Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
176/22.6T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS
RETRIBUIÇÃO ESPECIAL DO MOTORISTA
INTEGRAÇÃO NO CONCEITO DE RETRIBUIÇÃO
TRABALHADOR ABRANGIDO POR DOIS CCT
IMPOSSIBILIDADE DE DIMINUIÇÃO DA RETRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 04/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: CLÁUSULAS 61.ª DOS CCT PUBLICADOS NO BTE, N.º 34, DE 15-09-2018, E N.º 45, DE 18-12-2019, E CLÁUSULA 74.ª, N.º 7, DO CCTV CELEBRADO ENTRE A ANTRAM E A FESTRU, PUBLICADO NO BTE, 1.ª SÉRIE, N.º 9, DE 08-03-1980
Sumário: I – Uma acta interpretativa não constitui um documento para os efeitos de junção em sede de recurso pelo que não é aplicável o regime dos artigos 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do CPC.

II – Os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas. Só não será assim quando a própria lei estabeleça uma excepção a essa regra, ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso.

III – Está-se perante uma questão nova quando o recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, que não foi incluída nas questões a resolver e que não foi tratada na sentença recorrida.

IV – A retribuição especial prevista na cláusula 74ª nº 7 do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 9, de 08-03-80, 3. tinha por objectivo compensar os trabalhadores motoristas de transportes internacionais rodoviários de mercadorias da maior penosidade e esforço acrescido inerentes à sua actividade, tendo sido atribuída pela consideração de que essa actividade impõe, normalmente, a prestação de trabalho suplementar de difícil controlo.

V – Tal retribuição não pressuponha uma efectiva prestação de trabalho suplementar, revestia carácter regular e permanente e, como tal, integrava o conceito de retribuição, sendo devida em relação a todos os dias do mês, independentemente da prestação efectiva de qualquer trabalho, acrescendo à retribuição de base.

VI – As cláusulas 61ª dos CCT celebrados entre a ANTRAM e a FECTRANS publicados nos BTES nº 34 de 15.09.20 e nº 45 de 18.12.2019 visaram substituir a cláusula 74ª nº 7 do CCTV de 1980.

VII – Considerando a redacção da cláusula 61ª do CCT de 2018 e o teor da acta interpretativa subscrita pelos outorgantes desse CCT, um motorista de pesados tem direito à quantia prevista na referida cláusula independentemente da demonstração do motorista se encontrar a prestar uma actividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico directo.

VIII – Esta demonstração já terá de ser feita com base na aplicação da cláusula 61ª do CCT de 2019 para que o motorista tenha direito a receber a quantia pecuniária nela prevista.

IX – Contudo, encontrando-se um trabalhador motorista abrangido pelos dois CCTs (de 2018 e 2019) da aplicação do CCT de 2019 não poderá resultar quaisquer prejuízos, designadamente diminuição de retribuição e outras regalias de carácter regular ou permanentes, não contempladas nesse CCTV e, bem assim, diminuição da retribuição líquida do trabalhador.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Apelação 176/22.6T8LRA.C1

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Paula Roberto.

Mário Rodrigues da Silva


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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - AA, instaurou a presente acção declarativa sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra A..., UNIPESSOAL, LDA pedindo a final, na respectiva procedência a condenação desta no pagamento de diversas quantias a título de proporcionais do subsídio de natal e de férias de 2017, complemento salarial e cláusula 61ª dos anos de 2019 a 2021, e diuturnidades a partir de Novembro de 2020, no montante total de € 17.323,64. acrescida dos juros moratórios à taxa legal, a contar de 01.01.2022 até integral pagamento.

Alegou ser motorista de transportes de mercadorias do nacional e que a ré, sua empregadora, lhe deve as quantias que peticiona.


+

Frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, contestou a Ré invocando, entre o mais, que o autor não é motorista de pesados do transporte nacional mas motorista interno, dado conduzir veículos pesados apenas dentro do concelho ..., não existindo a penosidade que normalmente se assume existir quanto aos motoristas do nacional.

Que o autor cumpre um horário de 8 horas e todos os dias vai dormir a casa ao contrário dos motoristas do transporte nacional.


+

Foi elaborado despacho saneador e dispensou-se a fixação da base instrutória/enunciação dos temas da prova.

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II – Realizado o julgamento, veio, a final, a ser proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:

“Pelo exposto julgo a acção parcialmente procedente pelo que condeno a ré A..., Unipessoal, Lda a pagar ao autor AA, a título de complemento salarial e diuturnidades, a quantia total de 584,12, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% a contar de 01.01.2022 e até efectivo e integral pagamento.

No mais vai a ré absolvida”


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III – Inconformado veio o autor apelar, alegando e concluindo:

1. O A. na petição inicial veio requerer o pagamento de diuturnidades, complemento salarial, diferenças salariais e retribuição da Clª 61 mensalmente e nas férias e subsídio de férias.

2. A douta sentença recorrida condenou a R. a pagar ao A. 548,12€ de complemento salarial e diuturnidades.

3. A douta sentença não condenou no pagamento da Clª 61º mensalmente e nas férias e subsídios de férias.

4. A questão a decidir por V. Excªs Venerandos Desembargadores é se ao autor, atendendo às funções que desempenha, é aplicável na íntegra o regime remuneratório previsto no CCTV dos transportes rodoviários para os motoristas do transporte nacional, nomeadamente para efeitos de pagamento da prestação pecuniária prevista na Cláusula 61ª.

5. Resulta da factualidade dada como provada e da douta sentença que faz uma exaustiva descrição do que é a categoria profissional de motorista de pesados, que as funções que o autor desempenha integram a categoria profissional de motorista de pesados.

6. Aplicando-se as sucessivas CCTV celebradas entre a Antram e a Festru/Fectrans.

7. O autor veio peticionar valores, como motorista de pesados, que lhe são devidos a título de cláusula 61ª dos CCTV de 2018 (a calcular desde 01.10.2018) e cláusula 61ª do CCTV de 2019 (a calcular deste 01.01.2020), relativo aos anos de 2019 a 2021.

8. O Tribunal a quo decidiu que o A. como motorista de pesados, não tinha direito à retribuição da Clª 61, invocando razões de elementos lógicos, de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica, por efectuar serviços a curta distância e por ter o serviço organizado por turnos.

9. O sentido das novas CCTV de 2018 e 2019 nunca foi o de compensar os esforços e riscos acrescidos de quem conduz veículos pesados no estrangeiro, com a eventual necessidade de passar dias inteiros em viagem e de aí pernoitar.

10. O sentido foi acabar com o pagamento das horas extra para TODOS os motoristas de pesados.

11. Esqueceu a douta sentença recorrida a ACTA INTERPRETATIVA celebrada entre a ANTRAN e a FECTRANS do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS publicado o BTE nº 34 de 15-09-2018.

12. Acta interpretativa de 9 de Janeiro de 2019, que se juntou e se deu aqui por integralmente reproduzida – doc. 1 12

13. Esta Acta interpretativa teve o objectivo de uniformizar o entendimento da aplicação de algumas cláusulas do CCTV durante o processo negocial de revisão global. No ponto 13) Cláusula 61º nº 1 e 3 (Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados) refere: “A presente cláusula, apesar de ter como epigrafe “Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados”, não é por esta que resulta o seu âmbito de aplicação; efectivamente tal é fixado pelo disposto no seu nº 1. A opção por esta redacção, no que à epígrafe diz respeito, visou apenas tornar mais claro que esta cláusula visa substituir a anterior cláusula 74 /7 do anterior CCTV – embora com algumas alterações - adoptando-se por isso parte da epígrafe desta última. Assim, todo e qualquer trabalhador com a categoria de motorista de pesados e ligeiros – com excepção dos motoristas ligeiros afectos ao transporte nacional -, têm direito a receber estas prestações pecuniárias, sendo irrelevante qual a distância realizada pelos veículos cuja condução estão afectos. Em suma para a aplicação desta cláusula é indiferente se a distância percorrida pelo veículo que o trabalhador está afecto, é de 2km, 10 km, 20 km ou mais.

14. A justificação do Tribunal a quo para a não atribuição da clª 61cai por terra – da distância percorrida pelo A. que consta da factualidade provada e da organização dos serviços em turnos, que são irrelevantes para a atribuição da clª 61 da CCTV.

15. A única interpretação permitida pelo Douto Tribunal a quo seria a da acta interpretativa.

16. A interpretação que as partes lhe quiseram dar.

17. Ao contrário da justificação da fundamentação da douta sentença, o espírito dos Outorgantes foi atribuir o pagamento da clª 61º a TODOS os motoristas de pesados e a alguns de veículos ligeiros.

Venerandos Desembargadores

18. A Acta Interpretativa veio esclarecer todas as eventuais dúvidas, em 9-01- 2019, dúvidas que parecem ser as da douta sentença, que para inclusive ter sido efetuada para esta acção.

19. O A. /recorrente com a categoria de motorista de pesados tem direito a receber esta prestação pecuniária da clª 61ª, sendo irrelevante qual a distância realizada pelos veículos cuja condução estava afecto, ou o tipo de organização do trabalho, que compete às entidades empregadoras.

20. Não há qualquer violação do princípio de “salário igual para trabalho igual”, porque os motoristas de pesados que estejam deslocados recebem um acréscimo que o A. não recebe, por estarem deslocados, nomeadamente as diárias para alimentação e valores de refeição, que chegam a 36,40€ por cada dia, completamente diferentes dos do A., que recebe o subsídio de refeição igual para todos os restantes trabalhadores.

21. Haverá violação do princípio do “salário igual para trabalho igual, se o A. com a categoria de motorista de pesados no serviço nacional (não permitindo a CCTV subdivisões na classificação das categorias profissionais) não recebesse as mesmas componentes retributivas dos outros motoristas de pesados do serviço nacional.

22. Ao não decidir assim, é que viola a douta sentença o disposto no artº 59º nº 1 al.c) da Constituição da República Portuguesa.

23. Consequentemente tem o A. direito a receber as retribuições da Clª 61 mensalmente e também nas férias e subsídio de férias, no valor reclamado na p.i.

24. Mais, na sequência da comunicação da ACT de Leiria enviada ao Sindicato dos Motoristas SIMM, terá a R./recorrida regularizado os pagamentos em falta que constam do documento, junto dos motoristas, porém, nada pagou ao A. recorrente.

25. Ao não decidir assim, violou a douta sentença todos os normativos legais e doutrinais e jurisprudenciais em que se baseou e, em especial a clª 61ª da CCTV, o artº 59º nº 1 al.c) da CRP. Nestes termos e nos mais de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência, alterar-se a douta sentença de acordo com as conclusões anteriores.


+

Contra alegou a ré concluindo em síntese:

(…).


+

O Exmº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação do julgado.

***

IV – Da 1ª instância vem dada como provada a seguinte factualidade:

1- A ré é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte público ocasional de mercadorias e transporte público internacional rodoviário de mercadorias e logística; comércio de vidros, utilidades, porcelanas, esmaltes e análogos.

2- Para o exercício da sua actividade comercial a ré tem cerca de 50 motoristas ao seu serviço.

3- O autor exerce a função de motorista por conta, sob a autoridade e direcção da ré, conduzindo veículos pesados de mercadorias até 44 toneladas.

4- No exercício da sua actividade profissional, o autor efectua transportes de vidro entre a fábrica “B...”, sita em Rua ..., em ... e os dois armazéns dessa mesma sociedade, ambos sitos na ..., um dos quais em ..., numa distância entre 4 a 5 Kms.

5- A ré tem 10 trabalhadores que exercem as funções referidas em 4.

6- A sociedade ”B...” é proprietária da fábrica e dos dois armazéns e detentora da totalidade do capital social da ré.

7- O autor nunca exerceu funções no transporte ibérico e internacional.

8- O autor tem um regime de trabalho de três turnos rotativos, semanalmente, de segunda-feira a domingo, a saber das 05h00 às 13h00; das 13h00 às 21h00; e das 21h00 às 05h00.

9- Cada turno corresponde a 8 horas de trabalho, com uma pausa de 45 minutos.

10- O autor realiza diariamente uma média de cinco transportes da fábrica da “B...” para os seus armazéns e vice-versa, não saindo da ....

11- O autor cumpre um horário determinado e todos os dias dorme em casa.

12- O responsável dos serviços de logística da ré, BB, elabora os horários dos trabalhadores com horários concretos de início e de fim e o chefe de armazém atribui-lhes diariamente as cargas indicando onde devem colocar as referências produzidas pela fábrica.

13- Pelo facto de trabalhar por turnos o autor recebe mensalmente um subsídio que actualmente é no valor de € 155,16, que consta dos recibos como “subsídio 3 turnos”.

14- Sempre que o autor prestou trabalho suplementar e trabalhou em dia de feriado por determinação da ré esta pagou os valores que eram devidos a esse título.

15- Autor e ré acordaram ainda que esta pagaria àquele, mensalmente, um “prémio de função”, comum aos trabalhadores que exercem as funções descritas em 4., porque efectuam cargas e descargas de mercadorias, e que tem o valor de € 153,62.

16- O prémio de função não é recebido pelos motoristas da ré que não exercem as funções descritas em 4..

17- No ano de 2018 o autor auferiu a retribuição base mensal de € 725,14.

18- No ano de 2019 o autor auferiu a retribuição base mensal de € 732,39.

19- Dos recibos de vencimento, a partir do ano de 2019, passou a constar que “vencimento base (inclui comp. salarial)”.

20- A partir de Janeiro de 2020 e até 31.08.2020, o valor da remuneração mensal base do autor passou a ser de € 739,71.

21- Dos recibos de vencimento relativos ao período referido em 20. continuou a constar “vencimento base (inclui comp salarial)”.

22- Entre Setembro e Dezembro de 2020, dos recibos de vencimento do autor e dos demais trabalhadores com funções idênticas, passou a constar o valor de € 714,57 a título de vencimento base e o valor de € 25,14 a título de complemento salarial.

23- A partir de Janeiro de 2021 e até Dezembro de 2021, passou a constar dos recibos de vencimento do autor e dos demais trabalhadores com funções idênticas o valor de € 733,07 como vencimento base e € 25,14 como complemento salarial.

24- Em 27 de agosto de 2020 a A.C.T. emitiu uma “Recomendação” à Ré, conforme fls 48vº a 49vº, na qual referiu o seguinte: “Recomenda-se que a entidade empregadora, proceda à alteração dos recibos de retribuição dos trabalhadores com a categoria profissional de Motorista, discriminando em concreto e especificamente cada cláusula patrimonial, respeitando a designação definida pelo IRCT, indicando igualmente o concreto valor pago a cada trabalhador. Mencionou-se na presente Recomendação o Complemento Salarial, no entanto, a mesma lógica deve ser atendida quanto a todas as outras específicas cláusulas patrimoniais previstas no IRCT. Mais se recomenda, que caso seja possível, esta alteração deve já ser contemplada a quando da emissão do recibo de retribuição de Setembro de 2020.”

25- A partir dessa recomendação a ré passou a discriminar as rubricas de remuneração mensal e complemento salarial cuja soma correspondia ao valor de € 739,71.


***

V - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir consiste em saber se ao trabalhador recorrente é devida a prestação pecuniária prevista nas Clªs 61ª dos CCTVs de 2018 e 2019 entre a ANTRAM e a FECTRANS e, no caso afirmativo, se essa prestação deve ser tida em conta no cômputo da retribuição das férias e respectivo subsídio.

Preliminarmente importa decidir duas questões suscitadas nas contra alegações, a saber:

i) se é de admitir a junção com as alegações da acta interpretativa do CCTV de 2018 celebrado entre a ANTRAM E FECTRANS, assinada em 09.01.2019.

ii) se o recorrente suscitou em sede recursiva uma questão nova.

Decidindo:

A junção de documentos, em sede de recurso de apelação, é excepcional, só podendo ter lugar quando a sua apresentação não tenha sido possível até então –superveniência -, ou quando a sua “junção apenas se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância”. - cf. artigos 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do CPC.

Os documentos são um dos meios de prova contemplados no Código do Processo Civil, a par da prova por confissão das partes, pericial, inspecção judicial e testemunhal – cf. título V, capítulos II, III, IV, V e VI do CPC.

Nos termos do artigo 362.º - Noção -, do Código Civil (CC) “Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.

Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, pág. 319, em anotação ao artigo 362.º do CC, escrevem: “A noção de documento do artigo 2420.º do Código de 1867 é consideravelmente ampliada. Além dos escritos a que esse preceito se refere, são ainda documentos uma fotografia, um disco gramofónico, uma fita cinematográfica, um desenho, uma planta, um simples sinal convencional, um marco divisório, etc. (cfr. art. 368.º).Essencial à noção de documento é a função representativa ou reconstitutiva do objecto. Uma pedra, um ramo de árvore ou quaisquer outras coisas naturais, não trabalhadas pelo homem, não são documentos na acepção legal. Podem ter interesse para a instrução do processo, mas constituirão objecto de um outro tipo de prova (a prova por apresentação de coisas móveis ou imóveis, por inspecção judicial, etc.).

Assim, os documentos têm uma função representativa ou reconstitutiva do objecto, destinando-se exclusivamente a servir como meio de prova real de determinados factos.

A acta é um relato oficial de tudo o que ocorreu numa reunião e tem como objectivo permitir o acesso às decisões tomadas e aos assuntos abordados. Esse relato é essencial para registo, formalização e divulgação de resoluções tomadas em reuniões.

No caso, como o próprio nome indica, a acta lavrada destinou-se a ajudar ou a auxiliar na interpretação das cláusulas do CCTV de 2018 e foi celebrada entre as partes outorgantes do IRCT.

Assim, o recorrente não juntou documento definido nos termos do citado artigo 362.º do CC e artigos 651.º, n.º 1 e 425.º do CPC, mas um relato com vista à resolução do conflito jurídico atinente à interpretação de uma cláusula constante de um CCT.

Daí que seja de admitir a junção de tal acta e, por via do contraditório, seja também de admitir os documentos juntos pela recorrida com as contra alegações, o que se decide.

Passando à análise da segunda questão acima elencada, alega a recorrida que o recorrente não invocou em 1ª instância a existência da acta interpretativa, o que só fez em sede recurso, o que consubstancia uma questão nova da qual a 2ª instância não pode conhecer.

Como se sabe os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas. Só não será assim quando a própria lei estabeleça uma excepção a essa regra, ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso.

Quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, que não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova.

No caso, uma das questões que se discute ou se controverte é, justamente, a de saber se o autor recorrente tem direito à prestação pecuniária prevista nas Clªs 61ª dos CCTs de 2018 e 2019; e esta questão foi abordada e decidida pela 1ª instância no sentido negativo.

Com o recurso e com a junção da acta interpretativa esta Relação não é chamada a decidir uma questão diferente da abordada em 1ª instância pois apenas se se pretende demonstrar que a interpretação das citadas cláusulas feita no tribunal recorrido se encontra errada.

Pelo que não se está perante uma questão cujo conhecimento esteja vedado a esta Relação, o que também se decide.

Do direito à quantia pecuniária prevista nas Clªs 61º dos CCTs de 2018 e 2019:

Dispõem tais cláusulas.

Cláusula 61.ª do CCT publicado no BTE nº 34 de 15.09.2018:

(Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados)

1- Os trabalhadores móveis afectos ao transporte internacional, ibérico e nacional, excepcionando-se destes últimos os trabalhadores móveis que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, terão obrigatoriamente o direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar, retirado o montante referido no número três.

2- Para efeito de cálculo da prestação pecuniária prevista no número anterior, será aplicável a seguinte fórmula:

VH = (Retribuição base, complementos salariais (cláusula 45.ª) e diuturnidades) x 12 : Período normal de trabalho semanal x 52

1.ª hora x 50 %

2.ª hora x 75 %

Valor total das duas horas de trabalho suplementar, conforme o caso, deverá ser multiplicado por 30 dias.

3- Ao valor apurado nos termos do número anterior, será retirado o valor correspondente ao subsídio de trabalho nocturno, calculado nos termos do número 2 da cláusula 48.ª do CCTV.

4- Estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido nos números anteriores, não lhes é aplicável o disposto na cláusula 49.ª (Retribuição do trabalho suplementar em dia útil).

5- O pagamento desta prestação pecuniária substitui o número 7 da cláusula 74.ª do anterior CCTV e, bem assim, todas e quaisquer formas de pagamento do trabalho suplementar que tenham sido criadas, unilateralmente pelas empresas ou estabelecidas por acordo entre estas e os trabalhadores, mesmo que o valor desta prestação seja inferior ao anteriormente praticado.

6- No período máximo de três meses a contar da entrada em vigor do presente CCTV, as entidades empregadoras, deverão substituir as anteriores formas de pagamento do trabalho suplementar praticadas, adaptando designadamente os recibos de vencimento e declarações de remunerações, pela prestação pecuniária prevista nesta cláusula”.

Cláusula 61.ª do CCT publicado no BTE nº 45 de 18.12.2009

“ (Retribuição do regime específico de trabalho dos motoristas)

1- Os trabalhadores que, por acordo com a empresa, desempenhem a função de motorista afecto ao transporte internacional, ibérico ou nacional, excepcionando-se destes últimos os motoristas que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, por prestarem uma actividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico directo, terão obrigatoriamente o direito a receber, em contrapartida de tal regime, uma retribuição especifica no montante correspondente a 48 % do valor total resultante da soma da retribuição base (cláusula 44.ª), diuturnidades (cláusula 46.ª) e complemento salarial (cláusula 59.ª), não lhes sendo devido qualquer outro valor a título de trabalho suplementar em dia normal de trabalho.

2- O pagamento desta prestação pecuniária não prejudica o direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, feriado ou a descanso diário bem como o respectivo pagamento nos termos previsto na cláusula 50.ª

3- O pagamento desta retribuição específica não afasta o cumprimento dos limites da duração do trabalho previstos na cláusula 21.ª do presente CCTV, não podendo ser solicitado nem prestado trabalho para além dos mesmos.

4- Esta retribuição específica é devida por 13 meses.

Nota explicativa: Para efeitos do acordo mencionado no número 1 desta cláusula, estão incluídos todos os contratos de trabalho para a função de motorista, celebrados antes deste contrato colectivo de trabalho. Mais se esclarece que esta retribuição específica substituí a anterior cláusula 61.ª do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, de 15 de Setembro de 2018 e primitiva cláusula 74.ª número 7 prevista no CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS (anterior FESTRU) e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 8 de Março de 1980 e demais alterações. A cláusula 21.ª reflecte a proibição, que vincula empregadores e trabalhadores, prevista no Decreto-Lei n.º 237/07, de 19 de Junho, de ser prestado trabalho semanal para além dos limites nesta fixados. Apesar de não ser obrigatório, face ao concreto modo como o trabalho é prestado, esta figura poderá ser aplicada na relação mantida entre empresas e motoristas que, por acordo, estão afectos ao transporte nacional, conduzindo viaturas inferiores a 7.5 ton., sejam elas superiores ou não a 3,5 ton.”.

Não se verifica qualquer divergência das partes no que respeita ao segmento da sentença onde se decidiu, ou melhor, se caracterizou as funções desempenhadas pelo autor como integrando a categoria profissional de motorista de pesados tal como estas funções se encontram definidas nos CCTs citados.

Por outro lado, estas Clªs 61ª, como resulta do seu teor, destinaram-se a substituir a denominada Clª 74ª nº 7 do CCT de 1980[1], “que tanta tinta fez correr”!

Para um melhor enquadramento transcreve-se a fundamentação exarada na sentença a propósito da questão em análise.

Lê-se na sentença: “com o pagamento da remuneração especial da Cláusula 74ª nº 7 do CCTV pretendia-se compensar a especial penosidade do trabalho de um motorista internacional, deslocado no estrangeiro, eventualmente forçado a aí pernoitar, com esforços e riscos acrescidos. Assim, a partir do momento em que cessasse a situação que servira de fundamento ao pagamento desta prestação pecuniária especial, podia o empregador deixar de a pagar sem que daí decorresse qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição – cfr Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 23.01.2014, relatado no Processo nº 117/13.1T4AVR.C2 pelo Mmo Juiz Desembargador Jorge Manuel Loureiro.

Em substituição da Cláusula 74ª nº 7 do CCTV de 1982, no CCTV de 15.09.2018, atendendo ainda à maior penosidade do regime de trabalho destes trabalhadores, estabeleceu-se o direito do trabalhador móvel afecto ao transporte internacional, ibérico e nacional ao pagamento de uma prestação pecuniária correspondente a duas horas de trabalho suplementar, retirado o valor correspondente ao subsídio de trabalho nocturno.

Excepcionou-se deste regime especial o trabalhador móvel que conduzisse veículos com menos de 7,5 toneladas.

Por sua vez, o CCTV de 08.12.2019, na sequência do pensamento subjacente à previsão da Cláusula 74ª nº 7 do CCTV de 1982 e Cláusula 61ª do CCTV de 2018, mas estabelecendo outra fórmula de cálculo da prestação, precisou que o regime especial de pagamento era estabelecido por estes trabalhadores “prestarem uma actividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico directo”.

Não se aplicava assim a estes trabalhadores o regime de pagamento de trabalho suplementar.

O autor vem peticionar valores que entende, como motorista de pesados, serem-lhe devidos a título de cláusula 61ª dos CCTV de 2018 (a calcular desde 01.10.2018) e cláusula 61ª do CCTV de 2019 (a calcular deste 01.01.2020), relativo aos anos de 2019 a 2021.

Entendemos, salvo o devido e muito respeito por opinião diversa, que a Cláusula 61ª dos CCTV de 2018 e 2019 não é aplicável a este trabalhador em específico (e a todos os trabalhadores com o mesmo regime de trabalho), devendo fazer-se a interpretação da referida Cláusula de acordo com as normas respeitantes à interpretação da Lei constantes do art 9º do Código Civil, dado que as cláusulas dos CCTV têm características de generalidade e abstracção, sendo susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica dos trabalhadores com a categoria profissional de motorista de pesados.

Tem, assim, ao abrigo deste preceito, de se descobrir, de entre os sentidos possíveis, o sentido prevalente ou decisivo da cláusula, partindo-se da interpretação do seu teor literal sem, no entanto, se limitar ao mesmo.

Deverá reconstituir-se o pensamento dos Outorgantes do CCTV lançando mão não só da apreensão literal da Cláusula mas também de elementos lógicos, de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica, não podendo considerar-se uma interpretação que não tenha o mínimo de correspondência no texto ainda que imperfeitamente expresso.

Por outro lado, na fixação do sentido e alcance da Cláusula o intérprete presumirá que os Outorgantes souberam exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Partindo destes critérios, desde logo ressalta o sentido dado pela doutrina e jurisprudência à cláusula 74ª, nº 7 do CCTV de 1982, o fundamento da previsão desta específica compensação especial que a Cláusula 61ª dos CCTV posteriores veio substituir – compensação dos esforços e riscos acrescidos de quem conduz veículos pesados no estrangeiro, com a eventual necessidade de passar dias inteiros em viagem e de aí pernoitar.

 No seguimento das negociações entre as partes outorgantes dos CCTV veio a substituir-se a cláusula 74º, nº 7 pela Cláusula 61ª dos CCTV de 2018 e 2019 que prevê o pagamento de uma prestação especial compensatória aos motoristas de pesados (internacional, ibérico e nacional).

Atendendo aos antecedentes históricos, ao fim que se pretendia alcançar com a previsão da Cláusula 74ª nº 7, e ao teor literal da Cláusula 61ª do CCTV de 2019, temos de concluir que as sucessivas Cláusulas 61ª têm como objectivo compensar o esforço e risco acrescidos do trabalho dos motoristas de pesados que se vêm obrigados a prestar, habitualmente, trabalho suplementar de difícil fiscalização pela entidade empregadora (por estarem a prestar trabalho longe das instalações desta), com grande autonomia, isto é, sem a supervisão imediata dos seus superiores hierárquicos, com a possibilidade de terem de pernoitar fora de casa atendendo ao trabalho que lhes é distribuído.

Os elementos teleológico, histórico, racional e literal não permitem outra interpretação.

A não ser assim estes trabalhadores ver-se-iam prejudicados relativamente aos trabalhadores que a ré apelida de “motoristas internos” dado que a sua situação profissional em nada se compara com a destes últimos.

Estaria violado o princípio da igualdade material entre os trabalhadores, tratando de igual forma o que é desigual, promovendo-se aqueles que não estão sujeitos ao esforço, risco e penosidade dos restantes. Estaria violado o princípio de “salário igual para trabalho igual”.

Entendemos, portanto, que as Partes Outorgantes ao preverem a retribuição da Cláusula 61ª não consideraram a situação específica de trabalhadores como o autor que, enquanto motoristas de pesados, prestam trabalho apenas durante 8 horas diárias, no mesmo concelho, pernoitando todos os dias em casa, com supervisão hierárquica constante e a quem são pagos quer o trabalho suplementar efetuado, quer o subsídio de turno por trabalharem em 3 turnos rotativos.

Com efeito, resulta dos factos provados que:

- o autor exerce a actividade de motorista de pesados por conta, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré;

- no exercício da sua actividade profissional o autor exerce a condução de veículos pesados transportando vidro entre as instalações da empresa B... e os armazéns que distam entre 4km a 5 km, não saindo do concelho ...;

- todos os dias vai dormir a casa;

- tem um horário de trabalho de 8 horas diárias e trabalha em regime de 3 turnos rotativos;

- aufere retribuição pelas horas de trabalho suplementar prestadas;

- aufere subsídio de turno;

- aufere “prémio de função” para remunerar o trabalho específico nas cargas/descargas; - tem supervisão diária pelos seus superiores hierárquicos.

Atendendo aos antecedentes históricos, ao fim que se pretendia alcançar com a previsão da Cláusula 74ª nº 7, e ao teor literal da Cláusula 61ª do CCTV de 2019, temos de concluir que as sucessivas Cláusulas 61ª têm como objectivo compensar o esforço e risco acrescidos do trabalho dos motoristas de pesados que se vêm obrigados a prestar, habitualmente, trabalho suplementar de difícil fiscalização pela entidade empregadora (por estarem a prestar trabalho longe das instalações desta), com grande autonomia, isto é, sem a supervisão imediata dos seus superiores hierárquicos, com a possibilidade de terem de pernoitar fora de casa atendendo ao trabalho que lhes é distribuído.

Os elementos teleológico, histórico, racional e literal Não foi do espírito dos Outorgantes, com a fixação da Cláusula 61ª, a consagração de um regime específico de compensação para trabalho que não se caracterize pela penosidade.

Entender-se o contrário seria violar o princípio de “salário igual para trabalho igual”. Pelo que temos de interpretar a Cláusula 61ª no sentido de não abranger estes trabalhadores (ditos “motoristas internos”) mas apenas os motoristas de pesados (internacional, ibérico ou nacional) cujo trabalho revista aquele esforço e risco acrescidos.

Concluindo que não é devida ao autor a prestação pecuniária prevista na Cláusula 61ª dos CCTV de 2018 e 2019, pelo que deve a ré ser absolvida nesta parte”.

Decidindo.

Como acima se referiu as Clªs em questão vieram nos CCTs de 2018 e 2019 a substituir a Clª 74º nº 7 de CCTV de 1980.

Era jurisprudência consolidada que a retribuição especial prevista na cláusula 74.ª, n.º 7, do CCT celebrado entre a ANTRAM (Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Mercadorias) e a FESTRU (Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos e Outros), publicado no BTE, 1.ª série, n.º 9, de 08-03-80, tem por objectivo compensar os trabalhadores motoristas de transportes internacionais rodoviários de mercadorias da maior penosidade e esforço acrescido inerentes à sua actividade, tendo sido atribuída pela consideração de que essa actividade impõe, normalmente, a prestação de trabalho suplementar de difícil controlo.

Também se encontrava consolidado o entendimento de que a referida retribuição especial não pressupõe uma efectiva prestação de trabalho suplementar, revestindo carácter regular e permanente e, como tal, integra o conceito de retribuição, sendo devida em relação a todos os dias do mês, independentemente da prestação efectiva de qualquer trabalho, acrescendo à retribuição de base.

No domínio do CCTV de 2018 seria de aceitar a interpretação segundo a qual, à semelhança do que acontecia no anterior CCTV (de 1980), a quantia prevista na sua Clª 61ª só seria devida aos motoristas de pesados quando estivesse demonstrado que o desempenho da condução fosse susceptível de apresentar uma maior penosidade e um esforço acrescido.

Contudo, no que concerne `Clª 61ª do CCTV de 2018 não se pode olvidar o que as partes outorgantes fizeram consignar na acta interpretativa de 09.01.2019, que (ponto 13): “A presente cláusula, apesar de ter como epigrafe “Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados”, não é por esta que resulta o seu âmbito de aplicação; efectivamente tal é fixado pelo disposto no seu nº 1. A opção por esta redacção, no que à epígrafe diz respeito, visou apenas tornar mais claro que esta cláusula visa substituir a anterior cláusula 74 /7 do anterior CCTV – embora com algumas alterações - adoptando-se por isso parte da epígrafe desta última. Assim, todo e qualquer trabalhador com a categoria de motorista de pesados e ligeiros – com excepção dos motoristas ligeiros afectos ao transporte nacional -, têm direito a receber estas prestações pecuniárias, sendo irrelevante qual a distância realizada pelos veículos cuja condução estão afectos. Em suma para a aplicação desta cláusula é indiferente se a distância percorrida pelo veículo que o trabalhador está afecto, é de 2km, 10 km, 20 km ou mais.[2]

Em face na vontade das partes outorgantes, que é de respeitar, feita consignar na acta interpretativa, a prestação prevista na Clª 61ª do CCT de 2018 é devida sem que haja necessidade de demonstrar ser a condução penosa para o motorista, exigindo-se-lhe um esforço acrescido, sendo indiferente, para o efeito, as distâncias que o mesmo percorre com o veículo que lhe está atribuído.

Mas se acta interpretativa é de ter em conta na interpretação da Clª 61ª do CCT de 2018, já o mesmo não acontece com o CCT de 2109.

Desde logo porque a acta foi elaborada para o CCT de 2018 e ainda pelo facto da Clª 61ª do CCT de 2019 ter uma redacção diferente da mesma cláusula do CCT de 2018.

É na cláusula do CCT de 2019 que se alude à situação da prestação de uma actividade que implique regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho suplementar de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico directo.

Esta redacção transporta-nos para as razões da atribuição da prestação pecuniária prevista na Clª 74ª nº 7 do antigo CCTV de 1980.

Com a redacção dada à Clª 61ª do CCT de 2019 houve, no nosso entendimento, uma clara intenção das partes em alterar o que havia sido estipulado na mesma Clª do CCT de 2018 no sentido da retribuição especial apenas ser devida para compensar os trabalhadores motoristas de pesados da maior penosidade e esforço acrescido inerentes à sua actividade, partindo do pressuposto que essa actividade impõe, normalmente, a prestação de trabalho suplementar de difícil controlo.

Assim, como se decidiu na sentença, considerando os antecedentes históricos, o fim que se pretendia alcançar com a previsão da Cláusula 74ª nº 7 e ao teor literal da Cláusula 61ª do CCTV de 2019, concluímos que a cláusula 61ª deste CCT tem e teve “como objectivo compensar o esforço e risco acrescidos do trabalho dos motoristas de pesados que se vêm obrigados a prestar, habitualmente, trabalho suplementar de difícil fiscalização pela entidade empregadora (por estarem a prestar trabalho longe das instalações desta), com grande autonomia, isto é, sem a supervisão imediata dos seus superiores hierárquicos, com a possibilidade de terem de pernoitar fora de casa atendendo ao trabalho que lhes é distribuído”.

No caso, em face da factualidade provada realçada no trecho da sentença acima transcrito, considerando que autor enquanto motorista de pesados, presta trabalho apenas durante 8 horas diárias, no mesmo concelho, pernoitando todos os dias em casa, com supervisão hierárquica constante e a quem são pagos quer o trabalho suplementar efetuado, quer o subsídio de turno por trabalhar em 3 turnos rotativos, não reúne as condições para que tenha direito à prestação pecuniária prevista na CLª 51ª do CCT de 2019.

E isto porque, no circunstancialismo em que o trabalho é prestado, o desempenho deste trabalho não é de difícil controlo, não acarreta uma maior penosidade nem um esforço acrescido.

Na nossa interpretação o autor beneficia da aplicação da Clº 61ª do CCT de 2018 e, em princípio, não beneficiará da Clª 61ª do CCT de 2019.

E dizemos em princípio porque há que atentar no que dispõe a Clº 89º do CCT de 2019.

Sob a epígrafe “manutenção de regalias anteriores e prevalência de normas” preceitua a citada cláusula que “1- Da aplicação do presente CCTV não poderão resultar quaisquer prejuízos, designadamente baixa ou mudança de categoria ou classe, diminuição de retribuição e outras regalias de carácter regular ou permanentes, não contempladas neste CCTV e, bem assim, diminuição da retribuição líquida do trabalhador.

2- (..)

3- (..)

4- A presente norma tem natureza imperativa.”

Desta norma decorre que, embora o trabalhador não reúna as condições para que possa beneficiar do regime da Clª 61º do CCT de 2019, nem por isso deixará de ter direito à quantia pecuniária nela prevista pois, de contrário, tal traduzir-se-ia numa diminuição de uma regalia de carácter regular e permanente com influência na retribuição líquida do trabalhador.

Ou seja, o recorrente tem direito à retribuição especial calculada de acordo com a Clª 61ª do CCT de 2018 que não lhe foi paga pela ré nos anos de 2019, 2020 e 2021.

Tal retribuição, à semelhança do que acontecia com a Clª 74ª nº 7 que pretendeu substituir, não pressupõe uma efectiva prestação de trabalho extraordinário, revestindo carácter regular e permanente e, como tal, integra o conceito de retribuição.

Integrando a retribuição, o seu valor deve ser computado no cálculo do subsídio de férias

Considerando a fórmula constante da referida cláusula a prestação pecuniária ascende mensalmente a 420,22 €[3].

Assim, por cada ano é devida a título de Clª 61ª a quantia de € 5.462,86[4] que somando os anos de 2019, 2020 e 2021 ascende ao total de € 16.388,58.

Como decorre da respectiva cláusula, ao valor apurado será retirado o valor correspondente ao subsídio de trabalho nocturno, calculado nos termos do número 2 da cláusula 48.ª do CCTV não sendo aplicável o disposto na cláusula 49.ª (Retribuição do trabalho suplementar em dia útil).

Na contestação (e também nas contra alegações) a ré alegou ter pago ao trabalhador quantias por trabalho suplementar e nocturno prestado pelo autor pedindo que, caso seja reconhecido ao autor o direito a receber as quantias pecuniárias decorrentes da aplicação da Clªs 61º, as quantias que pagou ao autor sejam compensadas com a s quantias que este tenha de receber.

Embora na p.i. tenha quantificado as quantias que alegou ter pago ao autor, o facto é que percorrendo a matéria de facto provada apenas se apurou que sempre que o autor prestou trabalho suplementar e trabalhou em dia de feriado por determinação da ré esta pagou-lhe os valores que eram devidos a esse título (facto 14) e ainda que prestou trabalho nocturno de acordo com o facto 8 .

A matéria de facto é insuficiente para se poder quantificar esse trabalho suplementar e nocturno, pelo que a sua quantificação deve ser relegada para liquidação de sentença.


***

V Termos em que se delibera julgar a apelação parcialmente procedente em função do que se decide condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 16.388,58 à qual será deduzida, por via de compensação, a quantia que o autor recebeu da ré pela prestação de trabalho suplementar em dia útil e pela prestação de trabalho nocturno, a apurar em liquidação de sentença.

***

Custas a cargo de ambas as partes na proporção do decaimento.

*

Sumário[5]:

(…).


*

Coimbra, 28 de Abril de 2023

*

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Luís Miguel Ferreira de Azevedo Mendes)

(Mário Sérgio Ferreira rodrigues da Silva)






[1] Introduzida com a alteração de 1982 e que era devida em todos os dias dos meses de calendário (Ac. uniformização 7/2010 DR 132 Série I de 2010-07-09.
[2] Sublinhado e negrito nossos.
[3] 30x (1,50+1,75) x (732,39+14,67) x12:52:40= 420,22€ de acordo com o cálculo efectuado pelo autor na p.i. que a ré não impugnou.
[4] Quantia esta apurada sem o valor da cláusula 45º, o qual havia já sido levado em conta no cálculo da quantia mensal devida nos termos da CLª 61ª.
[5] Da responsabilidade do relator.