Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
179/08.3TBSAT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
NULIDADE
ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
Data do Acordão: 02/08/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SÁTÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.220, 286, 289, 236, 237, 410, 875, 1340 CC
Sumário: I. Um contrato formado pela “manifestação de interesse” em comprar um lote de terreno (segundo termos concretizados) seguido de uma “deliberação” de vender, sem ter sido formalizado por escritura pública é um contrato de compra e venda inválido por falta de forma e não um contrato-promessa (embora possa vir a ser convertido neste).

II. O que interessa na pretensão da acessão é esta e não o valor que se pretende pagar (ou seja, este não constitui limite da sentença para efeitos do art. 661º/1 do CPC).

III. O valor a pagar pelo terreno, no caso do art. 1340º/1 do CC, é o valor dele à data da incorporação, actualizado de acordo com a inflação entretanto verificada (IPC do INE), e não o valor actual.

IV. A aquisição por acessão tem natureza potestativa (depende de declaração de vontade do beneficiário da acessão), estando dependente do pagamento da “indemnização”.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:

              O Município de Sátão representando pela Câmara Municipal de Sátão, intentou a presente acção contra J (…) e mulher D (…) residentes em Sátão, pedindo a condenação dos réus a pagar-lhe 18.180€ acrescidos de juros à taxa legal, após a citação e até efectivo pagamento.

              Alega para tanto que em 17/08/1989, o réu manifestou interesse na aquisição de um lote de terreno do Município com 3636 m2, e a Câmara deliberou ceder ao réu o lote de terreno, a 50$ o m2; o réu não pagou o preço acordado e em 03/04/2008 ainda não o tinha feito, apesar de por diversas vezes ter sido instado a fazê-lo, o que sucedeu devido ao facilitismo que a edilidade de então permitia; então a Câmara tentou chegar a acordo com o réu, para que fosse pago o preço a 5€ [= 1.002,41$] o m2; como não conseguiu chegar a acordo com o réu, deliberou fixar o preço neste valor, tendo em conta os índices de inflação dos últimos 19 anos e solicitou ao réu o pagamento deste preço (que é o valor pedido nesta acção), mas o réu não o paga (dizendo que não se negou a pagar o que deve, uma vez que só deve no dia em que lhe fizerem os documentos; o que não é verdade, diz a Câmara, sendo que quando o réu lhe pagar, outorgará a respectiva escritura de compra e venda); propôs a acção também contra a mulher, porque o réu, aquando da compra do terreno, já era casado com ela, no regime de comunhão de adquiridos e porque o casal vive dos rendimentos da actividade do réu. 

              O réu contestou, alegando, em suma, que nunca foi acordado pelas partes ou fixado pela Câmara qualquer prazo para a realização da escritura do contrato de compra e venda (que não pôde ser feita de imediato por falta de legalização do lote) e pagamento do preço [906,81€ = 3636 m2 x 50$], sendo a alteração do preço acertado do aludido lote de terreno uma atitude unilateral da Câmara; e excepcionou a ilegitimidade da ré, dizendo que estava separado judicialmente de pessoas e bens dela.

              Mais deduziu pedido reconvencional, onde peticionou que fosse reconhecido o direito de propriedade do mesmo sobre o aludido lote de terreno por usucapião ou, se assim não se entender, por acessão imobiliária industrial contra o pagamento do valor [estipulado] do mesmo à data da incorporação das obras, ou seja 906,81€.

              O Município respondeu, defendendo a improcedência das excepções que viu deduzidas na contestação, entre elas a da ilegitimidade da ré, bem como da reconvenção (e volta a dizer que está disposto a outorgar na escritura de compra e venda – na reclamação contra a base instrutória, mais à frente, invocará o disposto nos arts. 878 e 879 do CC, normas do CC que se inserem no regime jurídico do contrato de compra e venda).

              No saneador foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade da ré.

              Depois do julgamento foi proferida sentença, julgando a acção e a reconvenção improcedentes e absolvendo as partes dos pedidos contra elas formulados.

              O autor recorreu desta sentença – para que seja substituída por acórdão que julgue provada a acção, condenando os réus a pagar ao autor os 18.180€ - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
         1. A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, e na determinação das normas aplicáveis.
         2. Por outro lado, ainda que assim se não entendesse, o tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação e aplicação das normas que o mesmo considerou, indevidamente, aplicáveis ao caso sub iudice. Assim,
         3. No que tange à matéria de facto, o tribunal a quo, ao ter decidido como decidiu, dando como não provados os quesitos 1º e 2º, incorreu em erro de julgamento.
         4. O depoimento das (…)impunham que sobre tais pontos fosse proferida decisão diversa da recorrida. Assim,
         5. No que tange ao quesito 2º, apenas tais testemunhas foram indicadas para depor sobre tal factualidade, as quais afirmaram que o réu (além de outros) foi interpelado para pagar, mas jamais efectuou tal pagamento.
         6. Deveria, pois, o quesito 2º ter sido dado como provado.
         7. Também o quesito 1º, pelas razões constantes da motivação, deveria ter merecido a decisão “provado apenas que o réu devia ter pago o preço referido em F), no prazo de seis meses a contar da deliberação da cedência do terreno”, ao contrário do decidido.
         8. O tribunal a quo também incorreu em erro de subsunção fáctico-jurídica. Pois,
         9. Ao contrário do decidido, autor e réu não celebraram qualquer contrato-promessa de compra e venda. Tanto mais que,
         10. Tratando-se de um imóvel, o contrato-promessa de compra e venda teria de ser reduzido a escrito, e assinado pelo contraente que se vincula ou por ambos, consoante o contrato fosse unilateral ou bilateral.
         11. A inobservância da forma do contrato-promessa prescrita no nº 2 do art. 410º do CC acarreta a nulidade do mesmo, vício esse que é de conhecimento oficioso, ao contrário do decidido. Assim,
         12. Inexistindo qualquer contrato-promessa, é, com o devido respeito, incompreensível que a decisão tenha consignado que o autor recorreu à “execução específica” do mesmo. Pois,
         13. A execução específica pressupõe, além do mais, a celebração de um contrato-promessa válido e eficaz, bem como a mora de um dos contraentes.
         14. O tribunal a quo incorreu em erro de interpretação e aplicação dos arts. 410º/2 e 830º, ambos do CC, os quais devem ser interpretados nos termos que melhor constam da motivação deste recurso. Mais,
         15. O tribunal a quo, na sequência do erro na subsunção fáctico-jurídica, incorreu, inevitavelmente, em erro na determinação da norma aplicável.
         16. Nos termos em que o autor configurou a acção, ressalta à evidência que o autor reclama o pagamento de um preço pelo qual, através de deliberação, decidiu ceder ao réu o Lote nº 4.
         17. O réu, desde Agosto de 1989, vem usando de modo contínuo e ininterrupto o referido lote de terreno sem ter pago o preço.
         18. O réu deveria ter pago o preço aquando da entrega do lote em 1989, ou pelo menos no prazo de seis meses após a deliberação da cedência.
         19. Não o tendo feito, está a usar e fruir um bem desde 1989 sem pagar a contrapartida que aceitou pagar, locupletando-se injustamente à custa do ora recorrente.
         20. Como se locupletaria indevidamente o réu se o preço constante da deliberação de 1989 não fosse objecto de actualização, tendo em conta os índices de inflação registados pelo INE.
         21. A obrigação de pagar o preço actualizado, ao contrário do decidido, decorre da interpretação conjugada dos arts. 227º, 339º, 762º/2, 473º, 474º, 479º e 551º, todos do CC, além de, por analogia, do disposto no art. 885º/1, também do CC, ainda que, eventualmente, o pagamento ficasse condicionado à realização do acto translativo do direito de propriedade. Assim,
         22. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo incorreu, além do mais, em erro de determinação das normas aplicáveis, devendo aplicar-se as referidas na conclusão 21ª. Assim,
         23. Estando provado que a área do Lote 4 é de 3.636,00 m2, deveria o réu ter sido condenado a pagar ao autor a quantia de 18.180€ correspondente ao valor fixado na deliberação de 17/08/1989, devidamente actualizado.

              O réu não contra-alegou.

              Também o réu recorreu desta sentença – para que seja substituída por outra que reconheça o direito do réu em adquirir para si o lote de terreno em apreço pelo valor que ele tinha à data da incorporação das obras, devidamente actualizado de acordo com os coeficientes publicados pelo INE, nos termos da Portaria 785/2010 de 23/08 - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
         1. Da sentença sob recurso resulta matéria de facto dada como provada, estarem preenchidos pelo recorrente todos os requisitos da acessão imobiliária industrial e que aqui nos dispensamos de reproduzir.
         2. No que ao presente recurso respeita, o recorrente pretendia através do pedido reconvencional deduzido contra o autor, adquirir o lote em apreço através da acessão imobiliária industrial.
         3. Não obstante se mostrem preenchidos todos os requisitos da acessão, entendeu o tribunal que estaria aqui em causa a questão do valor a pagar, sabendo-se que o mesmo à data da incorporação das obras era de 906,81€.
         4. Notificado da reconvenção e consequentemente da pretensão do recorrente, o autor nada veio dizer quanto ao valor do lote de terreno, muito menos veio invocar o enriquecimento sem causa ou sequer o abuso de direito.
         5. E, sendo este um processo de partes entendeu o autor, porque assim o quis, nada deveria dizer à questão do valor, que só a ele poderia afectar.
         6. E, nada tendo dito, porque assim o quis, vedado estava ao tribunal pronunciar-se sobre tal questão, que nem sequer lhe fora colocada pelas partes em litigio, em manifesta violação do disposto no nº 1d) do art. 668º do CPC.
         7. Mas, se o Tribunal na sua óptica entendia que a agora suscitada questão valor era determinante para a boa decisão da causa, dentro dos poderes que lhe são consagrados pelos arts 265º, 265º-A e 266º do CPC, designadamente ao abrigo do principio da cooperação e da justa composição do litigio, determinar a pratica dos actos necessários para uma justa composição do litigio e consequente correcta decisão da causa.
         8. O valor do lote de terreno à data da incorporação das obras levadas a cabo pelo recorrente em 1989/1990, era de 906,81€.
         9. Ora, tratando-se de uma questão de valor, como é referido na sentença, o valor que se tem a atender para efeitos de indemnização, à luz da jurisprudência invocada na decisão, é o valor do terreno à data da incorporação das obras, por ser este o momento da aquisição do respectivo direito de propriedade pelo ora recorrente, por acessão.
         10. E porque a questão do valor é uma questão de justa indemnização, o montante a atribuir ao proprietário constitui uma divida de valor em que o dinheiro intervém como meio de liquidação da prestação.
         11. Mas, porque há que atender à depreciação da moeda, o valor do lote à data da incorporação das obras – 906,81 € - deveria ser actualizado, de acordo com os índices de preços ao consumidor publicados pelo INE, sendo o coeficiente de desvalorização a aplicar 2,30, de acordo com a Portaria 785/2010 de 23 de Agosto.
         12. O que o tribunal dentro dos seus poderes de decisão e na linha da jurisprudência que aponta na sentença podia e deveria ter feito, tanto mais que estavam observados por parte do recorrente todos os requisitos legais respeitantes à acessão industrial.
         13. E, não o tendo feito, demitiu-se, como todo o respeito devido, do seu dever de fazer uma correcta interpretação e aplicação da lei, não tendo sido feita qualquer tipo de justiça, seja ela formal ou material.
         14. Dir-se-á por fim que os fundamentos estão em manifesta contradição com a decisão, em violação do disposto na alínea c) do nº 1 do art. 668º do CPC.
         Lei violada: arts 661º, 668º c) e d), 265º, 265ºA e 266º do CPC e 1340º do CC.

              O autor apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência deste recurso.

                                                                 *

              Questões que importa decidir: se os quesitos 1 e 2 devem ser considerados pelo menos em parte provados; se não há razões para falar em contrato-promessa e em execução específica do mesmo, ou seja, se a sentença não devia ter enquadrado os factos nesses termos; neste caso, em que termos é que os factos deviam ter sido enquadrados e quais as consequências, designadamente para a pretensão do pagamento do preço que o autor diz ser de, actualizado, 18.180€; por fim, a questão de saber se deve ser declarado que o réu adquiriu o lote por acessão, com condenação no pagamento do valor do lote, mesmo que o valor do lote seja superior ao valor que o réu queria dar por ele.

                                                                  I

                                                  Quanto aos factos:

              (…)

                                                                 *

              São, assim, os seguintes os factos que estão provados:
         A) O Município do Sátão, representado pela Câmara Municipal de Sátão, com vista à dinamização e expansão da indústria no concelho do Sátão, nos finais da década de 80 e no início da década de 90, promoveu a criação de uma zona industrial, junto à Vila de Sátão.
         B) Para tal procurou adquirir todos os terrenos na zona delimitada, uns por compra, outros por troca e dois por expropriação judicial.
         C) Como se estava numa experiência nova a Câmara procurou abrir as respectivas ruas, a fim de se poderem começar a construir as primeiras indústrias.
         D) Nesse sentido, a Câmara realizou todas as obras necessárias à infra-estruturação dos espaços para a criação da denominada zona industrial, suportando todos os encargos inerentes a esse objecto e finalidade.
         E) E criou uma urbanização planificada ao pormenor, com toda a delimitação dos lotes para as respectivas indústrias.
         F) E deliberou alienar os lotes ao preço de 50$ o m2 à data, ou seja: fins de 1989 e princípios de 1990.
         G) A maior parte dos terrenos nessa zona, em meados de 1989 e princípios do ano de 1990, salvo pequenas parcelas, eram já pertença do autor formando uma unidade, devidamente delimitada, embora não registados na Conservatória.
         H) Em 17/08/1989, o réu manifestou interesse na aquisição de um lote com a área de 3.636 m2 à Câmara.
         I) Nesse sentido a Câmara deliberou, na sessão ordinária de 17/08/1989, ceder ao réu o lote de terreno n.º 4 e com a área de 3.636 m2 para a instalação de uma indústria, nas condições normais em que cedia os vários lotes, aos diversos interessados, ou seja a 50$ o m2.
         J) Tal lote situa-se em plena zona na vila e concelho de Sátão e confronta do Norte com estrada da zona industrial (arruamento), do Sul com M... e Poente com estrada municipal.
         K). O réu propunha-se implantar no referido lote de terreno uma indústria de preparação e exportação de cogumelos.
         L) Em tal lote o réu fez implantar um pavilhão de armazenamento de cervejas e outras bebidas, onde desenvolveu e desenvolve o seu negócio até hoje.
         M) Na construção do pavilhão referido em L), foi o réu quem pagou os materiais, fez as obras de vedação dos lotes, participou o pavilhão à matriz e começou a pagar a respectiva contribuição autárquica.
         N) As obras realizadas pelo réu referidas em L) tinham, como ainda têm hoje, um valor superior ao valor estipulado para o lote e referido em I).
         O) E foram feitas na convicção por parte do réu de que o referido lote oportunamente seria legalizado a seu favor.
         P) O réu contraiu casamento, sem convenção antenupcial, com (…), em 08/01/1981.
         Q) Por sentença de 23/03/2001, devidamente transitada em julgado, foi decretada a separação judicial de pessoas e bens do réu e mulher.
         R) Na sessão ordinária de 03/04/2008, a Câmara deliberou liquidar os terrenos da zona industrial, ainda não pagos, pelo valor de 5€ o m2.
         3. Em Março de 2006, a Câmara chegou a consenso com a maior parte dos industriais adquirentes como o réu, que ainda não haviam pago o respectivo preço pelos terrenos adquiridos, acordando um novo preço por m2 de 5€.
         5. É dos rendimentos da actividade industrial, que o réu retira do pavilhão que construiu no dito lote de terreno, de que vive toda a sua família, na qual se inclui a ré, a qual, mesmo após a separação referida em 17 continua a fazer vida em comum com o réu.
         6. Até Março de 2006, nunca foi acordado pelas partes ou fixado pelo autor qualquer prazo para a realização da escritura e pagamento do preço.
         7. Desde 1989, que o réu, por si e pelos seus antecessores, no lote em apreço e pavilhão, faz obras de manutenção e restauro, ocupando o seu espaço com os produtos que comercializa.
         8. E isto, de forma contínua, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de estarem a exercer direito próprio.
         9. As obras referidas em L) e M) foram realizadas com o conhecimento e consentimento do autor.
                                         II

              Do contrato celebrado pelas partes

              A sentença recorrida faz a aplicação das normas que cita e chega à conclusão de que não existe o contrato de compra e venda sugerido pela petição inicial e de que o que se tratou foi de um contrato-promessa de compra e venda.

              O Município pretende que não sugeriu a existência de qualquer contrato de compra e venda (: “em parte alguma do seu articulado o autor alega factos que possam inculcar tal entendimento”!) e também que a situação não corresponde a qualquer contrato-promessa. Diz simplesmente que existe um crédito do Município contra o réu.

              O Município não tem razão. Se invoca um crédito tem que dizer qual é a fonte dele. O crédito não nasce do nada. E o Município nos seus articulados é claro quando fala em compra e venda, posição que, aliás, é também assumida pelo réu (que fala em contrato, escritura de compra e venda, compradores, preço acertado com os compradores, etc).

              De qualquer modo, veja-se o que a sentença diz para afastar o contrato de compra e venda:
         […] via de regra, os contratos celebrados pelos particulares são consensuais […]         Todavia, nalguns casos foram estabelecidas certas exigências de forma (art. 875º do CC), como é o caso do contrato de compra e venda de bens imóveis, sendo que, neste caso a exigência da escritura pública é indispensável […]Assim, do acima exposto temos que as partes não celebraram um contrato de compra e venda, o qual, no caso de imóveis, só é válido depois do acto de realização de escritura pública, o que, in casu, nunca sucedeu.

              Ou seja, a sentença considera que não há contrato de compra e venda porque esta não foi celebrada por escritura pública.

              O que equivale a dizer que para a sentença a situação de uma compra e venda nula por falta de forma não existe.

              Ora, como não é assim (veja-se o art. 220 do CC e, para já e apenas como exemplo, Antunes Varela, CC anotado, vol. III, 2ª edição, Coimbra Editora, 1984, págs. 18 e 19: “se o acto é nulo por vício de forma, como se, por exemplo, se compra um prédio por escrito particular, ou verbalmente…”) e como isto é tudo o que a sentença apresentava como fundamento para a conclusão da inexistência do contrato de compra e venda, pode-se desde já dizer que a conclusão está errada.

              E para considerar que o que existe é um contrato-promessa a sentença recorrida diz o seguinte:
         Urge então classificar o contrato celebrado entre as partes.       
         E, para tanto, deve-se atender às seguintes regras previstas nos arts. 236º: em princípio, prevalece a vontade real do declarante, sempre que for conhecida pelo declaratário cfr. art. 236º/2; não havendo esse conhecimento, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”- cfr. art. 236º/1.
         Ensina Vaz Serra in RLJ, ano 111º, pág. 220. que, para tanto, deve atender-se a todas as circunstâncias do caso concreto, como os termos do negócio, os interesses nele compreendidos, o seu mais razoável tratamento, o objectivo do declarante, as negociações preliminares e os usos. Trata-se da consagração da doutrina da impressão do destinatário.
         Em caso de dúvida, deve prevalecer, nos contratos onerosos, o sentido “que conduzir ao maior equilíbrio das prestações” – cfr. art. 237º.
         Ora, tendo em conta o acima exposto, somos da opinião que o que as partes celebraram foi um contrato-promessa de compra e venda, acompanhado da tradição da coisa.
         Vejamos a noção de contrato-promessa.
         O contrato promessa é, nos termos do artigo 410º do CC, a convenção pela qual uma das partes se obriga a celebrar certo contrato. Ao contrato promessa, por força do disposto no art. 410º/1 do CC, são aplicáveis as disposições legais que seriam de aplicar ao contrato prometido; apenas se excepcionando as relativas à forma exigida e aquelas que pela sua razão de ser não devam ser consideradas extensivas ao contrato promessa.
         Assim, face à matéria factual dada como provada, dúvidas inexistem que as partes celebraram um contrato-promessa de compra e venda, pelo qual o autor prometeu vender ao réu um lote de terreno na zona industrial pelo peço de 50$ o m2, obrigando-se o réu a comprá-lo.”
         E a seguir a sentença entende que a exigência do pagamento do preço corresponde à execução específica do contrato-promessa (cuja nulidade, por falta de forma, não poderia ser conhecida oficiosamente pelo tribunal), adoptando a concepção de Anselmo de Castro – claramente seguida pelos dois acórdãos do STJ citados mais à frente - quanto ao objecto mediato do pedido e só não concede a execução específica por entender que esta depende de uma situação de mora que não existe. 

              Ou seja, a sentença dá como existente um contrato-promessa, apenas fazendo apelo à noção que retira do art. 410º/1 do CC e concluindo que o autor prometeu vender e o réu obrigou-se a comprá-lo. Não diz, nem explica, apesar de ter feito apelo aos princípios da interpretação dos negócios jurídicos, onde é que vê, nos factos provados, a promessa de venda ou a promessa de compra.

              Posto isto:

              Na sua tese sobre A conversão dos negócios jurídicos civis, Carvalho Fernandes (Quid Juris, 1993, págs. 241 a 243) explica que:
         A exacta qualificação jurídica de uma certa realidade fáctica como negócio completo, mas nulo, ou como negócio incompleto nem sempre se apresenta isenta de dúvidas.

              Depois, em nota expõe a proposta de um autor alemão para estabelecer a diferença: o recurso à distinção entre situações de facto (“Tatbestand”) do negócio e pressupostos de eficácia. E diz:
         “Resta saber como se distinguem os elementos que integram a “Tatbestand” qual tale dos que constituem pressupostos de eficácia. Para além disso, pode questionar-se se, não se mostrando satisfeito certo elemento de que depende a eficácia, em termos amplos, do negócio, estamos perante um negócio inválido ou um negócio incompleto, Exemplos flagrantes neste domínio podem verificar-se em matéria de forma legal. Suponha-se que no iter formativo do negócio as partes ajustaram todo o seu conteúdo, mas não o reduziram à forma legalmente exigida. Haverá um negócio incompleto, ou um negócio (completo) inválido? É que, sem pretender que a questão deva necessariamente colocar-se num plano subjectivo, bem pode acontecer que as partes desejem vincular-se desde logo, mas também pode dar-se o caso de reservarem esse efeito para o momento em que o consenso formado revista a forma legal”.
         Na nota 2 da pág. 823, chama a atenção para o caso do ac. do TRP de 28/6/1988, com sumário publicado no BMJ. 378, pág. 793, em que a intenção das partes foi a de se vincularem desde logo, a titulo definitivo, com a obrigação de adoptarem, futuramente, a forma legalmente prevista, nada dizendo contra (antes pelo contrário, já que a posição do autor vai nesse sentido) a solução desse acórdão (que tem um voto de vencido) que foi a de considerar que nesse caso existe um contrato nulo por falta de forma e não um contrato-promessa.

              Mais à frente continua no texto:
         “[…A] conversão surge como um meio de aproveitamento do esforço negocial das partes. Daqui decorre que a conversão envolve um negócio efectivamente celebrado, que não pode atingir o seu objectivo por causas que limitam ou paralisam a sua eficácia. Se não há mais que um projecto negocial que não chega ao seu termo, não se verificam as razões que justificam aquela operação, nem parece, então, razoável partir de dados factuais, que não são mais que a expressão de um “impulso volitivo” não concretizado em negócio, para sobre eles construir efeitos que só ficticiamente poderiam ser considerados como uma actuação da autonomia privada”.

              Assim, no que isto tem de relevo para o caso, importaria saber se existe algum facto que permita considerar que o Município e o réu não se quiseram vincular desde logo (apesar de este ter “manifestado interesse” na aquisição e aquele ter deliberado vender, estando todos os elementos do negócio já concretizados, como se vê até do facto de ambos estarem de acordo com o facto de o preço estipulado ser de 50$), reservando esse efeito para o momento em que fosse feita a escritura pública. Ora, tal facto não existe.

              Os factos provados com relevo para a decisão desta questão são os seguintes [factos F), H) e I)]:               O município deliberou alienar os lotes ao preço de 50$ o m2 à data, ou seja: fins de 1989 e princípios de 1990; em 17/08/1989, o réu manifestou interesse na aquisição de um lote com a área de 3.636 m2 à Câmara; nesse sentido a Câmara deliberou, na sessão ordinária de 17/08/1989, ceder ao réu o lote de terreno n.º 4 e com a área de 3.636 m2 para a instalação de uma indústria, nas condições normais em que cedia os vários lotes, aos diversos interessados, ou seja a 50$ o m2.

              Não há aqui, provado, qualquer facto que permita concluir, no caso, pela existência de um compromisso das partes em virem a contratar, no futuro, uma compra e venda. As partes não se obrigaram a contratar no futuro (utilizam-se os termos de Calvão da Silva, Sinal e Contrato-promessa, 11ª edição, Almedina, 2006, pág. 25), contrataram logo

              E também não há, provado, qualquer facto que permita concluir pela intenção das partes em virem a formalizar, mais tarde, o contrato, e de só então se considerarem vinculadas.

              Aliás, como o contrato-promessa é um contrato completo (“um contrato verdadeiro e auto-suficiente, não obstante a sua natureza preparatória e instrumental, como diz Calvão da Silva, Estudos de Direito Civil e Processo Civil - pareceres, Almedina, 1996, pág. 55”), a sentença ao considerar que existe um contrato-promessa, não podia deixar de ter como existente, naqueles factos, um contrato completo (embora ainda inválido por falta de forma). Ainda como diz Calvão da Silva, obra citada, pág. 54: “a distinção entre negociação e conclusão de um contrato-promessa põe-se exactamente nos mesmos termos em que se coloca para um contrato definitivo, obedecendo ao mesmo critério, o critério do respeito pela vontade das partes: apurar se estas se não vinculam ainda ou se vinculam já ao conteúdo definido”.

              Mais ainda, se a sentença diz que não há contrato de compra e venda porque não foi feita a escritura, não se percebe porque é que diz que existe contrato-promessa… nulo por falta de forma. São posições incompatíveis. Se, para a sentença, a forma é condição da existência de um contrato, essa conclusão, seja a nulidade de conhecimento oficioso ou não, tem de valer quer para o contrato definitivo quer para o contrato preliminar.

              Em suma: existe um negócio (compra e venda) completo mas inválido por falta de forma, susceptível de conversão em contrato-promessa, mas não perante um contrato-promessa.

              Como diz Carvalho Fernandes, a invalidade do negócio emergente de vício de forma é um dos domínios de aplicação clássica do instituto da conversão (pág. 268 da obra citada) e um dos exemplos clássicos de convertibilidade do negócio nulo por vício de forma é o que se traduz em lhe atribuir o valor de um negócio preliminar correspondente (de que anteriormente tinha dado como exemplo o contrato-promessa) (pág. 269 da obra citada). E mais à frente (págs. 823 a 825) trata precisamente da conversão do contrato de compra e venda nulo por falta de forma em contrato-promessa (veja-se também Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 1999, Almedina, pág. 592).

              Assim, perante estes factos o que existe é uma proposta de compra, por parte do réu, feito com base nos dados da deliberação anterior do Município, proposta que foi aceite pelo Município, o que corresponde a um contrato de compra e venda sem a forma especial exigida pela lei. Não há qualquer prova de que as partes só se tivessem querido vincular mais tarde, quando formalizassem o negócio.

              Venda nula, por falta de forma legal que poderia, eventualmente (se ainda se provasse que a proposta do autor tinha sido reduzida a escrito particular, já que a proposta verbal não permitiria a conversão – neste sentido veja-se Carvaho Fernandes, obra citada, pág. 824 e Mota Pinto, TGDC, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2005, págs. 640 e 641) ser convertida em contrato-promessa de compra e venda, se tal tivesse sido pedido por alguma das partes no contrato [Carvalho Fernandes, obra citada, págs. 351 e segs, especialmente págs. 352 e 353, ensina que a convertibilidade do negócio tem que ser arguida por quem seja interessado na sua actuação, ou seja carece de ser invocada por quem dela pretenda valer-se, não operando por si (ipso iure)], inclusive com posterior execução específica do contrato-promessa (Carvalho Fernandes, obra citada, pág. 825).

              Ou seja, no fundo, a sentença escolhe a solução prática que parece a mais correcta para a situação, e que poderia ser a adoptada, se as partes o tivessem querido.

              Mas o juiz não se pode substituir às partes na escolha da via prática que melhor corresponde à situação de facto. A qualificação pode-a fazer, mas já não a escolha dos efeitos práticos que elas visam [vejam-se os dois acórdãos do STJ relatados por Lopes do Rego, de 05/11/2009, publicado sob o nº. 308/1999.C1.S1: 2. O que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, e o de 25/02/2010, publicado sob o nº. 399/1999.C1.S1: a qualificação jurídica que a parte realiza quanto à pretensão de tutela processual que deduz não impede que o tribunal possa reconfigurar adequadamente tal pretensão, dando-lhe a adequada configuração jurídico-normativa, suprindo ou corrigindo o erro de direito da parte na formulação jurídica do pedido que deduz: como temos sustentado (veja-se o ac. do STJ de 05/11/2009, proferido no proc. 308/ 1999.C1.S1): o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo este fenómeno que permite compreender, por exemplo, que seja lícito ao tribunal convolar de um pedido de anulação do negócio jurídico para a declaração de ineficácia, sem que tal permita afirmar que, ao fazê-lo, o tribunal julgou objecto diverso do que havia sido peticionado (cfr, por exemplo, o acórdão uniformizador 3/2001, de 23/1/2001)].

              Ora, como um contrato de compra venda composto de uma declaração que não se prova estar escrita (do réu) e de uma deliberação escrita (da Câmara), não observa a forma legal então em vigor (a escritura pública: art. 875º do CC), tal contrato é nulo (art. 220º do CC) e, sendo tal nulidade de conhecimento oficioso (art. 286º do CC), impõe-se que assim seja declarado, pelo que a pretensão do autor, de que lhe seja pago o preço acordado (mas actualizado) nesse contrato, não pode proceder.

              Note-se que no caso não há qualquer pedido de restituição, pelo que o assento do STJ 4/95, no DRI de 17/05/1995 (Quando o Tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289º do Código Civil) não pode ser aplicado a esta declaração de nulidade (veja-se neste sentido o já citado ac. do STJ de 05/11/2009, publicado sob o nº 308/1999.C1.S1 da base de dados do ITIJ: 3. Limitando-se o autor a formular um pedido constitutivo de anulação de um negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença em que, para além do decretamento da anulação, se condene oficiosamente a parte a restituir o que obteve em consequência do contrato anulado, por tal traduzir condenação em objecto diverso do pedido, vedada pelo nº 1 do art. 661º do CPC).

              Assim, embora por fundamentos diversos, improcede a pretensão do autor e as restantes conclusões do recurso do mesmo contra a sentença recorrida, que se mantém, com o acrescento de que se declara nulo o contrato celebrado entre autor e réu.

                                                                 III

                                                 Do recurso do réu:

                                   Da acessão industrial imobiliária:

              Disse a sentença quanto a esta questão:
         “ A acessão é uma forma genérica de constituição de direitos reais e não apenas da propriedade. A acessão industrial dá-se quando, por facto do homem, se confundem objectos pertencentes a diversos donos ou quando alguém aplica o trabalho próprio a matéria pertencente a outrem confundido o resultado desse trabalho com propriedade alheia (art. 1326º).
         No caso concreto, a acessão invocada é a acessão industrial imobiliária a que se refere art. 1340º em cujo nº 1 se preceitua: “se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio […] e o valor que as obras tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele pagando o valor que o prédio tinha antes das obras [...]”.
         Do disposto resulta, pois, que são requisitos substantivos e cumulativos da acessão industrial imobiliária, a incorporação da construção em terreno alheio, com materiais pertencentes ao seu autor, de boa fé, e que o valor trazido pelas obras ao prédio seja maior do que o valor que este tinha antes.
         Por sua vez, a totalidade do prédio a que alude o art. 1340, atentos os fins da acessão, só pode considerar-se como sendo a nova unidade económica formada pelo terreno e pela construção edificada, já que é apenas relativamente a estes que existe o conflito de direitos que a lei quer resolver.
         Há boa fé na incorporação por parte da pessoa que a implementou se desconhecia que o terreno era alheio ou se foi autorizado pelo dono do terreno a fazê-lo – art. 1340º n.º 4.
         Vejamos agora se no caso em análise se encontram preenchidos os requisitos da acessão imobiliária industrial.
         Temos a incorporação da construção em terreno alheio, com materiais pertencentes ao seu autor, pois que resultou provado que: em tal lote de terreno (pertencente ao Município) o réu fez implantar um pavilhão de armazenamento de cervejas e outras bebidas, onde desenvolveu e desenvolve o seu negócio até hoje, sendo que na construção do referido pavilhão, foi o réu quem pagou os materiais, fez as obras de vedação dos lotes, participou o pavilhão à matriz e começou a pagar a respectiva contribuição autárquica.
         Por outro lado, também resultou provado que a incorporação da construção em terreno alheio foi realizada de boa fé, porquanto resultou demonstrado que as mesmas foram feitas na convicção por parte do réu de que o referido lote oportunamente seria legalizado a seu favor, bem como que estas foram realizadas com o conhecimento e consentimento do autor.
         Por fim, também resultou provado que o valor trazido pelas obras ao prédio foi maior do que o valor que este tinha antes [veja-se o ponto N) dos factos provados: "As obras realizadas pelo réu referidas em L) tinham, como ainda têm hoje, um valor superior ao valor estipulado para o lote e referido em I)”].
         Assim, encontram-se preenchidos os requisitos da acessão imobiliária industrial. No entanto, o que pretende o réu reconvinte é o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o lote de terreno em causa por acessão imobiliária industrial contra o pagamento do valor do mesmo à data da incorporação das obras, ou seja 906,81€.
         Vejamos a questão do valor a pagar.
         Neste campo, temos a concordar com a jurisprudência maioritária, plasmada designadamente no acórdão da Relação de Coimbra de 22/11/2005 [a sentença estar-se-á a referir ao ac. publicado sob o nº. 3204/05 da base de dados do ITIJ] e o acórdão da Relação do Porto [a sentença está-se a referir ao acórdão de 27/11/2008 - 0836816 da base de dados do ITIJ], podendo ler-se neste último que: "A doutrina e a jurisprudência têm entendido que, em virtude da acessão imobiliária, nasce para o adquirente do bem, uma dívida de valor (neste sentido Prof. Antunes Varela CJSTJ98.II, pág. 5, Quirino Soares, CJSTJ96 (...). Segundo o Prof. Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª edição, pág. 887) este tipo de dívidas “não têm directamente por objecto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou ao custo de determinada objectivo, sendo o dinheiro apenas o ponto de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação. O dinheiro deixa de ser nelas um instrumento (procurado) de trocas, para ser apenas a medida do valor de outras coisas ou serviços”. (...) Como se afirma no acórdão da RC de 31/1/2006 [3659/05 da base de dados do ITIJ], numa primeira abordagem à questão, parece que a lei resolve a questão de forma terminante, pois é clara a dizer que o valor a pagar será aquele que o prédio tinha anteriormente às obras. Da mesma maneira, o nº 3 do art. 1340º em análise, no que concerne à hipótese de o valor acrescentado ser menor ao do terreno, concede ao dono deste, a propriedade das obras, mas obriga-o “a indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação”. (...) Todavia como se afirma no acórdão do STJ de 10/2/2000, sendo o direito de acessão um direito potestativo, cuja concretização depende da manifestação de vontade nesse sentido por banda do titular, pois é “nesse momento que se dá a conversão em dinheiro do valor que a parcela tinha antes da incorporação”.
         Como tal o valor a pagar terá sempre de ser actualizado segundo os índices de inflação publicados pelo INE.
         E é esta a solução que também a nós nos parece mais justa, pois (continuando a citar o mesmo acórdão), "mesmo que assim não fosse, o pagamento hoje do valor que o prédio tinha há mais de 10 anos, para além de violar o ditame constitucional que proíbe a privação do direito de propriedade sem uma justa indemnização (art. 62º da Constituição da República Portuguesa), sendo certo que esta se deve aferir em relação ao momento em que é efectivada, também isso constituiria um evidente abuso de direito, pois ir-se-ia efectuar um pagamento de uma quantia fortemente degradada pela erosão monetária entretanto ocorrida. Ou seja, concedendo-se ao proprietário do terreno, o valor que este tinha anteriormente às obras, estar-se-ia a privilegiar e a realizar uma justiça formal em detrimento da material, assim se exercendo o direito de forma manifestamente excessiva, ultrapassando os seus fins económicos e sociais. A atribuição de um valor, ao proprietário do terreno, nesses contornos, constituiria uma indemnização, patentemente, injusta. A proceder-se assim, originar-se-ia, pois, um patente caso de abuso de direito (art. 334º do CC) - neste sentido, Quirino Soares, CJ/STJ1996.I.24 e, entre outros, acs do STJ de 5/5/1996, CJ/STJ96.I.129, de 10/2/2000 (99B1208), de 06/07/2006 (05A4270) e de 18/2/2007 (07A4132, todos estes em www.dgsi.pt)".
         Assim, embora estejam verificados os requisitos para o réu adquirir o aludido lote de terreno através da acessão imobiliária industrial, nunca o poderia fazer através do pagamento do valor do mesmo à data da incorporação das obras, ou seja 906,81€, tal como peticionado.
         Pelo exposto, também este pedido terá que improceder, não podendo o tribunal decidir na aquisição através do instituto da acessão com pagamento do preço actualizado, sob pena de se violar o estabelecido no art. 661º/1 do CPC, o qual refere que "a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir".”      

              Compare-se: o réu deduziu pedido reconvencional, onde peticionou subsidiariamente [e neste recurso não põe em causa a improcedência do pedido principal] que fosse reconhecido o direito de propriedade do mesmo sobre o aludido lote de terreno por acessão imobiliária industrial contra o pagamento do valor [estipulado] do mesmo à data da incorporação das obras, ou seja 906,81€.

              Agora [neste recurso] o réu quer que se lhe reconheça o direito de adquirir para si o lote de terreno em apreço pelo valor que ele tinha à data da incorporação das obras, devidamente actualizado de acordo com os coeficientes publicados pelo INE, nos termos da Portaria 785/2010 de 23/08, ou seja, segundo diz, com o coeficiente de desvalorização de 2,30 que, aplicado ao valor de 906,81€ dá 2.085,66€.

              Apesar desta evidente diferença entre o pedido na reconvenção e o que o réu agora defende, o réu nada diz contra o argumento jurídico-processual invocado pela sentença, de que não podia dar procedência à reconvenção por força do art. 661/1 do CPC, pois que deste modo estaria a condenar em mais do que o “pedido”.

              Seja como for…

                                                                IV

              Se o valor pedido pelo réu é limitativo do valor a fixar pelo tribunal:

              A sentença diz que sim e invoca o disposto no art. 661º/1 do CPC.

              A sentença, no entanto, invocou uma série de jurisprudência e o réu refere que, tendo em conta essa jurisprudência, o valor podia ser actualizado, sugerindo que a tal não obstava o valor por ele concretizado no pedido, mas sem dizer porquê.

              Vão-se passar a analisar todos os acórdãos citados pela sentença recorrida, para se fazer uma ideia do que tem sido decidido, para já apenas quanto a este aspecto.

                                                                 1

              O caso do ac. do STJ de 18/12/2007 (07A4132 da base de dados do ITIJ):
         No que importa, a autora pedia a acessão da casa dos réus pelo valor de 250€. Os réus pediam pela acessão da parcela do terreno correspondente à área da implantação da casa por 222€, ou, subsidiariamente, para o caso da procedência da acção, a condenação da autora a pagar-lhes 7.500€, a título de benfeitorias que estes realizaram no seu prédio.
         Realizado o julgamento, a sentença deu a acessão da casa à autora pelo valor de 30.898,60€ e condenou a autora a pagar aos réus o custo das benfeitorias realizadas por estes, no mesmo prédio, em montante a liquidar posteriormente.
         A Relação de Guimarães, alterou a sentença recorrida na parte em que tinha fixado em 30.898,60€ a quantia a pagar aos réus, como valor do prédio adquirido, e condenou a autora a pagar aos mesmos réus o valor actualizado do referido prédio, consistente na importância de 650€, acrescida do montante que se vier a liquidar em execução de sentença. Manteve a condenação da autora pagar aos réus o custo das benfeitorias realizadas por estes no mesmo prédio, em montante a liquidar posteriormente.
         O STJ manteve o decidido pela Relação.

                                                                                         2

              O caso do acórdão do STJ de 06/07/2006 (05A4270 da base de dados do ITIJ):
         Na parte que importa, o réu pediu que seja declarado que este adquirirá a propriedade plena da parcela de terreno onde construiu uma escola secundária, por acessão, pagando o valor que a parcela tinha antes da efectivação das obras necessárias à referida construção. Depois os autores ampliaram o pedido, no sentido de o réu ser condenado a pagar-lhes a indemnização correspondente ao valor actual dos prédios ocupados pela Escola, a liquidar em execução de sentença.
         A 1ª instância decidiu reconhecer ao réu o direito de acessão relativamente à parcela de terreno [desde o momento?] em que se proceda ao pagamento aos autores da quantia correspondente ao valor que tal parcela tinha antes da incorporação, ou sejam 7.630.000$, valor esse actualizado até à liquidação final, desde a data de incorporação, ou seja, desde 1989, inclusive, em função dos índices de variação de preço do consumidor publicados pelo INE. Tal parcela deverá ser demarcada em execução de sentença, pela linha mais regular possível".
         A Relação decidiu confirmar, em linhas gerais, a sentença com o esclarecimento de que a indemnização a pagar, pela ocupação, será actualizada pelo valor aprovado para 1989, até ao dia do efectivo pagamento da mesma. E o réu pagará ainda aos autores a indemnização, a apurar em liquidação de sentença, correspondente, ao valor da servidão non aedificandi (além dos m2 ocupados) e às contribuições pagas de 1989".
         O STJ manteve o decidido pela Relação.
                                                3  

               O caso do ac. do STJ de 10/02/2000, publicado sob o nº. 99B1208 da base de dados do ITIJ (e também no BMJ 494, pág. 347 e segs):
         Na parte que importa, os autores tinham pedido a acessão de uma construção do réu contra o valor de 1.500.000$, correspondente ao valor que a mesma tinha aquando da incorporação no terreno dos autores.
         O réu deduziu reconvenção pedindo a acessão da parcela de terreno onde edificou a moradia, com a área de 96 m2, recebendo os autores 400.000$, valor desse terreno ao tempo da incorporação, ou, subsidiariamente, a acessão do prédio todo, mediante o pagamento de 3.000.000$, correspondente ao valor do mesmo ao tempo da incorporação.
         A sentença da 1ª instância julgou a acção procedente e improcedente a reconvenção, declarando os autores proprietários da construção feita pelo réu, pagando a este 4.500.000$.
         A Relação de Coimbra julgou improcedente a acção e, em parte, procedente o pedido principal deduzido, em reconvenção, pelo réu, declarando o direito de o réu adquirir, por acessão, a propriedade da parcela de terreno, com a área de 96 m2, sobre que edificou a sua moradia, pagando aos autores o valor desse terreno no montante de 1.800.000$.
         O STJ manteve o decidido pela Relação.

                                                    4

               O caso do ac. do STJ de 05/03/1996, publicado na CJSTJ96I, pág. 129 e segs (com sumário na base de dados do ITIJ sob o nº. 087676):
       Na parte que importa, os autores pediam subsidiariamente a acessão de um terreno onde tinham feito obras, sem referirem qualquer valor.
         A sentença da 1ª instância reconheceu aos autores a acessão de parte do terreno pelo valor de 1.700.000$.
         A Relação baixou o valor para 770.000$.
         O STJ manteve o decidido pela Relação.

                                                                 5

               O caso do ac. do TRC de 22/11/2005, publicado sob o nº. 3204/05 da base de dados do ITIJ:
         Na parte que importa, a ré pediu a condenação do autor a reconhecer que adquiriu, por incorporação, uma parcela de terreno, mediante o pagamento de 1.495.960S, ou, em alternativa, a reconhecer que aquela adquiriu a totalidade do prédio, mediante o pagamento de  4.800.000$.
         A sentença julgou o pedido reconvencional, procedente por provado, condenando o autor a reconhecer que a ré adquiriu, por incorporação, a aludida parcela de terreno, desanexada daquele prédio rústico, mediante o pagamento de 1.495.960$.
         A Relação julgou o recurso do autor parcialmente condenando a ré no pagamento de 8.940.000$.

                                                                 6

               O caso do acórdão da Relação do Porto de 27/11/2008 (0836816 da base de dados do ITIJ):
         Na parte que importa, a ré deduziu reconvenção, pedindo o reconhecimento da acessão industrial imobiliária do terreno onde foram feitas as construções mediante o pagamento do valor que esse bem tinha à data da implantação [isto é esclarecido já na parte da fundamentação de direito do acórdão, não no relatório]
         A sentença da 1ª instância reconheceu a acessão mediante o pagamento à autora da quantia correspondente ao valor que tal parcela tinha antes da incorporação, ou sejam 7.273€, valor esse actualizado desde 1996 e até ao dia do efectivo pagamento da mesma, em função dos índices de variação de preço do consumidor publicados pelo INE.
         O acórdão do TRP confirmou a sentença.

                                                         7

               O ac. do TRC de 31/01/2006 (3659/05 da base de dados do ITIJ):
         Na parte que importa, o autor pediu o reconhecimento do seu direito de adquirir um terreno por acessão industrial imobiliária, mediante o pagamento do valor que o mesmo tinha à data da implantação das construções que lá fez, ou outro que, em concreto, se venha a revelar mais adequado.
         A sentença da 1ª instância atribuiu ao autor a propriedade da totalidade do prédio mediante o pagamento aos donos do mesmo do valor que ele tinha antes da construção dos edifícios, valor esse correspondente a 2.021,88€, actualizado de acordo com os índices de preços no consumidor elaborados pelo INE, desde o ano de 1981 até à data do pagamento.
         O TRC confirmou a decisão.

                                                                 *

              De todos estes casos resulta que nunca se considerou relevante, para este efeito, o valor indicado pelos pretendentes do funcionamento da acessão. Em quase todos os casos o valor fixado afinal pelo tribunal ultrapassou o valor referido pelos pretendentes da acessão. Em vários casos o pretendente da acessão nem sequer referiu qualquer valor. E noutros casos apenas referiu que pretendia a aquisição por acessão, pelo valor que viesse a ser fixado.

              De tudo isto resulta que o que está em causa num pedido de aquisição por acessão é este pedido, sendo irrelevante, para o efeito, que se refira algum valor em concreto como sendo o valor a pagar pela acessão. O valor que o pretendente da acessão terá que pagar é aquele que vier a ser apurado em julgamento ou o que vier a ser liquidado em momento posterior à sentença. Assim, o valor eventualmente indicado não serve de limite a ser respeitado pelo tribunal.

              Pelo que a sentença não tem razão em considerar improcedente o pedido apenas porque o valor referido pelo réu no seu pedido, era inferior, necessariamente, na lógica dos considerandos da sentença, ao valor que ele teria de pagar para o adquirir por acessão.

                                                                 V

              Não estando discutidos os pressupostos do direito de acessão – o autor não os discute em recurso ou nas contra-alegações ao recurso do réu -, ou seja, não estando discutida a sentença quando considera que todos eles se verificam, fica agora por resolver qual o valor a pagar pelo réu pela aquisição, por acessão, do lote de terreno em causa.

                                                                VI

              Antes de prosseguir importa no entanto dizer que a afirmação da sentença recorrida de que:
         “[…] a totalidade do prédio a que alude o art. 1340º, atentos os fins da acessão, só pode considerar-se como sendo a nova unidade económica formada pelo terreno e pela construção edificada, já que é apenas relativamente a estes que existe o conflito de direitos que a lei quer resolver.”

é uma afirmação que corresponde a jurisprudência quase unânime (e mais à frente serão citados alguns acórdãos nesse sentido) mas que é muito contestada por parte da doutrina. Por exemplo, Carvalho Fernandes, no seu estudo sobre a Aquisição do direito de propriedade na acessão industrial imobiliária, publicado nos Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão Almedina, 2008, Vol. I, págs. 637 a 665, não aceita como boa a ideia de que o que releva é o valor da parte do prédio em que a incorporação foi feita (ver págs. 644 e 663/664 – também os estudos de Rui Pinto Duarte, citados abaixo, não aceitam esta posição – ver, do de 2002, a parte inicial da pág. 206, e, do de 2004, as reservas que vão surgindo pontualmente, para além das lições do autor, segundo diz Carvalho Fernandes, que também cita um autor que defende o contrário).

               A questão, no caso, no entanto, não tem interesse no caso dos autos, visto que o terreno em causa é um lote delimitado pela própria Câmara, a proprietária de todo o prédio, necessariamente que com observância de todos os formalismos legais que poderiam ser postos em causa na tese seguida (veja-se, de algum modo conexo com estas questões, o ac. do STJ de 03/12/2009, publicado sob o nº. 1102/03.7TBILH.C1.S1: 2. Oposta à pretensão do reivindicante contra-direito, fundado em invocada acessão industrial imobiliária, o pedido reconvencional deduzido só pode proceder se, para além do preenchimento dos requisitos especificamente previstos no CC, a aquisição potestativa originária da propriedade, potenciada pelo instituto da acessão, não implicar violação de normas imperativas, reguladoras da edificação e do ordenamento do território, as quais, visando proteger interesses de ordem pública, constitucionalmente consagrados, vinculam o Estado e, obviamente, também os Tribunais. 3. Não pode considerar-se verificada a aquisição por acessão do direito de propriedade sobre uma parcela de prédio alheio, envolvendo aquisição de áreas diferentes dos lotes, tal como estes se mostram definidos em alvará de loteamento, sem que dos autos conste a prova, a produzir pelos réus por se tratar de elemento constitutivo do direito de que se arrogam, de que a alteração dos lotes é lícita face às normas imperativas que regem o procedimento e a execução do loteamento).

                                                                VII

               Qual então o valor a pagar pelo lote?

               A posição da doutrina:

               Quirino Soares, no seu artigo sobre Acessões Benfeitorias, publicado na CJ.STJ96.I, págs. 11 e segs, especialmente págs. 24 e segs defende que:
         “a indemnização [na hipótese do nº. 1 do art. 1340º] a pagar pelo beneficiário é dada pelo valor que o prédio tinha antes da” incorporação e que a dívida em causa se trata “de uma dívida de valor que, como tal, não está condicionada ao princípio nominalista consagrado no art. 550º do CC. O montante a pagar pelo beneficiário da acessão deve ser a expressão pecuniária actualizada do valor que o prédio tinha antes da incorporação.
         O prédio deve ser avaliado com base em todos os elementos valorativos que existiam àquela data, e só neles.
         A avaliação deve, por isso, reconstituir a situação que existia antes da incorporação, mas uma reconstituição que se não limite à configuração do prédio, mas abarque toda a envolvência física e económica que se repercutia no respectivo valor [em nota acrescenta: isto é, e p. ex., se, hoje, margina uma estrada que, à data da incorporação, não existia, aquela não deve ser tida em conta como elemento valorativo; se a propriedade rústica tinha, à data da incorporação, maior valor que o que lhe é atribuído hoje, essa circunstância, esse maior valor, não pode deixar de ser levado em conta na determinação do montante da indemnização]”.

               Este autor aborda ainda, aqui, a questão da distribuição da eventual mais valia contida no valor acrescentado (o conceito deste tinha sido explicado antes, a págs. 22/23):
         “Com efeito, diz, a obra, sementeira ou plantação pode ter introduzido no prédio um acréscimo de valor excedente ao que, isoladamente, lhes seria atribuído. Uma obra de x contos pode induzir, no prédio onde foi realizada, um acréscimo de x + y. 
         A quem atribuir este valor y (a tal mais valia) na hipótese da acessão que estou a considerar (nº. 1, do art. 1340º)?
         P. Lima e A. Varela, in ob. cit. pág. 167, entendem que deverá ser feita uma repartição equitativa, de harmonia com a contribuição do prédio para o valor do “conjunto”.
         Oliveira Ascensão, na sua obra já citada, Estudos sobre a superfície e a acessão, capítulo IV, nº. 2, defende o entendimento, mais conforme com a letra da lei, de que a mais valia deve beneficiar o autor da incorporação, o qual, por isso, só está obrigado a indemnizar o dono do prédio até à medida do valor que este tinha antes das obras, sementeiras ou plantações […].”

               A posição deste autor é pois clara e coerente: o valor da indemnização é o valor que o prédio tinha antes das obras, isto é, à data da incorporação, com actualização monetária reportada à data da decisão final.

               Note-se: para efeitos da indemnização [para efeito de verificação do pressuposto valor acrescentado a questão é outra], não se trata, nesta concepção, de calcular o valor actual do prédio, mas de actualizar monetariamente o valor que ele tinha à data da incorporação. O prédio actualmente pode valer 20.000€, por variadíssimas razões. Ou pode valer só 100€. Tal não interessa. O que interessa é o valor que o prédio tinha à data da incorporação, por exemplo de 1.000€. Este valor é actualizado monetariamente, de acordo com os índices de inflação, o que pode levar à multiplicação, por exemplo, por 177% com o resultado de 1.770€. São pois resultados muito diferentes com base em formulações que terminologicamente podem parecer idênticas.

               A situação é um pouco diferente, para quem seguir a tese de Antunes Varela (mas veja-se, contra, a nota 618, pág. 374, da obra citada já a seguir de Júlio Gomes, a defender a posição contrária à de Antunes Varela, ou seja, sendo antes favorável à de Quirino Soares/Oliveira Ascensão), se for introduzida a questão da mais valia contida no valor acrescentado pela incorporação, mas essa questão tem de ser introduzida pelas partes, em termos coerentes [e tem que ser por elas sustentada em termos coerentes, designadamente nos recursos] que têm que alegar os factos necessários, designadamente para se apurar se se trata de uma mais valia (que assim, na tese de Antunes Varela, poderá relevar) ou se trata de o terreno ter passado a ter actualmente mais valor por causas que nada têm a ver com a incorporação (por exemplo: estradas construídas por outrem que não o incorporador… - e então, mesmo na tese de Antunes Varela, não poderá relevar para o valor a pagar).

                                                                 *

            Júlio Gomes, no seu O conceito de enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa, UCP, Porto, 1998, para além de muitas outras questões, discute a questão das mais valias (págs. 352 e 354), seguindo a posição de Oliveira Ascensão: o lucro ou o valor acrescentado pertence ao beneficiário da acessão, o que resulta das, entre outras, expressões utilizadas pela lei: “valor que tinham ao tempo da incorporação” (art. 1340º/3), “valor que o prédio tinha antes das obras…” (art. 1340º/1). O autor, mais à frente volta à questão (nota 618 – pág. 374) concordando com a posição de Quirino Soares quando sustenta que o valor a pagar ao autor da incorporação é apenas o valor da obra e não mais, mesmo que o valor acrescentado seja superior (posição contrária, como lembra, à de Antunes Varela), acrescentando: afigura-se-nos que o lucro da intervenção, o valor acrescentado (e todo ele) é reservado por lei ao beneficiário da acessão (salvo na hipótese de licitação prevista no nº. 2 do art. 1340º/1 do CC).

            Por outro lado, este autor, que adere à tese de que a acessão tem um carácter automático contra a tese do direito potestativo de aquisição (o que discute de págs. 354 a 367), lembra (nota 604 – págs. 362 a 363) que à tese da aquisição automática tem estado ligada, na jurisprudência, uma indemnização reportada ao valor no momento da incorporação (ac. do STJ de 25/03/1996, publicada na CJ.STJ96.I, págs. 153 e segs) e à tese do direito potestativo tem estado ligada [mas nem sempre – parenteses deste ac. do TRC] uma indemnização que atende ao valor do bem acedido nesse momento (por exemplo, o ac. do STJ de 05/03/1996, publicado na CJSTJ96.I, págs. 129 e segs).

            Ou seja, sob terminologia semelhante têm estado a ser assumidas posições muito diversas. Como se verifica no caso da sentença recorrida, em que são invocados, todos no mesmo sentido, vários acórdãos que têm posições diametralmente opostas.

            Mas a verdade é que aquela ligação (= direito potestativo => valor actual; aquisição automática => valor à data da incorporação) não é necessária, como se vê da posição seguida por Oliveira Ascensão e por Quirino Soares, que entendem que a aquisição por acessão, no caso do nº. 1 do art. 1340º do CC é potestativa (do último autora, veja-se a pág. 22, 2ª coluna do estudo já citado – posição que reforça no seu artigo publicado nos CDP, nº. 12, Out/Dez 2005, esp. págs. 8 e segs) mas continuam a entender, e coerentemente, que o valor que importa é o valor antigo, à data da incorporação (embora, pelo menos segundo Quirino Soares, actualizado).

            Por fim, Júlio Gomes também concorda que quanto ao montante a restituir (obrigação de “indemnização” – o autor explica na nota 609 – e nas págs. 368 e segs - a razão porque prefere a outra expressão…) se trata de uma dívida de valor, como o afirmou o ac. do TRC de 07/06/1988 (CJ88.III, págs. 86 e segs): no cálculo do valor a pagar deve […] atender-se ao estado do prédio no momento em que o art. 1340º do CC indica, mas pelo valor do momento em que o pagamento é realizado (invocando a seguir a erosão monetária entretanto verificada e defendendo a aplicação dos índices de preços no consumidor). O autor diz que concorda com o acórdão (nesta questão) embora este acórdão defenda a tese do direito potestativo.

                                                    *

               Rui Pinto Duarte, no seu artigo sobre A jurisprudência portuguesa sobre acessão industrial imobiliária, algumas observações Thémis, 5 (este estudo, que é de Junho de 2002, só considera, no entanto, a jurisprudência do STJ até à decisão de 17/02/2002 e das Relações até 24/02/2002), diz (págs. 261/26) que: julgo que a boa interpretação é a que sustenta a possibilidade de actualização do valor nominal do terreno anterior à obra; só por ela se pode alcançar que o valor monetário a pagar corresponda ao valor substancial do terreno, na data relevante (e de seguida cita no mesmo sentido, o ac. do TC que será citado abaixo).

               Este estudo é principalmente interessante por demonstrar que em 2002 ainda a tese do valor actual dos terrenos quase não se punha. A alternativa era entre o valor à data da incorporação sem ou com actualização monetária. Daí que o estudo nem sequer atente que a partir do acórdão do STJ de 05/03/1996, depois seguido pelo de 10/02/2000, se passou a defender a tese do valor actual (com base apenas na ideia de que tal seria uma consequência da natureza potestativa do direito – repita-se, entretanto, que o autor que deu origem à tese da potestatividade, Oliveira Ascensão, entendia que o valor relevante era o valor à data da incorporação…).

                                                                  *

               Note-se assim que a doutrina que se conhece sobre a questão defende, e isso independentemente da posição assumida quanto à questão da natureza do modo de aquisição por acessão (automática ou potestativa), que o valor a pagar pelo autor da obra ao dono do terreno, deve ser o valor do terreno à data da incorporação e não o valor actual. Parte dela (três autores), depois, admite a actualização monetária, com aplicação dos índices de preços no consumidor ao valor à data da incorporação, parte (um autor) não se pronuncia quanto a esta actualização e um dos autores, Antunes Varela (como se verá já de seguida), pronuncia-se contra (mas note-se a posição deste autor quanto à questão das mais valias, que, se aproveitada de forma coerente e se tivesse êxito, poderia levar a consequências muito mais proveitosas para aquele que não é beneficiado com a acessão).

                                                             *

            Antunes Varela (parecer publicado na CJSTJ98.II, págs 11 e seguintes) entende que o valor a pagar, reportado à data da incorporação, não deve ser actualizado, apesar de se tratar de uma dívida de valor (do valor que o prédio tinha antes de as obras terem sido iniciadas e não do valor que o prédio tiver à data da decisão proferida sobre a decisão). Na RLJ põe-se assim a formulação: “este é, ao mesmo tempo, um caso de dívida de valor, em que a lei fixa a data rígida da sua actualização” (pág. 339). Se houver danos moratórios, esses são indemnizáveis como tal. É o parecer que deu origem ao ac. do STJ de 17/03/1998 (referido já de seguida), depois comentado favoravelmente na RLJ 132 (1999/2000), págs. 246 e segs e 333 e segs.

               Note-se, assim, que, para Antunes Varela, a tese da actualização do valor vai levar a que o valor seja o da data da decisão, mas não é sempre esse o sentido que tem sido dado à actualização monetária (de resto, tendo em conta o exemplo dado acima, o valor actualizado monetariamente pode ser de 1.770€ enquanto que o valor actual, à data da decisão, pode ser de 100€ ou de 20.000€).

               Anote-se, para outra questão mais à frente, que o valor aceite neste caso (do acórdão do STJ de 1998) foi o do preço da venda apesar desta ter sido anulada.

                                                                 *

               A posição da jurisprudência:

               A que segue a tese do valor à data da incorporação, sem actualização:

               Quanto à jurisprudência apenas se conhecem dois acórdãos que, defendendo a tese do valor à data da incorporação, rejeitam a actualização monetária.

               Um deles é o referido acórdão do STJ de 17/03/1998, CJSTJ98.I, págs 134 e segs (= BMJ. 475, pág. 690 e na RLJ 132, págs. 246 e 333), baseado no parecer acabado de referir de Antunes Varela:
         I. Verifica-se o direito de acessão industrial imobiliária quando as obras realizadas se incorporam em prédio urbano alheio e não tão-somente em prédio rústico, como parece resultar do dispositivo legal [note-se que contra este ponto existe o estudo de Quirino Soares, nos CDP12]. II. Quem, em determinado momento, é presuntivamente proprietário de um prédio, deixa de o ser ab initio, se é declarado nulo o acto que conduzia àquela presunção. III. Não é de actualizar o valor do prédio urbano a ser pago pelo autor das obras.

               Diz o acórdão sobre a questão:
            Não se duvida de que se trata aqui de uma dívida de valor. Mas a lei é peremptória, neste caso, ao determinar que o autor da incorporação adquire a propriedade, "pagando o valor que o prédio tinha antes das obras" (n. 1 do artigo 1340). Paralelamente, o n. 3, versando a hipótese do valor acrescentado pelas obras ser inferior ao do terreno, impõe ao dono deste "a obrigação de indemnizar o autor dela do valor que tinham ao tempo da incorporação".
         Não se pode ser mais claro: o valor a ter em conta, segundo a Lei, é o que o prédio tinha antes da incorporação, e não outro. E esse, já sabemos qual é. Digamos que é a própria lei que se opõe à pretendida actualização desse valor. De resto, a Ré não deduziu pedido nesse sentido, o que, a admitir-se essa possibilidade, - embora sem prescindir - prejudicaria a hipótese de actualização, por, de harmonia com a doutrina do assento do STJ de 15/10/96, - com validade actual do Acórdão Uniformizador da Jurisprudência, nos termos do artigo 17 n.º 1 do Decreto-Lei n. 329-A/95, e como tal vinculatório perante todos os Tribunais Judiciais - o Tribunal não poder a ela proceder oficiosamente. Repare-se, ainda, que é perfeitamente compreensível a inflexibilidade da lei, ao referenciar rigidamente o valor do terreno no momento imediatamente anterior à incorporação das obras. É que se é com esta incorporação que o interventor adquire automaticamente a propriedade do prédio, (cfr. Professores Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., página 165), resulta lógico que já se saiba nesse momento essencial, o valor exacto dele, para se poder concluir ser o mesmo inferior ao das obras incorporadas. De outro modo, cair-se-ia num campo de flutuações geradoras de insegurança que não se mostra compatível com uma avaliação fácil e segura - claramente pretendida pela lei - da situação conducente à existência, ou não, da acessão imobiliária. É claro que o atraso culposo no pagamento do valor do prédio, poderá gerar, nos termos gerais - como sublinha o Professor Antunes Varela no seu Parecer - a obrigação de pagamento ao credor dos danos moratórios alegados e provados. Mas esta questão não se coloca, aqui. Desde logo, porque não se mostra que o atraso verificado seja imputável à Autora. Por outro lado, nem a Ré deduziu qualquer pedido, nesse sentido. Nestes termos, nega-se a revista solicitada pela Ré, mas já se concede a deduzida pela Autora, revogando-se as decisões recorridas na parte em que mandam actualizar - segundo os índices de variação do preço ao consumidor, publicado pelo INE - a referida quantia de 55.200.000$ a pagar pela Autora à Ré; e confirmando-se, no mais o Acórdão recorrido.

               Anote-se, de novo, para utilização posterior, que o valor fixado para o prédio à data da incorporação era o valor pago no acto anulado.

               Outro é o ac. do TRL de 21/01/2003, publicado na CJ2003.I, 64 (citado pelo ac. do TRC de 22/11/2005) que cita o parecer e o ac. do STJ acabados de referir.

                                                                  *

                   Quanto aos acórdãos citados na decisão recorrida, cinco deles seguem a posição do valor actual (à data da decisão):

              No ac. do STJ de 18/12/2007 (07A4132), descrito acima, diz-se o seguinte, no sumário:
         I. A obrigação de pagamento imposta ao adquirente das construções incorporadas em determinado terreno é tida como dívida de valor, que não está condicionada ao princípio nominalista. II. O direito de acessão é um direito potestativo e, por isso, o momento a atender na fixação do valor da indemnização, é o da manifestação de vontade do beneficiário de exercer o seu direito. III. Daí que o montante a pagar pelo beneficiário da acessão deva ser a expressão pecuniária actualizada (momento da conversão em dinheiro segundo o valor que tais bens tenham) do valor que o prédio tinha antes da incorporação (na hipótese do nº 1, do art. 1340 do CC) ou do valor que as obras tinham à data da incorporação (no caso do nº 3, do mesmo artigo)

                   Como se vê do resumo do caso feito acima e do sumário que antecede, este acórdão confirma um entendimento que atende ao valor actual da coisa (tendo em conta, designadamente a degradação do prédio causada pelo decurso do tempo), embora se fale em expressão pecuniária actualizada e de uma dívida de valor; ou seja, rejeita-se claramente a tese do valor da coisa à data da incorporação com actualização monetária. Segue a tese do direito potestativo.

              Este acórdão diz, entre o mais:
         “é de rejeitar a actualização desde a incorporação, de acordo com os índices anuais dos preços ao consumidor fornecidos pelo INE, pois tais índices representam tabelas sucessivas de subidas dos preços, conduzindo, no caso dos autos, a uma injustificada sobrevalorização das construções, que não tem em consideração nem a depreciação da moeda, nem a degradação do prédio causada pelo decurso do tempo, que constitui um notório factor de desvalorização. Como não resultou provada a expressão pecuniária actualizada (reportada ao citado momento em que se manifestou a vontade de exercer o direito de acessão) do valor que as construções tinham à data da incorporação (casa de rés do chão e anexo), foi relegado o seu apuramento para liquidação em execução de sentença.

              No mesmo sentido vai o ac. do STJ de 10/02/2000 (99B1208) como se vê, em termos práticos, da seguinte afirmação: “a resposta restritiva ao quesito 17 vem a significar que o Tribunal Colectivo actualizou o valor da parcela de terreno adquirida pelo réu: não se sabe quanto valia ao tempo da incorporação das obras, mas sabe-se que este valor é, agora (ao tempo do exercício do direito de acessão na reconvenção) de 1.800.000$. No entanto, o sumário sugere (mal) que o acórdão vai no sentido da tese do valor à data da incorporação actualizado:
         I. O direito de acessão imobiliária incide sobre a parcela de terreno onde se situam as obras quando a incorporação faça surgir uma unidade económica distinta no quadro do art. 1340º/1, do CC. II. É tida como "dívida de valor" a obrigação de indemnizar imposta ao adquirente da parcela de terreno onde as obras se encontram incorporadas no enquadramento daquele dispositivo. III. O montante a pagar pela parcela de terreno onde as obras se encontram incorporadas deve ser a expressão pecuniária actualizada do valor que essa parcela tinha antes da incorporação, no âmbito dos arts 1342º/1 e 1334º/4, do citado diploma substantivo.

              Bem como o acórdão do TRC de 22/11/2005 (3204/05) que defende coerentemente a tese do direito potestativo, pois que condiciona a acessão ao pagamento (embora se incorra no lapso de se falar em transmissão do direito, quando a acessão é uma forma originária de aquisição). O sumário deste acórdão é o seguinte:
         1. A acessão verifica-se, não em relação à totalidade do prédio, mas, apenas, no que se reporta à parcela fundiária na qual a edificação em terreno alheio veio a revelar uma nova unidade económica independente, susceptível de vir a ser adquirida pelo autor da incorporação. […] 4. A acessão industrial imobiliária em análise constitui uma forma potestativa de aquisição do direito de propriedade, de reconhecimento, necessariamente, judicial, em que o pagamento do valor da unidade predial em causa funciona como condição suspensiva da transmissão do direito, embora com efeito retroactivo ao momento da incorporação. 5. Constituindo o montante a pagar pelo beneficiário da acessão uma dívida de valor, deve assumir uma expressão pecuniária actualizada, segundo o valor dos bens no momento da conversão em dinheiro, em relação ao valor que a parcela de terreno, autonomizada como unidade económica, tinha antes da incorporação. 6. E, sendo o direito de acessão um direito cuja concretização depende da manifestação de vontade nesse sentido, por parte do respectivo titular, será este o momento a atender, na fixação do montante da indemnização, porquanto é, nessa ocasião, que se opera a conversão em dinheiro do valor que a parcela de terreno tinha antes da incorporação. […]

               Este acórdão diz ainda:
         “Porém, o autor sustenta ainda que, a reconhecer-se que a ré goza do direito à acessão, então o valor a pagar pelo terreno que ocupou teria de corresponder a um valor actual, calculado à data de hoje e não do início das obras, sob pena de violação do disposto pelo artigo 1340°, do CC, e bem assim como dos princípios constitucionais contidos nos artigos 62° e 13°, da Constituição da República Portuguesa, para além de que o exercício da acessão, anos depois de, gratuitamente, a ré ter usado um terreno que bem sabia não lhe pertencer, constitui um abuso de direito.
         A espécie da acessão industrial imobiliária em análise representa uma forma potestativa de aquisição do direito de propriedade, de reconhecimento, necessariamente, judicial, em que o pagamento do valor da unidade predial em causa funciona como condição suspensiva da transmissão do direito, embora com efeito retroactivo ao momento da incorporação - Quirino Soares, Acessão e Benfeitorias, CJSTJ96.I, págs. 20 e 21; STJ, de 04/04/1995, BMJ nº 446, 245.
         Considerando, porém, que o montante da indemnização só se define, por via da sentença final de mérito, o princípio da adequação formal aponta no sentido de o autor da obra pagar ou depositar o preço, no prazo de trinta dias, após o trânsito em julgado da sentença, sob pena de caducidade do respectivo direito, aplicando-se, subsidiariamente, a solução consagrada pelo artigo 28º/5, do DL nº 385/88, de 25/10 (Lei do Arrendamento Rural) Quirino Soares, Acessão e Benfeitorias, CJSTJ96:I, 26; RL de 24/01/2002, CJ2002,I, pág. 87.
         Efectivamente, dispõe o artigo 1340º, nº 1, do CC, que “se alguém, de boa-fé, construir obra em terreno alheio…e o valor que as obras…tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras,…”.
         Assim sendo, é a própria lei que, aparentemente, ao contrário do defendido pelo apelante, determina que o autor da incorporação pagará ao dono do prédio o valor que este tinha antes da realização das obras, não sendo de actualizar o valor do prédio urbano a pagar pelo autor da obra Neste sentido, Antunes Varela, Acessão Industrial Imobiliária, CJSTJ98:II, págs. 11 e 12; STJ, de 17/03/1998, CJSTJ98:I, 134; RL, de 21/01/2003, CJ2003.I, 64.
         A quantia que a ré tem a pagar ao autor consiste no valor que o prédio tinha antes da realização das obras, ou seja, 1.495.960$00.
         Ora, para saber se é possível a sua actualização, importa, sobretudo, determinar se se trata de uma obrigação pecuniária ou de uma dívida de valor, porquanto o artigo 550º, do CC, subordinou o cumprimento das primeiras ao princípio nominalista, segundo o qual “o cumprimento das obrigações pecuniárias faz-se…pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário”, o que significa que, nesta modalidade de obrigações, é o credor quem suporta o risco da desvalorização da moeda.
         Por seu turno, e, em contrapartida, a dívida de valor é uma dívida cujo objecto não é, directamente, uma soma de dinheiro, mas uma prestação de outra natureza, intervindo o dinheiro, apenas, como meio da sua liquidação Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 9ª edição, 887; Vaz Serra, Obrigações Pecuniárias, 152., não lhe sendo aplicável, por isso, o princípio nominalista, atento o estipulado pelo artigo 551º, do CC, pelo que, muito embora se venha a converter numa obrigação de dinheiro, enquanto não se cristalizar num montante fixo, o credor da respectiva obrigação escapa à inerente depreciação monetária.
         Tratando-se de uma dívida de valor, o montante a pagar pelo beneficiário da acessão deve assumir uma expressão pecuniária actualizada, segundo o valor dos bens no momento da conversão em dinheiro, em relação ao valor que a parcela de terreno, autonomizada como unidade económica, tinha antes da incorporação – acs. do STJ, de 10/02/2000 (BMJ 494, p. 347); RL, de 24/01/2002 (CJ2002.I, p. 87) e da RP de 04/03/1997 (CJ1997.II, p. 177).
         Porém, sendo o direito de acessão, como se disse, um direito cuja concretização depende da manifestação de vontade nesse sentido, por parte do respectivo titular, será este o momento a atender na fixação do montante da indemnização, porquanto é, nessa ocasião, que se opera a conversão em dinheiro do valor que a parcela de terreno tinha antes da incorporação, razão pela qual a interpretação literal decorrente do artigo 1340º, nº 1, do CC, «valor que o prédio tinha antes das obras», deve ceder o seu lugar à interpretação semântica da norma, por forma a manter intacto o espírito e a intenção da lei, por força da qual, em substituição do advérbio de tempo «antes» se coloque a preposição simples «sem», lendo-se o segmento normativo em causa como o «valor que o prédio tinha sem as obras» STJ, de 05/03/1996 (CJSTJ96.I, pág 129).
         Ora, valendo o prédio, antes da realização das obras, a quantia de 1.495.960$, foi o próprio Tribunal que actualizou o valor da respectiva parcela de terreno adquirida pela ré, ao tempo do exercício do direito de acessão, no articulado da reconvenção, através da resposta ao ponto nº 13º, no quantitativo de 8.940.000$, ou seja, em 44.592,53 €, que é, portanto, o valor a pagar pela ré ao autor.”

               E o ac. do TRC de 31/01/2006 (3659/05):
         II – A doutrina e a jurisprudência têm entendido que, em virtude da acessão imobiliária, nasce para o adquirente do bem uma dívida de valor, a qual não tem directamente por objecto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou ao custo de determinado objectivo (valor intrínseco da coisa), sendo o dinheiro apenas o ponto de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação . III – Sendo necessária a manifestação de vontade por banda do titular para a concretização do direito de acessão, o momento a atender na fixação do montante da indemnização será o da manifestação dessa vontade, pois é nesse momento que se dá a conversão em dinheiro do valor que a parcela tinha antes da incorporação.

              E todos eles tiveram origem, como já se referiu acima, no ac. do STJ de 05/03/1996, publicado na CJSTJ96I, pág. 129 e segs (087676):
            I - A acessão industrial, por construção de obras urbanas em terreno alheio é limitada ao terreno ocupado por essas obras e o necessariamente envolvente e não todo o prédio, dado que se trata de uma limitação excepcional ao direito de propriedade. II - E no caso dos autos os Réus, donos do terreno e que consentiram as obras urbanas, continuaram há mais de 40 anos a possuir a parte restante do terreno, nele praticando todos os actos de amanho. III - E nestes casos, onde passaram a existir duas realidades ou unidades económicas distintas, há que verificar se o aumento do valor do prédio, como consequência das obras, é ou não superior ao valor que ele tinha anteriormente, e no caso afirmativo, determinar depois o valor da parte do prédio onde se edificaram as obras, para que o dono destas concretize o seu direito potestativo de acessão pagando aos donos do terreno tal valor. IV - O aumento derivado das construções é o que se mantém no momento em que se manifesta a vontade de exercer o direito de acessão, sendo o valor do terreno o dessa altura.

               Com efeito foi este acórdão que, pela primeira vez defendeu tal posição e isso com base apenas no seguinte (que depois tem sido citado pelos outros acórdãos acabados de referir):
         “O momento a atender na fixação do montante da indemnização será o da manifestação de vontade de exercer o direito de acessão: nesse momento é que se dá a conversão em dinheiro do valor que a parcela de terreno tinha antes da incorporação. Não é obstáculo a este entendimento o art. 1340º/1, na medida em que a expressão "valor que o prédio tinha antes das obras", tem o sentido de "valor que o prédio tinha sem as obras", ou seja, a palavra "antes" substitui-se pela "sem", mantendo-se intocável o espírito e a intenção da lei. O art. 1340º/1 comporta esta interpretação tendo, ainda, em vista que o legislador sabe tratar-se de um caso de "dívida de valor", correspondendo, assim, ao pensamento legislativo, encontrando na letra da lei o mínimo de fundamento verbal exigível – art. 9 do CC)”.

              Note-se que em quase todos estes acórdãos se cita a posição de Quirino Soares como se ela fosse favorável à posição assumida, quando ela lhes é claramente contrária, pois que, como se viu, este autor defende o valor à data da incorporação, com actualização monetária.

                                                                                       *

              Os dois outros acórdãos citados na decisão recorrida seguem a posição do valor à data da incorporação, ou seja, a posição de toda a doutrina conhecida, mas actualizado monetariamente de acordo com os índices de preços no consumidor (aqui só seguidos pela maioria da doutrina).

              O acórdão do STJ de 06/07/2006 (05A4270) tem o seguinte sumário:
         IX. O valor da justa indemnização tem de ser encontrado no âmbito do instituto da acessão que expressamente se refere ao valor que o prédio tinha antes de nele ser incorporada a obra, momento em que se afere a indemnização, correspondente ao valor do terreno à data da construção. X. Esta obrigação de indemnizar é uma dívida de valor, imposta ao adquirente da parcela de terreno onde as obras se encontram incorporadas, donde resulta que o montante a pagar por este deva corresponder ao referido valor da parcela devidamente actualizado segundo os índices de inflação.

              Como se vê do resumo do caso feito acima e do sumário que antecede, este acórdão confirma um entendimento que atende ao valor da coisa à data da incorporação, actualizado segundo os índices de inflação por ser uma dívida de valor. A decisão segue a tese do direito potestativo com coerência, aparentemente (a decisão não está toda transcrita), pois que põe a aquisição na dependência do pagamento.

              Neste acórdão, que também desenvolve a questão do valor acrescentado para aferição do beneficiário da acessão, e a questão da acessão tanto poder abranger a totalidade do prédio como a parte em que se incorporaram as obras, esclarece-se que:
         “na esteira da posição que se vem afirmando como dominante neste STJ (ac. STJ, de 03/05/2000, revista n.º 273/00 - 6.ª secção, ac. STJ, de 04/02/2003, revista n.º 4704/02 - 1.ª secção e ac. STJ, de 22/06/2005, revista n.º 1524/05 - 7.ª secção), entende-se que a aquisição por acessão industrial imobiliária não é de funcionamento automático, antes dependendo da manifestação de vontade do beneficiário, no sentido de pretender exercer o correlativo direito potestativo. Porém, tal não obsta a que se considere que o momento da manifestação da vontade do exercício do direito se traduz no mero momento revelador de que o direito que assim se afirma já está previamente constituído, existindo desde o momento da incorporação. Logo, o momento da afirmação do mesmo é irrelevante para o momento da respectiva aquisição. Por isso, o valor a que se tem de atender para efeitos de indemnização aos autores é o valor do terreno à data da incorporação (no mesmo sentido, Estudo citado, de Quirino Soares, pág. 24; ac. STJ, de 04/02/2003, revista n.º 4704/02, citando ac. STJ, de 12/12/2002, revista 3568/02-7 e o parecer, nele citado, do Conselho Técnico dos Registos e Notariado, in Boletim dos Registos e Notariado, Julho, 7/2000, a fls. 74 e segs.; ac. STJ, de 10/02/2000, revista 1208/99; ac. STJ, de 01/07/2003, revista n.º 2064/03 - 1.ª secção e ac. STJ de 22/06/2005, revista n.º 1524/05 - 7.ª secção. Assim entendeu também o Tribunal Constitucional [o sublinhado é deste acórdão do TRC], quando no Acórdão n.º 205/2000, de 4 de Abril de 2000, disponível in www.tribunalconstitucional.pt, [este acórdão recai sobre o ac. do STJ de 25/03/1996, referido acima – parênteses deste ac. do TRC] pronunciando-se sobre a invocada inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do art. 1340 do CC, por prever como valor relevante para o cálculo da indemnização o que o terreno tinha ao tempo da incorporação e não o "valor justo e actual", conclui que: "operando a aquisição por acessão desde o momento da incorporação (cfr. a alínea d) do art. 1317º do CC, preceito não impugnado pelos recorrentes), não se pode considerar lesiva desse direito uma norma que garante a neutralidade patrimonial, quer do ponto de vista do proprietário anterior, quer do ponto de vista do adquirente, no momento em que a perda e a aquisição ocorrem. A consideração de qualquer momento posterior introduziria, ela sim, um factor arbitrário no cálculo do valor da indemnização, com consequências, aliás, que poderiam redundar em desfavor do titular do direito sacrificado"), por ser este o momento da aquisição da respectiva propriedade pelo réu/reconvinte, por acessão. E mais à frente: Assim, afirmando-se supra que o Estado adquiriu o direito de propriedade, por acessão, aquando da incorporação, ocorrida em 1989, tudo se passa como se, desde então, estivesse em dívida para com os autores relativamente ao pagamento do valor da aquisição.
Por isso, se tem afirmado que esta obrigação de indemnizar é uma dívida de valor, imposta ao adquirente da parcela de terreno onde as obras se encontram incorporadas, donde resulta que, o montante a pagar por este deva corresponder ao referido valor da parcela, devidamente actualizado segundo os índices de inflação (neste sentido,
estudo e acórdãos acima citados e ainda acórdão STJ, de 23/03/2000, revista n.º 116/00).”

               No sentido deste acórdão vai o do TRP de 27/11/2008 (0836816) da base de dados do ITIJ, com o seguinte sumário:
         “A “indemnização” a pagar pelo beneficiário da acessão (industrial imobiliária) deve ser actualizada desde o momento da incorporação, de acordo com a tabela de índices de preços ao consumidor (INE).”

                                                               VIII

               Antes ainda de se optar por uma das teses, veja-se o que tem sido dito quanto à natureza do modo de aquisição da propriedade por acessão (mais especificamente no caso do nº. 1 do art. 1340º do CC), já que, bem ou mal, como se viu acima, a questão tem sido ligada a esta.

               Da natureza do modo de aquisição por acessão

               As posições são conhecidas e já foram sendo afloradas. Assim, sem necessidade de se estarem a expor as respectivas teses e sem se citarem os autores que já tomaram posição sobre a questão e que vêm amplamente referidos em todos os artigos e acórdãos citados (entre eles, os ainda não expressamente referidos, como Menezes Cordeiro, Penha Gonçalves e Carvalho Martins), vale só a pena referir, relativamente à doutrina, que existem as seguintes tomadas recentes de posição:

               Menezes Leitão diz, como se fosse um dado adquirido, que a acessão é potestativa (Enriquecimento sem causa no direito civil - Cadernos de ciência e técnica fiscal – Centro de Estudos Fiscais, 1996, pág. 699).

               Rui Pinto Duarte, no seu artigo sobre A jurisprudência portuguesa, já citado acima, considera que a tese correcta é a do direito potestativo (principalmente págs 257, 260 e 261– em nota cita a doutrina que existe a favor de uma e outra tese). Este estudo nesta parte tem interesse por demonstrar que já então (2002) se anunciava que a tese da aquisição potestativa estava a alcançar a unanimidade na jurisprudência (sendo já muito minoritárias as vozes em sentido contrário). Pouco mais tarde (o  artigo, embora publicado em 2009, é de Setembro de 2004), no seu artigo Dois apontamentos sobre acessão industrial imobiliária, publicado nos Estudos em Homenagem ao Prol Doutor Manuel Henrique Mesquita, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Vol. I, Out2009, págs. 783 a 795, o autor entre o mais diz (pág. 798 e segs) que quase toda a jurisprudência entende que a aquisição não é automática e diz que na doutrina há mais equilíbrio e faz a referência aos autores que defendem uma e aos autores que defendem a outra tese. Rui Pinto Duarte defende a necessidade de declaração do autor da obra (no caso do nº. 1 do art. 1340º do CC que está a tratar).  

               Carvalho Fernandes, no estudo citado acima, volta a defender a tese de que o modo de aquisição por acessão é potestativo.

               Elsa Sequeira Santos, no seu artigo sobre: A aquisição por acessão é potestativa?, publicado nos Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão Almedina, 2008, Vol. I, defende que a aquisição por acessão não é automática, nem potestativa. Aliás, defende que a acessão nem sequer é um modo de adquirir a propriedade. Do que se trata é que com a acessão se cria automaticamente uma situação de contitularidade de direitos e que cada um dos sujeitos tem o poder de, fazendo aplicar os critérios legais, provocar a alteração na ordem jurídica que se traduz na cessação da indivisão (págs. 697 a 710). Esta autora lembra (nota 31 da pág. 708) que “se entendermos que a aquisição a favor de um dos sujeitos tem efeito retroactivo, ser a aquisição automática ou potestativa em nada afecta a solução procurada”.

               Quanto à jurisprudência, para além daqueles que foram sendo citados, os mais recentes acórdãos do STJ sobre a matéria vão todos no mesmo sentido:

               No ac. do STJ de 03/12/2009 (1102/03.7TBILH.C1.S1) fala-se, como de um dado adquirido, na aquisição potestativa originária da propriedade, potenciada pelo instituto da acessão.

               No mesmo sentido vai o ac. do STJ de 30/06/2009 (268/04.3TBTBU.C1.S1), o acórdão do STJ de 27/05/2008 (08B1276) tal como o acórdão do STJ de 08/11/2007 (07B3545) e ainda o ac. do STJ de 04/12/2007 (07B4321), sendo que aqui o STJ declara a aquisição pelos recorrentes do direito de propriedade sobre o terreno onde implantaram a sua casa sob condição de, em cinco dias a contar da notificação deste acórdão, depositarem a favor dos recorridos o valor da condenação.

               Em suma: existe hoje quase unanimidade da jurisprudência no sentido de que a incorporação faz nascer um direito potestativo, ou seja, não ela não é de funcionamento automático. E como existem razões fortes num sentido e noutro, não repugnando qualquer das soluções (note-se que Antunes Varela admitia que este entendimento poderá apresentar algumas vantagens de iure constituendo – CC anotado, 2ª edição, 1984, Coimbra Editora, vol. III, págs. 165/166), entende-se que não se deve dar origem a um questão que já não existe  e, por isso, sem mais, aceita-se também a tese da natureza potestativa da aquisição por acessão.

               Como diz Júlio Gomes, obra citada, pág. 363: “em todo o caso, seja qual for a solução para que tenda a jurisprudência, é desejável que cesse o estado actual de hesitação e incerteza por parte dos tribunais” e por isso, a construção de Elsa Sequeira Santos, por mais interesse que suscite, não deve provocar agora, nova divergência (ao menos neste caso, em que não teria relevo prático algum – isto, pois, sem prejuízo de ser aplicada a solução desta autora nos casos que a solução agora seguida não consiga resolver e para as questões que esta autora levanta) atendendo ao princípio da segurança jurídica e a que finalmente se chegou hoje a uma quase unanimidade de opiniões quanto ao funcionamento potestativo da aquisição por acessão, sob pena de os particulares nunca saberem qual é o direito em vigor.


IX

               Opção relativamente às teses do valor à data da incorporação e do valor actual:

            Quanto a isto, reconhecendo-se embora que a maioria da jurisprudência, ao menos do STJ, adere à tese do valor actual do terreno, entende-se, no entanto, que tal tese é errada, porque contrária à vontade da lei, contra toda a doutrina, baseada e potenciada num equívoco terminológico (começa-se a falar em valor actualizado e passa-se para o valor actual da coisa) e sem qualquer suporte legal (e daí que a frase que sintetiza esta posição, seja ela própria um equívoco, que, salvo o devido respeito, nada quer dizer: “[…] segundo o valor dos bens no momento da conversão em dinheiro, em relação ao valor que a parcela de terreno, autonomizada como unidade económica, tinha antes da incorporação”).

               A lei (art. 1340º/1 do CC) fala no valor que o terreno tinha antes das obras, tal como (art. 1340º/3 do CC) “no valor que [as obras] tinham ao tempo da incorporação”, a denotar claramente que a intenção da lei era outra (ou seja, não era a de aceitar o valor actual), desconsiderando a valorização ou desvalorização posterior do prédio pelo menos por circunstâncias que nada tivessem a ver com a incorporação (e com o “pelo menos” está-se a salvaguardar a posição de Antunes Varela quanto à questão das mais valias…, que, como se viu, não é seguida por mais ninguém). Por isso, Oliveira Ascensão, que foi quem deu origem à tese da potestatividade, defende, apesar disso, que o beneficiário da acessão é quem fica com a mais valia contida no valor acrescentado. E a tese seguida pela maioria da jurisprudência traduz-se, na prática, em dar esta mais valia ao proprietário do terreno. Pode-se considerar que solução legal não é a correcta mas, para já, é a solução legal e ela, como se viu acima, não é inconstitucional, pelo que tem que ser aplicada.

            Pelo que se se segue a tese do valor do terreno à data da incorporação e não a do valor actual do terreno.

            Não se aceita, por outro lado, a posição de Antunes Varela que recusa a actualização. O valor de 900€ em 1989 não é igual, em 2010, ao valor de 900€ mas sim ao valor correspondente acrescido da inflação.

                                                                 *

               Qual o valor do terreno à data da incorporação?

               A questão pode-se pôr pelo seguinte: poderia dizer-se que o valor de 50$ foi fixado num contrato que vai ser declarado nulo e que por isso não deveria produzir quaisquer efeitos, designadamente, não poderia subsistir o valor de 50$ nele estipulado.

               A verdade, no entanto, é que, por um lado, tem-se aceitado que o valor fixado em contratos anulados sirva de base de cálculo para o valor da obrigação de restituição, como se foi vendo e assinalando acima (com este fim), em alguns dos casos referidos, pois que neles se tomou o valor do acto anulado como o valor do bem à data da incorporação.

               Por outro lado, no caso dos autos, o valor de 50$ nem sequer é só o valor acertado no contrato, era também o valor pelo qual a Câmara colocou à venda os terrenos, sem dúvida com base na avaliação que fez do mesmo de acordo com as circunstâncias dos mesmos.

               Assim o valor estipulado pelas partes no contrato anulado e fixado numa  deliberação camarária anterior com base na qual os lotes foram postos à venda, pode ser considerado como consubstanciando o valor de mercado da coisa, nas circunstâncias concretas dos lotes em causa.

                                                                 *

               E para que valor é que deve ser actualizado?

               A Câmara diz que os índices de inflação apontam para um valor de mais de 20 vezes superior e diz que foi assim que calculou o preço pedido agora (e nas contra-alegações defende que o valor deve ser actualizado… para o valor actual, de 18.180€).

               Mas, como é evidente, só se pode tratar de um erro de cálculo, pois que o valor dos índices da inflação, de Agosto de 1989, data de entrada da petição, ao fim de 2010 (data próximo deste acórdão) não iam para além de, aplicados sucessivamente, 148,19% (segundo os índices de preços no consumidor, total geral, continente, e depois Portugal, publicados pelo INE a inflação foi: 1989 - 12,7% (só com 1/3); 1990 - 13,6%; 1991 - 12%; 1992 – 9,4%; 1993 - 6,7%; 1994 - 5,4%; 1995 - 4,2%; 1996 – 3%; 1997 - 2,4%; 1998 - 2,8%; 1999 - 2,3%; 2000 - 2,9%; 2001 - 4,4%; 2002 - 3,6%; 2003 - 3,3%; 2004 - 2,4%; 2005 - 2,3%; 2006 - 3,1%; 2007 - 2,5%; 2008 - 2,6%; 2009 - (- 0,8%); 2010 - 1,4% http://www.pordata.pt/azap_runtime/?n=4 tendo por fonte o Instituto Nacional de Estatística),  + 0,2% da inflação de 2011. Pelo que o preço de 906,81€ corresponde, em 08/02/2011, a 2.223,41€.

              O réu propõe, por sua vez, a aplicação de um aumento de 2,30 (tendo em conta os nºs. da Portaria 785/2010 de 23/08). Mas essa portaria é uma norma fiscal, para efeitos de aplicação dos arts. 47 do IRC e 50 do IRS, pelo que não tem razão de ser.


*

               Sumário:

               I. Um contrato formado pela “manifestação de interesse” em comprar um lote de terreno (segundo termos concretizados) seguido de uma “deliberação” de vender, sem ter sido formalizado por escritura pública é um contrato de compra e venda inválido por falta de forma e não um contrato-promessa (embora possa vir a ser convertido neste).

               II. O que interessa na pretensão da acessão é esta e não o valor que se pretende pagar (ou seja, este não constitui limite da sentença para efeitos do art. 661º/1 do CPC).

               III. O valor a pagar pelo terreno, no caso do art. 1340º/1 do CC, é o valor dele à data da incorporação, actualizado de acordo com a inflação entretanto verificada (IPC do INE), e não o valor actual.

               IV. Há, hoje, quase unanimidade na jurisprudência no sentido de que a aquisição por acessão tem natureza potestativa (depende de declaração de vontade do beneficiário da acessão), estando a aquisição dependente do pagamento da “indemnização”.

                                                                 *

               Pelo exposto, julga-se:

               Improcedente o recurso do autor.

               Declara-se a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre o autor e o réu tendo por objecto o lote em causa nos autos.

               Procedente o recurso do réu, declarando-se a aquisição, pelo réu, do direito de propriedade sobre o lote de terreno em causa nestes autos (referido em I) dos factos assentes), por o ter adquirido por acessão, sob condição de, em cinco dias a contar da notificação deste acórdão, depositar a favor do réu 2.223,41€ (sob pena de caducidade do direito), mantendo-se a absolvição do autor relativamente ao pedido principal da reconvenção.

               Custas dos recursos pelo autor.

               Custas da reconvenção pelo autor em 25% e pelo réu em 75%.

             


               Pedro Martins ( Relator )
               Emídio Costa
               Virgílio Mateus