Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
446/10.6GCTND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
Data do Acordão: 02/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA (2.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 382º, 384º CPP
Sumário: Após o decretamento da suspensão provisória do processo, ocorrido em processo sumário, fica o mesmo a aguardar o decurso do prazo por que foi ele suspenso provisoriamente na secção judicial onde foi o processo distribuído.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. Após recepção nos Serviços do Ministério Público do expediente relativo à detenção do arguido PM..., ora melhor identificado a fls. 2, pela prática, em flagrante delito, de um crime de condução de veículo ciclomotor sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.º 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, com referência aos artigos 121º e segs., do Código da Estrada, foi deduzido despacho em que, ao apresentar-se o mesmo para julgamento, sob a forma de processo sumário, se sugeriu a aplicação da suspensão provisória do processo, caso fosse obtida a sua concordância e tal opção merecesse a concordância do Tribunal, ou, em alternativa, e caso não se obtivessem as referidas concordâncias, o seu julgamento em processo sumário.

No aludido despacho, o Ministério Público ordenou a apresentação do expediente e do arguido ao M.mo Juiz para apreciação do assim requerido.

Remetido tal expediente por via electrónica à Secção Central, procedeu-se ao seu registo, distribuição e autuação como Processo Especial – Sumário.

Aberta conclusão ao M.mo Juiz, mostra-se prolatado despacho com o teor seguinte:

“Atendendo à promoção que antecede e porque a eventual suspensão provisória do processo penal depende da aceitação expressa do arguido, determino que sejam tomadas declarações ao arguido no sentido de ser obtido o eventual acordo.

Porque o Tribunal se encontra impedido na realização de diligência já, há muito agendadas, determino que o arguido seja notificado para comparecer às 14:00 horas, de hoje, para a realização da diligência supra referida.”

Após tal despacho, foi aberta a sessão de audiência e julgamento, tal como consta da respectiva acta, com o seguinte teor (no que ora releva):

“Acta de Audiência de Julgamento

(…)

Declarada iniciada a diligência, pelas 14 horas e 25 minutos, pelo M.mo. Juiz, na sala de audiências, após ter sido concedido um tempo ao ilustre Defensor Oficioso para preparação da defesa do arguido, pelo mesmo foi pedida a palavra e tendo-lhe sido concedida, no seu uso, por ele foi dito que o arguido, PM..., anuiu à proposta do Ministério Público relativa à suspensão provisória do processo, bem como, à injunção nela contida.


**

Pelo M.mo. Juiz foi proferido o seguinte:

Despacho

Porque os factos descritos no auto de notícia são passíveis de preencher um ilícito criminal punido com pena de prisão inferior a cinco anos, porque o Ministério Público propôs, nos termos de fls. 11 e seguintes, tendo o Arguido aceite expressamente a suspensão provisória do processo e a injunção, ao abrigo do disposto no Art.º 281.º e seguintes do Código de Processo Penal determino a suspensão do processo pelo período de seis meses, bem como o cumprimento da injunção constante na promoção.

Solicite à Direcção Geral de Reinserção Social a elaboração do plano para a prestação de sessenta horas conforme promoção do Ministério Público.

Sem custas.

Após, devolva os autos ao Ministério Público para que aguardem pelo prazo de suspensão, uma vez que, caso não seja cumprida, não poderá manter-se a espécie processual sumária para efeito da relação do período.

Notifique.”

1.2. Desavindo tão-somente com este segmento final, em itálico e sublinhado nossos, recorre o Ministério Público extraindo do requerimento devidamente motivado a seguinte ordem de conclusões:

1.2.1. A aplicação com as devidas correspondências prevenidas no art.º 384.º – do Código de Processo Penal e diploma de que serão os preceitos doravante a citar, quando sem menção expressa da origem –, não pode, logicamente e, numa apreciação literal e puramente sistemática das normas aplicáveis, querer dizer que, apenas porque o art.º 281º está inserido na fase processual do inquérito, se deva entender que é nos Serviços do Ministério Público que o processo deverá aguardar o decurso do prazo de suspensão e que cabe ao Ministério Público verificar pelo (in) cumprimento das regras de conduta e das injunções aí aplicadas.

1.2.2. Registado, distribuído e autuado o expediente que lhe é remetido pelo Ministério Público como processo sumário, é ao juiz que cabe proferir despacho que determine a suspensão provisória do processo ou que designe data para a realização da audiência do julgamento (consoante os casos).

1.2.3. Após o registo e autuação de um processo sumário, o mesmo só comporta despacho judicial que ponha termo ao processo e este só poderá revestir uma de três possibilidades: absolvição, condenação ou remessa para outra forma de processo.

1.2.4. De acordo com a interpretação gramatical e legal, suspender um processo é suster-lhe a marcha o que, necessariamente, implica que o mesmo fique a aguardar os ulteriores trâmites processuais no mesmo sítio onde se encontra na data da sua suspensão.

1.2.5. O processo sumário suspenso por aplicação dos art.ºs 381.º e 384.º só poderá ser remetido ao Ministério Público se o arguido não cumprir as regras de conduta/injunções que lhe tenham sido aplicadas e não for já possível o julgamento em processo sumário.

1.2.6. Tal como sucede na suspensão provisória do processo na fase de instrução, cabe ao Juiz de Julgamento (na instrução cabe ao J.I.C.) decretar a suspensão do processo no processo sumário, devendo o processo aguardar aí os seus termos (tal como pacificamente sucede na fase de instrução).

1.2.7. O entendimento da decisão recorrida é inconstitucional por violar o princípio da separação de poderes ínsito nos art.ºs 2.º e 111.º, ex vi dos art.ºs 202.º e 219.º, da Constituição da República Portuguesa, conduzindo ao vício de usurpação de poder por constituir acto de delegação de poderes de um órgão de soberania (o da guarda e posterior tramitação de processo, neste caso sumário) noutro órgão fora dos casos previstos na Constituição e na Lei ou, caso assim não se entenda, de incompetência absoluta, por constituir a prática por um órgão (Ministério Público) de acto para o qual não possui qualquer competência conferida pela Constituição ou pela Lei.

1.2.8. Remeter o processo sumário suspenso ao Ministério Público ainda antes de se saber se o arguido cumpriu ou não a injunção, será pretender que um processo jurisdicional saia da respectiva Secção fora dos casos previstos na lei, em violação do art.º 125.º, n.º 3 da L.O.F.T.J. (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) e do art.º 155.º, n.º 2, da N.L.O.F.T.J. (Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto).

1.2.9. O que viola flagrantemente o disposto no artigo 390.º, n.º 1, que, de forma taxativa, fixa os casos em que o processo muda de forma processual.

1.2.10. A manter-se o entendimento da decisão recorrida, não se vislumbra o destino a dar pelo Ministério Público a este processo que lhe é remetido pelo Juiz de Julgamento já que, por lei, não o pode mandar arquivar, nem registar como processo administrativo, expediente avulso ou inquérito (violando-se aqui, e nesta hipótese, o estatuído no artigo 262.º) por o mesmo constituir um processo jurisdicional, dirigido pelo juiz e não pelo Ministério Público.

1.2.11. É manifesto que um processo judicial especial (processo sumário, no caso concreto), ainda que remetido aos serviços do Ministério Público, não integra, nem nunca poderia integrar o conceito de inquérito, ou “converter-se” num inquérito, fora dos casos expressamente estabelecidos na lei (cfr. artigo 390.º).

1.2.12. O inquérito que se instaurasse por esta via, e sem fundamento legal, estaria assim, ab initio e inelutávelmente esvaziado de objecto e sentido porque estaria já alcançada a sua finalidade, coarctando o Ministério Público enquanto titular do “inquérito” assim instaurado de decidir-se ou não pela suspensão provisória do processo.

1.2.13. Não se vê como pode tal processo ser registado junto dos serviços do Ministério Público, já que não se vislumbram outras “formas processuais” onde tal pudesse caber ou integrar-se.

1.2.14. A pretensão do legislador ao conferir a possibilidade do uso da SPP no processo sumário (artigo 384.º), não terá certamente sido a de que, decretada que fosse a suspensão provisória do processo sumário, este fosse remetido ao Ministério Público e ficasse num “limbo” não sindicável e sem assento legal.

1.2.15. Nem a de, por via de despacho como o proferido nos autos, instituir o Ministério Público como “fiel depositário” de um processo judicial e especial.

1.2.16. Não cabe ao Ministério Público, no caso de cumprimento das regras de conduta e injunções por parte do arguido, determinar, em casos como o vertente, o arquivamento do processo.

1.2.17. Se a intenção do legislador tivesse sido a de fazer regressar estes processos (abreviados e sumários) ao Ministério Público, não teria expressamente dito (tanto mais quando estatuiu expressa e taxativamente no artigo 390.º as circunstâncias em que o processo é remetido para a forma comum) que assim era? E a forma ou veste sob a qual tal “regresso” seria efectuado (como inquérito? Expediente avulso ou outra?).

1.2.19. O processo sumário no qual tenha sido decretada a suspensão provisória do processo e durante o decurso do prazo de suspensão provisória do processo, deve pois manter-se na secção judicial onde o mesmo foi distribuído, cabendo ao Juiz, titular do mesmo processo, aferir a final dos pressupostos do seu arquivamento ou da sua remessa nos termos do artigo 390.º para outra forma de processo.

Terminou pedindo a revogação do último segmento da decisão mencionada, a dever ser substituído por outra que determine que o processo fique a aguardar termos na Secção onde foi originariamente distribuído o prazo da suspensão provisória do processo.

1.3. Cumprido o disposto no artigo 411.º, n.º 6, nada disse o arguido.

1.4. Proferido despacho admitindo o recurso, e instruído como ordenado, foram os autos remetidos a esta instância.

1.5. Aqui, o Ministério Público, com vista respectiva, nos termos do artigo 416.º, emitiu parecer conducente ao seu provimento nos moldes peticionados.

1.6. Foi dado acatamento ao consignado pelo art.º 417.º, n.º 2.

1.7. No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se não ocorrer fundamento determinante da apreciação sumária da impugnação, bem como nada obstar ao seu conhecimento de meritis.

Donde que se tenha ordenado o prosseguimento dos autos, com recolha dos vistos devidos, e submissão á presente conferência.

Urge, então, ponderar.


*

2.2. Fundamentação.

2.1. É pacífica a doutrina e jurisprudência[1] no sentido de que a delimitação do âmbito do recurso decorre das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação (cfr. também artigo 412.º, n.º 1), mas isto sem prejuízo do conhecimento, inclusive oficioso, das nulidades taxadas como insanáveis, conforme n.º 3 do artigo 410.º[2].

In casu, não se vislumbrando emergir fundamento impondo esta intervenção oficiosa, resulta que o thema decidendum se circunscreve a indagarmos onde, após o decretamento da suspensão provisória do processo, ocorrido em processo sumário, fica o mesmo a aguardar o decurso do prazo por que foi ele suspenso provisoriamente: na secção judicial, no juízo a que foi distribuído; ou, nos serviços do Ministério Público?

Na primeira, é a tese reclamada pelo recorrente; nos segundos, foi o entendimento sufragado no despacho recorrido.

Vejamos, pois, embora adiantando, desde já, que a solução proposta pelo recorrente se nos mostra como aquela que deve perfilhar-se, aliás, pela exaustiva fundamentação apresentada na motivação oferecida, que acompanharemos de perto porque devidamente alicerçada nos normativos convocáveis.

2.2. Verificados os requisitos de aplicação do processo sumário, o Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento deverá apresentar o expediente e o arguido a este Tribunal, deduzindo uma acusação para a sua submissão a julgamento sob tal forma processual ou substituindo a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia nos termos do art.º 389.º, n.º 3. Mais se lhe mostra facultado sugerir a aplicação da suspensão provisória do processo, caso em que deverá indicar de imediato as regras de conduta/injunções que entenda como pertinentes e adequadas para o caso concreto, visto o art.º 384º.

Duas alternativas se colocam depois ao juiz: caso concorde com as regras de conduta/injunções propostas e o arguido também assinta, a de determinar a suspensão provisória do processo; caso assim não suceda, a de designar data para a realização da audiência de julgamento, dentro do condicionalismo temporal estabelecido no art.º 387.º, n.ºs 1 e 2.

Havendo optado pela primeira, volvido o prazo de suspensão provisória do processo, caber-lhe-á aquilatar do cumprimento das injunções propostas pelo Ministério Público e por si próprio determinadas no momento da prolação do despacho que a ordenara.

Mostrando-se que as mesmas estão cumpridas – e que o arguido não cometeu, durante o período da suspensão, crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado –, deve o juiz determinar o arquivamento dos autos.

Não tendo sido elas cumpridas, deve antes o juiz remeter os autos para outra forma processual nos termos do art.º 390.º, isto atenta, desde logo, a impossibilidade da observância do prazo previsto no art.º 387.º.

Tudo a corroborar o entendimento segundo o qual é admissível a aplicação da aludida forma de consenso neste processo especial e que, neste âmbito, cabe ao juiz de julgamento decidir-se pela aplicação do instituto em causa, devendo para tal obter a concordância do Ministério Público e do arguido, bem como do assistente (se houver).

É que assim não fora, esvaziar-se-ia de conteúdo e aplicação prática esse art.º 384.º, o qual pressupõe a intervenção decisória do juiz de julgamento titular do processo sumário, já autuado como tal por sua determinação (depois da intervenção do Ministério Público junto do Tribunal competente, em momento prévio à existência de tal processo, enquanto impulsionador da sua instauração antes da fase de julgamento).

Art.º 384.º que ao prever ser correspondentemente aplicável o disposto nos art.ºs 280.º, 281.º e 282.º, tão-somente visa acautelar a efectiva possibilidade de aplicação do instituto do arquivamento com dispensa de pena e da suspensão provisória ao processo sumário, o que pressupõe a conformação dos requisitos e articulação dos mecanismos necessários para tal aplicação que não deturpem quer as finalidades, quer os pressupostos específicos deste instituto “enxertado” nesta fase processual.

Isto sem olvidarmos que a forma de processo sumária se mostra, sempre, sem qualquer outra fase processual, e pensamos, obviamente, na de inquérito ou na de instrução.

A aplicação com as devidas correspondências prevenidas no art.º 384.º, não pode, logicamente e, numa apreciação sistemática das normas aplicáveis, querer dizer que, apenas porque o art.º 281.º está localizado na Parte II, Título II, Capítulo III do Código de Processo Penal inserido na fase processual do inquérito, se deva entender que é nos Serviços do Ministério Público que o processo deverá aguardar o decurso do prazo de suspensão e que cabe ao Ministério Público verificar pelo (in) cumprimento das regras de conduta e das injunções aplicadas.

Na fase de processo sumário, “dominus” do processo será o Juiz de Julgamento e não o Ministério Público.

Logo que o Ministério Público apresente o expediente nos termos do consagrado no art.º 382.º, n.º 2, no Tribunal competente para o julgamento, o mesmo é registado, distribuído e autuado como processo sumário pela Secção Judicial, aí ficando e não podendo sair senão nos casos previstos no art.º 125.º, n.º 3 da L.O.F.T.J. (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) e do art.º 155º, n.º 2, da N.L.O.F.T.J. (Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto).

Tal expediente passa a constituir um processo jurisdicional, só podendo vir a revestir outra “roupagem” nos casos taxativamente previstos no art.º 390.º.

Ora, de entre as hipóteses aqui prevenidas, não se encontra a da situação sub judice.

Este o entendimento que, inclusive, se coaduna com o definido para a fase de instrução.

Na verdade, mostrar-se-ia totalmente ilógico, sufragar-se que, aplicada a suspensão provisória do processo na fase de instrução (ou seja, depois de ser encerrada a fase de inquérito) nos termos do art.º 307.º, n.º 2, os autos retornassem para os Serviços do Ministério Público a fim de aí aguardarem pelo prazo de suspensão.

A interpretação legal pressupõe a aplicação adequada e com as devidas adaptações dos preceitos legais (sempre numa perspectiva teleológica e de procura do fim querido pelo legislador na sua redacção), sem que seja necessária uma sistemática referência expressa à letra da lei, sob pena de a sua aplicação poder assim introduzir entorses indesejáveis na aplicação de regras pensadas para serem utilizadas numa certa forma de processo (o comum) a outra forma de processo (o especial), devendo evitar-se que seja desvirtuado, na prática, o regime próprio deste processo.

Nesta perspectiva, deve proceder-se a uma interpretação lógica e conforme ao espírito do legislador, no sentido de que, em processo especial sumário, após a abertura da audiência de julgamento, uma vez decretada pelo Juiz de Julgamento a suspensão provisória do processo, os autos deverão aguardar na respectiva Secção onde o mesmo foi originariamente distribuído pelo decurso do prazo da referida suspensão provisória.

A tese sufragada menospreza, inclusive, o que seria a sua linha lógica: volvido o processo ao Ministério Público, qual a posição que este deveria assumir, pois que não o pode mandar arquivar (por ter sido judicialmente determinada a suspensão provisória do processo), nem registar como processo administrativo, expediente avulso ou inquérito por o mesmo constituir um processo jurisdicional, judicialmente dirigido!

Com efeito, o processo especial sumário que é enviado pelo Juiz para os serviços do Ministério Público não é um processo administrativo ou expediente avulso, mas antes um processo judicial, previamente autuado, registado e distribuído como processo sumário.

Igualmente não é um “inquérito”, se atentarmos na definição legal que dele consta no art.º 262.º.

O legislador, prevenindo a possibilidade de no âmbito do processo sumário ser possível o recurso à suspensão provisória do processo, por certo não terá almejado que, logo que imposta, o mesmo retornasse ao Ministério Público e ficasse num “limbo” não sindicável ou, quiçá, se instituísse o Ministério Público como “fiel depositário” de um processo judicial e especial que, apenas e se o arguido não cumprir as injunções (o que pode nem sequer acontecer) é remetido – nos termos do artigo 390.º – para a forma comum (i.e., para inquérito).

E que fazer ao inquérito (pois assim teria sido autuado) no caso de cumprimento das regras de conduta e injunções por parte do arguido? Incumbiria ao Ministério Público arquivar processo no qual foi judicialmente determinada a SPP? Ou, remetê-lo-ia ao Juiz (dominus do processo especial sumário entretanto registado como “inquérito” ou sob outra veste que se entenda legalmente admissível) para que o fizesse (uma vez que a SPP foi judicialmente determinada)? Neste caso, em que moldes? Provocando a intervenção do Juiz no “inquérito”? Do Juiz de julgamento (o titular do processo especial sumário) ou do Juiz de Instrução (uma vez que o processo sumário foi entretanto registado como inquérito)?

Acresce que a perfilhar-se o entendimento sustentado no despacho recorrido, igualmente se deve questionar do regime respeitante ao processo abreviado que prevê a aplicação de igual norma (artigo 391.º-B, n.º 4).

Na verdade, que fazer quando aí fosse determinada a suspensão provisória do processo v.g., pelo período de 6 meses ou de 1 ano: remetia-se o processo – também neste caso – para os serviços do Ministério Público? E então a que título? E com que finalidade e fundamento?

Por último, não podemos deixar de questionar sobre a razão pela qual, se a intenção do legislador tivesse sido esta, se consagra nestes normativos (artigo 384.º e 391.º-B, n.º 4) expressa remissão para o artigo 282.º referindo que “é correspondentemente aplicável” este normativo.

Se o desiderato fosse o de fazer retornar tais processos ao Ministério Público, não se teria expressamente consagrado que assim deveria proceder-se? E por que forma (como expediente avulso? Como inquérito ou outra?).

Tudo a conjugar-se para que o entendimento reclamado pelo recorrente seja aquela que deve adoptar-se.


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III – Decisão.

São termos em que no provimento do recurso se determina a revogação do segmento do despacho controvertido em causa, o qual deverá ser substituído por outro ordenando que os autos fiquem a aguardar na Secção onde foi o processo distribuído o prazo da suspensão provisória decretada.

Sem custas.

Notifique.



Brízida Martins (Relator)
Orlando Gonçalves

[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, Tomo 1, pág. 247.
[2] Ac. n.º 7/95, do STJ, em interpretação obrigatória.