Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
473/13.1TBLMG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
CONVOCATÓRIA
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES
DESPESAS DE ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO
TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. CENTRAL – SEC. EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1432º E 1433º, NºS 2, 3 E 4 DO C. CIVIL; Nº 1 DO ARTº 6º DO DL Nº 268/94, DE 25/10.
Sumário: I - Quando os condóminos não tenham sido convocados para a assembleia ou não o tenham sido com observância dos requisitos estabelecidos no nº1 do art. 1432º do C.Civil as deliberações tomadas nessa assembleia são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado, dentro do prazo a que alude o art. 1433º, nº4, do C.Civil.

II - A comunicação a que alude o art. 1432º, nº 6 do C.Civil é necessária para os efeitos estabelecidos no seu nº 5 e também para a contagem do prazo de convocação de assembleia extraordinária (art. 1433º, nº 2) ou para sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem (art. 1433º, nº 3).

III - Não tendo estado presentes os condóminos na assembleia em que se tenha deliberado uma repartição diferente da permilagem nos encargos de conservação do imóvel e não lhes tendo sido comunicada essa deliberação por carta registada com aviso de recepção, tal não faz improceder a execução com base na anulabilidade da deliberação, uma vez que não se alegou (nem provou) a propositura de qualquer acção de anulação da deliberação, o que era necessário para que, na oposição à execução, pudessem os executados vir obter a desvitalização do título executivo.

IV - O princípio geral em matéria de repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum é, primariamente, o que tiver sido estabelecido pelas partes no título constitutivo ou em estipulação adequada.

V - Na falta de disposição negocial, o princípio da proporcionalidade só pode ser afastado, por acordo unânime dos condóminos, formalizado por escritura pública se a regra da repartição estiver contida no título de constituição da propriedade horizontal.

VI - Esta unanimidade exigida, quando não esteja a regra da repartição presente no título de constituição da propriedade horizontal, pode ser obtida de acordo com a previsão do art. 1432º, nº 5 do C.Civil.

VII - A acta da reunião da assembleia que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte - nº 1 do artº 6º do DL nº 268/94 de 25/10 - ainda que o condómino não tenha estado presente nessa assembleia.

VIII - A força executiva da acta não tem a ver com a assunção pessoal da obrigação consubstanciada na assinatura dela, mas sim com a eficácia imediata da vontade colectiva, definida através da deliberação nos termos legais, exarada na acta, e vale enquanto não for anulada a deliberação nos termos legalmente prescritos.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Relatório

J... e M... deduziram embargos à execução intentada pelo Condomínio Q..., alegando que os valores cobrados a título de reparações no telhado não são devidos porque as obras ainda não foram feitas, além de que o valor que lhes está a ser cobrado não respeita o disposto no artigo 1418.º, n.º1 do Código Civil (CC) na medida em que não foi apurado de acordo com a permilagem de cada fracção.

Por outro lado, mais referem que em nenhuma ata foi deliberado que o valor a cobrar pelas referidas obras fosse de 30% em relação aos aqui embargantes, nem nenhuma convocatória foi elaborada com uma ordem de trabalhos nesse sentido.

Insurge-se ainda quanto à quantia de 250€ a título de custas por considerar tal pedido ilegal.

Na contestação o exequente contrapõe que as obras não podiam ser iniciadas antes dos condóminos procederem ao seu pagamento; relativamente ao valor da responsabilidade dos embargantes, refere que o critério previsto no Código Civil para a distribuição dos encargos por todos os condóminos não é um critério imperativo; que os embargantes firam notificados das deliberações por carta registada enviada no dia 10 de Março de 2010 e que não impugnaram a referida deliberação nem tão pouco diligenciaram no sentido de requerer a realização de uma assembleia extraordinária; quanto à quantia de 250€ entende que a mesma é igualmente devida porque assim ficou expressamente consagrado na ata n.º13.

Foi proferido despacho saneador e depois de realizado julgamento veio a ser proferida sentença que julgou os embargos parcialmente procedentes e, em consequência, declarou que as atas apresentadas não constituem título executivo quanto ao montante de 250€ pedido a título de despesas com a execução, improcedendo, nesta parte, a pretensão do exequente e, no mais, julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução para pagamento dos restantes valores em causa.

Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso os embargantes concluindo que:

...

Não houve contra alegações.

Cumpre decidir.

Fundamentação

O Tribunal de primeira instância deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) O Condomínio Q... intentou acção executiva para pagamento de quantia certa contra os executados/embargantes apresentando como título executivo a ata de condomínio n.º 13 que consta dos autos principais, datada de 30.01.2013.

2) Consta, além do mais, dessa ata que aqui se dá por reproduzido, o seguinte: “Ata n.º13. Aos trinta dias do mês de Janeiro de dois mil e treze, pelas vinte e uma horas, reuniu em segunda convocatória a assembleia geral dos condóminos do edifício em regime de propriedade horizontal, sito na Urbanização da Quinta ..., com a seguinte ordem de trabalhos: 1) Análise e aprovação do relatório de contas do ano anterior; 2) Análise e aprovação do orçamento para o próximo exercício; 3) Outros assuntos de interesse para o condomínio (…) foram aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes as seguintes dívidas de condóminos ao condomínio: (…) Fração AJ, correspondente ao sótão, propriedade de J... e M..., relativo à dívida à anterior administração, no valor de 300,00€, relativo à quota extra para a reparação do telhado, no valor de 10.913,40€ e às quotas de março de 2010 a janeiro de 2013, no valor de 849,75€, fazendo um total em dívida de 12.063,15€ (…) Os condóminos devedores serão entregues ao advogado e intentar-se-á a competente ação legal. Os condóminos faltosos suportarão todas as despesas com a cobrança coerciva, aqui se incluindo as despesas extrajudiciais, bem como as despesas judiciais (designadamente encargos com advogados e agente de execução). Os honorários dos advogados ficam desde já fixados em 250,00€ (duzentos e cinquenta euros) por cada processo de cobrança coerciva. (…)”.

3) Mostra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ..., a fração autónoma AJ correspondente a sótão, destinado a arrumos, com a área de 139m2, com uma permilagem de 10, sita na Quinta ...

4) O direito de propriedade sobre tal fração mostra-se inscrito a favor dos embargantes/executados pela Ap. n.º3 de 1995/02/21 - fls. 21.

5) Mostra-se junta aos autos de fls. 53 a 62 a ata n.º4, de 20.01.2010, além do mais, com o seguinte teor: “(…) Ainda neste ponto foi deliberado pela unanimidade dos condóminos presentes, que devido ao facto de a fração AJ ficar ainda mais beneficiada  com a realização das obras, este deverá suportar 30% do valor total da obra a realizar (…)”.

6) Os embargantes/executados foram notificados do teor da ata referida no ponto anterior por carta remetida em março de 2010 com o registo n.ºRM6072 4812 0 PT - fls. 50/51.

7) Mostra-se junta aos autos de fls. 79 a 94, a ata n.º11, de 05.06.2012, além do mais, com o seguinte teor: “(…) De seguida, passou-se ao Ponto Dois da Ordem de Trabalhos: Aprovação do Orçamento para a execução da obra. Neste ponto, foram distribuídos pelos condóminos presentes duas propostas para colocação da estrutura metálica na cobertura do edifício, nomeadamente da empresa E(…) no valor de 36.378,00€ e da empresa M..., no valor total de 38.628,00€. A Administração alertou os condóminos para o facto de já ter enviado estes mesmos orçamentos em circular para que todos os condóminos pudessem proceder à sua análise. Estes orçamentos constituem o Anexo I a esta ata. (…) depois de analisado e discutido este assunto, foi deliberado pela maioria dos condóminos presentes, com 545 votos a favor e 32 votos de abstenção da fração Z, para aprovar o Orçamento da empresa Engconstec para a colocação da estrutura metálica na cobertura do edifício, no valor de 36.378,00€. (…) A Administração informou os condóminos presentes que se o condomínio não tiver pago 95% do valor da obra, não se responsabiliza e não adjudicará a obra” - fls. 81/82.”

O Tribunal de primeira considerou não provados os seguintes factos:

1) O condomínio não tenha deliberado que a responsabilidade dos embargantes fosse de 30% pela realização dos trabalhos para reparação do telhado e que não tenha fixado a quantia de 250€ a título de custas judiciais por cada condómino inadimplente.

2) As reparações no telhado já se encontrem feitas.

Além de delimitado pelo objecto da acção, pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).

De acordo com o que deixamos dito, o objecto do presente recurso é o de decidir se existe ou não título executivo, porquanto, defendem os recorrentes, que a acta dessa assembleia apresentada como título executivo não o pode ser.

Ainda que como objecto do recurso os apelantes tenham impugnado a matéria de facto contida no número 6 dos factos provados, e na qual se deixou fixado que “Os embargantes/executados foram notificados do teor da ata referida no ponto anterior por carta remetida em março de 2010 com o registo n.ºRM...PT - fls. 50/51”, julgamos que a indagação da correcção da convicção do julgador quanto a esta matéria é irrelevante na economia da decisão de mérito a proferir e isto porque, mesmo a dar-se como não provada essa matéria, como os recorrentes pretendem, a solução de direito não sofre alteração.

Tentando esclarecer um pouco a situação descrita nos autos, observamos que num primeiro momento, na sua petição de embargos, os executados sustentam que “a permilagem da fracção AJ da qual é proprietário é de dez por mil, pelo que basta fazer uma simples conta de aritmética para perceber que a 36.370,00 euros cabe ao condómino opoente a quantia de 360,70 euros e nunca 10.913,40 euros.”; “Como se verifica pela ata de condomínio, nunca o identificado opoente deu autorização para lhe ser cobrado 30% de tal valor”; “Em nenhuma ata se verifica haver uma deliberação que permita a cobrança a este condómino de 30% do valor da quota.”; “Em nenhuma convocatória foi elaborada ordem de trabalhos nesse mesmo sentido ou ainda”; “Nunca o condómino aqui opoente foi convocado para estar presente numa qualquer reunião, que tivesse como ordem de trabalhos a deliberação sobre o pagamento de qualquer despesa, cuja divisão fosse diferente do critério da distribuição pela permilagem ou qualquer outra.”

Com isto observamos que os embargantes não colocaram em causa terem ou não sido notificados de qualquer deliberação tomada pelo condomínio na reunião de 30.01.2013 e constante da respectiva acta mas, exclusivamente, que nunca haviam sido convocados para qualquer reunião de condomínio que tivesse como ordem de trabalhos a diferente repartição dos encargos por obras.

Ora, na contestação o exequente/embargado veio introduzir problemática diversa e, não negando que os embargantes não tenham sido convocados para a reunião de condomínio de Janeiro de 2010, contrapõe que aqueles foram notificados por carta registada simples (sem aviso de recepção) das deliberações aí tomadas em Março de 2010, entre as quais a repartição de encargos das obras de forma diferente da permilagem.

Detendo-nos na circunstância de os condóminos não terem sido convocados para a assembleia ou não o haverem sido com os requisitos estabelecidos no nº1 do art. 1432 do CCivil (diploma a que pertencerão a partir deste momento todos os normativos citados sem diferente menção de origem), sabemos que a consequência é a de as deliberações tomadas nessa assembleia serem anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado dentro do prazo a que alude o art. 1433 nº4.

Isto é, existe a exigência legal de convocar os condóminos para a assembleia através de carta registada (ou aviso convocatório com recibo de recepção) enviada com 10 dias de antecedência e existe, também, a exigência de comunicação, através de carta registada com aviso de recepção (aos condóminos ausentes da assembleia seja por não terem sido convocados seja por não terem comparecido) das deliberações tomadas. No entanto, quanto a saber quando se começam a contar os prazos para reagir das diversas formas a que alude o art. 1433 nos seus nº2 a 5, quer para os casos de falta ou irregularidade de convocatória, quer para aqueles outros de falta de comunicação das deliberações, não existe unanimidade de entendimento, defendendo uns que, para os condóminos ausentes da assembleia a aludida comunicação das deliberações é instrumental do exercício do direito de impugnação, e que a não comunicação ou a comunicação tardia não torna a deliberação inválida ou ineficaz apenas fazendo adiar o termo do prazo para uma possível impugnação, que se começa a contar a partir do momento da comunicação[1]. E no mesmo sentido se pronunciou Aragão Seia[2] e alguma jurisprudência[3], com os argumentos segundo os quais o n.º 6 do artigo 1432º se aplica genericamente às deliberações da assembleia de condóminos; e que outra solução poderia impedir o condómino ausente de saber qual a deliberação tomada (bastaria ao administrador nunca lhe comunicar a deliberação ou comunicar-lha expirados os 60 dias do prazo para a acção de anulação).

Em sentido diverso, ou seja no de que o prazo de impugnação se começa a contar da própria data da assembleia se pronunciou outra jurisprudência[4], considerando que tendo o DL 267/94 provocou modificações relevantes quanto à possibilidade dos condóminos reagirem contra as deliberações da assembleia, concedendo a par da impugnação judicial já anteriormente admitida, mais duas vias alternativas de reacção a deliberações inválidas ou ineficazes, consagradas nos nºs 2 e 3 do artigo 1433º, a circunstância de o nº 4 do artigo 1433, substituindo o anterior nº 2, ter deixado de fazer alusão à comunicação da deliberação aos condóminos ausentes para efeitos do início da contagem do prazo para impugnação judicial da deliberação, deve significar o direito de propor a acção de anulação caduca agora no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação e não sobre a data da comunicação.

É verdade que se o legislador se referia expressamente à data da comunicação aos condóminos ausentes, menção que excluiu na nova redacção do preceito, tal deverá entender-se ter obedecido a uma razão consciente de acordo com o art. 9º, nºs 1 e 3.

Com recurso a anotação do Tribunal Constitucional[5], e para explicação do conteúdo do nº4 do art. 1433 quanto à acção de anulação, podemos ler que “Na realidade, esse prazo de 60 dias – em face dos termos da estatuição do n.º 4 e da sua inequívoca adstrição ao direito nele previsto – não pode valer, independentemente do que possa ter sido a intenção legislativa, como um prazo-limite objectivo para todas as vias de impugnação, mas apenas o prazo especificamente aplicável à propositura directa da acção de anulação, pelo que o seu decurso total em nada prejudica o exercício do direito de impugnação, pelos meios previstos no n.º 2 ou n.º 3 do artigo 1433º, dentro dos respectivos prazos. E nem sequer importa o afastamento do recurso à via judicial, pois, se o condómino optar pela convocação de uma assembleia extraordinária, a deliberação desta … é anulável judicialmente; se optar pelo recurso a um centro de arbitragem, a decisão arbitral terá, sem mais, a força e produzirá os efeitos de uma decisão judicial (artigo 26º, n.º 2, da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto)”.

E ainda que possa questionar-se a coerência interna do sistema no que toca à indiferenciação de tratamento de condóminos presentes e ausentes, quanto ao início da contagem do prazo de 60 dias para a propositura da acção de anulação da deliberação, tendo particularmente em conta a obrigatoriedade de comunicação das deliberações aos que não estiverem presentes na assembleia, poderá esclarecer-se em sossego que “quem vive em condomínio sabe que tem responsabilidades para com os seus compartes, que há encargos comuns que por todos têm de ser assumidos, que a vida em propriedade horizontal, com integração de várias fracções em unidade predial, acarreta incómodos e afazeres para os seus proprietários, que o exercício dos seus direitos e deveres obedecem a regulamentos e normas, não pode ignorar que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício bem como o pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos, que há uma administração para as partes comuns do edifício que compete à assembleia de condóminos e a um administrador, etc., etc” [6].

Em resumo, sendo a comunicação a que alude o art. 1432 nº6 necessária para os efeitos estabelecidos no seu nº5 e também para a contagem do prazo de convocação de assembleia extraordinária (art. 1433 nº2) ou para sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem (art. 1433 nº3) o prazo para propor anulação da deliberação começa a contar a partir da data da própria assembleia, seja para os condóminos nela presentes quer para os ausentes[7].

 Estas observações normativas ajudam-nos a situar com rigor o que afinal se discute nos autos e que, para os embargantes é a alegação da falta de convocatória para a assembleia de condóminos em que se terá fixado a repartição dos encargos das obras diferente da resultante da permilagem.

Percebemos deste modo que se os embargantes não foram convocados para tal assembleia mas se nela estiveram presentes teriam tido a possibilidade de reagir da forma que entendessem adequada segundo a previsão do art. 1433 - sendo que os prazos de reacção já estariam ultrapassados. Por seu turno, se eles não estiveram presentes nessa assembleia, ora porque não foram convocados, ora porque não compareceram, teriam de esperar uma comunicação através de carta registada com aviso de recepção para poderem reagir quanto a sujeitarem a deliberação em causa a arbitragem ou quanto a requererem assembleia extraordinária[8], já não quanto a proporem acção de anulação.

No que nos interessa, o embargado sustenta que a comunicação foi feita porque a ela procedeu através de carta registada o que consta do facto 6 da matéria provada, impugnada pelos embargantes, mas se a lei exige para essa comunicação não o simples registo, antes um registo com aviso de recepção, querendo manifestamente com isto garantir mais que uma simples indicação da tomada de conhecimento do destinatário mas uma verdadeira confirmação formal do recebimento da comunicação, julgamos não se poder argumentar que por se fazer prova do envio de carta registada (como decorre do ponto 6) se tenha por correctamente realizada a comunicação e cumprido o imperativo legal do art. 1433 nº6.

Acresce que, esta omissão de cumprimento de uma formalidade prescrita legalmente, traduz-se numa anulabilidade que só pode ser arguida pelo interessado (não é de conhecimento oficioso) no mencionado prazo de 60 dias a contar da data da deliberação, através da propositura de acção de anulação.

Julgamos assim, numa primeira abordagem, que o reconhecimento de não terem estado os embargantes presentes na reunião do condomínio de Janeiro de 2010 em que se foi determinada uma repartição diferente da permilagem nos encargos de conservação do imóvel e não lhe ter sido comunicada essa deliberação por carta registada com aviso de recepção, não faz improceder a execução com base na anulabilidade da deliberação uma vez que não se alegou (nem provou) a propositura de qualquer acção de anulação da deliberação em crise o que julgamos que seria absolutamente necessário para que, na oposição à execução, pudessem os executados vir obter a desvitalização do título executivo.

Não obstante, contemplamos ainda uma outra razão.

 Dispõe o artigo 1424 nº1 que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”, sendo em função do valor relativo destas, que se encontra prefixado no título constitutivo da propriedade horizontal, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio[9], como vem complementado pelo artigo 1418º, do mesmo diploma legal, que se opera a participação de cada um nessas despesas.

O princípio geral em matéria de repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum é, primariamente, o que tiver sido estabelecido pelas partes, no título constitutivo ou em estipulação adequada, vigorando, na falta de disposição negocial, como critério supletivo, o princípio da proporcionalidade, segundo o qual cada condómino paga, “em proporção do valor da sua fracção”[10], o qual só pode ser afastado, por acordo unânime dos condóminos, formalizado por escritura pública, e não por deliberação maioritária da assembleia de condóminos.

De facto, julgamos que não faria sentido proceder-se contra a regra supletiva, com desrespeito pela autonomia da vontade das pessoas com interesse legítimo[11], não sendo admissível que tal aconteça contra o voto de algum interessado, e isto apenas, consoante decorre do nº 2, do artigo 1424º, do CC, relativamente às despesas com o pagamento de serviços de interesse comum que, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovado sem oposição, por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, podem “…ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação”.

Como se decidiu no sentido sobredito, em acórdão o do STJ, “Na verdade, a norma do artigo 1424º, do CC, como resulta da análise acabada de efectuar, é uma norma de conteúdo dispositivo e não uma norma de interesse e ordem pública que estabeleça direitos inderrogáveis entre os condóminos[12].

Estas obrigações relativas às despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício constituem um exemplar típico das chamadas obrigações «propter rem» ou «ob rem», impostas em atenção a certa coisa, a quem for seu titular, verdadeiras relações creditórias incrustradas no estatuto do direito real, figurando como elemento do seu conteúdo[13].

Porque se trata de obrigações impostas em atenção a certa coisa, a quem for seu titular, devido a esta conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade da coisa, concedendo-se ao mesmo a faculdade de, por vezes, se libertar dela, renunciando ao seu direito real (abandono liberatório)” [14].

Decorre do que dizemos que sendo cada fracção, em princípio, inseparável das partes comuns do edifício que lhe correspondem, tal significa que o direito de propriedade exclusiva sobre a fracção não pode ser alienado sem o correspondente direito de compropriedade sobre as coisas comuns, nem estas sem aquela, numa incindibilidade, a que se reporta o artigo 1420º, nos 1 e 2, que reflecte o nexo de instrumental ou de acessoriedade funcional, que liga o direito de contitularidade sobre as partes comuns ao direito de propriedade exclusiva sobre a fracção autónoma correspondente.

Por esta razão, se não é lícito renunciar ao direito de compropriedade sobre as partes comuns como meio de se eximir ao encargo com as despesas necessárias à sua conservação ou fruição[15], também se entende que na justa reciprocidade do raciocínio não possa alterar-se a fórmula de cálculo de repartição assente legalmente no critério da destinação objectiva das coisas comuns, ou seja, o uso que cada condómino, objectivamente, pode fazer dessas coisas, calculado, em princípio, pelo valor relativo de cada fracção, e não o uso que, efectivamente, o mesmo faça delas[16].

Deste modo, se a responsabilidade pelas despesas de conservação subsiste mesmo em relação aqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem, por si ou por intermédio de outrem, as respectivas fracções e não se sirvam, consequentemente, das partes comuns do prédio[17], temos por inteiramente acertado, e consoante a exegese dos normativos, que se exija a unanimidade e não a maioria representativa de dois terços para que a repartição relativa aos encargos com a conservação e fruição das partes comuns do edifício possa ser feita de forma diferente da permilagem.

É verdade que a experiência revela que raramente o título constitutivo tem a o modo de repartição deste tipo de despesas fixado, porém, tal só significa quanto a nós que se possa prescindir, nesses casos, de uma alteração através de escritura pública, forma canónica correspondente à da anterior cláusula de repartição (se existisse), numa interpretação que respeita o estabelecido no art. 221 nº2, mas não que possa desconsiderar-se a necessidade de o acordo ter de ser unânime.

Aliás, julgamos ainda que esta unanimidade exigida, quando não esteja a regra da repartição presente no título de constituição da propriedade horizontal, pode ser obtida de acordo com a previsão do art. 1432 nº5, ou seja, quando tendo sido comunicada a deliberação carecida aos condóminos ausentes, através de carta registada com aviso de recepção, estes dêem o seu assentimento no prazo de 90 dias ou nada digam (nº7 e 8 do citado preceito).

Perante o exposto, revelando seguramente os autos que o acordo obtido em assembleia de condóminos de Janeiro de 2010 não teve unanimidade na assembleia (onde não estiveram presentes os embargantes) nem se podendo sequer concluir que foi obtido, posteriormente, com o expresso ou até tácito consentimento destes, uma vez que a comunicação de tal deliberação não lhes foi feita na forma legal, devemos concluir que ser irrelevante a impugnação da matéria de facto quanto ao ponto 6 dos factos considerados provados na sentença, uma vez que fosse qual fosse a resposta a essa matéria (como provada ou não provada) a solução do recurso se resolve sem o contributo desse facto.    

Quanto à questão de direito, a sentença recorrida blasonou de fundado o seu mérito na circunstância de considerar que a assembleia pode fixar regras de repartição das despesas diferentes da resultante da permilagem, para os encargos de conservação e fruição do edifício, remetendo directamente para o art. 1424 nº1 e 2.

Esta declaração interpretativa do preceito não ressalva contudo qualquer diferença entre as despesas referentes a esses encargos e àqueles outros relativos ao pagamento de serviços de interesse comum, sabendo-se que a técnica legislativa foi a de cindir na sua natureza esse diferente tipo de encargos, expressando apenas e só para os referidos no nº2 a possibilidade de ficarem a cargo dos condóminos em partes iguais mediante uma deliberação, sem oposição, por maioria representativa de dois terços e, mesmo assim, com a exigência de ficarem devidamente especificados e justificados os critérios que determinaram imputação diferente da proporcionalidade da permilagem.

Julgamos, pois, que não pode aplicar-se às despesas previstas no nº1 do art. 1424 o regime estabelecido para as do nº2 e, por isso, este argumento expresso na sentença, cremos que não procede.

Também sentenciou a decisão recorrida, que a oposição dos embargantes é material e formalmente injustificada por não constituir o meio próprio de reacção às deliberações de uma assembleia de condóminos e isto porque, “enquanto não ocorrer uma alteração válida de qualquer uma das referidas deliberações, seja ela por acordo de todos os condóminos (voluntária), seja por decisão judicial (imposta), as normas e critérios a aplicar são aqueles que forem aprovados pela assembleia de condóminos – e não validamente impugnadas por nenhum dos condóminos, de outra forma estaria encontrado o modo dos condóminos se eximirem às suas responsabilidades.” E acrescenta ainda que “[S]e por hipótese alguma das deliberações vier a ser declarada nula e/ou vier a ser reconhecida alguma irregularidade/ilegalidade na fixação das responsabilidades dos embargantes, então, nessa altura, sim, poder-se-á ponderar a possibilidade de um eventual acerto de contas, o que não se afigura viável é que essas obrigações se “suspendam” no decurso de uma ação executiva, sob pena de se comprometer a própria administração e a conservação das partes comuns.

Enquanto uma determinada deliberação da assembleia de condomínio permanecer inalterada, inalteradas se mantêm as obrigações e direitos dos condóminos.”

É neste segundo argumento que julgamos que se resolve, em conformidade com o decidido, o mérito da Apelação.

De facto, com a autoridade que se continua ainda a reconhecer nesta matéria a Aragão Seia, julgamos ser pacífico que “a ata da reunião da assembleia que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte nº 1 do artº 6º do DL nº 268/94 de 25/10- ainda que o condómino não tenha estado presente nessa assembleia; a força executiva da ata não tem a ver com a assunção pessoal da obrigação consubstanciada na assinatura dela, mas sim com a eficácia imediata da vontade colectiva, definida através da deliberação nos termos legais, exarada na ata” [18].

É rigoroso portanto concluir, como na sentença recorrida, que não obstante tivesse ou não ocorrido falta de comunicação aos embargantes da deliberação tomada na assembleia do condomínio que acordou a repartição das despesas de conservação em proporção diferente da permilagem, tal comunicação não impedia a exequibilidade do título executivo, pois que a obrigação decorrente da deliberação se torna exigível com a simples tomada da deliberação e enquanto não tiver sido impugnada, v.g., com a propositura da acção de anulação, o que nos autos nem sequer se encontra alegado.

Assim, deve considerar-se, por tudo o sobredito, que a acta da assembleia apresentada constitui título executivo susceptível de fundar a execução na parte respeitante à responsabilidade dos embargantes com as obras para a reparação do telhado, sendo legalmente irrelevante, para questionar a exequibilidade do título, o não ter sido convocado ou não lhe ter sido comunicada a deliberação sobre a repartição desses encargos.

Sumário da decisão:

- Quando os condóminos não tenham sido convocados para a assembleia ou não o tenham sido com observância dos requisitos estabelecidos no nº1 do art. 1432 do CCivil as deliberações tomadas nessa assembleia são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado dentro do prazo a que alude o art. 1433 nº4.

- A comunicação a que alude o art. 1432 nº6 do CCivil é necessária para os efeitos estabelecidos no seu nº5 e também para a contagem do prazo de convocação de assembleia extraordinária (art. 1433 nº2) ou para sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem (art. 1433 nº3).

- Não tendo estado presentes os condóminos presentes na assembleia em que se tenha deliberado uma repartição diferente da permilagem nos encargos de conservação do imóvel e não lhes tendo sido comunicada essa deliberação por carta registada com aviso de recepção, tal não faz improceder a execução com base na anulabilidade da deliberação uma vez que não se alegou (nem provou) a propositura de qualquer acção de anulação da deliberação, o que era necessário para que, na oposição à execução, pudessem os executados vir obter a desvitalização do título executivo.

- O princípio geral em matéria de repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum é, primariamente, o que tiver sido estabelecido pelas partes, no título constitutivo ou em estipulação adequada.

- Na falta de disposição negocial, o princípio da proporcionalidade só pode ser afastado, por acordo unânime dos condóminos, formalizado por escritura pública se a regra da repartição estiver contida no título de constituição da propriedade horizontal.

- Esta unanimidade exigida, quando não esteja a regra da repartição presente no título de constituição da propriedade horizontal, pode ser obtida de acordo com a previsão do art. 1432 nº5 do CCivil.

- A acta da reunião da assembleia que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte - nº 1 do artº 6º do DL nº 268/94 de 25/10 - ainda que o condómino não tenha estado presente nessa assembleia;

- A força executiva da ata não tem a ver com a assunção pessoal da obrigação consubstanciada na assinatura dela, mas sim com a eficácia imediata da vontade colectiva, definida através da deliberação nos termos legais, exarada na ata, e vale enquanto não for anulada a deliberação nos termos legalmente prescritos.

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a Apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Apelantes.

Coimbra, 6 de Dezembro de 2016

Relator:

Manuel Capelo

Adjuntos:

1º - Falcão de Magalhães

2º - António Domingos Pires Robalo


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[1] Vd. Sandra Passinhas in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Industrial”, 2ª edição, página 249 e nota 641, página 259.
[2] Propriedade Horizontal”, 2ª edição, páginas 186/187.
[3] Por exemplo, o acórdão do STJ de 21.01.2003, no processo n.º 02A3883, em www.dgsi.pt.
[4] Ac. RP 3-7-2012 no proc. 1168/10.3TBPNF-A.P1, in dgsi.pt.
[5] Acórdão n.º 482/2010, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 18, de 26 de Janeiro de 2011, fls. 5184 a 5186.
[6] Acórdão de 12.10.2009, no processo n.º 5944/05.0TBVFR.P1, in dgsi.pt. e Rui Vieira Miller, “A Propriedade Horizontal no Código Civil”, 3ª edição, página 272.
[7] Neste mesmo sentido, para além do acórdão já mencionado cfr. os acórdãos do STJ de 03.10.2002, no processo 02B1816, e de 17.03.2005, no processo n.º 05B018, bem como o acórdão da Relação de Lisboa de 25.11.2008, no processo n.º 2838/2008-1, todos in dgsi.pt.
[8] Vd. neste sentido ac. R.L de 8-11-2012 , no proc. 46628/04.0YYLSB-A.L1-6, in dgsi.pt.
Não se desenvolve aqui a hipótese não suscitada por nenhum elemento nos autos e que era a de existir eventual abuso de direito decorrente da prova inequívoca de, embora sem terem sido notificados por carta registada com aviso de recepção, terem tomado conhecimento das deliberações, nomeadamente, através da participação em posteriores assembleias de condóminos e terem deixado passar um tempo significativo sem reagirem nas formas previstas legalmente.
[9] Mota Pinto, Direitos Reais, 1970/71, 282; e RDES, 21º, 113.
[10] STJ, de 8-7-1997, CJ (STJ), Ano V, T2, 146 onde se lê que “o nº 1 do artigo 1424 do CCIV prescreve uma regra simplesmente supletiva relativa aos débitos, para conservação e fruição das partes comuns do condomínio e serviços de interesse comum, em proporção dos valores das respectivas fracções. II - Esta regra é passível de ser afastada por disposição em contrário, que terá de revestir a forma de escritura pública se, na constituição do condomínio, ficou algo imperativamente diverso do regime que, depois, se pretenda instituir; fora disso, poderá ser objecto de regulamento ou de deliberação avulsa da assembleia geral mas, sempre, com exigência da concordância dos condóminos afectados.”
[11] Rodrigues Pardal e Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal, 5ª edição,
[12] STJ, de 8-2-2001, CJ (STJ), Ano IX, T1, 105
[13] Manuel Henrique Mesquita, A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, Coimbra, 1978, 75.
[14] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, revista e actualizada, reimpressão, 1987, 417 e 418 e ac. STJ de 12-11-2009 no proc. 5242/06.2TVLSB.S1.
[15] Diferentemente no direito de compropriedade face ao estipulado no art. 1411, como se pode ler em Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, revista e actualizada, reimpressão, 1987, 432.
[16] Diga-se por exemplo que de modo diferente o Código Civil Italiano perfilhou, quanto às partes comuns do prédio, destinadas a servir os condóminos, em medida diferente, o critério da utilidade, isto é, o da repartição proporcional ao uso que cada condómino, realmente, faz da coisa.
[17] Manuel Henrique Mesquita, RDES, Ano XXIII, 97 e ss.
[18] in Propriedade Horizontal, Coimbra, 2001, p. 198