Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
245/14.6TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: DIFAMAÇÃO ATRAVÉS DA IMPRENSA
COMPARTICIPAÇÃO
DIRECTOR DE PUBLICAÇÃO PERIÓDICA
CRIME PARTICULAR
QUEIXA
ACUSAÇÃO PARTICULAR
RENÚNCIA TÁCITA DO DIREITO DE ACUSAÇÃO PARTICULAR
Data do Acordão: 11/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (INST. CENTRAL DE COIMBRA – SEC. INS. CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 115.º, 116.º E 117.º, DO CP; ART. 31.º, N.º 3, DA LEI DE IMPRENSA, APROVADA PELA LEI 2/99, DE 13-01, E ALTERADA PELAS LEIS N.ºS 18/2003, DE 11-06, 19/2012, DE 08-05, E 78/2015, DE 29-07
Sumário: I - Da queixa apenas tem de resultar a vontade no sentido da instauração de procedimento criminal, sem necessidade, quer da qualificação jurídica dos factos, quer da sua completa concretização, tão pouco se exigindo a identificação, total ou parcial, do(s) sujeito(s) ativo(s) do delito.

II - Quando a ofendida estende a queixa aos responsáveis de uma revista, por, segundo é referido, “terem elaborado, editado e publicado determinada notícia difamatória e injuriosa”, não pode deixar de se entender visar a mesma também o diretor daquele periódico.

III - Ao invés do que sucede com os crimes de natureza pública ou semi-pública, nos crimes particulares, o Ministério Público surge numa posição de subordinação à do assistente, na medida em que a prossecução do procedimento, a sua introdução em juízo, fica garantida pela mão deste.

IV - Em conformidade, é, para tanto, irrelevante que o Ministério Público considere verificarem-se, ou não, suficientes indícios do crime em questão, e bem assim quem foram os autores do ilícito penal, porquanto o assistente pode acusar por outro(s) crime(s) de natureza particular e estender a acusação (particular) a outro(s) agente(s), que não o(s) indicado(s) por aquele Magistrado.

V - Dada a subordinação acima assinalada - da posição do MP à posição do assistente -, no caso concreto versado nos autos, nada impedia a formulação da acusação particular - dentro dos limites delineados na queixa - também contra o director da publicação, tão pouco a circunstância de, findo o inquérito, a assistente ter sido notificada para, querendo, deduzir a dita peça processual apenas contra diversa(s) pessoa(s).

VI - Não tendo sido deduzida, pelo assistente, acusação particular contra um dos comparticipantes - o director da revista periódica (cfr. artigo 31.º, n.º 3, da Lei de Imprensa, aprovada pela Lei 2/99, de 13-01, e alterada pelas Leis n.ºs 18/2003, de 11-06, 19/2012, de 08-05, e 78/2015, de 29-07), determinando o artigo 117.º do CP a aplicação das disposições legais anteriores, entre as quais as normas contidas nos artigos 115.º e 116.º do mesmo diploma legal, tal omissão, não estando expressamente justificada pela circunstância de o assistente concluir pela inexistência de indícios suficientes para estender a peça acusatória à referida pessoa, aproveita aos demais comparticipantes, em termos tais que o processo criminal não poderá prosseguir por renúncia tácita do referido direito (de acusação particular).

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito dos autos n.º 245/14.6TACBR.C1, da Comarca de Coimbra, Coimbra – Inst. Central – Sec. Ins. Criminal – J1, finda a fase de Inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento relativamente aos crimes de difamação com publicidade e de devassa da vida privada, p. e p., respetivamente, pelos artigos 180º e 183º e 192º, nº 1, al. b), todos do C. Penal, imputados (de acordo com o despacho de arquivamento) pela assistente A... a B... , determinando, em simultâneo, a notificação da assistente para, querendo, deduzir acusação particular contra os arguidos C... e D... – [cf. fls. 254/256].

2. Na sequência do que veio a assistente a apresentar acusação particular contra C... e D... , imputando-lhes a prática, em autoria, de um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 183º, nº 1, al. a), do C. Penal, no que foi acompanhada pelo Ministério Público – [cf. fls. 218 a 219; 223 a 224].

3. Requereu, ainda, a assistente a abertura da fase de Instrução contra B... e «Legais Responsáveis da empresa proprietária da revista “ k...... ”», requerendo a respetiva pronúncia pela prática do crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192.º, n.º 1, al. b) do Código Penal – [cf. fls. 247 a 252].

4. Remetidos os autos ao Tribunal de Instrução, por despacho de 09.02.2015, a Mª JIC, considerando que o requerimento para abertura da Instrução, em relação «aos legais representantes da k...... », enfermava da nulidade, prevista no artigo 283º, n.º 3, ex. vi. do artigo 287.º, n.º 2, do CPP, no que aos mesmos concerne, por inadmissibilidade legal da instrução, rejeitou-o, declarando, então, aberta a Instrução quanto à arguida B... – [cf. fls. 257 a 262].

5. Também os arguidos C... e D... , notificados da acusação particular deduzida pela assistente, requereram a abertura da Instrução, o que foi admitido – [cf. fls. 285 a 294].

6. Finda a Instrução, foi proferido despacho de não pronúncia quanto à arguida B... pela prática do crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192º, n.º 1, al. d), do C. Penal; Simultaneamente, foi declarada a «nulidade do despacho de fls. 255-256 no que respeita à acusação particular, bem como dos atos subsequentes a esta respeitantes (acusação particular e respetiva instrução)», e, com vista à sanação da dita nulidade, determinada a remessa dos autos aos Serviços do Ministério Público – [cf. fls. 336 a 353].

7. Inconformados com a decisão na parte em que declarou a sobredita nulidade, recorreram os arguidos C... e D... , extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

a) A assistente tinha a obrigação legal de identificar todos os agentes, incluindo o diretor da publicação, obrigação essa que não cumpriu, de todo, com o uso de uma expressão genérica e vaga como “responsáveis da revista k...... ”;

b) Relativamente ao diretor, competia à assistente indicar e concretizar os factos praticados por este e que fundamentam a sua responsabilidade criminal (art. 243.º/1/a) do CPP), bem como todos os elementos necessários à identificação do agente (art. 243º/1/c) do CPP). Nenhum destes requisitos formais que a denúncia tenha que conter obrigatoriamente, por forma do disposto no art. 246.º/3 do CPP, foram elencados pela assistente;

c) A assistente tinha a obrigação legal de especificar a identidade do diretor e os factos praticados por este que fundamentam a sua responsabilização e não o fez, incumprindo, desta forma, o art. 243º/1/a) e c) do CPP. Além de não o ter feito, utilizou uma fórmula genérica e vaga em que cabe lá todos os que trabalham nessa revista. E esta fórmula genérica, por violar a norma supra referida, não pode ter qualquer efeito processual, ou seja, da mesma não se pode retirar que houve o correto exercício do direito de queixa, sendo uma denúncia inexistente, do ponto de vista jurídico-processual penal;

d) A Exma. Sr.ª JIC, ao afirmar que houve denúncia apresentada contra o diretor, porque tal fórmula genérica abrange, o cargo de diretor, realiza um exercício de interpretação extensiva que é ilegal, por violação dos requisitos formais previstos no art. 243º/1/a) e c) do CPP e absurdo, extravasando até os poderes concedidos ao JIC, na medida em que se dá ao luxo de “entrar na cabeça” da assistente para determinar qual o sentido da expressão vaga e genérica que esta usou na denúncia;

e) Discordamos, pois, da interpretação dada pelo tribunal a quo no sentido de que, de forma indireta, dir-se-ia mesmo enviesada, foi apresentada queixa-crime contra o diretor da publicação. Não foi! E devia tê-lo sido feito, até porque, como se disse, a denúncia foi elaborada por alguém que, por dever de ofício, tinha a obrigação de apresentar queixa também contra o diretor da publicação;

f) Consequentemente, é de concluir que houve, da parte da assistente, uma renúncia ao direito de queixa contra o diretor da publicação, renúncia essa que aproveita a todos os restantes arguidos, nos termos do disposto no art. 115.º/3, 116.º/3 e 117.º, todos do CP;

g) Entendendo-se, tal como defendem os arguidos, de que não houve o exercício correto, por parte da assistente, do direito de queixa contra um dos co-responsáveis do texto objeto dos presentes autos, deve a decisão instrutória ser revogada e, consequentemente, o TIC deverá se pronunciar sobre os efeitos da não apresentação de queixa-crime contra o diretor da publicação, relativamente aos demais arguidos;

h) Relativamente à nulidade de inquérito, invocada pela Exma. Sr.ª JIC, sempre se dirá que tal nulidade, expressamente prevista no art. 119.º/c) do CPP, diz respeito apenas à ausência total de atos de inquérito, ausência total de atos que, objetivamente, inexistiu nos presentes autos, na medida em que o MP procedeu a atos de inquérito. Consequentemente, inexiste fundamento para a alegada nulidade e, assim sendo, deverá o tribunal ad quem revogar o despacho de reconhecimento de nulidade objeto do presente recurso;

j) De facto, nada impedia, do ponto de vista processual, a assistente acusar o diretor da publicação, mesmo que este não tenha sido constituído arguido na fase de inquérito. O art.º 57.ªº/1 do CPP permite essa acusação e essa situação;

k) Por outro lado, estamos na presença de um crime de natureza particular, razão pela qual o despacho de fls. 255-256 não vincula a assistente. Estes, nos crimes particulares, são livres na elaboração da acusação e relativamente a quem acusam, pelo que o conteúdo de tal despacho, proferido pelo MP, não é condicionante ou vinculativo do conteúdo da acusação a ser apresentada pela assistente;

l) Mesmo que assim se não entenda, certo é que a assistente, face à alegada insuficiência do despacho de fim de inquérito proferido pelo MP, podia e devia ter reagido contra o mesmo e em sede própria, quer através de intervenção hierárquica (art. 278º do CPP), reabertura do inquérito (art. 279º do CPP) ou abertura de instrução (art. 286.º e segs. do CPP9, o que não fez;

m) Relativamente à impossibilidade de acusar alguém que não foi sujeito a inquérito, salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que não existe qualquer impedimento prático ou processual para o fazer. E assim é na medida em que a responsabilidade criminal do diretor resulta diretamente da Lei de Imprensa e, consequentemente, nada obstava a que a assistente acusasse o diretor da publicação com base nesse facto, tal como a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem vindo a defender;

n) A assistente podia e devia ter acusado o diretor da publicação de responsabilidade criminal, conjugando o disposto no art. 19.º/1 e 20.º/1/a), com o art. 31.º/3, todos da Lei de Imprensa, tal como a grande maioria da jurisprudência dos nossos tribunais superiores defende;

Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso de apelação interposto pelos arguidos, revogando-se a douta decisão recorrida no sentido de:

a) Reconhecer a inexistência de queixa apresentada contra o diretor da publicação, remetendo-se os presentes autos para o TIC, a fim deste tribunal aferir quais os efeitos processuais de tal inexistência de queixa sobre os restantes arguidos; e

b) Revogar a decisão que reconhece a existência de nulidade de inquérito e ordena a remessa dos autos para os serviços do MP, a fim de tal nulidade ser suprida;

assim se fazendo a costumada e sã Justiça!

8. Por despacho de 11.05.2015, foi o recurso admitido.

9. Ao recurso respondeu a Ilustre Procuradora da República, defendendo, por via da inverificação, no caso, da nulidade prevista na alínea d) do artigo 119º do CPP - sendo certo que a falta de constituição como arguido do diretor da revista, não impedia a assistente de contra o mesmo deduzir acusação particular e, não o tendo feito, tal omissão aproveitaria aos recorrentes -, a extinção do procedimento criminal contra os arguidos/recorrentes.

10. Também a assistente respondeu ao recurso, refutando, em síntese, toda a argumentação vertida no requerimento recursório, concluindo no sentido de lhe dever ser negado provimento.

11. Remetidos os autos à Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, sufragando, em parte, os fundamentos do recurso e, bem assim, a resposta apresentada pelo Ministério Público, defendendo, assim, a respetiva procedência.

12. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do CPP, nenhum dos sujeitos processuais interessados reagiu.

13. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

       De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

Importa, assim, ajuizar sobre se:

- A queixa foi, ou não, também deduzida contra o diretor da publicação;

- Ocorre, ou não, a nulidade insanável declarada na decisão instrutória; e,

- Não sendo o caso, qual a consequência de não haver sido formulada acusação particular contra um dos comparticipantes – o diretor da publicação.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da decisão instrutória [transcrição parcial]:

(…)

Também os arguidos C... e D... vieram requerer a abertura de instrução em virtude de não concordarem com a acusação particular contra si deduzida, pugnando pelo despacho de não pronúncia.

Em síntese, alegam que a assistente não apresentou queixa contra o diretor da publicação k...... ; também da acusação particular resulta que a assistente só acusou os autores do texto, deixando de fora o diretor da publicação; como tal, o não exercício de queixa relativamente a um dos comparticipantes aproveita aos demais, nos crimes particulares e semi-públicos; por outro lado, esse princípio é aplicável á acusação particular; assim, se o titular do direito de acusar não deduzir acusação contra todos os comparticipantes, essa omissão aproveita aos demais, não podendo o processo prosseguir por renúncia tácita do titular do direito; a assistente não deduziu acusação contra o diretor, o diretor adjunto, o sub-diretor ou quem, concretamente, tivesse a exercer as funções de diretor e que não terá impedido a publicação, violando, assim, os deveres previstos no artigo 31º, nº 3 da Lei de Imprensa; no presente caso, a assistente não apresentou queixa-crime contra o diretor da publicação ou deduziu acusação contra este, conforme obriga o artigo 31º, nº 3 da Lei de Imprensa; a autorização de publicação é condição para a sua divulgação; sem esta autorização não há publicação e sem esta não há crime; nenhuma prova há em relação á pessoa que autorizou a publicação da notícia; assim, a não dedução da acusação contra um dos comparticipantes, neste caso, o diretor da publicação, ou quem em concreto o substitua, equivale a desistência de queixa relativamente a esse co-autor; a acusação dos presentes autos, realizada apenas contra os autores do texto e deixando de forma o diretor da publicação, ou quem em concreto o substitua, conduz ao arquivamento dos autos relativamente a todos os arguidos, por inadmissibilidade legal do procedimento, ressalvada a oposição dos arguidos que não pretendam aproveitar da desistência, de acordo com os artigos 113º, nº 1, 116º, nºs 2 e 3 e 117º, todos do Código Penal; de facto, a não apresentação de queixa-crime e/ou acusação particular contra o diretor da publicação ou quem em concreto o substitua implica a desistência do direito de queixa relativamente a este, a qual aproveita aos demais arguidos.

No que respeita á instrução requerida pelos arguidos não se realizaram diligências instrutórias por não terem sido requeridas.

No que respeita á instrução requerida pela assistente, realizaram-se aquelas que se consideram relevantes para a descoberta da verdade.

Realizou-se o debate instrutório com observância do legal formalismo.


*

O Tribunal é competente.

Não há nulidades, ilegitimidades, exceções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.


*

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 286º do Código de Processo Penal, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

Por sua vez, determina o artigo 308º, nº 1 do Código de Processo Penal que, se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos, devendo, em caso contrário, proferir despacho de não pronúncia.

Assim, a função da presente instrução é a de apreciar se nos autos existem indícios da prática pelos arguidos dos crimes que lhe são imputados que sejam suficientes para os submeter a julgamento e ainda apreciar as restantes questões suscitadas nos RAIs.

Face ao disposto nos artigos 283º, nº2 e 308º, nº 2 do Código de Processo Penal, consideram-se indícios suficientes “sempre que deles resulte uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, uma pena ou uma medida de segurança.”

Haverá indícios suficientes quando está em causa um conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis que lhe são imputados, isto é, vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes para convencer de que há crime e é o arguido responsável por ele. 

Consequentemente, fundando-se o conceito de indícios suficientes na possibilidade razoável de condenação ou de aplicação de uma pena ou medida de segurança, deve considerar-se existirem os mesmos, para efeitos de prolação do despacho de pronúncia quando:

- os elementos de prova, relacionados e conjugados entre si fizerem pressentir a culpabilidade do agente e produzirem a convicção pessoal de condenação posterior;

- se conclua, com probabilidade razoável, que esses elementos se manterão em julgamento; ou

- quando se pressinta que da ampla discussão em audiência de julgamento, para além dos elementos disponíveis, outros advirão no sentido de condenação futura.

Para a pronúncia não é necessário uma certeza da existência da infração, bastando uma grande probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.

Deve assim o Juiz de Instrução compulsar os autos e ponderar toda a prova produzida, fazendo um juízo de probabilidade sobre a condenação do arguido e, em consonância com esse juízo, remeter ou não a causa para a fase de julgamento. 


*

(…)

Por sua vez, os arguidos C... e D... vêm acusados por um crime de difamação, previsto e punido pelos artigos 181º, nº 1 e 183, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal.

(…)

Quanto á difamação

Dispõe o artigo 180º do Código Penal que, “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

Por sua vez, estipula o artigo 183º, nº 1, alínea a) do Código Penal que se no caso dos crimes previstos nos artigos 180º, 181º e 182º, a ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação, as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

“A honra é a essência da personalidade humana, referindo-se, propriamente, á probidade, á retidão, á lealdade, ao carácter”.

Por outro lado, a “consideração é o património de bom nome, de crédito, de confiança, que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspeto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros. 

A consideração é o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objetiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê cada cidadão - a opinião pública” (cf. Leal Henriques e Simas Santos, “O Código Penal de 82, vol. 2, pág. 196).

Acresce que o crime de difamação é um crime doloso, o que quer significar que só estão arredadas do seu âmbito subjetivo as condutas negligentes, sendo, por isso, suficiente a imputação baseada tão só em dolo eventual.

Por outro lado, é de salientar que, hoje, está superada a antiga controvérsia no que tocava á exigência de um chamado dolo específico. E superada no sentido de que não se pode conceber uma tal exigência. Basta uma atuação dolosa, desde que se integre numa das modalidades do artigo 14º do Código Penal.

Assim, a imputação de um facto ofensivo, ainda que sob a forma de suspeita; a formulação de um juízo de desvalor ou a reprodução de uma imputação ou de um juízo, que seja levado a terceiros, constitui um crime de difamação a menos que tal imputação surja para realizar interesses legítimos (por exemplo no exercício do direito de informar ou no cumprimento de um dever) e se faça a prova da verdade da imputação ou a mesma seja tida, de boa-fé, como verdadeira (artigo 180º, nº 2 do Código Penal). Tais condições objetivas de punibilidade são requisitos cumulativos que forçosamente se têm que verificar de modo a afastar a punição do agente.

Cumpre agora apreciar os indícios recolhidos quer em sede de inquérito quer em sede de instrução, bem como apreciar as restantes questões colocadas nos RAIs.

No que respeita á instrução requerida pela assistente:

(…)

No que respeita à instrução requerida pelos arguidos C... e D... :

Dizem estes arguidos que a assistente não apresentou queixa contra o diretor da publicação k...... ; também da acusação particular resulta que a assistente só acusou os autores do texto, deixando de fora o diretor da publicação; como tal, o não exercício de queixa relativamente a um dos comparticipantes aproveita aos demais, nos crimes particulares e semi-públicos; por outro lado, esse princípio é aplicável á acusação particular; assim, se o titular do direito de acusar não deduzir acusação contra todos os comparticipantes, essa omissão aproveita aos demais, não podendo o processo prosseguir por renúncia tácita do titular do direito.

Como resulta da participação de fls. 1 e seguintes, mais precisamente do artigo 26º de tal peça processual, a assistente também participou contra os responsáveis da revista k...... ; responsáveis esses que elaboraram, editaram e publicaram a notícia. 

Ora, aqui se enquadra o seu diretor, apesar de não ser identificado pelo nome.

A acusação particular foi deduzida contra C... e D... . Estes são os autores da reportagem – cf. fls. 303.

Dispõe o artigo 31º, nº 3 da Lei de Imprensa (Lei nº 2/99, de 13.1.) que “o diretor, o diretor-adjunto, o subdiretor ou quem concretamente os substitua, assim como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através da ação adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites. 

Nos termos do artigo 116º, nº 2 Código Penal “o queixoso pode desistir da queixa, desde que não haja oposição do arguido, até à publicação da sentença da 1.ª instância. A desistência impede que a queixa seja renovada”.

O nº 3 da mesma norma legal estipula que “a desistência da queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, salvo oposição destes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa”.

Por último, o artigo 117º do mesmo diploma legal estipula que “o disposto nos artigos deste título é correspondentemente aplicável aos casos em que o procedimento criminal depender de acusação particular”.

Da conjugação das normas acabadas de mencionar resulta que teria que haver queixa contra o diretor do jornal, respetivo inquérito e depois acusação particular.

Como consta no Ac. do STJ de 8.5.2013 “O diretor de uma conhecida revista é responsável pelos concretos conteúdos publicados, pelo simples facto das funções que exerce, salvo se provar não ter tido conhecimento, ter-se oposto ou não ter podido opor-se à publicação, não sendo necessária a demonstração de que sabia que os mesmos eram ofensivos do direito dos visados” – Ac. do STJ de 8.5.2013, in jusnet.pt.

Acontece que em relação ao diretor da revista o inquérito é completamente omisso. Nunca se apurou a sua identidade, nunca foi ouvido e muito menos constituído arguido.

Relativamente ao diretor da revista simplesmente não houve inquérito.

No final do inquérito, por despacho de fls. 255, o M.P. notifica a assistente para, em 10 dias, deduzir acusação particular contra os arguidos C... e D... . O que a assistente fez. 

Aliás, não se vê como a assistente poderia deduzir acusação particular em relação a pessoa relativamente á qual não correu inquérito e nem foi constituída arguida.

Entende-se, pois, que neste caso é que estamos perante uma nulidade insanável, prevista no artigo 119º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Penal, de conhecimento oficioso em qualquer fase processual.

Nulidade esta que torna inválido o ato em que se verificar, bem como os que dele dependerem e aquela puder afetar – artigo 122º, nº 1 do Código de Processo Penal. 

Assim, pelo que fica dito, entende-se que se verifica a referida nulidade, o que deve ser declarado.

(…)

 Pelo supra exposto e sem necessidade de tecer mais considerações, decide-se declarar a nulidade do despacho de fls. 255-256 no que respeita á acusação particular, bem como dos atos subsequentes a esta respeitantes (acusação particular e respetiva instrução), ordenando-se a remessa dos presentes autos para os respetivos serviços do M.P. a fim de ser sanada a dita nulidade.

3. Apreciação

O crime de difamação, p. e p. pelos artigos 181º, n.º 1 e 183º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, reveste natureza particular, exigindo-se, por conseguinte, para assegurar a prossecução do procedimento, que o titular do direito de queixa [salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se, como tal, o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação (artigo 113.º, n.º 1 do C. Penal)] a exerça, se constitua assistente e deduza acusação particular – [cf. n.º 1, do artigo 50.º do CPP].

No que respeita à queixa

De acordo com Figueiredo Dias a queixa é o requerimento, feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do respetivo direito (em regra, o ofendido) exprime a sua vontade de que se verifique procedimento criminal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada (…), acrescentando: No que toca à forma da queixa, tanto o CP como o CPP são omissos, devendo por isso entender-se que ela pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por um certo facto … Indispensável é só que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes (eventuais) pelo substrato fáctico que descreve ou menciona – [cf. “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, págs. 665 e 675].

Ainda a propósito, lê-se no acórdão do STJ de 29.01.2007 I. A queixa, exterior à ação típica, funciona nos crimes de natureza semi-pública (ou particular) como condição objetiva de procedibilidade, do exercício da perseguibilidade penal, de natureza processual, embora regulamentada no âmbito do direito penal substantivo, assim sendo concebida pela jurisprudência e pela doutrina mais autorizada (cf. Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, pág. 117). II. Não se exige que da queixa conste a fórmula sacramental de desejo de procedimento criminal; o seu conteúdo é muito menos exigente e tecnicista, situando-se ao nível da simples descrição fáctica. III. Não se exige, ainda, a identificação, total ou parcial, do sujeito ativo do delito, que o ofendido pode ignorar, competindo a sua individualização à entidade dirigente do inquérito – o MP – ou à entidade em quem ele delegue os inerentes poderes de investigação. IV. O que não dispensa é que dos seus termos ou dos que lhe seguirem se conclua, de modo inequívoco, a manifestação de vontade de perseguir criminalmente os autores de um facto ilícito (…)” – [cf. proc. n.º 4458/06 – 3.ª, Rel. Armindo Monteiro].

No mesmo sentido, entre outros, se pronunciaram os acórdãos do TRL de 18.02.2003, [proc. n.º 0084955], TRP de 27.10.2010, [proc. n.º 989/05.3TASTS.P1], do TRC de 18.01.2012, [proc. n.º 45/10.2GDCVL.C1], 06.03.2013, [proc. n.º 763/09.8T3AVR-A.C2], disponíveis em www.dgsi.pt.

Do que se vem de citar, podemos, pois, concluir, que da queixa - não estando, a mesma, subordinada a um formalismo específico - apenas tem de resultar a vontade no sentido da instauração do procedimento criminal, sem necessidade, quer da qualificação jurídica dos factos, quer da sua completa concretização, tão pouco se exigindo a identificação, total ou parcial, do(s) sujeito(s) ativo(s) do delito, sendo certo que é a acusação – e não a queixa - que delimita o objeto do processo, condicionando, em principio, o poder de cognição do tribunal, aspeto que entronca nos princípios do acusatório e da vinculação temática.

Vejamos, então, neste particular, o caso concreto.

Assentemos em que não oferecesse controvérsia a natureza particular do crime em questão, tão pouco a legitimidade da assistente para apresentar queixa, sequer a tempestividade desta.

Em discussão está, apenas, saber se a queixa, para além dos arguidos/requerentes da instrução, foi, ou não, também, apresentada contra o diretor da publicação.

Como decorre de fls. 1 a 6 dos autos a assistente participou criminalmente contra Desconhecidos e Incertos, designadamente pelo crime de difamação agravada, entre o mais, aduzindo:

- As fotos em questão são pessoais, são da Participante, e esta não deu autorização a quem quer que fosse para as divulgar, ou publicar, como aconteceu com a revista “ k...... ”, na publicação n.º 1391;

- Também se pretende participar contra os responsáveis da revista “ k...... ”, que ao elaborarem, editarem e publicarem tal notícia difamatória e injuriosa, que devassa a vida privada da Participante de forma grave e irreparável, tiveram a clara intenção de denegrir a Honra, o Bom-Nome e a Imagem da Participante, prejudicando gravemente a Própria, o que lograram conseguir (…) – negrito nosso;

- Em relação à senhora B... , desconhece-se a morada e demais elementos de identificação, sabendo-se que participou no reality show (…);

- Os Incertos Participados ao atuarem deste modo, agiram de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei.

Sendo este contexto, com o devido respeito por opinião divergente, afigura-se-nos de todo razoável interpretar as palavras da assistente, então queixosa, no sentido de pretender a instauração de procedimento criminal, também, contra o diretor da revista.

É verdade, que não o nomeia expressamente, mas não é menos verdade que, à luz da Lei de Imprensa, compete ao diretor: Orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação [artigo 20.º, n.º 1, alínea a)], recaindo, entre outros, sobre ele, desde que não se oponha, através da ação adequada, à comissão do crime através da imprensa, podendo fazê-lo, responsabilidade criminal – [cf. artigo 21.º, n.º 3 da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro, com as sucessivas alterações].

Perante semelhante quadro normativo, quando a assistente estende a queixa aos responsáveis da revista “ k...... ”, que ao elaborarem, editarem e publicarem tal notícia difamatória e injuriosa (…)” não pode deixar de se entender visar, também, o diretor do periódico (da revista).

Com efeito, como se lê no acórdão do STJ de 10.07.2008, proc. n.º 08P1410, disponível em www.dgsi.pt, Os conteúdos são assim, por princípio, da responsabilidade do diretor ou de quem legalmente o substitua nas ausências ou impedimentos.

A determinação dos conteúdos nos termos da competência que a lei diretamente lhe comete, integra assim um dever funcional (…)

As competências que a lei define para o diretor no que respeita à determinação dos conteúdos impõem-lhe o dever de os conhecer antecipadamente em ordem a impedir a divulgação de escritos ou imagens suscetíveis de gerar responsabilidade (…)».

Bem vistas as coisas, não faria sentido que em relação à forma e conteúdo da queixa se adotasse uma posição, por assim dizer, de uma certa maleabilidade, suportada na asserção doutrinária e jurisprudencialmente várias vezes produzida, no sentido de que o que releva é a manifestação inequívoca de proceder criminalmente por determinados factos, não se exigindo a completude, menos, ainda, a qualificação jurídica dos mesmos e muito menos a respetiva colocação em termos corretos, e, diferentemente, por ocasião da mesma queixa, se fosse implacável quanto à necessidade de uma completa menção dos seus autores, sobretudo, quando, como é o caso, com recurso ao quadro legal, se torna suficientemente percetível, das palavras da queixosa, mais que não seja por referência às respetivas funções, quem são os visados.

Mais, no que à identificação do arguido respeita – cf. artigo 283.º, n.º 3, alínea a), do CPP -, acabar-se-ia por adotar um grau de exigência superior ao pressuposto para a acusação – cf. artigo 283.º, n.º 3, alínea a), do CPP -, o que não nos parece sustentável.

Por conseguinte, neste concreto aspeto, não nos merece censura a decisão recorrida, não assistindo, assim, razão aos recorrentes.

No que concerne à acusação particular

Quando o procedimento depender de acusação particular, findo o inquérito, o Ministério Público notifica o assistente para, querendo, a deduzir, ocasião em que se pronuncia - indica, nos termos da lei - sobre se foram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e de quem foram os seus agentes, podendo, após a apresentação da acusação particular, acusar pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles – [cf. artigo 285.º do CPP].

Significa, pois, que, ao invés do que sucede com os crimes de natureza pública ou semi-pública, nos crimes particulares, o Ministério Público surge numa posição de subordinação à do assistente, na medida em que a prossecução do procedimento, a sua introdução em juízo, fica garantida pela mão deste, sendo, para tanto, irrelevante que o Ministério Público considere verificarem-se, ou não, suficientes indícios do crime em questão e/ou de quem foram os seus autores, juízos insuscetíveis de limitar a atuação do assistente, o qual pode acusar por outros crimes de natureza particular, como pode estender a acusação particular a outros agentes, que não os indicados pelo Ministério Público – posto que, por aqueles e contra estes, tenha [tempestivamente] exercido o correspondente direito de queixa.

No fundo, nada mais que o reverso da situação relativa aos crimes públicos e semi-públicos – [cf. artigos 283.º e 284.º do CPP].

Retomando o caso em apreço, compulsando a acusação particular – cf. fls. 218 e ss. –, é evidente não haver a assistente acusado o diretor da revista “ k...... ”, identificado a fls. 58 dos autos, cingindo-a, antes, aos arguidos, requerentes da instrução, C... e D... .

Circunstância que, diferentemente do que sugere a decisão recorrida, dada a subordinação acima assinalada – da posição do Ministério Público à posição do assistente - não pode encontrar justificação no facto de, findo o inquérito, a assistente ter sido notificada para, querendo, deduzir acusação particular contra aqueles.

Na verdade, atenta a correlação de forças, nada impedia a assistente de acusar o diretor da publicação, sendo indiferente, para a conformação dos sujeitos ativos do delito, os termos da notificação, posto que, como já adiantado, estando em causa crime de natureza particular, à mesma cabia acusar – dentro dos limites delineados na queixa – quem lhe aprouvesse e isto independentemente da conduta processual, anterior e/ou subsequente, do Ministério Público.

Não o tendo feito, sibi imputet!

Que consequência?

A resposta exige que previamente se encare a declarada nulidade absoluta por falta de inquérito – cf. artigo 119.º, alínea d), do CPP.

E nesta sede, afastamo-nos da solução encontrada na decisão recorrida.

Sufragamos, pois, o entendimento que defende mostrar-se semelhante invalidade, tão só, dirigida aos casos de ausência absoluta de inquérito, e não já à respetiva insuficiência – nulidade sanável, dependente de arguição, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) e n.º 3, do CPP.

A formulação legislativa, com assento nos artigos 119º e 120º do CPP, partindo do que temos por uma correta ponderação da estrutura acusatória do processo penal [artigo 32.º, n.º 5 da CRP] e, bem assim, dos princípios do contraditório e da oficialidade, leva-nos à posição que reconduz tal nulidade à ausência absoluta de inquérito, fundando-se a mesma nos artigos 262º e 263º do CPP, enquanto atribui a titularidade e direção do inquérito ao Ministério Público, a quem compete, no seio do quadro legal e estatutário, respetivo, promover as diligências que se lhe afigurarem necessárias com vista a fundamentar a decisão final do inquérito, poder/dever a que, mesmo em caso de crime particular, não se encontra eximido – cf. artigo 50.º, n.º 2 do CPP.

No mesmo sentido se pronunciam Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, pág. 318; José da Costa Pimenta, “Código de Processo Penal Anotado, pág. 380; Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, Editorial verbo, 2009, pág. 95., este último Autor, enquanto, a propósito da insuficiência do inquérito [artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP], escreve: A insuficiência do inquérito é uma nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de ato que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa; Idêntico entendimento foi acolhido, designadamente nos acórdãos do TRL de 16.06.2015, 29.03.2007, 21.10.99, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Também o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 395/2004, de 02.06, concluiu que não poderá considerar-se desconforme com a Lei Fundamental a sindicada aceção normativa que foi inferida dos referidos artigos 120.º, n.º 1, alínea d), 17º, 262º e 263.º do Código de Processo Penal, segundo a qual o Ministério Público é livre, salvaguardando os atos de prática obrigatória e as exigências decorrentes do princípio da legalidade, de levar a cabo ou de promover as diligências que entender necessárias, com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar o inquérito e não determina a nulidade do inquérito por insuficiência a omissão de diligências de investigação não impostas por lei, (…).

É certo que no caso dos autos o diretor da publicação não foi interrogado como arguido [artigo 58.º e ss. do CPP], mas não é menos certo que, de acordo com a jurisprudência fixada, A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP – [cf. AUJ n.º 1/2006, 02.01], nulidade, essa, nunca arguida.

Não se verificando, a falta de inquérito a que se reporta a alínea d), do artigo 119º do CPP, carece a decisão, nesta parte, de sustentação.

Ademais, sempre será de adiantar que, por força do crime em questão, no âmbito do qual em causa está o teor da publicação junta aos autos, para além da omissão traduzida na falta de interrogatório como arguido do diretor da revista, não se vê que outras diligências, de relevo, poderiam mostra-se em falta.

E, agora, sim, volvendo à pergunta inicial, não tendo sido deduzida acusação particular contra um dos comparticipantes [porque, à luz do quadro legal, de comparticipante se trata] - o diretor da publicação -, determinando o artigo 117.º do C. Penal a aplicação das disposições anteriores, entre as quais as normas contidas nos artigos 115.º e 116º, com Paulo Pinto de Albuquerque, concluímos no sentido de que tal omissão aproveita aos demais comparticipantes e o processo criminal não poderá prosseguir por renúncia tácita do titular do direito, ressalvando-se os casos em que a omissão do assistente seja expressamente justificada pela circunstância de ele concluir pela inexistência de indícios suficientes para deduzir acusação contra a referida pessoa – o que não aconteceu - conduzindo, assim, nesta parte, à extinção do procedimento criminal contra os arguidos/requerentes da instrução.

Na verdade, embora não se ignore a discussão sobre o alcance da remissão do citado artigo 117.º, sufragamos, ainda, a posição de Germano Marques da Silva quando escreve: Em caso de comparticipação no crime, a apresentação de queixa contra um dos comparticipantes torna o procedimento criminal extensivo aos restantes (art. 113º do CP).

De modo semelhante, a desistência da queixa e o seu não exercício tempestivo relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveitam aos restantes, nos casos em que também estes não possam ser perseguidos sem queixa (art. 114.º, n.º 3, do CP).

A justificação destas normas é evidente. Pretendem obstar a que o titular do direito de queixa escolha apenas um dos comparticipantes, perdoando aos demais, caso em que a perseguição teria então mais natureza pessoal do que em razão do crime praticado.

(…)

Relativamente à acusação particular importa atender a que se a queixa inicial deduzida apenas contra um dos comparticipantes torna o procedimento extensivo aos demais, já o mesmo não pode suceder com a acusação propriamente dita.

Findo o inquérito, o assistente é notificado para deduzir acusação (art. 285º). Tratando-se de crime cometido em comparticipação, se o assistente apenas acusar um dos comparticipantes parece-nos que se verifica um caso de renúncia do direito de acusação particular relativo a um dos comparticipantes, renúncia que aproveita aos restantes (art. 114º, n.º 3, do CP) – [cf. “Curso de Processo Penal”, I, Verbo, pág. 236].

Sem necessidade de outros considerandos, não se verificando a declarada nulidade insanável, impõe-se julgar extinto, por renúncia do direito de acusação particular relativamente a um dos comparticipantes – o diretor da publicação –, o procedimento criminal no que respeita aos arguidos/recorrentes.

III. Decisão

Termos em que, acordam os juízes que compõem este tribunal, na procedência do recurso, em julgar extinto, por renúncia do direito de acusação particular relativamente a um dos comparticipantes, o procedimento criminal instaurado contra os arguidos/recorrentes, revogando-se, em correspondência, a decisão recorrida.

Condena-se a assistente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 [três] Ucs – [artigos 515.º, n.º 1, alínea b), 518.º do CPP, 8.º do RCP]

Coimbra, 4 de novembro de 2015

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)