Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
473/18.5T8CNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
CONTRATO DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - CANTANHEDE - JL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.60, 64, 65 CPC, 37, 38, 117, 126 DA LEI Nº 62/2013 DE 26/8
Sumário: Compete aos juízos do trabalho conhecer de um pedido de indemnização formulado por uma trabalhadora contra a sua entidade patronal pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do facto de não terem sido cumpridas as obrigações contributivas (por o empregador não ter efectuado todos os descontos/contribuições para a Segurança Social sobre as retribuições auferidas no decurso do vínculo laboral), dada a sua repercussão, além do mais, no cálculo da respectiva pensão de velhice (art.º 126º, n.º 1, alínea b) da LOSJ).
Decisão Texto Integral:   



         

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. 1. Em 06.7.2018[1], I (…) instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra (Instância Local Cível de Cantanhede), a presente acção declarativa comum contra L (…), pedindo que seja condenado a pagar-lhe uma indemnização no montante global de € 38 463,32 e respectivos juros moratórios pelos danos patrimoniais e não patrimoniais relativos às repercussões da sua conduta pela falta de pagamento das contribuições da A. à Segurança Social, nos anos de 1997 a 2007.

Alegou, em síntese:

a) Foi admitida para trabalhar sob a autoridade, direcção e fiscalização do Réu em 10.4.1997, tendo trabalhado ininterruptamente até 03.11.2015, exercendo a profissão inerente à categoria de cozinheira, embora na realidade as suas funções fossem mais além daquelas;

b) À data da cessação do contrato de trabalho auferia a retribuição mensal de cerca de € 550;

c) O Réu, deliberadamente e relativamente à A., não cumpriu a sua obrigação contributiva perante a Segurança Social, causando-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais, inclusive, no âmbito das prestações sociais a que tem direito (designadamente à pensão de velhice paga pelo regime contributivo) e como melhor se descreve nos art.ºs 30º e seguintes da petição inicial (p. i.).

2. O Réu contestou, invocando, além do mais, a incompetência absoluta do Juízo Cível, em razão da matéria, para conhecer do litígio, pois o pedido da A. assenta numa relação jurídica havida entre as partes que está sujeita às normas próprias de um vínculo de direito privado, laboral, e tem como objecto uma consequência de natureza previdencial, também regulamentada por normas de direito público; impugnou, entre outros, os factos aludidos em II. 1. a), supra e os documentos juntos com a p. i..

No exercício do contraditório, a A. pugnou pela improcedência da excepção.

Por saneador-sentença de 16.12.2018, a Mm.ª Juíza a quo declarou a incompetência absoluta do Juízo Local Cível em razão da matéria por tal competência pertencer aos Juízos do Trabalho e, em consequência, absolveu o Réu da instância.

Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - Vem o presente recurso de apelação interposto do despacho saneador, na parte em que decidiu pela existência da excepção dilatória de incompetência material do Juízo Local Cível para decidir do peticionado pela A./recorrente.

2ª - Uma vez que actualmente só seria possível a regularização voluntária das contribuições pelo próprio beneficiário junto da Segurança Social, o que a A. não consegue fazer por incapacidade financeira, situação que lesou em muito os interesses da A. pois teve sérias e gravosas repercussões na determinação do montante a auferir a título de pensão de velhice.

3ª - A sentença recorrida não fez uma correcta interpretação do disposto no art.º 126º da Lei de Organização do Sistema Judiciário/LOSJ, ao considerar que é competente para conhecer desta matéria, o Juízo de Trabalho.

4ª - O que se trata nos presentes autos é de um pedido indemnizatório, efectuado ao abrigo do instituto de responsabilidade civil extracontratual pela prática de factos ilícitos, nos termos do art.º 483º do Código Civil (CC), em consequência da conduta ilícita do Réu, no âmbito de um contrato de trabalho que vigorou entre as partes, pelo incumprimento de obrigações para com a Segurança Social.

5ª - O pedido cível formulado pela A. fundamenta-se na existência, em tempos, de um contrato de trabalho subordinado, no entanto, a acção, tal como é configurada, não se relaciona com qualquer incumprimento ou violação desse contrato de trabalho, e nem de uma obrigação acessória do contrato de trabalho, como entendeu a sentença a quo.

6ª - A obrigação de efectuar descontos para a Segurança Social, ao abrigo de uma relação jurídica laboral subordinada, decorre directamente da lei (no caso, da Lei de Bases da Segurança Social) e não no contrato de trabalho (embora tenha aquele como razão de ser).

7ª - A obrigação de contribuição no âmbito de actividade profissional subordinada que cabe às entidades empregadoras constitui um verdadeiro dever de contributo, não se confundindo com a relação laboral já que apenas incide sobre um dos sujeitos da relação laboral - a entidade empregadora.

8ª - A relação jurídica em causa resulta da lei e não do contrato, o que até poderia remeter para a jurisdição administrativa e fiscal, mas, tratando-se de um pedido de indemnização formulado por um sujeito de direito privado contra outra entidade com a mesma natureza jurídica, a competência cabe à jurisdição comum.

9ª - Assim, resultando a pretensão da A. da violação de um dever de tributo resultante da lei e não do contrato de trabalho, a competência caberá, por exclusão de partes, aos Juízos Cíveis, por via do disposto no art.º 130º, n.º 1 da LOSJ.

10ª - A decisão em crise não foi acertada, por não interpretar nem aplicar correctamente os preceitos legais atinentes, nomeadamente os art.ºs 126º da LOSJ, 59º da Lei de Bases da Segurança Social e 483º do CC, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que julgue por não verificada a excepção de incompetência material para apreciar a pretensão formulada pela recorrente no pedido.

O Réu respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa decidir da competência em razão da matéria para conhecer do objecto do litígio - se, atenta a natureza da relação substancial pleiteada, o Tribunal recorrido é competente para julgar a acção ou se essa competência cabe ao Juízo do trabalho, sendo aquele materialmente incompetente.


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II. 1. A matéria a considerar é a que resulta do relatório que antecede.

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

A competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições do Código de Processo Civil (art.º 60º, n.º 1 do Código de Processo Civil/CPC). Na ordem interna, a jurisdição reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, o valor da causa, a hierarquia judiciária e o território (n.º 2).

            São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (art.º 64º do CPC).

            As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada (art.º 65º do CPC).

            A infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (art.º 96º, al. a), do CPC).

            Nos termos da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ/aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.8, na redacção conferida pela Lei n.º 40-A/2016, de 22.12), que estabelece as normas de enquadramento e de organização do sistema judiciário:

- Na ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território (art.º 37º, n.º 1).[2]

- A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei (art.º 38º, n.º 1). São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa (n.º 2).

- Compete aos juízos centrais cíveis a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000 (art.º 117º, n.º 1, a)).

- Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível, nomeadamente, das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho (art.º 126º, n.º 1, alínea b)); das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais (alínea i));

- Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respectiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada (art.º 130º, n.º 1).

3. O contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização sob a autoridade destas (art.º 11º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12.02).[3]

4. Sabemos que a competência material do tribunal se afere em função dos termos em que o autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver reconhecida[4] e que o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (i. é, o pedido) se encontra necessariamente correlacionado com o facto concreto que lhe serve de fundamento/causa de pedir.

Assim, ao determinar o tribunal competente em razão da matéria para o conhecimento da lide, temos de atentar, sobretudo, na alegação do A. e no efeito jurídico pretendido.

Como com inteiro acerto diz o tribunal recorrido, a competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, tendo em conta o teor da pretensão do autor e dos fundamentos em que a baseia.

5. A Mm.ª Juíza a quo, partindo do mencionado regime normativo (maxime, art.ºs 126º, n.º 1, alínea b) e 130º, n.º 1, da LOSJ) e invocando alguns acórdãos dos Tribunais Superiores/Secções Sociais (acórdãos da RP de 18.12.2013-proc. 1132/12.8TTBRG-A.P1[5] e da RL de 21.9.2005-proc. 4107/2005-4[6]), veio a considerar que dada a relação material controvertida tal como é configurada pela A. e a pretensão apresentada, trata-se de uma acção de indemnização fundada em responsabilidade civil, emergente do incumprimento de uma obrigação acessória de um contrato de trabalho celebrado entre as partes, e que, fundando-se a pretensão deduzida pela A. na vigência de uma contrato de trabalho entre as partes e do incumprimento pelo Réu, enquanto empregador, das obrigações legais inerentes ao mesmo, a competência para a sua tramitação e apreciação está atribuída aos Juízo de Trabalho por se tratar de questão emergente de uma relação de trabalho subordinado.

Daí ter concluído pela incompetência do Tribunal em razão da matéria, excepção dilatória insanável, determinando a absolvição do Réu da instância (art.ºs 96º, alínea a), 97º, n.º 1, 99º, n.º 1, 278º, n.º 1, al. a), 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, alínea a) e 578º, do CPC).

6. Atento o explanado em II. 4., supra, para se saber qual o tribunal competente em razão matéria para o conhecimento da lide, temos de atentar, sobretudo, na alegação do A. e no efeito jurídico pretendido.

Tendo em conta os elementos dos autos e o descrito posicionamento das partes, afigura-se-nos inteiramente correcta a fundamentação vertida na decisão recorrida, porquanto, ressalvado o devido respeito por diferente entendimento, se antolha inequívoco que a pretensão da A. é sustentada na relação de trabalho subordinado que existiu entre as partes (cf. o art.º 126º, n.º 1, alínea b) do LOSJ) - porventura ainda insuficientemente configurada - e nos direitos e deveres (legais e/ou contratuais) dela emergentes, directa ou conexamente, sendo também evidente que não se questiona a competência para condenar ao pagamento de quaisquer contribuições à Segurança Social[7] e está em causa, apenas, averiguar e decidir da factualidade conducente à pretendida indemnização por (alegado) prejuízo sofrido pela A. por o ex-empregador/Réu não ter procedido aos descontos para a segurança social sobre as retribuições[8] [9] (decorrentes dos deveres legais conexos com o contrato de trabalho subordinado[10]; subjacente ao comportamento ilícito e culposo imputado ao Réu, que fundamenta o pedido, está uma obrigação legal derivada ou consequente do contrato de trabalho subordinado celebrado entre as partes - art.ºs 56º e 57º da Lei 4/2007, de 16/01[11]; a pretensão deduzida em juízo tem por fundamento a mesma causa de pedir, procedendo do mesmo facto jurídico a relação laboral[12]), o que poderá, inclusive, exigir/envolver o conhecimento de questões prejudiciais (cf. o art.º 92º do CPC, ex vi do art.º 20º do Código de Processo do Trabalho)[13].

7. Estando-se perante matéria da competência dos tribunais do trabalho/ juízos do trabalho em matéria cível - e independentemente da bondade da pretensão deduzida em juízo -, soçobra, pois, tudo quanto em sentido contrário se fez constar das “conclusões” da alegação de recurso, reafirmando-se a incompetência absoluta, em razão da matéria, declarada pelo Juízo Cível a quo.

                                                        *

III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela A./apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido (fls. 29 verso).


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08.5.2019

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Alberto Ruço



[1] Como decorre, apenas, do processo electrónico.

[2] E dispõe o art.° 211º da Lei Fundamental que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (n.º 1) e que na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas (n.º 2).
[3] Idêntica noção, porventura menos precisa, constava do art.º 10º do anterior CT, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27.8 [veja-se também a definição do art.º 1152º do Código Civil].
[4] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 91 e 95 e os Acórdãos do STJ de 12.01.1994, 22.01.1997, 20.5.1998 e 26.6.2001, in CJ-STJ, II, 1, 38 e V, 1, 65; BMJ, 477º, 389 e CJ-STJ, IX, 2, 129, respectivamente.

[5] Quanto a pedido idêntico ao destes autos e que considerou: “O que o A./recorrente pede é o pagamento de uma importância decorrente do incumprimento do contrato de trabalho (ressarcimento dos danos); na verdade, o A. diz o seguinte: mantive um contrato de trabalho com a Ré e esta não cumpriu um dos deveres inerentes ao mesmo (proceder aos descontos para a segurança social), pelo que deve indemnizar-me dos prejuízos que sofri por virtude desse incumprimento./ Encontramo-nos no âmbito da responsabilidade contratual, cujo incumprimento pode determinar a obrigação de indemnizar (cf. artigos 798º e 483º, ambos do Código Civil)./ Assim, fazendo a subsunção da matéria/questão à competência dos tribunais do trabalho, entende-se que aquela se insere na alínea b) do art.º 85º da LOTJ, pois trata-se de uma questão emergente de trabalho subordinado, na medida em que (…) está em causa o (in)cumprimento do contrato e as consequências daí decorrentes” (sublinhado nosso).

[6] Também aí se analisou questão similar, escrevendo-se: “O incumprimento de tal obrigação contributiva para com a Segurança Social, porque só existe na medida em que havia um contrato de trabalho, sendo tal incumprimento causal de danos na esfera jurídica da outra parte dessa relação de trabalho, por ver diminuídas prestações da Segurança Social, maxime da pensão de velhice, constituindo ilícito, pode, havendo culpa, fundamentar, nos termos do art.º 483º e seg. do CC, o direito à reparação, sendo a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento (a omissão das contribuições devidas) a forma mais correcta e rigorosa de reparação desse dano (art.º 562º do CC). Mas ainda que não haja responsabilidade civil, haverá pelo menos um enriquecimento ilegítimo do R. e um correlativo empobrecimento da A., gerador da obrigação de indemnizar./ Assim equacionada a acção (como a A. a equacionou), enquadra-se na previsão do art.º 85º n.º 1 al. b) da L. 3/99, de 13/1, ou seja uma acção emergente de uma relação de trabalho subordinado, já que subjacente ao comportamento ilícito e culposo imputado à R. ou pelo menos ao enriquecimento ilegítimo da mesma, que serve de fundamento ao pedido, está uma obrigação legal que só existe porque entre as partes existia um contrato de trabalho subordinado” (sublinhado nosso).

[7] Cf., a propósito, de entre vários, os acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 19.11.2009-processo 015/08 [tendo-se explanado e concluído: “as questões relacionadas com contribuições devidas aos regimes de segurança social devem ser encaradas como questões respeitantes matéria tributária ou parafiscal, para cuja discussão contenciosa são competentes os tribunais tributários”; «Compete à jurisdição administrativa e fiscal, através dos tribunais tributários, conhecer de um pedido de condenação de uma entidade patronal no sentido de corrigir adequadamente os descontos efectuados para a Caixa Geral de Aposentações.»] e da RP de 14.12.2017-processo 21041/15.8T8PRT-A.P1 [tendo-se sumariado e fundamentado que “A obrigação de liquidar e pagar as contribuições devidas à Segurança Social não decorre directamente da violação do contrato de trabalho mas sim da violação de um dever de contributo/tributário. O Tribunal do Trabalho é incompetente em razão da matéria para conhecer dos pedidos de condenação da entidade patronal no pagamento de tais contribuições”, sendo que “a obrigação de liquidar e pagar as contribuições não decorre directamente da violação do contrato de trabalho mas sim da violação de um dever de contributo/tributário”] - este, citado nos autos (pelas parte e o Tribunal recorrido) -, publicados no “site” da dgsi.

    Com idêntico entendimento vide Maria do Rosário Palma Ramalho, Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, Almedina, 2000, págs. 127, 129 a 131 e “nota 278”, onde se defende, designadamente que “(…) não são laborais as situações jurídicas do âmbito da segurança social porque, embora decorram da qualidade de trabalhador subordinado e da qualidade de empregador (no caso deste como sujeito passivo, contribuindo para o financiamento do sistema e, no caso daquele, como contribuinte e como beneficiário desse sistema) não actuam as posições laborais do sujeito empregador e do sujeito trabalhador”.

 [8] Este o entendimento claramente expresso, entre outros, nos acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 07.7.2009-processo 07/09, 19.11.2009-processo 015/08 (cit. na nota anterior) [tendo-se concluído: «Compete aos tribunais judiciais conhecer de um pedido de indemnização formulado por um trabalhador contra a sua entidade patronal, pelos danos que para ele advieram do facto de esta não ter cumprido as suas obrigações contributivas para com aquele instituto de previdência.»], 10.12.2009-processo 024/08 e 08.11.2018-processo 025/18, da RP de 18.12.2013-processo 1132/12.8TTBRG-A.P1 [com o seguinte sumário: «I - A competência em razão da matéria fixa-se em função dos termos em que a acção é proposta, atendendo-se ao direito de que o Autor se arroga e que pretende ver judicialmente protegido; II - Por força do que estatui a alínea b), do artigo 85º da LOTJ, o tribunal do trabalho é competente para conhecer do pedido formulado pelo trabalhador de condenação do empregador a pagar-lhe uma indemnização decorrente do prejuízo por ele sofrido por o empregador não ter procedido aos descontos para a segurança social sobre as retribuições (do trabalhador)] e da RL de 21.9.2005-proc. 4107/2005-4, os dois últimos, também referidos em II. 5. e “notas 5 e 6”, supra.

[9] E porque decorre do regime jurídico aplicável que o cálculo das pensões de velhice tem por base os rendimentos de trabalho de toda a carreira contributiva dos beneficiários, é evidente que se o Réu não cumpriu o dever a que estava legalmente obrigado, necessariamente o cálculo da pensão de reforma da A. foi afectado, isto é, no seu cálculo não foram consideradas as contribuições que deveriam ter sido entregues pelo Réu e, consequentemente, o valor da pensão foi inferior àquele a que aquela teria direito desde que tal obrigação tivesse sido observada - cf., de entre vários, o acórdão da RL de 28.01.2015-processo 1874/11.5TTLSB.L2-4 [aresto que se debruça, principalmente, sobre a questão da responsabilização pela declaração de início de actividade profissional/laboral no âmbito do DL n.º 124/84, de 18.4 - que regulava as condições em que deviam ser feitas perante a Segurança Social as declarações do exercício de actividade, bem como as condições e consequências da declaração extemporânea do período de actividade profissional perante as Instituições de Segurança Social - e nos diplomas subsequentes (nomeadamente, a Lei n.º 32/2002, de 20.12), realçando-se a dificuldade no tratamento da matéria à luz dos sucessivos quadros normativos e, naturalmente, a particular importância das especificidades do caso concreto], publicado no “site” da dgsi.

[10] Cf., neste sentido, o cit. acórdão da RL de 21.9.2005-processo 4107/2005-4 - cf. a “nota 6”, supra -[referindo-se, na fundamentação, que estava em causa “uma obrigação legal que só existe porque entre as partes existia um contrato de trabalho subordinado”, e tendo-se concluído, designadamente: «Configura acção de indemnização fundada em responsabilidade civil, emergente do incumprimento de uma obrigação acessória do contrato de trabalho - como é a obrigação contributiva perante a Segurança Social - ou, pelo menos, fundada no enriquecimento sem causa (art.ºs 473º e segs. do CC), e não execução para pagamento coercivo das contribuições à Segurança Social, como à primeira vista se poderia pensar, aquela em que um trabalhador demanda a entidade patronal pedindo a respectiva condenação a pagar à Segurança Social as contribuições relativas à actividade prestada ao seu serviço durante certo período, como forma de obter a reparação, por reconstituição natural, do prejuízo causado ao A. pelo comportamento da R. que consiste na omissão de tal pagamento, o que, pela repercussão que necessariamente terá no valor da pensão de velhice a que o A. terá direito, é causa adequada do prejuízo que se traduz na diferença entre o valor da pensão calculada com base em todos os salários que auferiu ao longo da sua carreira profissional e da pensão calculada sem considerar os salários do período em causa.»].

[11] Preceituam os referidos artigos:

   Os beneficiários e, no caso de exercício de actividade profissional subordinada, as respectivas entidades empregadoras, são obrigados a contribuir para os regimes de segurança social (art.º 56º, n.º 1). A obrigação contributiva das entidades empregadoras constitui-se com o início do exercício da actividade profissional dos trabalhadores ao seu serviço (n.º 2). A lei define o modo e as condições de concretização da obrigação contributiva e das demais obrigações dos contribuintes perante o sistema (n.º 3). A lei estabelece ainda, nos casos de incumprimento das obrigações dos contribuintes, o regime do respectivo suprimento oficioso pelos serviços da segurança social (n.º 4).

   O montante das quotizações dos trabalhadores por conta de outrem e das contribuições das entidades empregadoras é determinado pela aplicação das taxas legalmente previstas às remunerações que, nos termos da lei, constituam base de incidência contributiva (art.º 57º, n.º 1).

   E prescreve o art.º 59º da mesma Lei:

   As entidades empregadoras são responsáveis pelo pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, devendo para o efeito proceder, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes (n.º 1). São nulas as cláusulas do contrato, individual ou colectivo, pelo qual o trabalhador assuma a obrigação de pagar, total ou parcialmente, as contribuições devidas pela entidade empregadora (n.º 2).
[12] Cf. o citado acórdão do Tribunal dos Conflitos de 07.7.2009-processo 07/09.
[13] Ibidem.