Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMIDIO FRANCISCO SANTOS | ||
Descritores: | TRANSACÇÃO JUDICIAL SUCESSÃO OBRIGAÇÃO EXECUÇÃO LEGITIMIDADE PASSIVA | ||
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Data do Acordão: | 04/27/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | N.º 1 DO ARTIGO 54.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | 1. A obrigação assumida, pelo proprietário de um prédio, em transacção judicial homologada por sentença, de tapar o topo da varanda do segundo andar do seu prédio que deitava directamente para o prédio dos autores, com a construção de uma vedação permanente e sem aberturas, com a altura mínima de 1,50 m2, e a tapar três janelas, duas situadas ao nível do primeiro andar da sua casa e uma ao nível do segundo andar da mesma casa (…), por meio de colocação de tijolos de vidro fixados com cimento até à altura de 1,80 m2, a contar do respectivo piso interior da casa, de modo a que acima dessa altura de 1,80 m2, não resultasse uma abertura ou fresta superior, em altura, a 15 centímetros, transmite-se para o adquirente desse prédio. 2. Se o anterior proprietário cumpriu apenas parte de tais obrigações, a execução para cumprimento da restante parte deve ser instaurada contra o adquirente do prédio, por aplicação da regra enunciada no n.º 1 do artigo 54.º do Código de Processo Civil, segundo a qual tendo havido sucessão na obrigação deve a execução correr contra os sucessores das pessoas que no título figuram como devedores da obrigação exequenda. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A..., residente na (...) , Lagares da Beira, instaurou execução para prestação de facto contra a B..., CRL, com sede em Arganil. A execução teve por base a sentença homologatória da transacção efectuada na acção com processo sumário que correu termos sob p n.º 28/97, no (extinto) tribunal judicial de Oliveira do Hospital, na qual foram partes, como autores, C... e D... , e, como réu, E... . Os fundamentos do pedido exequendo foram, em resumo, os seguintes: Com base nesta alegação, requereu que a executada procedesse à devida prestação, no prazo de 30 dias, a contar da citação, sob pena de, não o fazendo, pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, quantia não inferior a 10 euros por cada dia de atraso no cumprimento do facto. O Meritíssimo juiz do tribunal a quo considerou que a executada não tinha legitimidade para a execução e rejeitou o processo executivo, ao abrigo da alínea a), do n.º 2 do artigo 726.º do CPC, “ex vi” artigo 734.º do mesmo diploma. Justificou a decisão nos seguintes termos: A exequente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação e a substituição da decisão recorrida por outra que determinasse a procedência do recurso e aceitasse o processo executivo. Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: A executada, citada para os termos da execução e do recurso, não respondeu. Questões suscitadas pelo recurso: A questão essencial suscitada pelo recurso é a de saber se a decisão recorrida errou ao rejeitar a execução com fundamento na ilegitimidade da executada. Quanto aos factos relevantes para a decisão do recurso, considerando que estamos perante uma decisão de indeferimento do requerimento executivo, eles são constituídos pelo que foi alegado em tal requerimento. * Passemos à resolução da questão suscitada pelo recurso. Como se escreveu, a decisão impugnada rejeitou a execução com o fundamento de que a executada era parte ilegítima. A recorrente contrapõe que a circunstância de a executada não figurar como parte na transacção não a libertava do cumprimento das obrigações convencionadas, uma vez que o sujeito passivo dessas obrigações era o titular do direito real, sendo por ele e à custa dele que as mesmas deviam ser satisfeitas e que, em caso de transmissão do direito, o novo titular do direito ficava colocado na mesma situação em que se encontrava o anterior, ou seja, as obrigações transmitiam-se com o direito real de que elas decorriam. Segundo ela, a legitimidade da executada tinha cobertura no n.º 1 do artigo 54.º do CPC e no n.º 3 do artigo 263.º do mesmo diploma. Pelas razões a seguir expostas, entendemos que a pretensão da recorrente tem amparo apenas no n.º 1 do artigo 54.º do CPC, na parte em que dispõe que, tendo havido sucessão na obrigação, deve a execução correr contra os sucessores da pessoa que no título figuram como devedor da obrigação exequenda. Comecemos por expor as razões pelas quais o n.º 3 do artigo 263.º não dá guarida à sua pretensão. O artigo em que está inserido o n.º 3 acima transcrito tem em vista os casos em que, na pendência da acção, a coisa ou direito litigioso são transmitidos por acto entre vivos. Em tal hipótese, diz o n.º 1 que o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substitui-lo. Segue-se do exposto que a lei não impõe a substituição do transmitente pelo adquirente. A substituição é, pois, facultativa. Sendo facultativa, bem pode acontecer que a acção, prosseguindo sem que a substituição tenha lugar, termine com uma decisão sobre o direito ou a coisa litigiosa, cuja titularidade não pertence a quem é parte no processo. Nestes casos, coloca-se a questão de saber se a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, que não é parte no processo. É a esta questão que o n.º 3 dá resposta, dizendo: “a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, excepto no caso de a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da acção”. Resulta do exposto que era condição de aplicação, ao caso, do n.º 3 do artigo 263.º do CPC, que o prédio, que agora pertence à executada, tivesse sido transmitido na pendencia da acção que correu termos sob o n.º 28/97. Esta condição não está verificada: a transacção foi homologada em 17 de Abril de 1997 e o prédio do réu, em tal acção, foi adquirido pela ora executada posteriormente. O n.º 3 do artigo 263.º do CPC não é, pois, aplicável ao caso. De resto, se o fosse, a legitimidade da executada para a presente execução decorreria da regra enunciada no artigo 55.º do CPC: “a execução fundada em sentença condenatória pode ser promovida não só contra o devedor, mas também contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado”. Vejamos, de seguida, as razões pelas quais a pretensão da recorrente tem cobertura no n.º 1 do artigo 54.º do CPC, na parte em que dispõe que tendo havido sucessão na obrigação, deve a execução correr entre o sucessor da pessoa que no título figura como devedor da obrigação exequenda. A obrigação exequenda – a obrigação de tapar a janela ao nível do 1.º andar do prédio urbano, agora propriedade da executada, por meio de colocação de tijolos de vidro fixados com cimento até à altura de 1,80 m2, a contar do respectivo piso interior da casa, de modo a que, acima dessa altura de 1,80 m2, não resulte uma abertura ou fresta superior, em altura, a 15 centímetros – tem a sua origem na obrigação - imposta, pelo n.º 1 do artigo 1360.º do Código Civil, ao proprietário de edifício ou outra construção - de não poder abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio. É esta obrigação que explica que o réu, na acção declarativa, se tenha obrigado a tapar a janela nos termos acima expostos. Ou seja, o réu obrigou-se a tapar a janela porque o n.º 1 do artigo 1360.º do Código Civil não lhe permitia manter a situação criada por si. Com efeito, salvo o caso em que a existência das janelas [referimos apenas as janelas por serem as aberturas que estão em causa no processo, porém, o que se diz das janelas é aplicável a portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes] em contravenção do disposto na lei importe, nos termos gerais, a constituição de servidão de vistas por usucapião (hipótese admitida expressamente pelo no n.º 1 do artigo 1362.º do Código Civil), o proprietário que infringe a proibição prevista no n.º 1 do artigo 1360.º não tem o direito de manter as janelas, em contravenção do disposto na lei. A esta “falta de direito” contrapõe-se o direito, do proprietário do prédio vizinho, de exigir a reposição da situação no estado anterior à violação. E a “falta de direito” pode ser oposta pelo proprietário do prédio vizinho tanto ao proprietário que criou a situação proibida pelo disposto no n.º 1 do artigo 1360.º do Código Civil, como aos proprietários sucessivos que mantenham a situação de ilegalidade. É que, apesar de não ter sido criada por eles, a situação proibida pelo disposto no n.º 1 do artigo 1360.º, n.º 1, mantém-se com a transmissão do direito de propriedade. Os proprietários sucessivos adquirirem, assim, um prédio com uma situação não conforme ao que prescreve o estatuto do seu direito. E esta situação constitui-os no dever de a reporem em conformidade com o que prescreve a lei. Segue-se, neste aspecto, a lição de Manuel Henrique Mesquita (Obrigações Reais e Ónus Reais, Almedina, página 275) segundo a qual estamos, perante uma obrigação propter rem “decorrente da violação do estatuto de um direito real”. Obrigação que se transmite aos sucessivos proprietários. Transmissão que é inteiramente justificada. Socorrendo-nos, de novo, das palavras do citado autor (obra supra citado, páginas 333 e 334), o alienante do direito real, “em virtude de ter cessado a sua soberania sobre a coisa, fica impossibilitado de realizar a prestação debitória. Mesmo que ele, não obstante a alienação, se dispusesse a fazê-lo, só lograria efectuar o cumprimento caso o novo titular do direito real o autorizasse a interferir na res. Sendo inaceitável, no entanto, que a simples alienação do direito real prive o credor da obrigação propter rem do direito à prestação - …, forçoso é entender que ele poderá exigir o cumprimento ao subadquirente, precisamente com fundamento em que a dívida acompanha o direito real de cujo estatuto emerge, vinculando todo aquele a quem a respectiva titularidade sucessivamente for pertencendo”. A favor deste entendimento cita-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 8-7-2003, no recurso 03A53, publicado em www.dgsi.pt. Face ao exposto, conclui-se que a executada sucedeu a E... , réu na acção declarativa que correu termos sob o n.º 28/97, na obrigação exequenda. E assim, por aplicação do n.º 1 do artigo 54.º do CPC, na parte em que dispõe que “tendo havido sucessão na obrigação deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como devedor da obrigação exequenda”, é de reconhecer legitimidade passiva à executada. Ao julgá-la parte ilegítima e ao rejeitar o processo executivo, a coberto da alínea b), do n.º 2 do artigo 726.º, do CPC, a decisão recorrida violou o disposto no n.º 1 do artigo 54.º do CPC e aplicou aquela norma sem que estivessem verificados os respectivos pressupostos (ocorrência de excepções dilatórias). Impõe-se, pois, a revogação e a substituição da decisão recorrida por outra a ordenar o prosseguimento da execução. Decisão: Julga-se procedente o recurso e, em consequência, revoga-se e substitui-se a decisão recorrida por decisão a ordenar o prosseguimento da execução. Condena-se a executada nas custas do recurso.
Relator: Emidio Francisco Santos Adjuntos: 1º - Catarina Gonçalves 2º - António Magalhães |