Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
525/18.1GBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: DESOBEDIÊNCIA
PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J L CRIMINAL DO POMBAL– J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 40.º, 69.º , 71.º E 348.º, DO CP
Sumário: I – A determinação da medida concreta da pena acessória é efectuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art. 71º do C. Penal.

II - Dada a identidade de critérios para a determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória na respectiva definição haverá, em princípio, uma certa proporcionalidade entre a definição da pena e da sanção acessória que cabem ao caso, mas tendo em conta a natureza e finalidade específicas de cada uma delas.

III – A necessidade de deslocação não se inscreve nos critérios específicos para a determinação da pena em concreto a que se fez referência. Aliás, pelo contrário, se a condução automóvel faz parte da actividade diária do recorrente, tal deveria constituir factor acrescido para se abster de praticar crimes no exercício de uma actividade que tem tanto relevo para si próprio.

IV – Eximindo-se ao teste de despistagem da taxa de álcool no sangue (TAS), recusando submeter-se ao mesmo, apesar das repetidas e insistentes interpelações nesse sentido, revela uma personalidade altamente desajustada às exigências da condução estradal, cuja perigosidade a pena acessória acautela.

V – Baixar mais a medida concreta da pena acessória constituiria, aliás um claro benefício ao infractor que recusou submeter ao teste de pesquisa de álcool.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na 4ª Secção, com competência criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO

Nos presentes autos de processo sumário, após a audiência pública de discussão e julgamento com exercício amplo do contraditório, foi proferida sentença gravada, ficando exarado em ata o seguinte DISPOSTIVO:

- Decide-se: - condenar o arguido …, pela prática em 24.12.2018 de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348°, nº1, al. a) do Código Penal, por referência ao disposto no artigo 152., nºs. 1, al. a) e 3 e 153° nºs 1 e 8, do Código da Estrada, na pena de 8 meses de prisão, e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 12 (doze) meses, nos termos do art. 69°, nº 1, alínea a), do Código Penal; - nos termos do disposto no art. 58°, nº 1 do C. Penal substituir a pena de prisão supra referida pela prestação de 240 (duzentas e quarenta) horas de trabalho a favor da comunidade em instituição a indicar pela DGRSP; - descontar uma hora pela detenção sofrida neste processo, nos termos do art. 80º, nº 2 do C. Penal.

Adverte-se o arguido para que proceda à entrega na secretaria deste Tribunal Judicial ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado desta sentença (no prazo de 40 dias a contar de hoje, caso não seja interposto recurso desta decisão), a sua carta de condução e outros títulos de condução que porventura seja titular nos termos dos artigos 69°, nº 3 do Código Penal e 50º, nº 2, do Código de Processo Penal, sob pena de não o fazendo ser ordenada a sua apreensão e incorrer na prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348°, nº 1 l b) do Código Penal. Mais fica ainda advertido que caso venha a ser interceptado a conduzir durante o período de inibição comete um crime de violação de proibições, imposições ou interdições p.p. pelo art. 353 do C. Penal.


*

Inconformado, recorre o arguido, formulando na motivação do recurso as seguintes - CONCLUSÕES:

Relativamente à sanção acessória de inibição de condução de veículos motorizados, a sua duração deve ser circunscrita a 6 meses.


*

Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido sustentado a improcedência do recurso.

No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se pronuncia no mesmo sentido da resposta apresentada em 1ª instância.

Corridos vistos cumpre decidir.


***

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. O objecto do recurso, definido pelas conclusões, é a medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor - fixada pelo tribunal recorrido em 12 (doze) meses e que o recorrente pretende ver reduzida para 6 meses.

2. Com relevo para a apreciação, resulta da matéria de provada:

- No dia 24.12.2018, pelas 02h30, ao Km 157,600, em Tinto, Pelariga, Pombal, …conduzia o automóvel ligeiro de matrícula …;

- Por apresentar uma condução irregular, tendo permitido que o veículo fosse por diversas vezes à berma e/ou ao eixo da via, foi mandado parar e fiscalizado por guardas da GNR, que ali se encontravam em serviço, devidamente fardados e identificados e em veículo com as cores e símbolos daquela guarda;

- Interpelado para o efeito, o arguido recusou submeter-se a testes de detecção de álcool no sangue tanto através de ar expirado como através de análise do sangue.

3. Apreciação

A moldura abstracta da pena acessória aplicável (art. 69º, nº1 do CP) é de 3 meses a três anos.

A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados foi introduzida no C. Penal pela Revisão operada pelo DL 48/95 de 15 de Março, tratando-se, até então, de matéria privativa do C. da Estrada e leis extravagantes. Pondo-se assim termo à situação “caótica” então existente no direito penal e à insuficiente e contraditória regulamentação contida no C.E. – cfr. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Aequitas/Editorial Notícias, §§ 793.

Com efeito a inibição de conduzir surgia antes no C. E., nuns casos como pena acessória, e noutros casos como medida de segurança, uma vezes criminal, outras vezes de natureza administrativa, suscitando dúvidas de aplicação que levaram à prolação do Acórdão do STJ para uniformização de jurisprudência de 29.04.1992, BMJ 416º, p. 119, que a qualificou como medida de segurança.

Da reforma operada pelo DL 48/95 de 15.03, resulta claro que se trata de uma “verdadeira pena acessória”, tal como propunha, de lege ferenda, Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, cit., §§ 205 e 793. Como defendem em face do actual texto legal, Germano M. da Silva, Crimes Rodoviários, 1996, p. 29; Maia Gonçalves CP. Anotado, 15ª ed., p. 237; Leal Henriques/Simas Santos, C. Penal Anotado, 3ª ed., p. 797.

Os efeitos dos crimes não constituem uma categoria a se, só podendo relevar através dos mecanismos das penas acessórias – cfr. Pedro Caeiro, in Sanção de Inibição da Faculdade de Conduzir, RPCC, 2 a 4, 1993, p. 566).

A pena acessória mereceu novamente a atenção do legislador através da Lei 77/2001 de 13 de Julho que deu nova redacção ao art. 69º do C. Penal, definindo com maior rigor o âmbito da sua aplicação e elevando o limite mínimo e o limite máximo (de 1 para 3 meses e de 1 para 3 anos, respectivamente). O que evidencia o seu relevo em termos de política criminal, como instrumento de prevenção e combate aos elevados índices de sinistralidade rodoviária, para que contribui, como um dos factores mais relevantes, a condução sob o efeito do álcool e a não interiorização, pelos condutores portugueses, por factores culturais enraizados, da incompatibilidade entre o consumo de bebidas alcoólicas e o exercício da condução.

Constitui, em relação à pena principal, uma censura - e consequente punição - adicional ou complementar do facto. Sendo-lhe atribuída uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação – cfr. F. Dias, Consequências, cit., § 88 e § 232.

Tem como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução. E como pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável.

Não se trata, pois, de um efeito automático da pena, mas antes de uma consequência do crime ligada ao grau de ilicitude do facto e ao grau de culpa do agente e perigosidade revelada no facto. Não afrontando, por isso, o disposto do art. 30º, n.º4 da Constituição da República ou no art 65º, n.º1 do C.P. Tendo-se pronunciado expressamente pela constitucionalidade do art. 69º, n.º1, al. a) do C.P. na redacção dada pela Lei 77/2001 de 13.07 o Ac. TC 630/2004 de 04.11.2004, DR IIS de 14.12.2004

Mesmo que se entenda que a lei impôs sempre como condição de aplicação da pena acessória a cominação de uma pena principal (cfr. Ac. do T. Constitucional 520/2000, DR IIS de 31.01.2001) de tal imposição legal não resulta qualquer colisão com a proibição de automacidade, esse entendimento não colide com a proibição do feito automático das penas, desde que tal cominação se encontre justificada pela gravidade do ilícito e pela culpa do agente; nesse caso a cominação da pena acessória encontra o seu fundamento na prova do ilícito em que se funda a pena principal e na prova da respectiva culpa do agente, não sendo necessária para a sua aplicação a prova de quaisquer outros factos complementares.

A determinação da medida concreta da pena acessória é efectuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art. 71º do C. Penal – cfr. Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Universidade Católica, p. 28 e Maia Gonçalves, C. Penal Anotado, 15ª ed., p. 237.

O art. 71º do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se “em função da culpa do agente e das exigência de prevenção”. Critério que é precisado depois no nº2 do mesmo preceito: na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele. Circunstâncias que se reconduzem a três grupos ou núcleos fundamentais: factores relativos à execução do facto {alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpam sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta}; factores relativos à personalidade do agente {alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto}; e factores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto {alínea e)}.

O modo como estes princípios regulativos irão influir no processo de determinação do quantum da pena é determinado ainda pelo programa político-criminal em matéria dos fins das penas, que se reconduz a dois princípios, enunciados no art. 40º do C. Penal (redacção introduzida pela Reforma de 95): 1 A aplicação da pena... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Dada a identidade de critérios para a determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória na respectiva definição haverá, em princípio, uma certa proporcionalidade entre a definição da pena e da sanção acessória que cabem ao caso.

No entanto, como decidiu o Ac. T. Constitucional n.º 667/94 de 14.12, BMJ 446º - suplemento, p. 102, “a ampla margem de discricionariedade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição de conduzir, permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham que ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais”.

Não obstante a identidade de critério para definição da medida concreta da pena principal e da pena acessória haverá que ter em conta a natureza e finalidade específicas de cada uma delas (incidindo a primeira sobre a liberdade – prisão – ou sobre o património – multa – e a pena acessória sobre o exercício temporário da atividade da condução automóvel em cujo âmbito foi praticado do crime), por forma a que a pena acessória aplicada em concreto se mostre ajustada às suas finalidades específicas dentro do programa político-criminal em matéria dos fins das penas enunciado pelo art. 40º do CP.

A determinação da pena acessória deva operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do CP com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral – cfr., entre outros, Ac. RC de 07.11.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 47; Ac. RC de 18.12.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 62; e Ac. RC de 17.01.2001, CJ/2001, t. 1, p. 51, jurisprudência sedimentada desde então.
No caso, alega o recorrente que, enquanto Pintor da construção civil, percorre diariamente mais de 60 Km., necessitando de se deslocar diariamente para os locais onde exerce a sua actividade, sendo, por isso, a privação de condução da viatura pelo período de 12 meses causadora de grande transtorno no seu quotidiano; o recorrente demonstra-se arrependido do facto que praticou.
Ora, a necessidade de deslocação não se inscreve nos critérios específicos para a determinação da pena concreto a que se fez referência. Aliás, pelo contrário, se a condução automóvel faz parte da actividade diária do recorrente, tal deveria constituir factor acrescido para se abster de praticar crimes no exercício de uma actividade que tem tanto relevo para si próprio.
Por outro lado, além de não provado o arrependimento sincero e proactivo, a forma, primária, como afrontou as normas elementares de exercício e controlo da condução automóvel, conduzindo primeiro de forma errática (permitido que o veículo fosse por diversas vezes à berma e/ou ao eixo da via), o que chamou a atenção das entidades de controlo. E eximindo-se, depois, ao teste de despistagem da taxa de álcool no sangue (TAS), recusando submeter-se ao mesmo, apesar das repetidas e insistentes interpelações nesse sentido, revela uma personalidade altamente desajustada às exigências da condução estradal, cuja perigosidade a pena acessória acautela. O que afasta ostensivamente a pretendida redução da pena acessória aplicada pela decisão recorrida, já de si significativamente abaixo do meio-termo da respectiva moldura abstracta. Baixar mais a medida concreta da pena acessória constituiria, aliás um claro benefício ao infractor que recusou submeter ao teste de pesquisa de álcool de que, tudo indica, poderiam resultar consequências mais gravosas.
Impõe-se, assim, a improcedência do recurso.  

III - DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se negar provimento ao recurso, com a consequente manutenção integral da decisão recorrida.

Custas pelo arguido/recorrente (artigo 513º do CPP, nº1 do CPP), fixando-se a taxa de justiça, nos termos da Tabela III anexa ao RCP, em 3 (três) UC

Coimbra, 22-05-2019

Belmiro Andrade (relator)

                                                                

Luís Ramos (adjunto)