Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
503/12.4TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: PARTILHA DOS BENS DO CASAL
EXECUÇÃO
PENHORA
ARRESTO
MEIO PROCESSUAL
Data do Acordão: 11/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 825º E 1406º DO CPC
Sumário: I – A partilha dos bens comuns do casal realizada após o registo de arresto ou penhora, à revelia e sem a intervenção do requerente do arresto ou exequente, é ineficaz relativamente à execução onde foi efectuada essa penhora ou onde o arresto veio a ser convertido em penhora e, como tal, a junção aos autos de certidão comprovativa dessa partilha, na sequência da citação do cônjuge do executado para os efeitos do art. 825º do C.P.C., não tem aptidão para determinar o levantamento da penhora que foi efectuada relativamente aos bens comuns do casal que, por força daquela partilha, foram adjudicados ao cônjuge do executado.

II – O meio processual adequado para realizar a partilha dos bens comuns do casal que se encontram arrestados ou penhorados e para garantir e assegurar a sua eficácia relativamente ao exequente ou requerente de arresto é, por norma, o previsto no art. 1406º do C.P.C., embora não seja de excluir a realização da partilha através de qualquer outro meio processual legalmente admissível (designadamente quando ele já foi accionado à data da citação do cônjuge para a execução, por já existir outro fundamento legal para a separação dos bens – designadamente por força de divórcio, separação judicial de pessoas e bens ou simples separação de bens), desde que assegurada ou facultada a intervenção do exequente ou requerente do arresto e o exercício das faculdades que legalmente lhe assistem com vista à defesa do seu direito de crédito.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A..., Ldª, com sede no (...), (...), Trofa, intentou processo de execução contra, B... , residente na Rua (...) Guarda; C... , residente na Rua (...) Guarda e D... , residente na Urbanização (...) Guarda, pedindo o pagamento da quantia de 575.335,91€, correspondente ao preço de diversos fornecimentos de ferro à sociedade E..., Ldª. Alega que esse débito foi assumido pelos Executados que, sendo sócios gerentes desta sociedade, subscreveram um plano de pagamento de parte dessa dívida e avalizaram uma letra de câmbio no que toca à parte restante e fundamenta a presente execução no referido acordo de pagamento/confissão de dívida e na letra de câmbio.

Mais alegou a Exequente que a dívida exequenda é comum aos cônjuges dos Executados por ter sido contraída no exercício da sua actividade profissional (art. 1691º, nº 1, al. d), do C.C.).

Efectuadas as citações e não tendo sido deduzida qualquer oposição, foi efectuada a penhora e, na sequência desse facto, F... foi notificada – por carta de 11/01/2013 – da penhora, “na qualidade de titular do bem imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o número (...)/19880322-G”.

 A referida F... veio, então, apresentar requerimento – em 23/01/2013 –, dizendo que não é parte na causa, apenas tendo sido casada com o Executado D..., de quem se encontra separada de pessoas e bens e sustentando, por isso, que não deveria ter sido notificada nos termos em que foi, mas sim para os efeitos do disposto no art. 825º do C.P.C. e, declarando não aceitar a comunicabilidade da dívida, pede que seja declarada nula e de nenhum efeito a notificação que lhe foi efectuada e, subsidiariamente, que seja declarada a não comunicabilidade da dívida exequenda por não ter sido contraída em proveito comum do casal.

Na sequência desse facto, foi proferido despacho – em 28/01/2013 – onde se determinou a citação do cônjuge do Executado nos termos e para os efeitos do citado art. 825º, dada a circunstância de o imóvel em causa ser um bem comum do casal à data da realização do arresto que veio a ser convertido em penhora.

 Na sequência desse despacho, F... foi citada – em 21/02/2013 – nos seguintes termos:

«Fica V. Exa. citada para os termos do processo executivo supra identificado, que lhe foi movido pelo(s) Exequente(s) acima referenciado(s), com o pedido constante do duplicado do requerimento executivo em anexo, bem assim da penhora constante do auto, pelo que, tem o prazo de VINTE DIAS para: a) Nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 813º e alínea a) do nº 3 do artigo 864º, ambos do Código Processo Civil (C.P.C.), pagar ou para se opor à execução e, no mesmo prazo, à penhora. b) Indicar os direitos, ónus e encargos não registáveis que recaiam sobre o(s) bem(s) penhorado(s), bem como os respectivos titulares, podendo requerer a substituição dos bens penhorados ou a substituição da penhora por caução, nas condições e nos termos da alínea a) do n.º 3 e do n.º 5 do artigo 834.º do C.P.C, sob pena de condenação como litigante de má fé, nos termos gerais; c) Nos termos do nº 1 do artigo 825º do CPC, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns. d) Declarar, nos termos do nº 2 do artigo 825º do CPC, se aceita a comunicabilidade da dívida, baseada no fundamento alegado, com a cominação de, se nada disser, a dívida ser considerada comum, para os efeitos da execução e sem prejuízo da oposição que contra ela deduza. Poderá efectuar o pagamento da quantia exequenda (575.335,91 Euro), acrescida das despesas previsíveis da execução (nº 3 do artigo 821º do CPC) e dos juros. Os honorários e despesas devidos ao Solicitador de Execução ascendem no momento a 350,00 sem prejuízo de posterior revisão. O pagamento poderá ser feito no escritório do Solicitador de Execução signatário, no horário indicado em rodapé».

Na sequência dessa citação, F... veio apresentar requerimento – em 07/03/2013 –, pedindo que:

a) a citação efectuada seja declarada parcialmente nula e sem  qualquer efeito, por inobservância do disposto no despacho que a ordenou e por inobservância das formalidades legalmente previstas;

b) seja declarada a não comunicabilidade da dívida exequenda à Expoente F..., por não ter sido a dívida exequenda contraída em proveito comum do casal;

c) seja determinada a desoneração dos bens que couberam, em partilhas, a aqui Expoente, designadamente sob as verbas nºs 1, 2 e 3 do auto de penhora, determinando-se o levantamento de tais penhoras, com a restituição de tais bens à aqui Expoente e decretando-se a inutilidade superveniente da lide sobre eventuais reclamações de créditos que recaiam sobre tais bens.

Alegou, em síntese, que não é parte no processo e, portanto, não poderia ser citada nos termos em que foi, devendo ter sido citada apenas para os efeitos do art. 825º do C.P.C., conforme havia sido ordenado; não aceita a comunicabilidade da dívida, sendo que a dívida não foi contraída em proveito comum do casal, já que o sustento do casal nunca adveio dos rendimentos da sociedade – pois que nunca houve distribuição de lucros – mas sim dos rendimentos auferidos pela Requerente e dos rendimentos auferidos pelo seu ex-marido no exercício de outras actividades profissionais; por sequer ter prévio conhecimento dos avais prestados pelo seu ex-marido, ao tomar conhecimento da débil situação financeira daquela sociedade, requereu a separação de pessoas e bens e, tendo em conta que a penhora retroagiu à data do arresto, anterior à separação de bens, a execução não pode prosseguir sobre os bens que lhe couberam em partilhas (as verbas nºs 1, 2 e 3 do auto de penhora), nos termos do disposto no art. 825º, nº 7, do C.P.C.

Tal pretensão veio a ser apreciada por despacho de 26/04/2013, que, julgando-a improcedente, determinou a manutenção da penhora efectuada sobre os referidos imóveis e o prosseguimento da execução.

Inconformada com essa decisão, F... veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1. Em 2013.02.15, a aqui Recorrente foi citada para pagar ou se opor à execução e à penhora, para indicar os direitos, ónus e encargos não registáveis que recaiam sobre os bens penhorados, sob pena de condenação como litigante de má fé, e nos termos do disposto no art. 825º do C.P.C. tudo conforme doc. 1 dos  requerimentos da, agora, Recorrente, com as referências citius nº 708442 e 708444, cuja certidão se requererá abaixo e aqui se dão por integralmente reproduzidos e integrados, como os demais documentos e peças processuais, a seguir mencionados, que se dão por integralmente reproduzidos e integrados nos lugares onde forem mencionados;

2. Tais penhoras resultaram da conversão de arresto em penhora, conforme consta do artigo 30º dos “factos” do requerimento executivo, junto ao documento 1 dos requerimentos, cuja certidão se requererá, abaixo (referências 708442 e 708444) e consulta das certidões permanentes, cuja chave de acesso à certidão permanente consta do campo 18 do auto de penhora relativo às verbas em causa na sentença recorrida;

3. Tal citação ocorreu por determinação do douto despacho com a referência 2827863, de 2013.01.28, que, reconhecendo esse facto, determinava a citação da, agora, Recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 825º do C.P.C., e só!

4. Por a citação efectivada pelo Ilustre A.E. exceder manifestamente o ordenado no douto despacho que a determinou, foi entendimento da aqui Recorrente que tal citação seria nula;

5. Até porque, em procedendo a sua pretensão, baseada no art. 825º do C.P.C., três das 4 verbas penhoradas ao seu ex marido lhe deveriam ser restituídas, o que tornaria, de todo, inútil as demais citações, nesta fase;

6. A citação para o disposto no art. 825º do C.P.C. deveria ter sido efectivada logo por ocasião dos arrestos – e não agora, em conjunto com os outros direitos;

7. Não se podendo olvidar que as partes (e também os intervenientes acidentais) não podem ser prejudicados por erros da secretaria e/ou de agentes privados que efectuem trabalho análogo ao da secretaria, como é o caso dos Senhores agentes de execução, quando efectuam citações e notificações;

8. Embora, à primeira vista, possa parecer, como invoca a douta sentença recorrida, que nenhuma norma foi violada, pois foi possibilitado à cônjuge do executado “…todos os direitos processuais que a lei confere ao executado, tendo, quando muito, na supra referida alínea b) conferido, ainda, à requerente, mais direitos que a própria lei lhe confere…”;

9. Já não é verdade que “…mas não tendo, de modo algum, violado seus direitos de defesa.” (douta sentença recorrida), pois, conforme melhor se explicitou, supra, o “bombardeio” da Citanda com uma série de direitos, cujo exercício é contraditório entre si e cujo timing legal não deve ser conjunto, acaba por ter um efeito de verdadeira denegação de justiça e de exercício de uns, em detrimento de outros;

10. Assim, violando tal citação os procedimentos legais aplicáveis ao caso concreto, designadamente a citação nos termos e para os efeitos do disposto no art. 825º do C.P.C. (conforme doutamente determinado pelo Tribunal), a mesma deve ser considerada nula e de nenhum efeito, na parte em que extravasa o doutamente determinado, ou seja, os termos do disposto no art. 825º do C.P.C. – tudo conforme o disposto no art. 198º do C.P.C., o que expressamente se pleiteia, por aplicação analógica do nº 5 do art. 161º do C.P.C.;

11. Entende a Recorrente, com todo o respeito, que é muito, que andou mal o Tribunal recorrido ao julgar “…improcedente a pretensão da requerente F... e, em consequência, mantendo-se a penhora efectuada sobre os referidos imóveis, não havendo fundamento legal para a suspensão da execução, determina o prosseguimento dos autos de execução com a manutenção da referida penhora.”;

12. É a própria sentença recorrida a reconhecer que atempadamente a aqui Recorrente recusou a comunicabilidade da dívida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 825º do C.P.C.;

13. Que, com tal comportamento, apenas restam duas soluções de direito:

Ou se requer a separação de bens e/ou apresenta-se certidão de acção pendente – neste caso ficando a acção executiva suspensa até partilha; ou

Não se requerendo tal separação de bens, a execução prossegue sobre os bens comuns;

14. É a própria sentença recorrida a admitir que em tempo a Requerente juntou certidão de sua separação de pessoas e bens, do executado D..., onde foram partilhados os bens comuns, que correu termos na Conservatória do Registo Civil, e cuja certidão consta como documento nº 2 dos requerimentos da aqui Recorrente, com as referências 708442 e 708444, cuja certidão, abaixo, se requererá;

15. Até aqui, nada a apontar;

16. Contudo, posteriormente, suscita a questão de se as partilhas de bens efectivadas junto à Conservatória – e não através do processo de separação de bens regulado no art. 1406º do C.P.C. - teria a virtualidade de fazer suspender a execução, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 4, 5 e 7 do art. 825º do C.P.C.;

17. O que, aliás, muita estranheza causou à aqui Recorrente, pois em sentença produzida no mesmo Juízo e Tribunal, onde, aliás, foi invocada para cumprimento do disposto no art. 825º do C.P.C. a mesma partilha, pela mesma pessoa (a aqui Recorrente), foi entendido o seguinte (Proc. nº 527/12.1TBGRDA, que correu termos no mesmo 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda):

“No caso em apreço, a oponente alegou e provou ter requerido a separação de bens (cfe. doc. de fls. 34) razão pela qual, nos termos do art. 825º/4 e 7 do Código de Processo Civil, tendo recusado a comunicabilidade da dívida, a execução não pode prosseguir com a penhora dos bens comuns do casal, devendo ficar suspensa até a partilha dos bens comuns do casal.” Vide cópia da referida sentença, que se junta como doc. 4 e cuja certidão protesta-se juntar, e que já foi requerida como comprova o doc. 3;

18. Mais estranha, ainda, é a citação que faz do célebre Lebre de Freitas, de A Acção Executiva depois da reforma – Coimbra Editora, 5ª Edição, Página 224, pois a leitura atenta de tal menção, que o Douto Tribunal a quo se deu ao trabalho de transcrever, mas e principalmente do trecho que passaremos a citar, se poderá verificar, sempre respeitosamente, a contraditoriedade entre o ensinamento e a conclusão dele retirada;

19. Na verdade, ensina Lebre de Freitas, em trecho da página já mencionada: “…ou seja, não basta intentar a separação judicial de pessoas e bens ou de divórcio para se obter a partilha dos bens comuns do casal. Esta partilha há-de ser feita, ou por via extrajudicial (por escritura pública) ou com recurso a processo especial de inventário (instruído pela Lei nº 20/2009, de 20 de Junho, aplicável ao caso dos autos)…”;

20. Com certeza, a menção à Lei nº 20/2009, de 20 de Junho, se tratará de um lapso, e estará a referir-se à Lei nº 29/2009, de 29 de Junho, que aprovou o regime jurídico do processo de inventário e alterou o Código Civil, o Código de Processo Civil, o Código de Registo Predial e o Código de Registo Civil;

21. Mais importante é que este ensinamento expressa, de forma inequívoca, que para o cumprimento do nº 4 do art. 825º do C.P.C., não basta que se requeira a simples separação de pessoas e bens e/ou o divórcio, que enquanto tal não tem qualquer efeito nos bens comuns do casal. É sempre necessário que se prove estar em curso ou efectivada uma verdadeira partilha de bens, de forma a obter a separação das meações;

22. Do segmento, acima transcrito, parece-nos inequívoco que o que se quis diferenciar não foi o facto de a partilha ser efectivada por processo especial de inventário, previsto no art. 1406º do C.P.C., instruído na Lei nº 29/2009, ou extrajudicial;

23. O que realmente o art. 825º do C.P.C. impõe ao cônjuge do executado é que impulsione e/ou demonstre estar em curso a partilha de bens de forma a obter a separação das meações, de tal forma que o credor não tivesse de ficar indefinidamente a espera de que a separação ocorresse, para ver satisfeito o seu crédito (o que ocorria antes das alterações introduzidas pelo D-L. nº 329-A/95);

24. Acresce que o art. 825º do C.P.C. apenas impõe que se requeira, ou comprove, a existência de processo de separação de bens, não impondo que seja judicial ou extrajudicial;

25. Até porque o art. 825º do C.P.C. refere expressamente: “…requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que já tenha sido requerida…”;

26. Enquanto o art. 1406º do C.P.C. refere: Requerendo-se a separação de bens nos termos do artigo 825º…”;

27. Ocorre que poderá acontecer que antes da notificação para o disposto no art. 825º do C.P.C. e/ou até da propositura de qualquer execução os cônjuges já tenham decidido dar início a processo de separação de pessoas e bens ou de divórcio, com partilha subsequente;

28. Logo, parece-nos evidente que só se aplicará o processo especial previsto no artigo 1406º do C.P.C. se a separação de bens for iniciada como consequência da notificação para o disposto no artigo 825º do C.P.C.;

29. Já, pelo contrário, se estiver pendente uma acção – das outras legalmente disponíveis – ou até finalizada, em que o património dos cônjuges está a ser partilhado, de modo a estabelecer-se as respectivas meações, não faria qualquer sentido iniciar-se o procedimento previsto no artigo 1406º do C.P.C., sob pena de estar-se a incorrer nos casos de litispendência e/ou caso julgado;

30. É, precisamente, o que ocorreria no caso em análise, que já tendo a partilha transitada em julgado, aquando da notificação para o disposto no art. 825º do C.P.C., nunca poderia lançar mão do disposto no art. 1406º do C.P.C.;

31. E, diga-se, que conforme resulta da sentença proferida no processo nº 527/12.1TBGRD-A, aquando da notificação para os termos do disposto no art. 825º do C.P.C., naquele processo, já estava pendente o processo de separação de pessoas e bens, na Conservatória do Registo Civil, da aqui Recorrente, não podendo, também, naquela altura, ter lançado mão do disposto no art. 1406º do C.P.C.;

32. Também acresce que o art. 1770º do Código Civil informa que, após trânsito em julgado da sentença que decretar a separação judicial de bens, procede-se à partilha do património comum como se o casamento tivesse sido dissolvido, mais informando o seu nº 2 que, havendo acordo dos interessados, a partilha prevista no número anterior pode ser logo feita nas conservatórias ou nos cartórios notariais;

33. E mais acresce, que é da exclusiva competência da conservatória do registo civil a separação e o divórcio por mútuo consentimento – Art. 12º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 272/2001, de 13 de Outubro;

34. Pressupondo que o legislador é uma pessoa de bem e que consagrou as soluções mais acertadas, não podemos conceber que o legislador tenha dado às pessoas a possibilidade de se divorciarem e se separarem de pessoas e bens (e até as tenha obrigado a fazê-lo, quando por mútuo consentimento!) e, subsequentemente, partilharem o seu património junto às Conservatórias, a preços apelativos, e retirando muita pendência dos tribunais, à custa do sacrifício de direitos do cidadão (art. 9º do C.C.);

35. Logo, se quisermos pensar no sistema jurídico como um todo harmónico, temos de pensar que o legislador, ao permitir (e, em certos casos, a impô-lo!) a desburocratização de certos procedimentos, não quis, com isto, reduzir os direitos de defesa que os utilizadores desse procedimentos teriam ao utilizá-los;

36. O que seria, para além de violador do art. 9º do Código Civil, violador dos princípios, constitucionalmente garantidos, da igualdade e do acesso ao direito – artigos 9º, alínea d); 13º e 20º da C.R.P.;

37. Por outro lado, a utilização do procedimento previsto no art. 1406º do C.P.C. não é nem um milagre para proteger os credores e reclamantes, como parece defender a Douta sentença recorrida, pois, da leitura atenta de tal procedimento podemos verificar que a cônjuge não executada – no caso, a aqui Recorrente – teria sempre direito a escolher as verbas/bens que deveriam compor a sua meação, sendo que os credores e reclamantes apenas poderiam reclamar quanto ao valor atribuído aos mesmos;

38. Da mera leitura da certidão de partilhas, junta, pode-se verificar que a nenhum dos imóveis adjudicados pala aqui Recorrente foi atribuído valor inferior ao valor patrimonial. Antes pelo contrário. A todos foi atribuído valor significativamente superior ao valor patrimonial, e até ao valor de avaliação, constante do auto de penhora;

39. Deste modo, e ao compor o seu quinhão, a aqui Recorrente “pagou” pelos bens que lhe ficaram adjudicados um valor significativamente mais alto do que aquele que tem sido entendido ser o seu valor, pelas Finanças, e na própria execução – vide valores patrimoniais e avaliação dos bens para efeito de penhora;

40. Ainda, na partilha, pode-se verificar que foi efectivada de forma bastante equitativa, de forma que nenhum dos ex cônjuges ficasse com menos que o outro;

41. Tudo quanto afasta definitivamente qualquer “…eventual prejuízo para os credores do executado.”

42. Pelo que, em esse Venerando Tribunal alterando a douta sentença recorrida e substituindo por outra que dê provimento às pretensões da Recorrente, determinando, designadamente:

43. a) A nulidade parcial da citação junta, em tudo o que exceda o disposto no art. 825º do C.P.C.;

44. b) Declare a não comunicabilidade da dívida exequenda à Recorrente F...; e

45. c) Determine o levantamento das penhoras sobre os bens que couberam em partilhas a aqui Recorrente, designadamente as verbas nºs 1, 2 e 3 do auto de penhora (anexo ao documento 1 dos requerimentos com as referências 708442 e 708444), bem como a restituição de tais bens a aqui Recorrente, decretando-se a inutilidade superveniente da lide sobre eventuais reclamações de crédito que recaiam sobre tais bens.

 

Não foram apresentadas contra-alegações.

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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se a citação da Apelante padece ou não de alguma irregularidade que seja susceptível de determinar a sua nulidade;

• Saber se a junção – na sequência da citação para os efeitos do art. 825º do C.P.C. – de documento comprovativo de ter sido decretada a separação de pessoas e bens na Conservatória do Registo Civil da Guarda e de aí ter sido efectuada a partilha dos bens comuns do casal que aqui se encontram penhorados é ou não suficiente para levantar a penhora no que toca aos bens que, nessa partilha, foram adjudicados ao cônjuge do Executado.

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III.

Com relevo para a decisão, assinalamos os seguintes factos que resultam dos autos:

1. A presente execução foi instaurada em 05/04/2012.

2 . Em 12/11/12, foi registada a conversão em penhora do arresto que havia sido registado em 04/05/2012 relativamente aos seguintes imóveis:

• Verba n.º 1: Fracção autónoma designada pela letra S, sita na Urbanização (...)concelho da Guarda, inscrita na matriz predial urbana sob o art.º (...) e descrita na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o n,º (...);

• Verba n.º 2: 1/4 do prédio rústico, denominado por Quinta (...) concelho da Guarda, inscrito na matriz predial rústica sob o art.º (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o n.º (...);

• Verba n.º 3: Fracção autónoma, melhor identificada pela letra G, sita no gaveto da Rua (...) Concelho da Guarda, inscrita na matriz predial urbana sob o art.º (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o n.º (...);

• Verba nº 4: Fracção autónoma designada pela letra DB, sita no lote (...) freguesia da Quarteira, concelho de Loulé, inscrita na matriz predial urbana sob o art. (...) e descrita na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº (...).

3. Na data do arresto (dia 4/5/2012), bem como na data da sua conversão em penhora (dia 12/11/2012), o Executado, D..., encontrava-se casado, sob o regime de comunhão de adquiridos, com F....

4. Em 17/07/2012, por decisão proferida pela Conservatória do Registo Civil da Guarda, foi decretada a separação de pessoas e bens por mútuo consentimento do casal composto por D... e F..., que, na mesma data, efectuaram a partilha dos bens comuns do casal, onde se incluem as verbas 1 a 3 do auto de penhora acima mencionado, sendo que, por força dessa partilha, foi adjudicado a D... um crédito por suprimentos à sociedade E... e três lotes de acções nominativas, tendo sido adjudicados a F... os demais bens, móveis e imóveis, incluindo os três imóveis supra mencionados.

5. Na sequência desse facto – em 17/07/2012 – foi registada a aquisição a favor de F... dos prédios a que aludem as verbas 1 a 3 supra mencionadas por “partilha subsequente a separação de bens”.

6. A aquisição da verba nº 4 supra mencionada está registada a favor de D..., com a menção de ser um bem próprio.

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IV.

Apreciemos, então, as questões suscitadas no recurso.

Nulidade da citação.

A Recorrente começa por discordar da decisão recorrida, na parte em que esta julgou improcedente a arguição de nulidade da sua citação.

Considera a Apelante que tal citação é nula por ter excedido o que havia sido determinado no despacho que a ordenou, devendo ter sido citada apenas e só para os efeitos do art. 825º do C.P.C. e – alega – não é verdade que - como se considerou na decisão recorrida – tal citação não tenha implicado uma violação dos seus direitos de defesa, já que “…o “bombardeio” da Citanda com uma série de direitos, cujo exercício é contraditório entre si e cujo timing legal não deve ser conjunto, acaba por ter um efeito de verdadeira denegação de justiça e de exercício de uns, em detrimento de outros”.

Segundo dispõe o art. 198º, nº 1, do C.P.C.[1], sem prejuízo do disposto no art. 195º (situações que não estão aqui em causa), é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei, sendo certo, porém, que, conforme dispõe o nº 4, a arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.

Ora, salvo o devido respeito, não nos parece que a citação aqui em causa tenha omitido qualquer formalidade prescrita na lei e que, como tal, possa ser considerada nula.

Senão vejamos.

Refira-se, em primeiro lugar, que a mera circunstância de ter sido proferido um despacho a ordenar a citação do cônjuge do executado para os efeitos do art. 825º, não impedia o agente de execução de incluir na citação outras advertências que, de acordo com a lei, também podiam e deviam ser efectuadas (tanto mais que o contrário não resultava do despacho proferido).

 Estamos perante uma execução movida contra um só dos cônjuges em que o exequente alegava que a dívida era comum e, portanto, o cônjuge do executado teria que ser citado – como foi – ao abrigo do disposto no art. 825º para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa de já a ter requerido e para declarar se aceitava a comunicabilidade da dívida. Mas, como decorre do disposto no art. 864º-A, é a contar dessa citação que começa a correr o prazo para o cônjuge deduzir oposição à execução ou à penhora e para exercer os demais direitos ali previstos que a lei confere ao executado e, portanto, justificava-se plenamente que, na citação efectuada, se fizesse menção a todos esses direitos e faculdades que o cônjuge poderia exercer na sequência daquela citação.

Diz a Apelante que o exercício desses direitos é contraditório entre si e que, a proceder a sua pretensão, baseada no art. 825º, as verbas em causa ser-lhe-iam restituídas, o que tornaria inúteis as demais citações.

Mas a verdade é que, nos termos da lei, é a citação a efectuar nos termos do art. 825º e 864º, nº 3, al. a), que marca o início do prazo para o exercício de todos esses direitos e, portanto, a citação tinha que fazer menção a tais direitos e ao prazo em que poderiam ser exercidos, cabendo, naturalmente, à Apelante optar pelo direito ou direitos que pretendia exercer.

Não se configura, pois, qualquer nulidade da citação.

 

Manutenção (ou não) da penhora efectuada.

É indiscutível, perante os elementos que constam dos autos, que as três primeiras verbas penhoradas (acima identificadas) correspondiam – à data da realização do arresto que veio a ser convertido em penhora – a bens comuns do casal constituído pela Apelante e por D....

É certo, por outro lado, que a presente execução foi instaurada apenas contra um dos cônjuges ( D...) já que não existia título executivo contra o outro cônjuge (a ora Apelante), alegando, porém, o Exequente – no requerimento executivo – que a dívida exequenda era comum, ou seja, era da responsabilidade de ambos os cônjuges.

Estando em causa, portanto, uma execução instaurada apenas contra um dos cônjuges, mas com a alegação de que a dívida era da responsabilidade de ambos os cônjuges, determina o art. 825º do C.P.C. que, sendo penhorados bens comuns do casal, por não se encontrarem bens suficientes próprios do executado (como era aqui o caso), o cônjuge do executado é citado para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida ou, em alternativa, para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida.

Se o cônjuge aceitar a comunicabilidade da dívida ou se nada disser, a dívida considera-se comum e a execução prossegue também contra o cônjuge não executado, como determina – clara e expressamente – o nº 3 da norma citada.

No caso sub judice, o cônjuge do Executado – a ora Apelante – veio declarar não aceitar a comunicabilidade da dívida e, portanto, a execução apenas prossegue contra o Executado que, como tal, figura no título executivo, tudo se passando como se estivesse em causa uma dívida da sua exclusiva responsabilidade, pela qual apenas respondem os seus bens próprios e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns (art. 1696º do C.C.).

Mas, apesar de estar em causa (pelo menos para efeitos da presente execução) uma dívida da exclusiva responsabilidade do Executado e apesar de a execução não poder prosseguir contra a Apelante (na medida em que não aceitou a comunicabilidade da dívida), a execução poderá, ainda assim, prosseguir sobre os bens comuns do casal.

Com efeito, e em conformidade com o disposto no nº 4 do citado art. 825º, apesar de recusada a comunicabilidade da dívida, a execução poderá, ainda assim, prosseguir sobre os bens comuns se o cônjuge do executado – devidamente citado para o efeito – não requerer a separação de bens nem juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que tal separação já tenha sido requerida.

E é esta a questão suscitada nos autos e que corresponde ao objecto do presente recurso.

De facto, na sequência da citação que, para o efeito, lhe foi efectuada, a Apelante não veio requerer a separação de bens e apenas juntou documento comprovativo de ter sido decretada a separação de pessoas e bens na Conservatória do Registo Civil da Guarda e de aí ter sido efectuada a partilha, por via da qual lhe ficaram a caber as verbas 1 a 3 do auto de penhora e requerendo, com esse fundamento, o levantamento dessa penhora.

Considerou, porém, a decisão recorrida que essa acção e partilha – à revelia dos credores – não tem a virtualidade de determinar o levantamento da penhora, ali se referindo que – e passamos a citar – “…a separação de pessoas e bens, ainda que com partilha subsequente dos bens comuns, feita à revelia do processo especial previsto no artigo 1406º do Código de Processo Civil (com eventual prejuízo para os credores do executado), não tem a virtualidade de suspender o processo de execução, que deve prosseguir com manutenção da penhora sobre os bens comuns do casal, penhora que, reportando-se a sua anterioridade à data do arresto, havia sido efectuada (com inscrição no registo predial) em data anterior à do referido processo de separação de pessoas e bens (que correu termos na Conservatória do Registo Civil) e, consequentemente, nos termos do artigo 819º do Código Civil, é oponível ao executado D... e ao seu cônjuge (apesar da separação de bens)”.

Discordando dessa decisão, a Apelante começa por manifestar a sua estranheza pelo facto de ter sido outra a posição perfilhada numa outra decisão do mesmo Juízo e Tribunal e relativamente à mesma partilha (circunstância que, como é evidente, não assume aqui qualquer relevância, não sendo sequer invocado que a decisão proferida nesse processo possa ter força de caso julgado nestes autos), mais alegando que o que se impõe ao cônjuge é que impulsione ou demonstre estar em curso a partilha dos bens (não interessando que o seja por via judicial ou extrajudicial), só se aplicando o processo especial previsto no art. 1406º do C.P.C. se a separação for iniciada como consequência da notificação para o disposto no art. 825º. Alega ainda que, tendo já sido efectuada a partilha, não poderia lançar mão do disposto no art. 1406º do C.P.C. porque a tal obstava o caso julgado formado com a partilha efectuada na Conservatória e que, ao requerer a separação e a partilha nos termos em que o fez, apenas recorreu a um procedimento legal ao seu dispor, sendo que tal partilha não redundou em qualquer prejuízo para os credores, considerando, por isso, que tal partilha tem a aptidão necessária para efeitos do disposto no citado art. 825º e para determinar o levantamento da penhora sobre os bens que lhe foram adjudicados.

Vejamos.

Parece não haver dúvidas de que o processo de inventário previsto no art. 1406º do C.P.C. é o meio processual adequado para proceder à separação dos bens comuns do casal quando o fundamento dessa separação radica na penhora de bens comuns do casal em processo de execução por dívida da responsabilidade exclusiva de um deles ou em processo de insolvência de um dos cônjuges e, portanto, quando tal separação é requerida na sequência da citação que, para esse efeito, é efectuada ao cônjuge nos termos do art. 825º do mesmo diploma é, evidentemente, através desse processo de inventário que é efectuada a separação/partilha dos bens com vista a definir e concretizar os bens que, ficando a pertencer ao executado, podem responder pela dívida da sua responsabilidade.

Pode acontecer, todavia, que, à data em que é efectuada tal citação – por força da penhora de bens comuns – já se encontre pendente uma outra acção em que tal partilha/separação foi requerida, por existir já outro fundamento legal para requerer tal partilha. Será o caso de já ter sido instaurado um outro inventário na sequência da penhora de bens comuns efectuada numa outra execução e será o caso de ter sido já instaurado um processo de inventário na sequência da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, seja por força de divórcio e dissolução do casamento (art. 1688º do C.C.), seja por força da separação judicial de pessoas e bens (art. 1795º-A do C.C.) ou por força da simples separação judicial de bens (art. 1770º do C.C.). E, se tal acontece, parece claro que o cônjuge, na sequência da citação que lhe é efectuada ao abrigo do art. 825º, não poderá requerer novo inventário, sob pena de litispendência, razão pela qual se prevê no citado art. 825º que o cônjuge se limite a juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que tal separação já tenha sido requerida.

Ora, esta acção (já pendente) não tem que ser necessariamente um inventário instaurado ao abrigo do citado art. 1406º, podendo ser, naturalmente, qualquer outro processo que tenha sido instaurado com vista à efectiva partilha dos bens do casal (designadamente na sequência de divórcio, separação judicial de pessoas e bens ou simples separação judicial de bens) e, portanto, nada obstaria, à partida, a que fosse o processo de separação de pessoas e bens que, ao abrigo do Dec. Lei nº 272/2001, de 13/10, corre termos na conservatória do registo civil (como acontecia no caso sub judice) e no âmbito do qual pode ser efectuada a partilha dos bens comuns do casal, como decorre do disposto no art. 272º-A do Código de Registo Civil (norma introduzida pelo Dec. Lei nº 324/2007 de 28/09).  

O que é necessário – e, ao que nos parece, é nesse sentido que deve ser interpretada a jurisprudência citada na decisão recorrida – é que já esteja efectivamente requerida a partilha dos bens na sequência da declaração de separação, não bastando, para o efeito de suspender a execução, a mera circunstância de ter sido requerida a separação judicial de pessoas e bens ou a mera separação judicial de bens, sem que tenha sido iniciada e requerida a efectiva partilha dos bens.

No caso sub judice, a Apelante – cônjuge do Executado – veio juntar documento comprovativo de que já havia corrido termos, na Conservatória do Registo Civil da Guarda, um processo onde havia sido decretada a separação de pessoas e bens e onde já havia sido efectuada a partilha.

Não se discute a validade dessa partilha. Ela foi efectuada com fundamento na separação de pessoas e bens que havia sido decretada (e não com fundamento na penhora de bens comuns em processo de execução) e, portanto, poderia ser efectuada – como foi – através daquele meio processual e na Conservatória do Registo Civil.

Mas a verdade é que, não obstante a validade dessa partilha, ela não será oponível à presente execução e ao aqui Exequente, na medida em que foi realizada após a realização do arresto – que veio a ser convertido em penhora – sem a intervenção da Exequente.

De facto, e de acordo com o disposto no art. 819º do C.C. “sem prejuízo das regras de registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”, dispondo o art. 822º, nº 2, do mesmo diploma, que a anterioridade da penhora se reporta à data do arresto, quando este tenha sido efectuado e preceituando o art. 622º, nº 1, do mesmo diploma, que “os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora”.

 Como refere Anselmo de Castro[2], a propósito da regra da ineficácia relativa dos actos em relação à execução, “não interessa à aplicação da regra, a fisionomia ou a estrutura do acto, conquanto envolva transmissão de direito, v.g., transacção, amortização de cota, partilha, divisão, nem a sua natureza extrajudicial ou judicial, estendendo-se, por isso, às próprias transacções e partilhas ou divisão de cousa comum judicialmente feitas (…) Para que tais actos sejam oponíveis á execução importa que, posteriormente à data que for relevante para a eficácia da penhora em relação a terceiros, tenha sido assegurada a intervenção, no acto ou no processo, do exequente”.

 Tal ineficácia relativa abrange, sem dúvida alguma, os actos voluntários do executado, dela se considerando excluídos os actos constitutivos de direitos reais de garantia sobre os bens penhorados em que o titular destes não intervenha[3].

 Parece claro, portanto, que a partilha dos bens comuns do casal – efectuada com a intervenção do executado – está abrangida pela referida regra e, portanto, quando efectuada depois da penhora (ou arresto), só será oponível ao exequente ou ao requerente do arresto, se for efectuada com a intervenção deste.

E é por isso que o inventário previsto no art. 1406º do C.P.C. corresponde ao meio processual adequado para efectuar a partilha dos bens do casal na sequência da penhora efectuada sobre bens comuns, já que, por via das especificidades desse inventário, é assegurada a intervenção do exequente e a defesa adequada dos seus direitos e, ainda que esse inventário não possa ser requerido na sequência da penhora efectuada – por já se encontrar pendente outro processo com a mesma finalidade – impõe o art. 825º do C.P.C. que seja comprovada nos autos a pendência desse processo, de forma a que o exequente possa exercer, nesse processo, os direitos que, eventualmente, lhe assistam, assim se garantindo a plena eficácia da partilha que venha a ser efectuada relativamente ao exequente.

Todavia, se a partilha é efectuada após a penhora (ou arresto) e à total revelia do exequente (ou do requerente do arresto), a mesma não é oponível e não produz efeitos relativamente ao exequente e à execução.

Foi isso que aconteceu no caso sub judice.

Com efeito, sendo indiscutível que havia fundamento legal para efectuar essa partilha, já que havia sido declarada a separação judicial de pessoas e bens e sendo indiscutível a propriedade do meio processual que foi empregue para proceder a essa partilha (no âmbito do processo de separação que correu termos na Conservatória do Registo Civil), a verdade é que essa partilha foi efectuada depois de ter sido efectuado o registo do arresto que incidia sobre bens imóveis comuns – arresto que, como sabemos, veio a ser convertido em penhora – e foi efectuada à revelia do Exequente e sem a sua intervenção e, como tal, essa partilha – apesar de válida – é ineficaz relativamente à Exequente[4]. Embora o meio processual empregue para efectuar a partilha seja um meio legalmente apropriado para definir, entre os cônjuges, os termos da partilha, ele já não será apropriado – pelo menos sem a intervenção do exequente ou requerente de arresto – para garantir e assegurar a sua eficácia relativamente ao exequente ou requerente de arresto nas situações em que essa partilha abrange bens relativamente aos quais já se encontrava registada penhora ou arresto para garantia de um débito da responsabilidade de um dos cônjuges. Para este efeito, o meio processual adequado seria o previsto no art. 1406º do C.P.C., sem prejuízo da utilização de qualquer outro meio processual legalmente admissível (designadamente quando ele já foi accionado à data da citação do cônjuge para a execução), desde que assegurada ou facultada a intervenção do exequente ou requerente do arresto e o exercício das faculdades que legalmente lhe assistem com vista à defesa do seu direito de crédito.

E não se diga – como diz a Apelante – que a partilha aqui em causa foi efectuada em termos equitativos e sem qualquer prejuízo para os credores e que os termos em que foi efectuada não seriam alterados, ainda que a Exequente exercesse os direitos que lhe são conferidos pelo art. 1406º do C.P.C.

De facto, não é assim.

Importa notar que, nos termos da partilha efectuada, todos os bens (móveis e imóveis) foram adjudicados à Apelante e a meação do Executado (com o valor de 673.733,97€) foi integralmente preenchida (e até em excesso) com uns lotes de acções nominativas no valor de 55.500,00€ e com um crédito por suprimentos à sociedade E... no valor de 620.815,90€.

Ora, como é bom de ver, o crédito por suprimentos que preencheu, na quase totalidade, a meação do Executado não é um direito certo, seguro e facilmente realizável, sendo certo que não existem quaisquer garantias de que possa a vir a ser satisfeito, tanto mais que a sociedade a quem foram efectuados esses suprimentos terá sido declarada insolvente – como alega a Exequente e é confirmado pela Apelante nos requerimentos que apresentou – e, portanto, esse crédito apenas poderá ser satisfeito depois de integralmente pagos os créditos comuns (cfr. arts. 48º e 177º do CIRE).

Ora, ainda que a Apelante exercesse o direito de escolha – como lhe é permitido pelo art. 1406º do C.P.C. – escolhendo os bens imóveis e móveis e reservando para o Executado o referido crédito por suprimentos, o Exequente poderia reclamar dessa escolha e, por força da avaliação que viesse a ser efectuada, seria muito provável que ao crédito por suprimentos fosse atribuído, para efeitos de partilha, um valor muito inferior àquele que foi considerado e tal significaria que a meação do executado teria que ser preenchida com alguns bens de outra natureza ou pelo menos com tornas que poderiam responder pelo pagamento pela dívida exequenda.

Assim sendo, de modo algum será possível concluir que a partilha sempre seria efectuada nos mesmos termos, caso a Exequente tivesse intervenção no processo e não é legítima a afirmação de que a partilha, nos termos em que foi efectuada, não causa qualquer prejuízo aos credores.    

Tal partilha – efectuada, como vimos, após o registo do arresto que veio a ser convertido em penhora e sem a intervenção da Exequente – é, portanto, ineficaz relativamente à presente execução, não produzindo aqui qualquer efeito.

Assim, porque na sequência da penhora de bens comuns do casal e da citação que lhe foi efectuada ao abrigo do art. 825º do C.P.C., a Apelante não requereu a separação de bens – a efectuar nos termos do art. 1406º do mesmo diploma – e apenas juntou documento comprovativo de uma partilha já realizada e que, pelas razões apontadas, não é oponível à presente execução, a execução terá que prosseguir sobre os bens comuns, conforme determina o nº 4 do citado art. 825º.

Improcede, portanto, o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

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SUMÁRIO:

I – A partilha dos bens comuns do casal realizada após o registo de arresto ou penhora, à revelia e sem a intervenção do requerente do arresto ou exequente, é ineficaz relativamente à execução onde foi efectuada essa penhora ou onde o arresto veio a ser convertido em penhora e, como tal, a junção aos autos de certidão comprovativa dessa partilha, na sequência da citação do cônjuge do executado para os efeitos do art. 825º do C.P.C., não tem aptidão para determinar o levantamento da penhora que foi efectuada relativamente aos bens comuns do casal que, por força daquela partilha, foram adjudicados ao cônjuge do executado.

II – O meio processual adequado para realizar a partilha dos bens comuns do casal que se encontram arrestados ou penhorados e para garantir e assegurar a sua eficácia relativamente ao exequente ou requerente de arresto é, por norma, o previsto no art. 1406º do C.P.C., embora não seja de excluir a realização da partilha através de qualquer outro meio processual legalmente admissível (designadamente quando ele já foi accionado à data da citação do cônjuge para a execução, por já existir outro fundamento legal para a separação dos bens – designadamente por força de divórcio, separação judicial de pessoas e bens ou simples separação de bens), desde que assegurada ou facultada a intervenção do exequente ou requerente do arresto e o exercício das faculdades que legalmente lhe assistem com vista à defesa do seu direito de crédito.

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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

Maria Catarina R. Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Não nos reportamos ao C.P.C. actualmente vigente, mas sim ao anterior, por ser o que vigorava à data da prática do acto.
[2] A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., págs. 159 e 160.
[3] Cfr. Gonçalves Sampaio, A Acção Executiva e a Problemática das Execuções Injustas, 2ª ed. revista, actualizada e ampliada, págs. 273 e 274.
[4] Neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 31/03/2004, processo nº 0431376 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 18/09/2007, processo nº 357/98.1GBAGD-C.C1, disponíveis em http://www.dgsi.pt.