Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
446/14.7TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: NULIDADES DE SENTENÇA
ARGUIÇÃO NO REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
TRANSFERÊNCIA DO TRABALHADOR DE LOCAL DE TRABALHO
PREJUÍZO SÉRIO PARA O TRABALHADOR
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE TRABALHO.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 77º, Nº 1 DO CPT; 129º, 194º, NºS 1, AL. A) E 5, 395º E 398º, TODOS DO C. TRABALHO.
Sumário: I – A arguição de nulidades de sentença tem de ser feita de forma expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso – artº 77º, nº 1 do C.P.Trabalho.

II – A declaração de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador deve ser feita por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artº 395º, nº 1 do C.T.), sendo apenas atendíveis para justificar a resolução os factos invocados nessa comunicação (artº 398º, nº 3 do CT).

III – Resulta do disposto no artº 129º do C.T., como corolário do princípio jurídico-laboral da inamobilidade, que o trabalhador deve, em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido, não podendo ser transferido para outro local de trabalho sem o seu acordo, fora das situações expressamente previstas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

IV - Decorre do artº 194º, nº 1, al. a), e nº 5, e da cláusula 15ª, nº 7, do CCT aplicável que é legítimo ao empregador transferir o trabalhador para outro local de trabalho, se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço e a transferência não importar prejuízo sério para o trabalhador.

V – Nestes casos, o único meio de resistência à alteração do local de trabalho parece consistir na resolução do contrato, procedimento este que o trabalhador pode adoptar se houver prejuízo sério para ele, com direito a indemnização.

VI – Esse prejuízo sério deve consubstanciar um dano relevante, que não se reconduza a simples transtornos ou incómodos.

VII – Mas o prejuízo sério não tem de estar já concretizado, podendo ser conjectural, desde que seja objectivamente comprovável e que, no caso concreto, vá implicar uma modificação substancial da vida do trabalhador em consequência da mudança do seu local de trabalho.

Decisão Texto Integral:



                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                        A... veio intentar a presente acção emergente de contrato de trabalho contra B... – Companhia de Segurança, Lda, pedindo que a acção seja julgada procedente e a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 10.699,67, conforme discriminado no art.º 81º da petição inicial, acrescida dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento.

                        Alegou, para o efeito e em síntese, que celebrou um contrato de trabalho com a Ré, para exercer as funções de vigilante. Posteriormente, a Ré informou-o da mudança do local de trabalho,  o que lhe causou prejuízo sério, pelo que procedeu à resolução do  contrato, sendo-lhe devidos pela Ré os créditos laborais e a indemnização peticionados.

                        A Ré contestou, defendendo-se por excepção peremptória de pagamento e por impugnação, deduzindo reconvenção, referindo, a final, que deverá o pedido reconvencional (assente na falta de cumprimento, pelo Autor do prazo de aviso prévio), ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser tal valor considerado no pedido referente ao pagamento dos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal.

                        Inexistiu prejuízo sério na mudança do local de trabalho do Autor e, por isso, não aceita o pagamento da indemnização pela cessação do contrato de trabalho por iniciativa do Autor, sendo que já pagou a este todos os créditos laborais.

                        Realizado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos:

                        “Pelos fundamentos expostos, e atentas as normas legais citadas, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente, bem como improcedente a reconvenção e, em consequência:

                        a) Reconhece-se como válida a resolução do contrato de trabalho celebrado com a Ré “ B... – Companhia de Segurança, Lda.” efectuada pelo Autor, A... ;

                        b) Condena-se a Ré “ B... – Companhia de Segurança, Lda.” a pagar ao Autor, A... , a título de retribuições em dívida, férias e subsídio de férias, bem como os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, a quantia total de € 1.446,89 (mil quatrocentos e quarenta e seis euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a citação e até efectivo e integral pagamento;

                        c) Condena-se a Ré “ B... – Companhia de Segurança, Lda.” a pagar ao Autor, A... , a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho, a quantia total de € 8.451,98 (oito mil quatrocentos e cinquenta e um euros e noventa e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, a contar do trânsito em julgado desta decisão, até efectivo e integral pagamento;

                        d) Absolve-se a Ré “ B... – Companhia de Segurança, Lda.” do demais peticionado pelo Autor, A... ;

                        e) Absolve-se o Autor, A... , do pedido reconvencional deduzido pela Ré “ B... – Companhia de Segurança, Lda.”.

                        Custas a suportar pelo Autor e pela Ré, na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho)”.

                                                                       x
                        Inconformada com o decidido, veio a Ré interpor recurso de apelação, onde formulou as seguintes conclusões:
                        […]

                        O Autor contra-alegou, propugnando pela manutenção do julgado.

                        Foram colhidos os vistos legais.

                        A Exmª Procurador Geral Adjunto emitiu parecer fundamentado  no sentido da improcedência do recurso.

                                                                       x

                        Definindo-se o âmbito do recurso  pelas suas conclusões, temos como única questão a apreciar a de

                   - a nulidade da sentença;

                        - saber se existiu prejuízo sério com a transferência do local de trabalho, assistindo ao Autor o direito de resolver o seu contrato de trabalho com justa causa e à correspondente indemnização.
                                                                       x
                                                                       x

                                                                       x

                        Na 1ª instância considerou-se provada a seguinte factualidade, não objecto de impugnação e que este Tribunal de recurso aceita:

                        […]

                                                                       x
                        O direito:
                        - a nulidade da sentença:
                        Não foi a mesma arguida de acordo com o nº 1 do artº 77º do Cod. Proc. Trabalho, que estipula que a “arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”.
                         Esta regra peculiar de que as nulidades da sentença têm de ser arguidas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso é ditada por razões de economia e celeridade processuais e prende-se com a faculdade que o juiz tem de poder sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso (nº 3 do artº 77º). Para que tal faculdade possa ser exercida, importa que a nulidade seja arguida no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao juiz e não nas alegações do recurso que são dirigidas ao tribunal superior, o que implica, naturalmente, que a motivação da arguição também conste daquele requerimento.
                        E tem sido entendimento pacífico, a nível jurisprudencial, que o tribunal superior não deve conhecer da nulidade ou nulidades da sentença que não tenham sido arguidas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, mas somente nas respectivas alegações - cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 25/10/95, Col. Jur.- Ac. do STJ,  1995, III, 279, e de 23/4/98, BMJ, 476, 297.
                        No caso em apreço, a recorrente remeteu a arguição da nulidade para as alegações do recurso, não lhe dedicando uma única palavra que fosse no requerimento de interposição de recurso.
                        Ou seja, não incluiu, tal como resulta obrigatório do referido artº 77º, nº 1, do C.P.T., no requerimento de interposição do recurso, a  decisiva e autónoma motivação da arguição, o que torna extemporânea a arguição da nulidade e obsta a que dela se conheça- cfr., neste sentido e entre outros, os Acórdãos do STJ de 28/1/98, Ac. Dout., 436, 558, de 28/5/97, BMJ 467, 412, de 8/02/2001 e 24/06/2003, estes dois disponíveis em www.dgsi.pt.
                        Entendimento também seguido no Ac. do STJ de 4/4/2001 (Revista 498/01), ao referir-se que a “arguição de nulidades tem se ser feita, obrigatoriamente, no requerimento de interposição do recurso, por forma explícita (ainda que sucintamente), dado que o requerimento de interposição constitui uma peça processual diferente das alegações, sendo que aquele é dirigido ao tribunal a quo e estas são-no ao tribunal ad quem”.
                        Por sua vez, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 304/2005, DR, II Série, de 05/08/2005, decidiu que, em processo do trabalho, o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, no caso de arguição de nulidades da sentença, deve ter duas partes, a primeira dirigida ao juiz da 1ª instância contendo essa arguição e a segunda (motivação do recurso) dirigida aos juízes do tribunal para o qual se recorre.
                        Termos em que se não conhece da arguida nulidade.
                        - o prejuízo sério:
                        A sentença recorrida entendeu que assistiu ao Autor justa causa para a resolução do seu contato, baseando-se na seguinte argumentação:

                        “Ora, deu-se efectivamente como provado que a R. mudou o local de trabalho do A., como o poderia fazer nos termos do art.º 194º do Código do Trabalho (até por se verificar o motivo previsto para o efeito no art.º 194º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho), mas sem que tenha cumprido com o disposto no art.º 196º do Código do Trabalho quanto às formalidades necessárias para o efeito e considerando-se que o A. tinha, face a essa transferência, um “prejuízo sério” para a sua vida pessoal, uma vez que o local da sua residência, onde tem o centro da sua vida pessoal, distava 115 quilómetros do novo local de trabalho, e o A. exercia funções em (três) turnos rotativos. Além disso, a R. não indicou ao A. quando decidiu transferi-lo, ou antes disso, que custearia as despesas com deslocação, apenas tendo focado essa possibilidade quando o A. já tinha comunicado à R. a intenção de resolver o contrato de trabalho.

                        Acresce que a R. não indicou ao A. se a transferência era meramente temporária, caso em que não poderia exceder seis meses de duração (salvo por exigências imperiosas do funcionamento da empresa (art.º 194.º, n.º 5, do Código do Trabalho.

                        Conforme vem referido pelas partes, à relação laboral em apreço aplica-se Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o STAD e a AES e AESIRF, publicado no BTE, 1ª Série, nº 10, de 15.03.06.

                        Dispõe o n.º 1 da cláusula 14ª que:

                        “1 – Local de trabalho é o local geograficamente definido pela entidade empregadora, ou acordado entre as partes, para a prestação da actividade laboral pelo trabalhador.

                        2 – Na falta desta definição, o local de trabalho do trabalhador será aquele no qual o mesmo inicia as suas funções”.- sublinhado nosso.

                        Temos assim que no caso o local de trabalho do A., onde o mesmo iniciou funções, era na Marinha Grande (no “Supermercado Intermarché”).

                        Nos termos da alínea a) do n.º 3 da cláusula 15º do CCT o trabalhador pode ser transferido para outro local de trabalho se houver rescisão do contrato entre a entidade empregadora e o cliente.

                        Estipula o n.º 6 desta cláusula que “Havendo mudança de local da prestação de trabalho por causas ou factos não imputáveis ao trabalhador, a entidade empregadora custeará as despesas mensais, acrescidas do transporte do trabalhador, decorrentes da mudança verificada. O acréscimo de tempo (de ida para e regresso do local de trabalho), superior a quarenta minutos, gasto com a deslocação do trabalhador para o novo local de trabalho, será pago tendo em consideração o valor hora determinado nos termos da cláusula 22.ª, n.º 3, ou compensado com igual redução no período normal de trabalho diário”.

                        E o n.º 7 dispõe que “Nos casos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 3 da presente cláusula, o trabalhador, querendo rescindir o contrato, tem direito a uma indemnização correspondente a um mês de retribuição base por cada ano de antiguidade, salvo se a entidade empregadora provar que a mudança não resulta prejuízo sério para o trabalhador”.

                        No caso vertente o A. resolveu o contrato alegando razões de natureza patrimonial mas também de natureza pessoal (e doméstica) que o condicionavam na mudança para a Azambuja. Invocou igualmente a distância, de mais de 100 km, desde a sua residência até ao novo local e trabalho.

                        Sucede que a R., a quem se impunha a prova de que da mudança não resultava prejuízo sério para o A., nada demonstrou.

                        (…)

                        Acresce que a R. não comunicou ao A. se a mudança era temporária ou definitiva.

                        Resultou igualmente demonstrado o incumprimento pela R. do procedimento a cumprir com vista à transferência já que a R. não fez a comunicação com a antecedência mínima legal e/ou convencional e nem fundamentou a decisão de transferência (mesmo que o A. já tivesse conhecimento informalmente dos motivos subjacentes à transferência), razões pelas quais a decisão se apresenta formalmente ilegal.

                        Daqui decorre a justa causa para o A. resolver o contrato que vai para além da mudança do local de trabalho, estendendo-se também às condições da execução de tal transferência, em si mesmas violadoras das garantias legais e convencionais do A., causadoras a nosso ver de prejuízo sério e efectivo para a estabilidade da sua vida pessoal, familiar e patrimonial, merecedoras de preservação”.

            Vejamos.

            A sentença arvorou o seu raciocínio em dois aspectos fundamentais:
                        - ilegalidade da ordem de transferência, por ausência de comunicação formal da mesma com a antecedência legalmente prevista;
                        - prejuízo sério, para o Autor- trabalhador, com essa transferência.           No que toca ao primeiro,  constituiu fundamento invocado pela Ré para a nulidade da sentença, que não foi conhecida. Todavia, entende-se que  a apelante inclui também essa argumentação no objecto do recurso, pelo há que o apreciar.

                        A declaração de resolução do contrato deve ser feita por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artº 395º, nº 1, do CT), sendo apenas atendíveis para justificar a resolução os factos invocados nessa comunicação (artº 398º, nº 3, do CT).

            É o seguinte o teor da carta de resolução enviada pelo Autor à Ré (fls. 26-27):

                        “Encarregou-me o m/ constituinte, A... , residente na Rua (...) Marinha Grande, de tratar do assunto a que se reporta a v/ carta em referência e solicitar o seguinte esclarecimento:

                        1 – pela referida carta, é o m/constituinte informado que "deverá comparecer no Cliente C... , para efectuar serviço nos dias e horários conforme indicado na escala em anexo.";

                         2 - da referida escala, reportada ao Cliente C ... , consta, como "Morada do Local de Trabalho : RUA x(... )-........."

                         3 - tal morada situa-se na Zona Industrial do concelho de Pombal, à qual o m/constituinte se dirigiu hoje para fazer um reconhecimento do percurso, a fim de se poder apresentar ao trabalho no dia 8, conforme consta da referida da escala;

                         4 – apesar de ter contactado um colega que trabalha na referida Zona Industrial, na (... ), o mesmo também não o soube informar;

                         5 - após o que recebeu uma chamada telefónica do Sr D... , Inspector dessa empresa, a dizer-lhe que o referido cliente se situa na Azambuja e que era lá que se devia apresentar no dia 8 do corrente;

                        6 - mais tarde, pelas 15,43 horas, recebeu uma mensagem do referido Sr. Inspector a informá-lo que " a morada da C... Azambuja é a seguinte: Estrada Nacional (...) Azambuja"

                        7 - sendo assim, verifica-se que essa empresa pretende transferir o m/ constituinte do local de trabalho aonde vem prestando o seu trabalho, desde há cerca de 3 anos, sito nas instalações K...Batalha;

                         8 - o m/ constituinte tem a sua residência fixa e vida familiar e doméstica, na Marinha Grande;

                         9 - local de trabalho para onde o pretendem transferir, dista mais de 100 km do seu local de residência;

                        10 - facilmente se pode concluir que, a pretendia transferência de local de trabalho, lhe causa um óbvio prejuízo sério;

                        11 - pelo que, a ser assim, desde já, nos termos e ao abrigo dos art°s 193° e 194.°, n° 5 do Código de Processo de Trabalho, o m/ constituinte resolve o seu contrato de trabalho, com efeitos a contar do recepção desta comunicação, tendo direito, além do mais, à compensação prevista no art° 366.° do referido Código;

                        12 - a essa indemnização, acrescerá a retribuição devida até à data da rescisão, bem como os respectivos direitos a férias e subsídios de férias e de Natal que ainda não hajam sido pagos e as respectivas partes proporcionais;

                        13 - nos termos e para os efeitos do art° 341.° do mesmo Código, se solicita o envio, no prazo de 3 dias, devidamente preenchida, da "Declaração de Situação de Desemprego" (modelo RP 5044/2012), de que ora se envia o referido modelo, sob pena, em caso de recusa, de fazer intervir a Autoridade para as Condições de Trabalho.

                        14 - solicita-se que, no referido prazo, lhe seja pago o que "supra" se refere, sob pena de imediato recurso ao Tribunal do Trabalho”.

                        Verifica-se, assim, que em parte alguma dessa carta o Autor realça ou faz qualquer tipo de referência à circunstância factual da não comunicação formal e atempada da ordem de transferência, não a relevando, assim, como fundamento da resolução contratual. Daí que não poderia a sentença tê-lo feito.

            Quanto à questão do prejuízo sério, a apelante entende que o mesmo se não verificou, sendo que o ónus da prova impendia sore o Autor / trabalhador.

                        Decorre do artº 194º, nº 1, al a), e nº 5,  e da cláusula 15ª, nº 7, do CCT aplicável (identificado pela sentença e sendo essa aplicação questão pacífica entre as partes), que é legítimo ao empregador transferir o trabalhador para outro local de trabalho,  se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço e a transferência não importar prejuízo sério para o trabalhador. A alínea a) do nº 3 dessa cláusula 15ª do CCT prevê que o trabalhador pode ser transferido para outro local de trabalho se houver rescisão do contrato entre a entidade empregadora e o cliente.

            No caso de a transferência ser definitiva e verificando-se tal prejuízo s“ como se disseilidade  artº 194 al. f) le artº 192º.o local de trabalho, desde haja um motivo sério, o trabalhador terá direito à compensação prevista no artº 366º do CT- nº 5 daquele artº 194º.

                        Resulta do disposto no artº 129º do CT, como corolário do princípio jurídico-laboral da inamovibilidade, que o trabalhador deve, em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido, não podendo ser transferido para outro local de trabalho, sem o seu acordo, fora das situações expressamente previstas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho.

                        Sabe-se que o local de trabalho é um elemento essencial do contrato de trabalho, quer na perspectiva do empregador quer na perspectiva do trabalhador.

      No que a este se refere, basta atentar que é em função deste local que o resto da sua vida, pessoal e familiar, é planificado.

                        Uma das excepções a esse princípio da inamovibilidade é, como se disse, a admissibilidade de transferência de local de trabalho do trabalhador por determinação do empregador se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço .

                        Com elucida Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pag. 443), o fundamento da admissibilidade da transferência neste tipo de situações radica no facto de o estatuto contratual do trabalhador estar ligado,em certos termos, à organização técnico-laboral em que ele se insere, segue-lhe o destino e as vicissitudes”.

Parafraseando ainda o mesmo autor, o “(..) único meio de resistência à alteração do local de trabalho, nesses casos, parece consistir na resolução do contrato (..) procedimento que, segundo a letra da lei, o trabalhador só pode adoptar se houver prejuízo sério. O exercício desse direito dará lugar à indemnização (...)”.

                        Como se  refere no Ac. da Rel. de Lisboa de 10/10/2013, in www.dgsi.pt, embora seja claro que para existir direito a indemnização a transferência deve causar ao trabalhador um “prejuízo sério”, não se encontra na lei o que se deve entender como tal, isto é, não existe um conceito legal.

                        Ainda no domínio da LCT, Bernardo da Gama Lobo Xavier (Iniciação ao Direito do Trabalho, Verbo, 2ª Edição, Lisboa, 1999, p. 198), escrevia queembora o conceito de prejuízo sério não esteja determinado na lei, tendo de ser fixado caso a caso pelos tribunais, parece certo que se deve tratar não de um qualquer prejuízo, mas de um dano relevante que não tenha pequena importância, enfim, que determine uma alteração substancial do plano de vida do trabalhador”.

                        Mais recentemente, Monteiro Fernandes, na mesma linha de pensamento a propósito da determinação do sentido e alcance do requisito “prejuízo sério“, escreveu o seguinte:

                         “Trata-se de um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que, no entanto, implica a consideração de elementos de facto actuais – como as condições de habitação do trabalhador, os recursos existentes em matéria de transportes, o número, idade e situação escolar dos filhos, a situação profissional do cônjuge e de outros elementos do agregado familiar, a medida das compensações financeiras que o empregador oferece.

                        (...)

                        De resto, o carácter virtual do «prejuízo sério» implica uma ponderação de condições concretas que podem, como se viu, pertencer ao foro privado do trabalhador. Os fundamentos do direito à conservação do local de trabalho relacionam-se muito estreitamente, com a tutela de interesses pessoais (e não tanto profissionais) do trabalhador. A consideração de uma transferência como «causa adequada» de prejuízos importantes – e, portanto, a determinação da possibilidade de recusa da alteração unilateral do lugar de trabalho – só pode resultar de uma análise das condições concretas da organização de vida do trabalhador, que são justamente o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade.

                        Por outro lado, é necessário que o prejuízo expectável seja sério, assuma um peso significativo em face do interesse do trabalhador, e não se possa reduzir à pequena dimensão de um «incómodo» ou de um «transtorno» suportáveis” (ob. cit., pags. 449/450).

                        Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça tem adoptado entendimento semelhante:

                        “Esse prejuízo sério deve consubstanciar um dano relevante, que não se reconduza a simples transtornos ou incómodos: torna-se mister que a alteração ordenada afecte, substancialmente e de forma gravosa, a vida pessoal e familiar do trabalhador visado-  acórdão de 25/11/2010, proc. 411/07.0TTSNT.L1.S1.

                        “O prejuízo sério a que se refere a lei deve ser apreciado segundo as circunstâncias concretas de cada caso, devendo a transferência assumir um peso significativo na vida do trabalhador, abalando, de forma grave, a estabilidade da sua vida, violando, assim, a garantia da inamovibilidade que o legislador tutela.(..)A medida dos prejuízos causados ao trabalhador com a transferência tem que ser encontrada a partir dos factos que por ele sejam alegados e que possibilitem determinar aquilo que é essencial na sua vida e, consequentemente, apurar em que medida esta foi afectada.(..) A noção de prejuízo sério assume particular relevo e terá, necessariamente, de entender-se, por definição contextual aberta, como sendo um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que implica, contudo, a consideração de elementos de facto actuais” - acórdão de 03/03/2010, proc. 933/07.3TTCBR.C1.S1.
                        “O prejuízo sério há-de consistir num dano substancialmente gravoso, susceptível de afectar, num juízo antecipado de adequação causal, a vida pessoal, familiar, social e económica do trabalhador visado. – acórdão de 13/04/2011, proc. 125/08.4TTMAI.P1.S1.

                        Estando todas estas decisões publicadas em www.dgsi.pt.
                        Como refere a Exmª PGA, no seu douto parecer, a intensidade do prejuízo é diferente, na hipótese de se tratar de uma transferência definitiva ou de uma transferência temporária, justificando-se uma maior intensidade do prejuízo nesta do que naquela.
                        Mas o prejuízo não tem de estar já concretizado, podendo

ser conjectural, desde que seja objetivamente comprovável, e que, no caso concreto, vá implicar uma modificação substancial da vida do trabalhador em consequência da mudança do seu local de trabalho
.

      Assim, e em termos de síntese, como o faz o Ac. da Rel. de Lisboa citado, pode afirmar-se que a existência de prejuízo sério afere-se na consideração de elementos factuais concretos da organização da vida pessoal e familiar do trabalhador - o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade - entre outros, os recursos existentes em matéria de transportes, o número, idade e situação escolar dos filhos, a situação profissional do cônjuge e de outros elementos do agregado familiar, sendo necessário, para que se verifique, que a transferência afecte substancialmente a estabilidade daquela organização, indo para além dos simples transtorno ou incómodos.

      Quanto à imputação do ónus da prova, entendemos que o mesmo impende sobre a entidade empregadora, como aliás decidiu o Ac. do STJ de 12/2/2009, in www.dgsi.pt:, referindo-se que “face à letra do n.º 1 do citado artigo 315.º, que a inexistência de prejuízo sério é pressuposto do exercício do poder do empregador, pelo que sobre este recai o ónus da respectiva prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil”.

                        No acórdão da Rel. de Lisboa de 05/06/2013, proc. nº 107/13.4TTBRR-A.L1-4, citado pela sentença e disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se que “cabe à entidade empregadora a alegação e prova dos factos demonstrativos «da inexistência de prejuízo sério» para o trabalhador da pretendida transferência, sufragando tal interpretação do preceito a Dr.ª Catarina Carvalho, obra citada, páginas 61 a 65, quando afirma que “A admissibilidade de a entidade patronal proceder a uma transferência individual de local de trabalho está dependente da verificação de um interesse da empresa e da inexistência de “prejuízo sério” para o trabalhador envolvido. Trata-se, portanto, de um direito do empregador cuja constituição depende também do preenchimento do seu pressuposto negativo - a ausência de prejuízo sério. Assim, por força das regras gerais de repartição do ónus da prova (artigo 342.º do Código Civil), cabe ao empregador provar que a transferência não causa prejuízo sério ao trabalhador afetado, assim como a existência de um interesse da empresa”.

                        Voltando a citar o douto parecer da Exmª PGA, na verdade, tal como configurado na alínea b) do n° 1 do artº 194° do CT, a inexistência de prejuízo sério é um requisito constitutivo do direito do empregador a transferir o trabalhador. Daí que lhe caiba o ónus de alegar e provar, na parte que controla, a concreta inexistência de prejuízo sério para o trabalhador afectado pela medida, nos termos do artº 342°, n° 1, do Cod. Civil.

                        Esta parece ser a solução que melhor se enquadra com o teor da alínea c) do nº 1 do art. 194º do CT e não deverá ser rejeitada com a argumentação de que a inexistência é um facto negativo, de difícil prova, porque, no artº 196° do CT, o legislador instituiu o procedimento a seguir na transferência do local de trabalho, impondo ao empregador que, antes de comunicar a sua decisão de transferência ao trabalhador, explicitando os seus fundamentos, se inteire da situação deste, para proceder à sua ponderação, em face do interesse da empresa. Deste modo, a averiguação da inexistência de prejuízo sério terá de ser efectuada com os elementos que o empregador conhece ou tem obrigação  de conhecer.

                        Neste sentido vejam-se Júlio Vieira Gomes, Direito do Trabalho p. pag. 644, João Leal Amado, Contrato de Trabalho, pag. 247; Pedro Madeira de Brito, Código do Trabalho Anotado, anotação ao artº 194º.

                        E, a nosso ver, o IRC aplicável resolve definitivamente a questão, ao estatuir, no nº 7 da sua clª 15ª, que “Nos casos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 3 da presente cláusula, o trabalhador, querendo rescindir o contrato, tem direito a uma indemnização correspondente a um mês de retribuição base por cada ano de antiguidade, salvo se a entidade empregadora provar que a mudança não resulta prejuízo sério para o trabalhador” (realce nosso.)
                        Mas mesmo que se entendesse que o ónus da prova cabe ao trabalhador, entendemos que, face ao constante dos factos 14. a 23. e às considerações teóricas que se desenvolvemos, sempre estaria demonstrado o prejuízo sério para o Autor. Como refere a Exmª PGA, a Ré não poderia desconhecer a residência do trabalhador e a distância a que a mesma se encontra da Azambuja, bem como as despesas de deslocação (ou, em alternativa, de alojamento), que tal distância implicavam, incompatíveis com os parcos créditos auferidos pelo trabalhador, sendo certo que — segundo a matéria de facto provada - foi só depois de ter recebido a comunicação da resolução do contrato de trabalho que a Ré informou o Autor que, ao invés do que era a sua prática habitual, lhe teria pago as despesas de deslocação.

                        Acolhe-se, assim, a sentença recorrida no entendimento de que, nas circunstâncias concretas do caso, a transferência para o novo local de trabalho comportava para Autor um prejuízo sério, fundando a resolução do contrato de trabalho com direito a indemnização.

      Improcedendo, como tal, a apelação.
                                                                       x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

                        Custas pela apelante.

                                                                Coimbra, 07/04/2016

                                                          

                                                                      (Ramalho Pinto)

                                                          

                                                          

                                                                    (Azevedo Mendes)

                                                                                             (Joaquim José Felizardo Paiva)