um processo prévio de inquérito, quando o mesmo se revele necessário à fundamentação da nota de culpa.
Flui do supra exposto que a instauração de inquérito prévio só tem a eficácia interruptiva prevista no art. 352º CT/09, se estiverem preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) necessidade de a ele se proceder para fundamentar a nota de culpa; b) condução do mesmo de forma diligente; c) ter sido iniciado dentro dos trinta dias subsequentes ao conhecimento da suspeita de comportamentos irregulares; d) ser a nota de culpa notificada ao arguido no prazo de trinta dias contados desde a conclusão das averiguações.
Importa referir, igualmente, que o ónus de alegação e prova dos factos necessários à integração cumulativa desses requisitos impende sobre aquele que pretende prevalecer-se da causa interruptiva supra referida, o empregador, pois estão em causa factos impeditivos do direito que o trabalhador pretende fazer valer no sentido da declaração de extinção do direito do empregador proceder disciplinarmente contra o trabalhador – art. 342º/2 do CC; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 1967, p. 223.
O primeiro dos mencionados requisitos exige que estejam em causa situações em que existem meras suspeitas ou indícios, de contornos vagos e imprecisos, sobre as circunstâncias dos factos com eventual relevo disciplinar, designadamente as de tempo e lugar em que os mesmos ocorreram, sobre a extensão e consequências dos mesmos, e sobre a identidade dos agentes.
A necessidade do inquérito prévio deve reservar-se, assim e sob pena de banalização do recurso a tal expediente para efeitos interruptivos dos prazos de caducidade e de prescrição legalmente cominados para o exercício da acção disciplinar, para aquelas situações de uma complexidade tal que torne aconselhável ou mesmo necessário ao empregador levar a cabo um conjunto de diligências prévias tendentes a determinar a autoria das infracções e as circunstâncias de tempo, de modo e de lugar em que as mesmas ocorreram, de forma a poder dar-se satisfação à exigência legal de que a nota de culpa tenha a descrição circunstanciada exigida pelo art. 353º/1 do CT/09 – cfr. P. Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição, pp. 205 e 206, bem assim como acórdão deste Tribunal da Relação de 21/11/2013, proferido no âmbito da apelação 706/12.1TTLRA.C1, que subscrevemos como adjunto.
No caso em apreço, estão em causa faltas injustificadas dadas pela autora, no período compreendido entre 1/4/2014 e 8/4/2014, dias por referência aos quais a autora se deslocou para um país terceiro, depois de ter comunicado à sua entidade empregadora que se encontrava de baixa médica por doença, sem autorização de se ausentar do seu domicílio.
Tendo em conta a singeleza da materialidade fáctica consubstanciadora do comportamento ilícito imputado à autora como fundamento da decisão de despedimento, atendendo a que os certificados de incapacidade da autora estavam na posse da ré (fls. 9 a 11 do apenso) e que a notícia de que a autora tinha violado a sua obrigação de permanência no domicílio decorrente desses certificados, incorrendo em faltas injustificadas, se podia colher – como de resto foi colhida pelo autor da participação disciplinar de fls. 6 do apenso – pela simples consulta da página do Facebook da autora, sendo de resto anexados à participação disciplinar documentos extraídos dessa página demonstrativos daquela violação, como melhor se extrai do teor de fls. 6 do apenso, afigura-se-nos que o procedimento de inquérito prévio instaurado pela ré não se revelava necessário para a fundamentação da nota de culpa que viria a ser deduzida pela ré.
Na verdade, como sustentado naquela decisão de 21/11/2013, “As faltas (injustificadas) são de fácil constatação e o juízo sobre a viabilidade da continuação da relação laboral é feito em face da sua simples constatação, sem necessidade de realização de quaisquer outras diligências.”, posição esta cuja enunciação genérica se aplica perfeitamente à situação dos autos, sem verificação fáctica de qualquer circunstância excepcional que justificasse um outro entendimento diferenciado do assim enunciado.
Assim sendo, por referência aos factos que motivaram o despedimento da autora, dada a sua ostensividade e directa imputação à autora, não se justificava a instauração de inquérito prévio para desencadear o procedimento disciplinar, razão pela qual o recurso a tal procedimento por parte da ré foi injustificado, situando-se fora do âmbito da previsão do art. 352º do CT/09, não podendo reconhecer-se-lhe qualquer eficácia interruptiva dos prazos de caducidade e de prescrição legalmente cominados para o exercício da acção disciplinar.
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Mesmo a entender-se de outro modo, reconhecendo-se a necessidade de recurso ao inquérito prévio, sempre seria de considerar-se que tal procedimento não foi conduzido de forma diligente.
Com efeito, autuado o processo disciplinar em 5/5/2014 (fls. 2 do apenso), só em 15/5/2014 é que se iniciou o inquérito prévio (fls. 15 do apenso), ficando sem se perceber minimamente, face à singeleza dos factos que estavam em discussão e que foram objecto da participação que motivou o procedimento disciplinar, a razão de ser para a intercorrência de toda aquela dilação temporal.
Entre a data da instauração do procedimento de inquérito (15/5/2014) e aquele em que nele se realizou a primeira diligência digna de relevo probatório (28/5/2014- fls. 19 a 24 do apenso), intercederam 13 dias consecutivos, sem que se encontre qualquer explicação para tal dilação temporal.
Em 2/6/2016, a autora juntou aos autos um documento comprovativo de que tinha estado em Atenas no período compreendido entre 1/4/2014 e 8/4/2014 (fls. 25 e 30 do apenso), que é justamente o período de faltas injustificadas invocado como justa causa para o despedimento da autora.
Dos autos já constavam os boletins de baixa médica de fls. 9 a 11 do apenso, complementados nesse mesmo dia 2/6/2014 pela junção por parte da autora de uma declaração escrita do autor daqueles boletins (fls. 28 do apenso) dando conta de que por lapso seu não tinha sido assinalado neles o item referente à autorização de ausência do domicílio no período exclusivamente compreendido entre as 11 e as 15 horas e entre as 18 e as 21 horas de cada dia, sendo de sublinhar que a junção dessa declaração não motivou por parte do instrutor do inquérito prévio qualquer diligência a realizar junto do autor dos boletins e da declaração complementar.
Em face do enquadramento que antecede, a ré estava, logo em 2/6/2014, em manifestas condições para deduzir a nota de culpa que efectivamente só veio a deduzir em 30/7/2014, sendo que entre a data do encerramento do procedimento do inquérito prévio (fls. 54) e a data da dedução da nota de culpa intercederam 9 dias consecutivos, sem que se perceba tal dilação temporal em face da manifesta simplicidade de que deveria revestir-se a nota de culpa.
Acresce que entre o dia 2/6/2014 e o dia em que foi encerrado o inquérito prévio (21/7/2014 – fls. 54), não foi realizada qualquer diligência de prova que carreasse para os autos qualquer elemento probatório diverso daqueles que dele já constavam naquela primeira data.
Importa recordar, também, que em 21/7/2014 o próprio instrutor do processo de inquérito veio a considerar desnecessária a realização da inquirição da autora pela qual veio insistindo desde o dia 9/6/2014 e até 7/7/2014, data em que foi indeferido o requerimento da autora no sentido da prestação de depoimento por escrito (fls. 52 do apenso).
Finalmente, a partir de 7/7/2014 não se realizou no inquérito prévio qualquer outra diligência probatória, ficando sem se perceber, por isso, a razão pela qual só em 21/7/2014 é que se deu como encerrado o inquérito e muito menos pela qual só em 30/7/2014 é que foi deduzida a nota de culpa.
Serve tudo quanto vem de referir-se para se considerar que, de facto, o inquérito prévio não foi conduzido com a diligência que se impunha.
Consequentemente, bem andou o tribunal recorrido ao decidir que a instauração desse processo de inquérito não teve a eficácia interruptiva prevista no art. 352º do CT/09 relativamente ao prazo de sessenta dias previsto no art. 329º/2 do CT/09, com a consequente caducidade do direito de procedimento disciplinar decorrente do facto de terem decorrido mais de sessenta dias entre a data do conhecimento da infracção disciplinar pela ré (23/4/2014) e a data em que foi deduzida a nota de culpa (30/7/2014).
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Importa detalhar, apenas a título de esclarecimento incidental, que a questão da confissão, reconhecimento e impedimento da caducidade suscitada pela ré na alínea K) das conclusões é uma questão nova suscitada em sede recursiva, sem que previamente essa questão e a correspondente pretensão da ré alguma vez tivesse sido suscitada nos autos; correspondentemente, tal questão não foi abordada, como não tinha que ser, pelo tribunal recorrido.
Tratando-se de questão nova e que não é de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal dela tomar conhecimento, sabido que para lá das questões de conhecimento oficioso, os tribunais de recurso apenas devem conhecer de questões submetidas pelas partes à apreciação e decisão dos tribunais recorridos – neste sentido, acórdão deste Tribunal da Relação de 16/4/2015, proferido no âmbito da apelação 257/14.0TTCBR.C1, bem assim como demais jurisprudência aí citada.
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IV – Decisão

Acordam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Coimbra, 4/6/2014.

(Jorge Manuel Loureiro - Relator)
(Ramalho Pinto)
(Azevedo Mendes)