Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3221/10.4TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: CUSTAS
SEGURANÇA SOCIAL
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
SALÁRIO
Data do Acordão: 07/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - JUÍZOS CÍVEIS - 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: G) DO N.º 1 DO ARTIGO 4.º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E ARTIGO 865.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: O disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais não abrange o Instituto da Segurança Social I.P. quando este, nos termos do artigo 865.º do Código de Processo Civil, reclama créditos provenientes do não pagamento de contribuições que incidem sobre as remunerações pagas a trabalhadores do executado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, que corre na comarca de Coimbra, em que é exequente A... L.da e executada B... L.da, o Instituto da Segurança Social I.P. apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 865.º do Código de Processo Civil, uma reclamação de créditos de € 34 149,95, decorrentes do incumprimento da obrigação desta de proceder ao pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, incidentes sobre as remunerações pagas aos seus trabalhadores.

Relativamente a esta reclamação de créditos a Meritíssima Juíza veio a proferir o seguinte despacho:

"Conforme expresso no antecedente despacho, considera-se que o Instituto da Segurança Social – IP/Centro Distrital de Coimbra se não encontra isento do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da petição inicial.

Convidado a suprir a irregularidade cometida, visto não ter liquidado a taxa de justiça em causa, o Instituto da Segurança Social – IP/Centro Distrital de Coimbra declinou o convite formulado.

Assim sendo, e ponderado o disposto nos arts. 467.º, n.º 3, e 474.º, al. f), do Código de Processo Civil, não admito a reclamação de créditos deduzida pelo Instituto da Segurança Social – IP/Centro Distrital de Coimbra."

Inconformado com tal decisão, o Instituto da Segurança Social I.P. dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1 - O recorrente vem interpor o presente recurso da sentença de 20 de Fevereiro de 2012, que não admite a reclamação de créditos apresentada por não ter sido auto liquidada a taxa de justiça.

2 - O recorrente, não fez juntar aos autos, o comprovativo de pagamento da taxa de justiça, porquanto entende ser legítima considerar a sua isenção nos termos do artigo 4.º n.º 1 alínea g) do R.C. Processuais (DL n.º 34/2008, de 26.Fev.).

3 - Se atendermos ao disposto na alínea g) do n.º 1 do Art. 4.º R.C. Processuais (DL n.º 34/2008, de 26.Fev.) verificarmos que as instituições de segurança social e as instituições de previdência social de inscrição obrigatória foram substituídas por entidades públicas.

4 - De acordo com o disposto nesta alínea g) do n.º 1 do Art. 4.º R.C. Processuais (DL n.º 3412008, de 26.Fev.): "Estão isentos de custas: As entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias".

4[1] - O Decreto-Lei n.º 214/2007, de 29 de Maio, consagrou a nova orgânica do Instituto da Segurança Social, I.P. e definiu-o como um Instituto Público integrado na Administração Indirecta do Estado, o dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, com vista a prosseguir as atribuições do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, sob superintendência e tutela do respectivo Ministro (art.º 1.º).

5 - Tem, além de outras atribuições enunciadas no n.º 3 do último diploma legal citado, a de reclamar os créditos da Segurança Social em sede de processos de insolvência e de execução de índole fiscal, cível e laboral (alínea e).

6 - Assim, verifica-se que o ISS/IP, tem como missão prosseguir as atribuições do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS), sob superintendência e tutela do respectivo Ministro.

7 - O ISS/IP, foi constituído para concretizar os objectivos incluídos no Ministério do Trabalho e da Segurança Social, tendo como atribuição, além de outras, a de reclamar os créditos da Segurança Social, em sede de processos de insolvência e de execução de índole fiscal, cível e laboral, bem como requerer na qualidade de credor, a declaração de insolvência (alínea e).

8 - Para efeitos da alínea g) do n.º1 do arte 4.º do RCP, o ISS, constitui uma Entidade Publica, e ao reclamar c réditos da Segurança Social, está actuar em exclusivo no âmbito das suas atribuições, para defesa do Direito Social dos cidadãos à Segurança Social, previsto no artigo 63.º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa (C.R.P.) que é equiparado a um verdadeiro Direito Fundamental, e tem legitimidade processual para o efeito.

9 - O artigo 97.º n.º 1 da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, prescreve que as Instituições de Segurança Social gozam das isenções reconhecidas por lei ao Estado.

10 - O recorrente é um instituto que prossegue a concretização das funções atribuídas por lei à Segurança Social e está abrangido pelo regime de isenção previsto no art.º 97.º da Lei de Bases da Segurança Social (LBSS).

11 - Em abono deste entendimento, temos o n.º 2 do artigo 97.º desta última lei, que prescreve que os fundos de capitalização, designadamente o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, beneficiam das isenções previstas na lei.

12 - Está prevista na alínea p) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, a isenção de custas para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, nos processos em que intervenha na defesa dos direitos dos trabalhadores, dos contribuintes e do património do Fundo.

13 - E está prevista na alínea o) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, a isenção de custas para o Fundo de Garantia Salarial, no requerimento judicial de falência ou recuperação de empresa apresentado nos termos do Decreto-Lei n0219/99, de 15 de Junho (Fundo este que pertence ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social).

14 - Enquanto que o n.º 1 do art.º 97 da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, isenta desde logo as Instituições de Segurança Social tal como o faz em relação ao Estado, o n.º 2 deste diploma legal remete para a lei a consagração típica da isenção, o que reforça a interpretação de que o ISS quando reclama de créditos numa execução judicial, prossegue um direito fundamental, enquadrando-se na previsão alínea g) do n.º 1 do art.º 4 do RCP.

15 - A favor deste entendimento, temos o disposto na alínea f) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, pois, não nos parece plausível que o legislador tenha isentado as Pessoas Colectivas Privadas sem fins lucrativos e já não tenha feito o mesmo, para uma Entidade Pública, como é o Instituto de Segurança Social, IP, que prossegue a defesa de Direitos Fundamentais dos cidadãos, plasmados na Constituição.

16 - A lei de bases da Segurança Social - a Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro, consagra três grandes sistemas de Segurança Social: o sistema de protecção social de cidadania -art.º 26.º e Seg.; o sistema previdencial - art.º 50 e Seg.; O sistema complementar - art.º 81e Seg.

17 - O sistema da protecção social da cidadania, tem por objectivo garantir direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades, bem como prover o bem-estar e a coesão sociais, sendo um sistema universalista de base assistencialista e é financiado com transferências do Orçamento de Estado e por consignação de receitas fiscais - artigo 90.º.

18 - O sistema Previdencial, é um sistema ao qual só podem aceder os trabalhadores por conta de outrem, ou legalmente equiparados e os trabalhadores independentes, que tem na sua base uma técnica de seguro, mediante o qual se pretende garantir as prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido em consequência da verificação das eventualidades legalmente definidas como a Doença, Maternidade, paternidade e adopção, desemprego, acidentes de trabalho e doenças profissionais, invalidez, velhice e morte e um sistema auto-financiado, por quotizações dos trabalhadores e por contribuições das entidades empregadoras (Art. 51.º n.º 1, 53.º a 57.º e 59.º, 90.º n.º 2 e 92.º, alínea a) e b) da Lei n.º 4/2007, de 16.Jan - Lei da Bases da Segurança Social)), tendo por base uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações.

19 - O ISS/IP, ao reclamar os seus créditos numa execução judicial, provenientes da não entrega por parte das entidades empregadores das contribuições e quotizações (taxa social única, que corresponde a 34,75% do salário do trabalhador que se subdivide nos 11 % corresponde à quotização retida no salário do trabalhador e 23,75% corresponde à contribuição da entidade empregadora) está a assegurar (no âmbito do Sistema Previdencial) o direito fundamental dos trabalhadores aos subsídios de doença, maternidade, paternidade e adopção, desemprego, acidentes de trabalho e doenças profissionais e a assegurar aos pensionistas, as pensões de velhice e invalidez, isto é está a assegurar o Direito Fundamental à Segurança Social

20 - Se as entidades empregadoras não entregarem à Segurança Social as contribuições e quotizações que retiveram nos salários dos seus trabalhadores, ficará em risco o pagamento das prestações do Sistema Previdencial, pois sem "dinheiro", não se pode pagar os supra referidos subsídios e pensões.

21 - O recorrente assegura aos cidadãos, o Direito Fundamental à Segurança Social, função essa de tal forma importante, que se encontra regulamentada no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, não existindo qualquer Código que regulamente o sistema da Protecção Social da Cidadania.

22 - O direito à segurança social enquanto direito a prestações, tem um conteúdo determinado não tanto pela vontade do indivíduo (ou as suas necessidades) mas, sobretudo, pelos recursos sociais existentes, que serão sempre bens escassos, e pelas opções políticas na sua afectação. Neste sentido, é sempre um direito «sob reserva social» ou «sob reserva do possível»

23 - O sistema previdencial expressa uma concepção laboralista do Direito à Segurança Social, pois os trabalhadores, porque contribuem directamente para o sistema, gozam de uma especial protecção que é devida como compensação pela falta ou diminuição da capacidade para o trabalho.

24 - Ao invés, para os restantes cidadãos, a protecção através da Segurança Social, apenas actua em situações de carência, visando uma compensação mínima pela falta ou diminuição dos meios de subsistência.

25 - O princípio da legal diversificação das fontes de financiamento, designadamente por transferências do Orçamento, por consignação de receitas fiscais, por quotizações dos trabalhadores e por contribuições das entidades empregadoras (artigos, 90.º 87.º da citada Lei de bases da Segurança Social) é um artigo genérico, que especifica todas as fontes de financiamento para os três sistemas da Segurança Social, sendo certo que o Sistema Previdencial é um sistema auto - financiado exclusivamente, com as contribuições das entidades empregadoras e das cotizações dos trabalhadores.

26 - Assim, o princípio da legal diversificação das fontes de financiamento, não pode ser fundamento, do não reconhecimento ao recorrente da isenção prevista no n.º 4 alínea g) do RCP.

27 - Ora, a Segurança Social ao reclamar créditos numa execução, não está somente e em 1 a linha a exigir (cumprimento do dever de pagamento de contribuições para a Segurança Social (de ver este que não é um dever fundamental, pois não está constitucionalmente consagrado, mas de um dever que se situa num plano de responsabilidade contratual definido nos artigos 59.º e 60.º da Lei de Bases da Segurança Social e artigo 42.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social - Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro), mas sim, está a assegurar o cumprimento do Direito Fundamental à Segurança Social, na vertente da atribuição das prestações próprias de Sistema Previdencial.

28 - O Sistema Previdencial, tem na sua base não apenas uma ideia de solidariedade nacional, mas, sobretudo, uma ideia de solidariedade interprofissional e intergeracional. Tratar-se-á da solidariedade entre uma categoria - os trabalhadores - e entre as sucessivas gerações. (Principia da Solidariedade no Plano laboral consagrado no n02 alínea b) do art.º 8 da LBSS.), pelo que o financiamento deste regime de cariz laboralista, não compete em primeira linha ao Estado, via orçamento, mas sim aos próprios trabalhadores e entidades empregadoras, que devem contribuir solidária e equitativamente para a sua manutenção.

29 - Isto é, a Segurança Social ao reclamar créditos numa execução não está a regularizar a situação de incumprimento contributivo de uma determinada Sociedade (e indirectamente a situação contributiva dos trabalhadores dessa sociedade pela não entrega das respectivas cotizações), isto é, não está a cobrar as contribuições em dívida dessa Sociedade, mas está a assegurar o cumprimento do Direito Fundamental de todos os que trabalharam e descontaram para a Segurança Social, na vertente de atribuição das prestações do Sistema Previdencial, uma vez que este sistema tem subjacente o Principio da Solidariedade interprofissional e intergeracional.

30 - Não pode procedi r o argumento de que a segurança Social prossegue o direito fundamental à Segurança Social, mas que ao reclamar créditos não está a assegurar esse direito fundamental, se n se dizer em concreto, quais as acções que a Segurança Social enquanto entidade Publica, poderia propor ou contestar para assegurar o direito fundamental à Segurança Social, tendo em conta as atribuições que lhe estão atribuídas por Lei.

31 -Em todas as acções que o ISS/lP propõe, bem como nas acções que contesta, o ISS/IP, está de facto a defender o direito à Segurança Social, pois ao "cobrar uma dívida" ou ao contestar "o reconhecimento de uma carreira contributiva" / "pedido de anulação do indeferimento de um subsidio", está simultaneamente a defender o Direito à Segurança Social de todos os que trabalharam e descontaram para a Segurança Social, na vertente de atribuição das prestações do Sistema Previdencial, uma vez que este sistema tem subjacente o Principio da Solidariedade interprofissional e intergeracional e só se efectiva com as contribuições (as entidades empregadoras e cotizações dos trabalhadores. uma vez que é um sistema autofinaciado.

32 - Se interpretarmos à letra a expressão "actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais", então chegaremos à situação absurda de se pretender que a Segurança Social só dê direitos e não exija o correlativo dever de contribuir, dever esse, sem o qual, não há a possibilidade de garantir os direitos previstos no Sistema Previdencial.

33 - A expressão "exclusivamente" é do ponto de vista gramatical um advérbio de modo, que modifica o verbo actuar e que não se aplica à segunda expressão "defesa de direitos Fundamentais" .

34 - Uma vez que a expressão "exclusivamente" se refere à actuação no âmbito das suas especiais atribuições, o ISS/IP mantém o direito à isenção consagrada na alínea g) do n01 do art.º 4.º do RCP, apesar de com a reclamação de créditos numa execução judicial, o ISS estar a cobrar uma dívida e simultaneamente a defender o Direito Fundamental à Segurança Social.

35 - O que a lei exige, é que o ISS/IP actue exclusivamente no âmbito das suas atribuições, mas não está a exigir que ao intervir numa acção judicial, só o possa fazer exclusivamente para defesa de um Direito fundamental

36 -A isenção consagrada no artigo 4.º n.º 1 alínea g) do RCP não é uma isenção absoluta, pois nos termos do n.º 6 daquele artigo 4.º "… a parte isenta é responsável pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respectiva pretensão for totalmente vencida", pelo que não pode proceder o argumento de que reconhecer ao Recorrente a isenção prevista na alínea g) do n.º 4 do RCP, é ir contra a evolução história dos diplomas sobre custas processuais, uma vez que "a parte isenta é responsável pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respectiva pretensão for totalmente vencida".

37 - Em conclusão, o recorrente, ao reclamar créditos provenientes do não pagamento de contribuições e cotizações, numa execução judicial, está a assegurar a defesa do Direito Fundamental (o Direito à Segurança Social) consagrado no artigo 63.º da CRP, daqueles que trabalharam e descontaram para a Segurança Social, pois é uma entidade pública a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nessa matérias - artigo 4.º n.º 1, al. g) do RCP.

38 - Face a todo o exposto, se conclui que andou mala Tribunal "a quo" ao decidir como decidiu, não admitindo ao Recorrente o crédito por si reclamado, por considerar que o Recorrente não goza da isenção de custas consagrada no artigo 4.º n.º 1 alínea g) do RCP não aplicando assim a lei nos termos do artigo 203.º da CRP, além de ter violado o artigo 277.º da CRP ao aplicar normas que infringem o disposto na Constituição da República Portuguesa.

Termina pedindo que se revogue "a sentença recorrida, substituindo-a por outra que admita, verifique e gradue o crédito reclamado".

Não foram apresentadas contra-alegações.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[2], as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se o Instituto da Segurança Social I.P. se encontra abrangido pela isenção estabelecida no artigo 4.º n.º 1 g) do Regulamento das Custas Processuais.


II

1.º


Para a decisão da questão que é colocada no presente recurso há que considerar os factos que resultam do que se deixou dito em sede de relatório.

O Instituto da Segurança Social I.P. sustenta, no essencial, que "quando reclama créditos numa execução judicial, prossegue um direito fundamental, enquadrando-se na previsão alínea g) do n.º 1 do art.º 4 do RCP"[3], ou seja, entende que quando, no âmbito do artigo 865.º, reclama créditos emergentes do incumprimento do pagamento de contribuições para a Segurança Social, actua ao abrigo desta norma, o que lhe confere uma isenção de custas.  

O artigo 4.º n.º 1 alínea g) do Regulamento das Custas Processuais dispõe que "estão isentos de custas as entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias".

Prevê-se, assim, que "as entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto e a quem a lei atribua especial legitimidade processual nessas matérias, e estatui gozarem de isenção de custas. Trata-se de mais uma isenção fundada na defesa do interesse público (…) e o objecto das acções lato sensu circunscreve-se à defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos."[4]

É pacífico que o Instituto da Segurança Social I.P. é uma entidade pública.

No entanto, regista-se que o direito à segurança social, consagrado no artigo 63.º da Constituição da República, "surge no pórtico do capítulo respeitante aos direitos sociais"[5], não tendo, por isso, ao contrário do que afirma o Instituto da Segurança Social I.P. [6], a natureza de um direito fundamental.

Portanto, por essa via, este não pode beneficiar de uma isenção de custas, sem prejuízo da relevante actividade que lhe está confiada.

Por ouro lado, como é sabido os interesses difusos não se "reportam a pessoas individual­mente consideradas nem a grupos definidos, na medida em que são enca­beçados por entidades representativas de interesses supra-individuais. Trata-se de interesses concernentes às pessoas, mas não individual­mente determinadas, e, por isso, por elas não apropriados ou subjectiva­dos, como é o caso dos interesses relativos à protecção da saúde, do ambiente, do património cultural e dos consumidores em geral. Ou, noutra perspectiva, em termos objectivos, são os relativos a gru­pos de extensão indeterminada, que se estruturam em termos de supra­-individualidade, pertencentes a todos, mas onde há também o interesse de cada um, pelo facto de pertencer à pluralidade de sujeitos a que se referem as normas que os tutelam."[7] São interesses que se caracterizam por "respeitarem, por igual, a todos os membros de um certo grupo e serem insusceptíveis de apropriação individual. Por isso, se dizem difusos: são indivisíveis e irredutivelmente supra-individuais. Segundo Oliveira Ascensão, o interesse difuso pertence a "todas as pessoas integrantes de uma comunidade, pelo simples facto de o serem Esse interesse não é fraccionável nem apropriável individualmente. Também não é transmissível nem renunciável. Adquire-se pela pertença à comunidade e perde-se quando essa pertença cessa" (A acção popular e a protecção do investidor, pág. 65)."[8] Na verdade, eles "correspondem a interesses juridicamente reconhecidos e tutelados, cuja titularidade pertence a todos e cada um dos membros de uma comunidade ou de um grupo mas não são susceptíveis de apropriação individual por qualquer um desses membros - são simultaneamente interesses não públicos, não colectivos e não individuais."[9]

Sendo assim, logo se conclui que o interesse que o Instituto da Segurança Social I.P. visa salvaguardar pela presente reclamação de créditos, com origem no alegado incumprimento, pela executada, do pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, incidentes sobre as remunerações pagas aos seus trabalhadores, não se reveste destas características, o mesmo é dizer que não se trata de um interesse difuso. Com efeito o sistema de protecção social «protege os particulares em todas as "situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho", como sucede nos casos de doença, velhice invalidez e orfandade (Acs. n.os 517/98 e 634/98».[10]

Acresce que na tarefa de interpretar a norma em causa, não nos podemos esquecer do elemento histórico, o qual "atende à génese da lei"[11] e "compreende todos os materiais relacionados com a história do preceito"[12], nomeadamente "a história evolutiva do instituto"[13], isto é os "precedentes normativos".[14]

Sabemos que o artigo 2.º n.º 1 g) do Código das Custas Judiciais, introduzido pelo Decreto-Lei 224-A/96 de 26 de Novembro, estabelecia que "sem prejuízo do disposto em lei especial, são unicamente isentos de custas (…) as instituições de segurança social e as instituições de previdência social de inscrição obrigatória".[15]

Porém, esse código veio a ser revogado e no artigo 25.º n.º 1 do Decreto-Lei 34/2008 de 26 de Fevereiro, que introduziu o Regulamento das Custas Processuais, onde se estabeleceu que "são revogadas as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, que não estejam previstas no presente decreto-lei." E à alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais foi dada a redacção acima transcrita.

Assim se, como defende o Instituto da Segurança Social I.P.[16], admitirmos a hipótese de que a Segurança Social, à luz do disposto no artigo 97.º n.º 1 da Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro, beneficiava de uma isenção de custas, então, mesmo nesse cenário[17] essa isenção sempre teria sido revogada por aquele artigo 25.º[18].

Acresce que com as alíneas p), q) e r)[19] do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, se dúvidas ainda houvesse, o legislador mostrou claramente quais os precisos casos em que considera que a Segurança Social, vista esta em sentido amplo, deve beneficiar de isenção de custas (Fundo de Garantia Salarial, Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e Fundo dos Certificados de Reforma)[20]. Se não estendeu essa isenção a outras entidades da Segurança Social foi, simplesmente, por que não quis.

Aqui chegados, dúvidas não restam de que o Instituto de Solidariedade e Segurança Social não está isento de custas, o mesmo é dizer que nenhuma censura pode ser feita ao decidido pelo tribunal a quo.


III

Com fundamento no atrás exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo Instituto da Segurança Social I.P.

                                        

                                                           António Beça Pereira (Relator)

                                                               Nunes Ribeiro

                                                              Hélder Almeida


[1] Por manifesto lapso o recorrente repete o número 4.
[2] São do Código de Processo Civil, na sua versão posterior ao Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto, todos os artigos adiante citados sem qualquer outra menção.
[3] Cfr. conclusão 14.ª.
[4] Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado, 2.ª Edição, pág. 153.
[5] Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, pág. 1284.
[6] Cfr. nomeadamente conclusão 37.ª.
[7] Salvador da Costa, obra citada, pág. 153.
[8] Jorge Miranda e Rui Medeiros, obra citada, pág. 1035.
[9] Ac. STJ de 13-10-1997 no Proc. 98A200, www.gde.mj.pt. Sobre esta matéria veja-se Miguel Teixeira de Sousa, Legitimidade Processual e Acção Popular no Direito do Ambiente, Direito do Ambiente, 1994, pág. 409 e seguintes, Lopes Rego, Revista do Ministério Público, 1990, Caderno 5, pág. 203 e João Correia, Interesses Difusos e Legitimidade Processual, pág. 277.
[10] Jorge Miranda e Rui Medeiros, obra citada, pág. 1288.
[11] Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 4.ª edição, pág. 337.
[12] Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 18.ª Reimpressão, pág. 184.
[13] Baptista Machado, obra citada, pág. 184.
[14] Santos Justo, obra citada, pág. 337.
[15] Norma que já não se manteve após a reforma introduzida pelo Decreto-Lei 324/2003 de 27 de Dezembro.
[16] Cfr. conclusões 9.ª e 10.ª.
[17] Que se afigura que não era o que existia.
[18] Se fossem verdadeiros os pressupostos em que assenta o raciocínio do Instituto da Segurança Social I.P., então eram de todo inúteis as (actuais) alíneas p) e q), pois, nesse caso, tais instituições já estavam isentas de custas ao abrigo do disposto no artigo 97.º n.º 1 da Lei 4/2007.

[19] Anteriores alíneas o), p) e q).
[20] Nessa medida não se percebe o que pretende o Instituto da Segurança Social I.P. extrair das conclusões 12.ª e 13.ª.