Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3865/10.4T2AGD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
Data do Acordão: 07/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 810º E 812º DO CC
Sumário: I – Além das cláusulas penais que têm apenas como finalidade a fixação antecipada do valor da indemnização devida em caso de incumprimento da obrigação (às quais se reporta o art. 810º do C.C.), as partes, ao abrigo da sua liberdade contratual, podem estabelecer cláusulas penais de cariz compulsório ou sancionatório, que, através da fixação de uma pena (por vezes elevada), têm como finalidade compelir, estimular e pressionar o devedor ao cumprimento.

II – O poder de redução da cláusula penal que é atribuído ao tribunal, por força do disposto no art. 812º do C.C., não se basta com a circunstância de o seu valor ser excessivo, em face das concretas circunstâncias do caso; para que tal redução possa ser efectuada, é necessário que o valor seja manifestamente excessivo, ou seja, é necessário que o seu valor seja exorbitante, revelando-se totalmente desadequado e abusivo em termos de ofender a equidade e a justiça do caso concreto.

III – No juízo concreto que importa efectuar com vista a saber se a cláusula penal é manifestamente excessiva e com vista a determinar o quantum da redução a efectuar, não pode o tribunal alhear-se da finalidade que as partes lhe pretenderam atribuir, sendo que o que importa fazer, em sede de redução, é apenas eliminar o excesso que se revele manifesto, fixando um valor que, em termos de equidade, seja razoável e adequado para desempenhar a concreta função a que se destinava.

IV – Estando em causa uma cláusula penal que as partes entenderam fixar em valor elevado (quando comparado com o prejuízo que, em termos de normalidade, poderia decorrer do incumprimento) – circunstância que evidencia o seu carácter compulsório – não deverá essa cláusula ser reduzida a um valor que se aproxime do prejuízo decorrente do incumprimento, devendo apenas ser reduzido para um valor que, respeitando a intenção das partes, seja adequado para funcionar como efectiva sanção para o incumprimento.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... e B..., residentes na Rua (...) Amoreira da Gândara, instauraram processo de execução contra C..., residente na Rua 24 de Abril, nº 4, Amoreira da Gândara, com base em sentença que homologou uma transacção efectuada entre os Exequentes e D... e na qual este assumiu a obrigação de realizar obras de conservação no antigo posto de leite, referido na transacção, bem como a construir a uma fossa séptica. Alegam que o referido D... faleceu em Janeiro de 2010, tendo-lhe sucedido na posição de senhorio o seu filho, ora Executado e que, não obstante as interpelações efectuadas, as obras referidas não foram ainda realizadas, encontrando-se o Executado em mora desde 30/10/2009.

Com esses fundamentos pedem que o Executado proceda à realização das obras, pedindo ainda o pagamento da quantia de 71.400,00€ correspondente à indemnização moratória que foi fixada na aludida transacção.

O Executado veio deduzir oposição a tal execução, invocando a sua ilegitimidade por não ter sido parte no processo onde foi efectuada a transacção, mais alegando ter existido lapso de escrita quando se aludiu, na referida transacção, a uma fossa séptica, já que a intenção das partes foi sempre a de executar uma fossa tanque e não uma fossa séptica. Alega que, no prazo fixado, D... executou as obras a que estava obrigado, inexistindo qualquer incumprimento e que, em qualquer caso, a cláusula penal não seria devida, porquanto, nos termos do art. 811º do C.C., o Exequente não poderia exigir uma indemnização superior ao prejuízo resultante do incumprimento e, no caso, não existe qualquer prejuízo. Sustenta ainda que a execução para prestação de facto e para pagamento de quantia certa têm tramitação incompatível, sendo, por isso, inadmissível mover execução destinada a ambas as finalidades.

Os Exequentes contestaram, sustentando a improcedência da excepção da ilegitimidade, na medida em que, no requerimento de execução, invocaram os factos constitutivos da sucessão. Mais alegam que não existiu qualquer lapso na transacção e que as obras acordadas não foram totalmente realizadas, sendo que a fossa construída não é uma fossa séptica e, em rigor, nem sequer era uma fossa estanque, já que, de acordo com o parecer técnico do Município, deveria ser impermeabilizada pelo seu interior; no que toca às obras de conservação, o Opoente apenas rebocou as paredes – reboco que em Março de 2010 já estava a cair – e não pintou as paredes, não substituiu a porta e janela que, à data da transacção, já estavam apodrecidas e a placa que colocou verte água sempre que chove.

Conclui pela improcedência da oposição, pedindo ainda que o Opoente seja condenado como litigante de má fé em multa e indemnização não inferior a 500,00€.

Foi proferido despacho saneador e foi dispensada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a oposição parcialmente procedente, determinou o prosseguimento da execução, mas reduzindo a quantia devida a título de cláusula penal ao valor de 10.000,00€.

Inconformado com essa decisão, o Executado/Opoente veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. A douta decisão do Tribunal A QUO é totalmente omissa quanto à fundamentação da matéria de facto provada. E,

2. Não identifica os factos não provados.

3. Isso impede que o recorrente impugne a matéria de facto dada como provada e aquela que deveria dar como não provada.

4. Tal omissão constitui nulidade processual, por influir na decisão final, nos termos dos art.ºs 607 , 615 e 195, C.P.C.

5. O Tribunal A QUO deu como provadas sob as als. F) e H) o seguinte:

F) O reboco encontra-se a cair

H) A placa verte água sempre que chove

6. O recorrente não sabe com base em que provas o tribunal considerou esses factos como assente, por a sentença ser omissa. Todavia,

7. Face à peritagem feita nos autos onde o perito refere expressamente:

Em 19/06/2012 e 21/06/2012 foram feitas duas vistorias em que constataram o seguinte:

O antigo “posto de leite” localiza-se na freguesia de Amoreira da Gândara, na rua (...). Apresenta uma área aproximadamente de 16,65 metros (4,5X3,7) e apresenta as paredes e o tecto rebocado com acabamento em areado fino. O pavimento é regular e em cimento. As paredes apresentam fissuras e alguns indícios de humidade junto à interceção com a laje do tecto. Apresenta uma janela de 113 cm por 52,5 cm vedada pelo exterior, através de um gradeamento de quadrícula de 10 cm x 10 cm e, pelo interior, através de uma rede arâmica de quadricula 0,5 cm x 0,5 cm.

Em resposta a quesito 3 – A placa verte água, tem deficiência na impermeabilização?

Responde o Sr. Perito – Na altura da vistoria foi possível verificar que existem algumas manchas de humidade que podem ser resultantes de impermeabilização ou de processo de condensação. Sem a realização do teste de estanquicidade não é possível responder objetivamente à questão.

8. Refere a testemunha – E... – cujo o depoimento se encontra gravado no sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática em suso no Tribunal com início ao minuto 00:00:01 e termo ao minuto 00:15:40, cf. ata de fls…. O seguinte:

Adv. Engenheiro D..., portanto, quem lhe pediu, e o que é que o Sr. Engenheiro D... lhe pediu para fazer, diga-me?

Test. Rebocar, arear, fazer piso e meter tela

Adv. Já disseram aqui que aquilo estava a cair?

Test. Eu acho que aquilo não cai assim às boas

Adv. Olhe, se estiver a cair, o Sr. refaz isso tudo?

Test. Refaço

9. Diz-nos a lógica e a experiência que numa situação destas o inquilino sabia que os serviços prestados teriam garantia e comunicaria ao senhorio, o que não aconteceu, sinal que não existem esses defeitos.

10. Face a tais elementos de prova, deveria o Tribunal A QUO considerar como não provados os factos constantes da als. F) e H) dos factos provados.

11. Deveria o Tribunal A QUO ter dado como provado a matéria de facto constante nos art.ºs 19, 21, 29, 37, 39 e 56 da P.I. de embargos, com base no depoimento do exequente A..., disponível na plataforma informática em uso no Tribunal, com inicio desde o minuto 00:00:01 a 00:14:34 cf. a ata de fls…. e o relatório pericial junto aos autos, donde consta inequivocamente o seguinte:

J. Este lavatório que existia no referido antigo posto de leite foi colocado por si?

R. Não, já lá existia quando fui para lá, tenho lá para entregar ao senhorio.

J. O Sr. então explora um café instalado no prédio pertencente ao Sr. D... a cerca de 15 metros

R. Sim, 15 metros 20 metros, não é mais Sr. r. Juiz do posto de leite

J. Relativamente à fossa, pergunta-se aqui se foi feita uma fossa tanque com capacidade para 600 litros de líquido

R. Sr. Dr. Juiz quilo deve levar à volta de 1 m3 de água.

J. Pergunta-se aqui se o antigo posto de leite é uma pequena divisão que tinha um lavatório, que quando foi feita a transação ficou eliminado um cano que vinha do poço e que fica a cerca de 9/10 metros do prédio?

R. Sim, sim, tinha sim senhor, tinha água e luz e o senhorio é que me cortou a água e a luz

J. Aqui também se pergunta se o espaço foi arrendado ao exequente para guardar vasilhame vazio e para arrecadação?

R. O espaço foi, é um armazém que está destinado aos haveres do estabelecimento.

J. Então é verdade, não é?

R. É verdade.

J. No antigo posto de leite não existia qualquer sanitário?

R. Não, não

J. Aqui pergunta-se se o Sr. ainda não colocou o lavatório que retirou antes das obras?

R. É evidente que não, tenho-o lá para entregar.

Do relatório pericial de fls…. consta o seguinte:

- No interior do antigo “posto de leite” existe um tanque de capacidade aproximada 1m x 1m x 1m.

Q4 – Se há nesse compartimento (antigo posto de leite) alguma instalação sanitária ou oura para que seja necessária a fossa?

R. Não

Q5 – Se no referido compartimento (antigo posto de leite) há algum ponto de água?

R. Não

Q6 – Algum lavatório?

R. Não

12. Desse depoimento de peritagem, da lógica e de experiência, resulta inequivocamente provada a matéria de facto vertida nos art.ºs 19, 21, 29, 37, 56 da P.I. ao assim não decidir fez o Tribunal A QUO uma errada avaliação da matéria de facto.

13. O oponente/executado é parte ilegítima nos autos.

14. O óbito de qualquer pessoa só se pode demonstrar por documento ou de modo previsto na lei.

15. Ao processo não foi junta qualquer certidão de óbito, portanto, não está provada que o requerido D... tenha falecido.

16. Sem haver morte não pode haver uma sucessão “mortis causa”.

17. Nenhuma prova existe nos autos, logo processualmente a pessoa não pode considera-se falecida.

18. Deve a cláusula 12º da transação – sic – em caso de incumprimento do ora acordado por qualquer uma das partes, a título de cláusula penal, fixam as partes, desde já, uma indemnização diária de 200,00 € até ao cumprimento, ser declarada nula por abuso de direito, nos termos do art.º 334 C. Civil. Caso assim não se entender,

19. Atendendo ao bem em causa (prestação de facto fungível), o valor da renda, o facto de o requerido não ter tirado qualquer benefício económico ou outro, do exequente não ter tido qualquer prejuízo, de o requerido ter pedido a terceiros para fazer as obras e estar convencido que tudo tinha sido bem feito, deve o montante a fixar por este venerando tribunal a título de cláusula penal ser reduzido para o montante de 1.000,00 € (mil euros), o correspondente à renda durante cerca de dois anos e meios, nos termos do art.º 812 C. Civil.

20. A douta decisão recorrida, violou, entre outras, o disposto nos artigos_195,607,615 e 640 C.P.C. 334, 812 C. Civil.

Não foram apresentadas contra-alegações.

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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se a sentença padece de nulidade por falta de identificação dos factos não provados e por falta de fundamentação da matéria de facto;

• Saber se existiu erro na apreciação da prova e se importa ou não alterar a decisão da matéria de facto, no que toca aos concretos pontos que foram impugnados;

• Saber se o Apelante é parte ilegítima no processo de execução por não ter sido junta aos autos a certidão de óbito da pessoa à qual se reporta o título executivo;

• Saber se a cláusula penal fixada no título executivo (transacção judicialmente homologada) deve ser considerada nula por abuso de direito ou se deve ser reduzida ao valor de 1.000,00€.

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III.

Na 1ª instância, foi considerada provada a seguinte matéria de facto:

A-) Foi dada à execução a sentença que homologou a transacção celebrada no âmbito do procedimento cautelar nº311/09.0T2AND, que correu termos no Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Anadia.

B-) São do seguinte teor as cláusulas 10º, 11º e 12º da referida transacção:

Cláusula 10º

O requerido (executado) compromete-se a realizar as obras de conservação no antigo posto de leite, no prazo de 120 dias a partir da retirada dos pertences dos requerentes (exequentes) por estes, que irão ficar junto aos lagares, sendo onde hoje se encontram os bens mencionados no ponto nº1.

Quando necessário o acesso para troca de vasilhame pelos fornecedores, será avisado o requerido, telefonicamente ou pessoalmente, na véspera do fornecimento, facultando o requerido o acesso aos fornecedores pela porta nº3

Cláusula 11º

Ainda no âmbito das obras referidas no ponto anterior, o requerido compromete-se a construir uma fossa séptica no mesmo prazo indicado no ponto 10.

Cláusula 12º

Em caso de incumprimento do ora acordado por qualquer uma das partes, a título de cláusula penal, fixam as partes, desde já, uma indemnização diária de € 200,00 até ao cumprimento.

C-) O exequente explora um café, instalado no pertencente a D..., a cerca de 5 metros do citado “antigo posto de leite”.

D-) No referido “antigo posto de leite” foi feita uma placa nova no tecto, impermeabilizaram o tecto, rebocaram as paredes, tecto e piso.

E-) A cerca de 9/10 metros do posto de leite existe um poço destinado a rega e uso doméstico.

F-) O reboco encontra-se a cair.

G-) As paredes não foram pintadas.

H-) A placa verte água sempre que chove.

I-) A porta e a janela continuam por substituir.

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IV.

Apreciemos, então, as questões suscitadas no recurso.

Nulidades

O Apelante começa por referir – nas conclusões 1ª a 4ª das suas alegações – que a sentença recorrida é totalmente omissa no que toca à fundamentação da matéria de facto provada e não identifica os factos não provados, sustentando que tal omissão constitui nulidade processual, por influir na decisão final, nos termos dos arts. 607º, 615º e 195º do C.P.C.

Parece depreender-se desta alegação alguma confusão entre as nulidades processuais e as nulidades da sentença, já que, não obstante aludir a uma nulidade processual e à norma pela qual se regem (o citado art. 195º), o Apelante alude também ao art. 615º e este reporta-se às nulidades da sentença.

Ora, tais nulidades estão submetidas a regime diverso, já que, como decorre do disposto no 615º do actual CPC (correspondente ao art. 668º do anterior CPC), as nulidades da sentença devem ser arguidas em sede de recurso, caso o mesmo seja admissível, enquanto que as nulidades processuais (submetidas ao regime previsto no art. 195º e segs. do actual CPC com correspondência no art. 201º e segs. do anterior CPC) devem ser arguidas dentro do prazo ali assinalado e apenas podem ser arguidas perante o tribunal superior se aquele prazo terminar depois de o processo ser expedido em recurso.

A omissão que o Apelante vem invocar teria sido cometida na sentença e, portanto, a entender-se que estaria em causa uma nulidade processual sujeita ao regime previsto no citado art. 195º, tal nulidade, como decorre do art. 199º, teria que ser arguida no prazo de dez dias a contar da notificação da sentença (já que, com tal notificação, o Apelante tomou conhecimento da pretensa nulidade), prazo que já havia terminado aquando da interposição do presente recurso. Tal nulidade já não poderia, portanto, ser arguida em sede de recurso, encontrando-se sanada por não ter sido arguida dentro do prazo fixado na lei.

Assim sendo, tal nulidade apenas poderá ser aqui apreciada e declarada se corresponder a uma nulidade da sentença.

Parece-nos, porém, que não existe tal nulidade.

O art. 607º, nº 4, do actual CPC (citado pelo Apelante) determina, efectivamente, que, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os factos que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção e tal acontece porque, ao contrário do que sucedia no regime processual anterior, a decisão sobre a matéria de facto faz parte integrante da sentença, inexistindo uma decisão autónoma relativamente à matéria de facto.

Sucede que, no caso sub judice, não foi assim que as coisas se passaram, sendo certo, aliás, que o actual regime processual civil não é aplicável aos presentes autos (cfr. art. 6º, nº 4, da Lei nº 41/2003 de 23/03, que aprovou o novo CPC).

Ora, de acordo com o regime fixado no anterior CPC (aplicável aos presentes autos), a decisão sobre a matéria de facto foi proferida de forma autónoma e em momento anterior à sentença e, na decisão sobre a matéria de facto, foram indicados claramente quais os factos que se julgavam provados e quais os que se julgavam não provados e foi efectuada a análise crítica da prova com especificação dos fundamentos decisivos para a formação da convicção do julgador, conforme determinava o art. 653º, nº 2, do C.P.C. anterior.

E, porque essa decisão já havia sido proferida – a matéria de facto já estava julgada e já estava definida –, a sentença não tinha que se pronunciar sobre essa matéria, cabendo-lhe apenas enunciar os factos que já haviam sido julgados provados, sem prejuízo de poder e dever tomar em consideração quaisquer outros factos que estivessem admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, como determinava o art. 659º, nº 3, do anterior C.P.C.

O que a sentença não tinha que fazer – porque já havia sido feito em anterior decisão – era indicar os factos não provados e fundamentar a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Não faz sentido, portanto, a afirmação do Apelante quando diz desconhecer quais as provas em que o Tribunal se baseou para considerar determinados factos como provados; a decisão da matéria de facto e respectiva fundamentação foi proferida na sessão da audiência de julgamento que teve lugar em 03/12/2013 e para qual os intervenientes foram notificados; se o Apelante não compareceu nessa diligência, o mínimo que poderia e deveria ter feito (caso pretendesse conhecer a decisão proferida sobre a matéria de facto e respectivos fundamentos) era consultar o processo e a referida decisão e, portanto, se desconhece tal decisão, só a si poderá imputar a responsabilidade por tal desconhecimento.

Inexiste, portanto, qualquer nulidade.

Impugnação da matéria de facto

Nas conclusões 5ª a 12ª das suas alegações, o Apelante vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentando, por um lado, que a matéria constante das alíneas F) e H) não deveria ter sido considerada provada e sustentando, por outro lado, que deveria ter sido considerada provada a matéria alegada nos arts. 19, 21, 29, 37, 39 e 56 do requerimento de oposição.

Analisemos então essa matéria.

Sob as alíneas F) e H), considerou-se provado que “o reboco encontra-se a cair” e “a placa verte água sempre que chove”.

Diz o Apelante que “…não sabe com base em que provas o tribunal considerou esses factos como assentes, por a sentença ser omissa”, sustentando, no entanto, que em face da peritagem efectuada e do depoimento da testemunha, E..., tais factos não poderiam ser considerados provados.

Não obstante o alegado desconhecimento do Apelante, no que toca às provas que o Tribunal considerou para fundamentar a sua convicção no que toca àquela matéria (desconhecimento que, como já referimos, só a si poderá ser imputado), resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto que o Tribunal considerou, para esse efeito, os depoimentos das testemunhas F..., G... e H....

No que toca ao reboco das paredes, resulta dos depoimentos em que se fundamentou a decisão recorrida que o mesmo está rachado ou fissurado, facto que é confirmado pelo relatório pericial, seja pela afirmação expressa do perito nesse sentido, seja pela fotografia que incluiu no relatório, declarando a testemunha, F..., que, por força da humidade existente nas paredes (que também são confirmadas pelo perito), o reboco está oco, bastando colocar a mão para que ele caia, sendo que, nalguns sítios, caiu mesmo por força da humidade.

Ao contrário do que sustenta o Apelante, não nos parece que a mera circunstância de o relatório pericial não aludir expressamente à queda do reboco seja bastante para duvidar da efectiva verificação desse facto, já que tal questão não foi colocada expressamente ao perito. Parece-nos, por outro lado, que o depoimento da testemunha E... (citado pelo Apelante) não tem qualquer aptidão para contrariar aquele facto. Com efeito, a aludida testemunha – quando confrontada com esse facto – limitou-se a declarar que não acredita que o reboco esteja a cair, porque aquilo não cai assim, sendo certo, no entanto, que a “crença” da testemunha não é bastante para abalar a convicção formada pelo tribunal no que toca à verificação daquele facto. Em primeiro lugar, porque foi essa testemunha que colocou o reboco e, portanto, é natural que não acredite ou não queira admitir (pelo menos sem outras evidências) que não executou o trabalho com a devida perfeição e, em segundo lugar, porque a aludida testemunha nem sequer voltou ao local depois de ter realizado essa obra e, portanto, não está em condições de garantir que o reboco não está a cair.

No que diz respeito à placa, sustenta o Apelante que não poderia ter sido considerado provado que a mesma verte água sempre que chove, na medida em que esse facto não foi confirmado pelo perito.

É verdade que, em resposta a essa questão, o Sr. Perito disse não poder responder objectivamente a tal questão sem a realização de testes de estanquicidade, afirmando, contudo, que existiam manchas de humidade que podem ser resultantes da falta ou deficiência de impermeabilização ou de processos de condensação. Mas, sendo certa a existência de humidades (como é reconhecido pelo perito e pelas testemunhas supra referidas), parece-nos que não existem, de facto, razões bastantes para duvidar de que elas se devam a infiltrações decorrentes da placa. Em primeiro lugar, porque a sua localização (junto à laje do tecto, como diz o perito) apontam nesse sentido e, em segundo lugar, porque a outra hipótese que foi admitida pelo perito (processos de condensação) parece-nos menos provável, dada a circunstância de estar em causa um espaço com ventilação (seja pela porta que está em mau estado, seja pela janela que, como decorre do relatório pericial e da demais prova produzida, apenas possui um gradeamento e arame) que diminuiu a probabilidade de condensação.

Parece-nos, portanto, que as humidades existentes (clara e expressamente referidas pelas testemunhas e pelo perito) têm origem na placa que não estará devidamente impermeabilizada.

Não nos parece, portanto, que se justifique qualquer alteração aos pontos de facto supra referidos.

Pretende ainda o Apelante que sejam considerados provados os factos que alegou nos arts. 19, 21, 29, 37, 39 e 56 da petição inicial, sustentando que essa matéria foi confessada e resulta do depoimento do Exequente, invocando ainda o relatório pericial.

Nos citados artigos alegava-se o seguinte:

19º

Foi feita uma fossa com tanque com capacidade para cerca de 600 litros líquidos.

21º

O espaço foi arrendado ao exequente para ele guardar o vasilhame vazio, para arrecadação.

29º

No “antigo posto de leite” existia à data da transacção apenas um ponto de água e um lavatório, não existindo qualquer sanitário.

37º

O exequente não ligou a água para o “antigo posto de leite”.

39º

Contrariamente ao que o exequente pretende fazer crer, ele nunca reclamou ao requerido ou ao ora executado para executar qualquer obra, porque o requerido tinha executado todas as obras e reconhecido pelo exequente.

56º

Depois das obras feitas não existe lavatório, nem água para utilizar o lavatório.

Importa esclarecer, desde já, que a matéria em discussão nos presentes autos não se prende com a necessidade ou não das obras em causa e, designadamente, com a necessidade ou não da fossa séptica; essa matéria já está definida na transacção que foi celebrada entre as partes e que foi judicialmente homologada. É certo, portanto, que o Executado estava obrigado a executar as obras identificadas na aludida transacção e o que interessa agora apurar é se essas obras foram ou não realizadas.

E, nessa perspectiva, não se vislumbra qual possa ser a relevância dos factos alegados nos citados arts. 21º, 29º, 37º e 56º.

Por outro lado, e no que toca ao art. 19º, o que importava apurar era se foi ou não executada uma fossa séptica, já que foi essa a obrigação assumida na aludida transacção. Ora, ao contrário do que refere o Apelante, o Exequente não reconheceu e não confessou que tal fossa tivesse sido executada, declarando que a fossa não foi feita e que apenas foi feito um tanque ou buraco que deve levar à volta de 1m3, resultando claramente do relatório pericial que tal tanque ou buraco não apresenta características e não pode ser considerado como uma fossa.

E, ao contrário do que sustenta o Apelante, o Exequente também não reconheceu o facto alegado no art. 39º.

Assim, e em face do exposto, mantém-se inalterada a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Ilegitimidade

Sustenta ainda o Apelante – cfr. conclusões 13ª a 17ª das suas alegações – que é parte ilegítima na execução porquanto o óbito de uma pessoa apenas pode ser demonstrado por documento e, não tendo sido junta ao processo qualquer certidão de óbito, não está provado que D... tenha falecido.

É certo, no entanto, que esta é uma questão nova nunca suscitada em 1ª instância.

O Apelante apenas havia invocado na sua oposição que a execução teria que ser promovida contra a pessoa que, no título, tivesse a posição de devedor e que, não tendo sido parte no processo onde foi proferida a sentença que fundamenta a execução, não poderia ser demandado por inexistir título contra ele.

Relativamente a esta questão – relacionada com a legitimidade do Executado em face do título apresentado – a sentença recorrida decidiu que o Executado, ora Apelante, tinha legitimidade para a execução, já que, apesar de não figurar no titulo executivo, os Exequentes haviam alegado no requerimento inicial os factos constitutivos da sucessão (mortis causa) na obrigação, como lhe era permitido face ao disposto no art. 56º do CPC.

O Apelante não contesta os fundamentos dessa decisão (que, como dissemos, concluiu pela sua legitimidade) e o que faz agora – em sede de recurso – é suscitar uma nova questão, dizendo ser parte ilegítima porque, não tendo sido junta a certidão de óbito de D..., não está provada a sua morte e, portanto, não está provada a sucessão “mortis causa” que os Exequentes haviam invocado para justificar a sua legitimidade.

No entanto, reafirma-se, o Apelante nunca suscitou essa questão em 1ª instância, aceitando, na oposição que deduziu, a morte do referido D... e a sua qualidade de herdeiro e sucessor na obrigação em causa, razão pela qual nunca se mostrou necessária a junção da certidão de óbito. Não tendo questionado, em momento algum, o aludido óbito (aceitando, no seu articulado, a sua verificação) e não tendo aludido à necessidade de junção da respectiva certidão (certidão que, aliás, podia e devia ter junto, caso entendesse que era necessário), não poderá vir agora invocar, em sede de recurso, a falta de junção do aludido documento (sem que questione, sequer, aquele óbito, cuja verificação aceitou expressamente na oposição que deduziu à oposição) para se eximir ao cumprimento da obrigação.

Improcede, portanto, esta questão.

Nulidade da cláusula penal por abuso de direito/redução do respectivo valor

Sustenta, por último, o Apelante – nas conclusões 18º e 19º - que a cláusula 12ª da transacção (que fixou uma cláusula penal) deve ser declarada nula por abuso de direito e que, caso assim não se entenda, deve ser reduzido para 1.000,00€ o valor a pagar a esse título, ao abrigo do disposto no art. 812º do CC.

Na aludida cláusula, estabeleceram as partes que, em caso de incumprimento do que foi acordado na transacção seria devida, a título de cláusula penal, uma indemnização diária de € 200,00 até ao cumprimento.

Está em causa, portanto, uma cláusula penal que as partes livremente estabeleceram (pelo menos nada se alegou em contrário) ao abrigo da faculdade que a lei lhes concede (art. 405º do CC) de fixar livremente o conteúdo dos contratos e de neles incluir as cláusulas que lhes aprouver.

Diz o Apelante que a aludida cláusula deve ser declarada nula por abuso de direito, já que um bom pai de família não deixaria de a considerar como abusiva atendendo ao valor em causa.

Dispõe o art. 334º do C.C. que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

A boa fé, enquanto princípio normativo e enquanto princípio geral de direito, que releva para efeitos de abuso de direito, significa, nas palavras de Coutinho de Abreu[1], que “…as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros”, sendo que, na aplicação desse princípio, o juiz “…deverá partir das exigências fundamentais da ética jurídica, que se exprimem na virtude de manter a palavra e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos[2].

O que releva, pois, para efeitos de abuso de direito é saber se o exercício do direito corresponde ou não a uma conduta que, naquelas circunstâncias e, eventualmente, em função de comportamentos anteriores, não se pauta pela honestidade e lealdade para com a outra parte, defraudando, de algum modo, a confiança e a expectativa desta.

Mas, para que se possa falar em abuso de direito será ainda necessário que essa conduta desonesta, incorrecta, desleal ou lesiva da confiança legitimamente criada na outra parte seja manifesta, clara e notória, de tal forma que ela possa ser considerada como clamorosamente ofensiva da justiça ou sentimento jurídico socialmente dominante, embora não se exija a consciência de estarem a ser excedidos os limites impostos pela boa fé[3]. É isso que decorre do disposto no art. 334º quando determina que, para a existência de abuso de direito, é necessário que o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé.

Ora, nada indicia – e nada foi alegado nesse sentido – que, na negociação que antecedeu a fixação da aludida cláusula, as partes não tenham procedido com lisura e boa fé e que esse processo negocial não tenha sido livre e esclarecido.

É certo que o valor fixado (200,00€/dia) é um valor bastante elevado, face às concretas obrigações que estavam em causa e aos prejuízos que, previsivelmente, poderiam resultar do seu incumprimento.

Mas isso não conduz, só por si, ao carácter abusivo da aludida cláusula (cláusula que – diga-se – era aplicável a ambas as partes, sendo que ambas assumiram obrigações).

Com efeito, como vem sendo reconhecido pela doutrina e jurisprudência[4], as cláusulas penais não se resumem às cláusulas que têm como finalidade determinar ou fixar antecipadamente a indemnização devida em caso de incumprimento da obrigação (as chamadas cláusulas penais indemnizatórias), embora se possa dizer que o C.C. apenas a estas se reporta, quando, no art. 810º, nº 1, alude à cláusula penal como sendo o acordo pelo qual as partes fixam o montante da indemnização exigível. De facto, no exercício da faculdade de estabelecerem livremente o conteúdo dos contratos que celebram, as partes poderão incluir – como sucede frequentemente – cláusulas penais que têm um cariz compulsório ou sancionatório e que visam compelir, estimular e pressionar o devedor ao cumprimento e sancionar efectivamente o incumprimento, através da fixação de uma pena que, umas vezes, acresce ao efectivo cumprimento da prestação ou à indemnização pelo incumprimento (cláusulas penais exclusivamente compulsórias) e que, outras vezes, substitui o cumprimento da obrigação ou a indemnização pelo incumprimento (cláusulas penais em sentido estrito).

Ora, a função compulsória da cláusula penal pressupõe, por regra, que a pena seja fixada num valor superior ao prejuízo que poderá decorrer do incumprimento, já que, só dessa forma, ela poderá funcionar como meio efectivo de pressão/estímulo ao cumprimento e a pena será tanto mais elevada quanto maior for o interesse das partes no rápido e efectivo cumprimento. Não será, por isso, de estranhar que uma cláusula penal desse tipo seja fixada em valor consideravelmente superior ao prejuízo que se prevê vir a existir em caso de incumprimento, sem que tal corresponda a qualquer abuso de direito.

Aliás, a circunstância de a cláusula penal ser elevada constituirá mesmo um indício (a atender em sede de interpretação das declarações negociais) de que as partes não pretenderam apenas fixar o valor da indemnização devida em caso de incumprimento, mas sim estabelecer uma pena que, como dissemos, poderá acrescer ou não, ao cumprimento da prestação ou à indemnização dos danos decorrentes do respectivo incumprimento.

No caso sub judice, o elevado valor da cláusula penal que foi estabelecida aponta, inequivocamente, para o seu cariz compulsório/sancionatório, tendo sido estabelecida uma quantia elevada por cada dia de atraso no cumprimento, como forma de estimular e pressionar as partes ao cumprimento atempado ou com um atraso reduzido. Por outro lado, referindo-se as partes a tal quantia como uma “indemnização” diária, parece claro que, além dessa quantia, não haveria lugar a qualquer outra indemnização pelo atraso no cumprimento das obrigações.

Estará em causa, portanto, uma cláusula penal em sentido estrito (como acima se referiu) que, tendo um cariz compulsório ou sancionatório, substitui a indemnização devida pela mora no cumprimento da prestação.

E, atendendo ao cariz compulsório ou sancionatório que as partes terão pretendido atribuir à cláusula, não é anormal que o valor fixado seja elevado, nada indiciando, portanto, a existência de qualquer abuso de direito na fixação dessa cláusula; o valor foi fixado pelas partes – ao que tudo indica, livremente (sendo que nada foi alegado em contrário) – e foi fixado no valor que entenderam ser o adequado, face ao interesse que tinham no rápido e atempado cumprimento da obrigação.

E, nada apontado para a nulidade da aludida cláusula, também não vislumbramos como possa ser considerado abusivo – por violador das regras da boa fé – o exercício do direito, por parte do Exequente, de reclamar uma cláusula penal que foi estabelecida pelas partes em caso de atraso no cumprimento das obrigações que haviam sido assumidas. De facto, a obrigação não foi devidamente cumprida no prazo que havia sido acordado e não está provado – e nem sequer foi alegado – qualquer facto ou circunstância do qual se pudesse inferir que, ao exigir essa cláusula penal, o Exequente esteja a assumir uma conduta desonesta e desleal e que, de algum modo, defraude a confiança e a expectativa da outra parte, já que, existindo atraso no cumprimento da obrigação, tudo indicaria que a cláusula penal fosse exigida – como havia sido livremente acordado entre as partes – sem que o Executado tivesse qualquer razão legítima para supor ou confiar que, não obstante o seu incumprimento, aquela cláusula não iria ser exigida.

Mas, sendo inquestionável o direito (legítimo) do Exequente de exigir a cláusula penal, já será possível questionar a legitimidade de exercício do direito nos precisos termos em que ele foi acordado pelas partes, ou seja, pelo valor que as partes fixaram.

Parece-nos, porém, que esta questão não deverá ser abordada na perspectiva de eventual abuso de direito, sendo certo que a lei prevê mecanismos para a redução da cláusula penal que venha a revelar-se manifestamente excessiva.

Com efeito, dispõe o art. 812º, nº 1, do CC que “a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente…” e, dispõe o nº 2, “é admitida a redução, nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida”.

E, ao abrigo da citada norma, a sentença recorrida reduziu, efectivamente, a cláusula penal (que havia sido peticionada – em conformidade com o valor estabelecido na transacção – pelo valor de 71.400,00€) para o valor de 10.000,00€.

Mas, na perspectiva do Apelante, esse valor ainda é elevado, sustentando que deve ser reduzido para 1.000,00€.

É indiscutível que o valor da cláusula penal que se encontrava estabelecido e que, à data da propositura da execução, ascendia ao valor de 71.400,00€ era manifestamente excessivo. E era manifestamente excessivo, não só porque não estava aqui em causa um incumprimento total das obrigações assumidas (estava em causa um incumprimento parcial e defeituoso), mas também porque o seu valor era desmesurado e desproporcionado face ao dano que, em termos de normalidade, poderia emergir desse incumprimento, sendo certo que estava em causa a realização de obras num determinado espaço (aqui designado por “antigo posto de leite”) que não se destina a habitação e que, ao que tudo indica, apenas era utilizado para armazenar determinados bens. Além do mais, sempre importaria tomar em conta a circunstância de a presente execução ter sido instaurada quando já havia decorrido um ano desde a data em que a obrigação deveria ter sido cumprida, razão pela qual o valor correspondente à cláusula penal atingiu um valor que, com grande probabilidade, será bastante superior ao valor do local onde as obras deveriam ser efectuadas. E a circunstância de a execução ter sido instaurada um ano depois não deixará de ser imputável ao próprio Exequente e não deixa de revelar que o incumprimento da obrigação não lhe causaria, afinal, grandes prejuízos (caso contrário, não teria esperado tanto tempo para exigir esse cumprimento). Refira-se que, como decorre do alegado pelo próprio Exequente, as obras até foram realizadas dentro do prazo que havia sido estabelecido, sucedendo apenas que ficaram incompletas e defeituosas e, portanto, seria de esperar que o Exequente, quando confrontado com esse facto, exigisse o integral cumprimento. Mas, não obstante esse facto, o Exequente apenas juntou (com o requerimento executivo) uma carta datada de 13/04/2010 (vários meses depois de ter terminado o prazo acordado) onde se limitava a informar que a chave do posto de leite estava disponível para que fossem efectuar as obras em falta (sem dizer quais) e para que fossem vistoriar as obras já efectuadas (sem lhes apontar quaisquer defeitos concretos) e, apesar de alegar não ter recebido qualquer resposta a essa carta, ainda esperou vários meses para intentar a execução.

Afigura-se-nos, portanto, que a circunstância de a cláusula penal ter atingido um valor tão elevado também é imputável ao Exequente e, por essa razão, também se justificaria a sua redução.

Parece-nos, porém, que não se justifica uma redução maior do que aquela que já foi efectuada em 1ª instância, sob pena de se invalidar ou inutilizar a finalidade compulsória que, tal como se referiu supra, as partes tiveram em mente quando, livremente, estabeleceram a cláusula penal.

Como refere António Pinto Monteiro[5], o padrão de referência a tomar em conta pelo tribunal para efeitos de redução da cláusula penal é diverso, consoante esteja em causa uma cláusula penal destinada a liquidar o dano ou uma cláusula penal destinada a compelir o devedor ao cumprimento. Com efeito, escreve, “não é difícil compreender, na verdade, que uma pena, de determinado montante, poderá não ser “manifestamente excessiva”, se os contraentes a estipularam a título compulsório, mas já poderá sê-lo, contudo, se a mesma se destinava, meramente, a liquidar o dano, a fim de evitar, nessa sede, dificuldades de prova”.

De facto, estando em causa uma cláusula penal de cariz compulsório, o seu valor não está directamente relacionado com o valor do dano decorrente do incumprimento, sendo que, por regra, e para funcionar, de forma efectiva e eficaz, como estímulo ao cumprimento, o seu valor é superior (e, por vezes, bastante superior) ao dano que previsivelmente decorrerá do incumprimento.

E a finalidade da cláusula penal não poderá deixar de ser atendida em sede de redução; o que importa fazer, em sede de redução, é apenas eliminar o excesso que se revele manifesto, fixando um valor que, em termos de equidade, seja razoável e adequado para desempenhar a concreta função a que se destinava.

Ora, estando em causa, como se referiu, uma cláusula penal de natureza compulsória e que se destinava a compelir o devedor ao cumprimento da obrigação, o normal será que a mesma funcione como efectiva sanção, em caso de incumprimento. Foi isso que as partes tiveram em mente quando, livremente, a estabeleceram e era essa, portanto, a expectativa que tinham em face do acordo celebrado e, como tal, não seria possível reduzir aquela cláusula a um valor que se aproximasse do prejuízo que, efectivamente, decorreu do incumprimento (e cuja extensão desconhecemos), antes se impondo, com respeito pela intenção das partes, que esse valor seja adequado para funcionar como efectiva sanção para o incumprimento.

E, em face destas considerações, não nos parece que o valor de 10.000,00€ fixado na 1ª instância ainda deva considerar-se manifestamente excessivo, quando é certo que, independentemente do prejuízo sofrido pelo Exequente, a prestação, à data da interposição da execução, estava em atraso há cerca de um ano. É certo que não falamos de um incumprimento total, mas sim de um cumprimento parcial e defeituoso e é certo que importará ter em conta as demais circunstâncias supra referidas, bem como o facto de o valor estabelecido se revelar manifestamente excessivo e desproporcionado face aos danos que, em termos normais e previsíveis, poderiam decorrer do incumprimento. Mas tais circunstâncias já foram devidamente ponderadas na redução (considerável) que já foi efectuada e reduzir ainda mais a aludida cláusula penal equivaleria a esquecer e inutilizar a finalidade que presidiu à sua fixação.

Importa esclarecer que o poder de redução da cláusula penal que é atribuído ao tribunal não se basta com a circunstância de o seu valor ser excessivo, em face das concretas circunstâncias do caso; para que tal redução possa ser efectuada, é necessário que o valor seja manifestamente excessivo, ou seja, é necessário que o seu valor seja exorbitante, revelando-se totalmente desadequado e abusivo em termos de ofender a equidade e a justiça do caso concreto.

E, reafirma-se, o valor de 10.000,00€, atendendo às circunstâncias já referidas e atendendo à finalidade da cláusula penal, não é manifestamente excessivo, não é exorbitante, não é abusivo e não ofende qualquer sentimento de justiça ou equidade.

É certo que, como decorre da matéria de facto, foi feita uma placa nova no tecto, o tecto foi impermeabilizado e as paredes e tecto foram rebocadas.

Mas é certo também que essas obras não foram devidamente executadas, porquanto o reboco está a cair e a placa não está devidamente impermeabilizada. Podemos até admitir que o Executado/Apelante desconhecesse a existência desses defeitos, porquanto os mesmos, dada a sua natureza, poderão não ter sido perceptíveis no momento da conclusão da obra e poderão ter surgido algum tempo depois e num momento em que o local já estava na disponibilidade dos Exequentes, sem que estes tivessem chamado a atenção para esses factos (a matéria de facto provada nada diz sobre esta matéria).

A verdade, porém, é que, além desses defeitos, não foram executadas todas as obras, sendo que, além de as paredes não terem sido pintadas (como é pressuposto fazer-se numa obra de conservação), o Apelante não fez prova de ter sido cumprida a obrigação (fixada na transacção) de construir uma fossa séptica (resultando da prova produzida, como acima se mencionou, que aquilo que foi feito não tem as características e não pode ser considerado como fossa séptica).

Ora, perante a falta de execução dessas obras – obras que, à data da propositura da execução, já deveriam ter sido efectuadas há um ano – não consideramos manifestamente excessivo o valor de 10.000,00€, a título de cláusula penal, quando é certo que esse valor corresponderia, de acordo com o acordado pelas partes e reportado à totalidade das obrigações, a um atraso de apenas 50 dias.

E não adianta – ao contrário do que pretende o Apelante – apelar ao valor da renda daquele espaço (34,74€/mês) para justificar que a citada quantia de 10.000,00€, a título de cláusula penal, ainda é manifestamente excessiva. De facto, quando fixaram a cláusula penal em 200,00€ diários, as partes sabiam qual era o valor da renda e, portanto, sabiam estar a estabelecer uma cláusula penal cujo valor diário correspondia a cerca de seis meses do valor da renda. As partes tiveram, portanto, a intenção (e nada foi alegado com vista a demonstrar a existência de qualquer erro ou vício nessas declarações) de estabelecer uma cláusula penal de valor muito elevado, quando comparado ao valor da renda, e, tal como dissemos supra, a redução dessa cláusula nunca poderia deixar de tomar em conta a vontade e a intenção das partes.

 

 Improcede, portanto, o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Além das cláusulas penais que têm apenas como finalidade a fixação antecipada do valor da indemnização devida em caso de incumprimento da obrigação (às quais se reporta o art. 810º do C.C.), as partes, ao abrigo da sua liberdade contratual, podem estabelecer cláusulas penais de cariz compulsório ou sancionatório, que, através da fixação de uma pena (por vezes elevada), têm como finalidade compelir, estimular e pressionar o devedor ao cumprimento.

II – O poder de redução da cláusula penal que é atribuído ao tribunal, por força do disposto no art. 812º do C.C., não se basta com a circunstância de o seu valor ser excessivo, em face das concretas circunstâncias do caso; para que tal redução possa ser efectuada, é necessário que o valor seja manifestamente excessivo, ou seja, é necessário que o seu valor seja exorbitante, revelando-se totalmente desadequado e abusivo em termos de ofender a equidade e a justiça do caso concreto.

III – No juízo concreto que importa efectuar com vista a saber se a cláusula penal é manifestamente excessiva e com vista a determinar o quantum da redução a efectuar, não pode o tribunal alhear-se da finalidade que as partes lhe pretenderam atribuir, sendo que o que importa fazer, em sede de redução, é apenas eliminar o excesso que se revele manifesto, fixando um valor que, em termos de equidade, seja razoável e adequado para desempenhar a concreta função a que se destinava.

IV – Estando em causa uma cláusula penal que as partes entenderam fixar em valor elevado (quando comparado com o prejuízo que, em termos de normalidade, poderia decorrer do incumprimento) – circunstância que evidencia o seu carácter compulsório – não deverá essa cláusula ser reduzida a um valor que se aproxime do prejuízo decorrente do incumprimento, devendo apenas ser reduzido para um valor que, respeitando a intenção das partes, seja adequado para funcionar como efectiva sanção para o incumprimento.

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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Notifique.

Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Ob. cit., pág. 55.
[2] Cfr. Almeida Costa, ob. cit., pág. 81.
[3] Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civ. Anotado, Vol. I, 3ª ed. Revista e Actualizada, págs. 296 e 297.

[4] Cfr. Acórdão do STJ de 27/09/2011 e António Pinto Monteiro (em anotação ao referido Acórdão), bem como a jurisprudência e doutrina aí citadas, na RLJ, Ano 141º, pág. 177 e segs. e Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, pág. 922 e segs.
[5] Sobre a cláusula penal, Scientia Ivridica, T. XLII, 1993, nºs 244/246, pág, 231 e segs.