Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
47/14.0TBCLB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MAIORIDADE
CESSAÇÃO
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA, CELORICO DA BEIRA, JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 6.º DA LEI N.º 24/2017, DE 24 DE MAIO, QUE ALTEROU A REDAÇÃO DO ARTIGO 1.º, N.º 2 DA LEI N.º 75/98, DE 19 DE NOVEMBRO, E ART.8.º DA CITADA LEI 24/2017, QUE ENTROU EM VIGOR NO DIA 25 DE JUNHO DE 2017.
Sumário: 1. O pagamento das prestações de alimentos da responsabilidade do progenitor ou do FGDAM a que o Estado se encontra obrigado, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos mantendo-se, contudo, para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência. - conforme resulta das disposições conjugadas do art. 6.º da Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, que alterou a redação do artigo 1.º, n.º 2 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, com o art. 8.º da citada Lei 24/2017, que entrou em vigor no dia 25 de Junho de 2017.

2. O artigo 12.º do Código Civil, de acordo com o qual, como regra, a lei só dispõe para o futuro, ressalva (no seu n.º 2) a situação em que a lei nova dispõe diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, caso em que, a lei nova abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

3. A situação de facto em que se mantém o filho que, entretanto, atingiu a maioridade e a quem, à luz da nova lei é conferido o direito a continuar a receber pensão de alimentos do seu progenitor ou do FGDAM, em sua substituição, configura, uma relação jurídica já constituída, mas que subsiste quando entra em vigor a lei nova, devendo ter esta aplicação imediata às situações subsistentes à data da sua entrada em vigor.

4. Dado que, in casu,a filha maior não atingira os 25 anos de idade, nem completara o seu processo formativo no ensino superior, no momento em que a nova lei entrou em vigor, passa a beneficiar do regime estatuído por essa lei, a partir da sua entrada em vigor, por se verificarem os respetivos pressupostos, passando o FGDAM, em substituição do progenitor, a suportar a obrigação de alimentos que já lhe fora imposta durante a menoridade daquela.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... instaurou incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, no que respeita ao pagamento da prestação de alimentos, contra B... , na qualidade de progenitor dos menores, C... , D... , E... , F... , G... e H... , já todos identificados nos autos.

Por sentença, proferida em 20 de Junho de 2014, junta de fl.s 6 a 13, já transitada em julgado, foi declarado o incumprimento do requerido B... do acordo de regulação das responsabilidades parentais, no que respeita à obrigação de prestar alimentos a seus filhos, tendo, ainda, o mesmo sido condenado no pagamento da quantia de 855,00 €, referente às prestações vencidas nos meses de Maio e Junho de 2014.

Em tal decisão, determinou-se a recolha de informações com vista a eventual intervenção do FGDAM.

Recolhidas estas e depois de elaborados os habituais relatórios acerca das condições sócio-económicas dos interessados, foi proferida a sentença, constante de fl.s 31 a 36, datada de 17 de Outubro de 2014, igualmente, já transitada em julgado, em que se fixou a quantia de 75,00 €, mensais, a título de prestação de alimentos, a cada um dos menores D... , E... , F... , G... e H... , a suportar pelo FGDAM.

Por sentença proferida em 12 de Novembro de 2015 (cf. fl.s 79 a 81), também, já transitada, determinou-se que o referido Fundo continuasse a pagar os alimentos fixados, a cada um de tais menores.

O que se veio a repetir, cf. sentença proferida em 12 de Dezembro de 2016 (fl.s 107 a 110), igualmente já transitada.

Na sequência de requerimento da progenitora, junto de fl.s 120 a 123, com vista à renovação de decisão a responsabilizar o Fundo, esta alegou que se mantinham as mesmas condições que determinaram a concessão de alimentos aos menores, referindo que a sua filha D... , entretanto, atingira a maioridade, deixando o referido Fundo de lhe pagar a quantia que lhe havia sido fixada a título de alimentos, requerendo o pagamento das prestações fixadas, relativamente aos seus filhos, alegando, ainda que as duas filhas que já atingiram a maioridade se encontram inscritas no ensino superior, uma em Lisboa e outra em Coimbra.

A fl.s 129, a requerente comprovou a matrícula de D... , no Instituto Superior K (Coimbra), no ano lectivo 2017-2018 e de C... , no Instituto Superior W (Lisboa), para o mesmo ano lectivo.

Conforme decisão proferida em 27 de Novembro de 2017 (fl.s 135), foi renovada a prestação de alimentos devidos aos menores E... , F... , G... e H... .

Relativamente a D... , consignou-se o seguinte:

“Verifica-se que D... perfez 18 anos no dia 15/01/2017, o que é fundamento da cessação da intervenção do FGDAM, pelo que, quanto à mesma, determino a notificação das partes e do MP para contraditório e para que requeiram o que tiverem por conveniente.”.

A requerente, cf. fl.s 142 e 143, veio defender/requerer a manutenção da responsabilidade do Fundo, por a beneficiária se encontrar a estudar e face ao disposto no artigo 6.º da Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio.

O mesmo propugnou o MP (fl.s 145).

Conclusos os autos ao M.mo Juiz a quo, foi proferida a decisão de fl.s 147 (aqui recorrida), que se passa a transcrever:

Pretende a requerente que lhe continue a ser prestada a quantia de alimentos, por parte do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, em relação à sua filha já maior, D... , uma vez que o requerido continua a não prestá-los à jovem em questão, não sendo viável inverter tal situação, e dado que se verificam as circunstâncias do artigo 1905.º, n.º 2, do Código Civil, sendo certo que a Lei 75/98, de 19 de Novembro, apresenta uma nova versão.

Juntou prova, da qual se retira que o agregado familiar, onde a jovem está inserida, auferiu um rendimento, cujo valor de capitação não ultrapassa o valor do indexante dos apoios sociais, e que a jovem, que não atingiu ainda os 25 anos, continua em formação.

De notar que ainda não foi proferida decisão a cessar o Fundo quanto a esta jovem.

Assim, por se manterem inalterados os pressupostos previstos no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, e ainda face à nova redacção da Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro, e verificando-se as circunstâncias do artigo 1905.º, n.º 2, do Código Civil, determina-se a manutenção da atribuição da pensão de alimentos fixada, em favor de D... , a prestar pelo Estado em substituição do devedor.

*

Sem custas.”.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, na qualidade de gestor do FGDAM, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 181), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

I. A Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, criou o FGADM, e o Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, veio regular a garantia dos alimentos devidos a menores previstos naquela Lei, com o objetivo de o Estado colmatar a falta de alimentos do progenitor judicialmente condenado a prestá-los, funcionando como uma via subsidiária para os alimentos serem garantidos ao menor.

II. O n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, com entrada em vigor a 23 de junho de 2017, veio permitir que o FGADM, em substituição do progenitor obrigado a alimentos, continue a assegurar o pagamento das prestações que hajam sido fixadas durante a menoridade, até que o jovem complete 25 anos de idade se e enquanto durar processo de educação ou de formação profissional (desde que, cumulativamente, se encontrem preenchidos os restantes requisitos legalmente exigidos – n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, artigo 48.º do RGPTC, DL n.º 164/99, de 13 de maio, e DL n.º 70/2010, de 16 de junho).

III. Todavia, a obrigação de continuidade do pagamento em causa a assegurar pelo Fundo, cessa se:

- O respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes de atingida a maioridade;

- O processo de educação ou formação profissional tiver sido livremente interrompido;

- Se o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.

IV. No caso em apreço, foi fixada uma prestação de alimentos a cargo do FGADM no montante mensal de €75,00 (setenta e cinco euros) para jovem, ora maior, D... .

V. Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que não se encontram preenchidos os pressupostos legais subjacentes à intervenção do FGADM.

VI. Recorde-se que a Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, que alterou o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, apenas entrou em vigor a 24 de junho de 2017, ou seja, em data posterior à data em que a jovem atingiu a maioridade (15.01.2017).

VII. E a Lei só dispõe para o futuro, nos termos do artigo 12.º do CC.

VIII. Nestes termos, e tendo presente o pressuposto de continuidade que a lei confere à garantia daquele pagamento, não pode o ora recorrente, salvo o devido respeito, concordar com o entendimento explanado na douta decisão, na medida em que o FGADM não se encontrava obrigado ao pagamento da prestação de alimentos à jovem D... , no momento em que a lei se torna aplicável no ordenamento jurídico.

IX. O pagamento da prestação de alimentos que o FGADM se encontrava obrigado cessou com a maioridade, isto é, em 15.01.2017, nos termos da legislação aplicável à data.

X. A circunstância de o processo educativo ou de formação não se encontrar completo, no momento em que é atingida a maioridade, exceciona a cessação automática das prestações a que o FGADM se encontra a pagar, todavia, no momento em que esta possibilidade passa a existir no ordenamento jurídico a prestação já havia cessado.

XI. Por conseguinte, e embora a 2ª parte do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, remeta para o regime previsto no n.º 2 do artigo 1905.º do CC, não podemos esquecer o âmbito em que o mesmo é aplicado, ou seja, ao “pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado” – cfr. Artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro.

XII. Não pode assim, o recorrente concordar com a decisão recorrida, na medida em que o FGADM foi condenado a assegurar uma prestação de alimentos à jovem dos autos, mas da letra da lei resulta que o pagamento cessa com a maioridade, salvo nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil, ou seja, o Estado tem de estar obrigado ao pagamento e no momento em que a alteração legislativa entra em vigor tal não se verificou in casu.

XIII. Pelo que, no presente caso tratar-se-ia não de uma continuidade ou manutenção do pagamento, mas de pela primeira vez o FGADM ser chamado a intervir na maioridade.

XIV. É de referir que a obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.

XV. Todo o regime de garantia dos alimentos devidos a menores, estabelecido na Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, e regulamentado no DL n.º 164/99, de 13 de maio, é construído com um objetivo e um sentido: o Estado assegurar um valor de alimentos ao menor, na sequência da verificação ou preenchimento dos requisitos legalmente previstos, entre eles o incumprimento por parte do progenitor que estava obrigado a prestar alimentos, por não se conseguir tornar efetiva essa obrigação pelos meios previstos no artigo 48.° do RGPTC, bem como pela reunião de todos os requisitos previstos na Lei n.º 75/98, de 19 de novembro [com a redação dada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio].

Pelo que,

XVI. Se entende, salvo o devido respeito, que a douta decisão judicial em apreço, enferma de falta de fundamentação legal para justificar a intervenção do FGADM nos presentes autos, à jovem maior.

TERMOS EM QUE deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que não condene o FGADM no pagamento da prestação de alimentos nos presentes autos, à jovem maior D... , em substituição do progenitor devedor, pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!

Contra-alegando, a requerente, pugna pela manutenção da decisão recorrida, defendendo a aplicação do disposto no artigo 6.º da referida Lei n.º 24/2017.

O mesmo defende o MP, em 1.ª instância, alegando que esta Lei se aplica independentemente da data em que a jovem em questão atingiu a maioridade e citando alguma jurisprudência nesse sentido.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se a decisão recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC;

B. Se se mantém a responsabilidade do FGDAM pelo pagamento da prestação de alimentos a D... , não obstante a Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, que alterou o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, ter entrado em vigor quando a referida D... já tinha atingido a maioridade; ou seja, se a Lei 24/2017, se aplica, imediatamente, à situação sub judice.

A matéria de facto relevante é a que consta do relatório que antecede.

A. Se a decisão recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.

Para tal sustenta o recorrente que da decisão recorrida não resulta a verificação prévia da existência efectiva dos pressupostos legalmente previstos para a atribuição da prestação de alimentos pelo FGDAM no caso em apreço.

O artigo 615, n.º 1, al. b), sanciona com a nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

 Para que a sentença sofra de nulidade de falta de fundamentação, é necessário que haja falta absoluta, quer relativamente aos fundamentos de facto quer aos de direito e não já uma justificação deficiente, incompleta ou não convincente – cf. A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, a pág. 669. Não indica o recorrente as concretas causas da apontada nulidade (manifestando, isso sim, o seu inconformismo perante a decisão a que se chegou), nem nós as vislumbramos.

Na decisão recorrida (acima transcrita), descrevem-se os fundamentos pelos quais se considerou manter-se a responsabilidade do FGDAM em prestar alimentos a D... , explicitando que assim é porque se “verificam as circunstâncias do artigo 1905.º, n.º 2, do Código Civil, sendo certo que a Lei 75/98, de 19 de Novembro, apresenta uma nova versão”.

Acrescenta-se que o rendimento do agregado familiar em que a mesma se insere não ultrapassa o valor do IAS, que a beneficiária ainda não atingiu os 25 anos e contínua em formação.

E, por considerar inalterados os pressupostos previstos no artigo 3.º do DL 164/99, de 13 de Maio, conjugado com a nova redacção da referida Lei 75/98 e o disposto no artigo 1905.º, n.º 2, do Código Civil, determinou-se a manutenção da pensão de alimentos, a prestar pelo FGDAM, em substituição do devedor.

Pelo que não se verifica a nulidade com fundamento com base na falta da fundamentação, quer de direito quer de facto.

Consequentemente, não padece a decisão recorrida da invocada nulidade.

Pelo que, nesta parte, o presente recurso tem de improceder.

B. Se se mantém a responsabilidade do FGDAM pelo pagamento da prestação de alimentos a D... , não obstante a Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, que alterou o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, ter entrado em vigor quando a referida D... já tinha atingido a maioridade; ou seja, se a Lei 24/2017, se aplica, imediatamente, à situação sub judice.

No que a esta questão concerne, em resumo, defende o recorrente que quando se verificou a alteração legislativa em apreço, a D... já tinha atingido a maioridade, razão pela qual, já não lhe estava a pagar a prestação de alimentos, não se lhe podendo, por isso, aplicar a nova redacção da lei.

Reiterando que a prestação que sobre si impendia cessou quando aquela atingiu a maioridade, pelo que, para se aplicar a nova redacção dada ao artigo 1905.º, n.º 2, do Código Civil, o Estado tinha de estar obrigado ao pagamento, no momento em que a alteração legislativa entrou em vigor, o que assim não sucede. Tratar-se-ia de uma continuidade ou manutenção da obrigação/pagamento do Fundo e não de uma primeira vez em que o mesmo é chamado a intervir na maioridade da beneficiária de alimentos.

Ao passo que na decisão recorrida se considerou ser de aplicar à situação sub judice a nova redacção dada ao artigo 1.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro.

Como resulta do exposto, o artigo 6.º da Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, alterou a redacção do artigo 1.º, n.º 2 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, passando a dispor o seguinte:

“2- O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, exceto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil”.

Conforme artigo 8.º da citada Lei 24/2017, este preceito entrou em vigor no dia 25 de Junho de 2017.

Por seu turno, por força do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 122/2015, de 01 de Setembro, o n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil, passou a ter a seguinte redacção:

“2- Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”.

A D... já era maior de idade quando entrou em vigor a referida Lei n.º 24/2017, pelo que o FGDAM já não se encontrava a pagar a prestação de alimentos à D... , que lhe fora fixada na sua menoridade.

Tudo está pois em saber se, ainda assim, é de aplicar a alteração legislativa introduzida pela ora referida Lei.

Para o que importa chamar à colação o disposto no artigo 12.º do Código Civil, de acordo com o qual, como regra, a lei só dispõe para o futuro, mas em que ressalva (seu n.º 2) a situação em que a lei nova dispõe directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, caso em que, a lei nova abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

Trata-se de uma situação semelhante à ocorrida anteriormente com a atribuição de pensões a unidos de facto e em que, igualmente, defendemos a aplicabilidade imediata da lei nova às situações subsistentes à data da sua entrada em vigor (embora com diversos entendimentos jurisprudenciais, o que talvez devesse fazer pensar o legislador em clarificar o conteúdo das normas que cria, a fim de evitar litígios desnecessários).

A situação de facto em que se mantém o filho que, entretanto, atingiu a maioridade e que, à luz da nova lei lhe confere o direito a continuar a receber pensão de alimentos do seu progenitor ou do FGDAM, em sua substituição - visando o legislador, com a alteração em causa, propiciar aos jovens adultos completar a sua formação, se necessário, à custa do pagamento da pensão de alimentos pelo respectivo obrigado, desde que verificados os pressupostos legais para tal exigíveis - , configura uma relação jurídica já constituída, mas que subsiste quando entra em vigor a lei nova.

Assim, quando entrou em vigor a referida Lei n.º 24/2017, a filha encontrava-se em situação de poder continuar a beneficiar da pensão de alimentos, visando o legislador, com a alteração em causa, propiciar aos jovens adultos completar a sua formação, se necessário, à custa do pagamento da pensão de alimentos pelo respectivo obrigado, desde que verificados os pressupostos legais para tal exigíveis.

E não vemos razão para que um filho que já tenha atingido a maioridade mas ainda não atingiu os 25 anos de idade, nem completou o seu processo formativo, não possa beneficiar do regime estatuído pela lei nova, a partir do momento em que esta entrou em vigor.

Ou seja, não se aplica retroactivamente a lei nova, em obediência ao princípio ínsito na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 12.º do Código Civil, mas passa a dela beneficiar a partir do momento em que entra em vigor a lei nova, desde que verificados os respectivos pressupostos.

O que acontece in casu uma vez que a D... ainda não atingiu os 25 anos de idade e também ainda não completou o seu processo educativo, dado que se encontra a frequentar o ensino superior.

Assim, não está em causa a continuidade de uma obrigação do FGDAM relativamente á D... , mas sim aferir se esta pode beneficiar do regime consagrado na lei nova – que, face ao exposto, entendemos ser de aplicação imediata às situações subsistentes à data da entrada em vigor da lei nova – e, consequentemente, a partir desta entrada em vigor, passa o FGDAM, em substituição do progenitor, a suportar a obrigação que já lhe fora imposta durante a menoridade daquela.

Em face de uma leitura conjugada de todos os preceitos acima citados e que, reitera-se visam propiciar aos jovens adultos sem meios para tal, que completem o seu processo educativo ou formativo, tem de concluir-se ser de aplicar à situação sub judice o disposto na lei nova, pelo que é de manter a decisão recorrida.

No mesmo sentido, podem ver-se os Acórdãos da Relação de Évora, de 08 de Março de 2018, Processos n.º 1615/16.0T8BJA-A.E1 e n.º 1842/08.4TBSTR-C.E1 e da Relação de Guimarães, de 22 de Fevereiro de 2018, Processo n.º 3174/16.5T8VCT.G1, disponíveis no respectivo sítio do itij.

Consequentemente, nesta parte, igualmente, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Sem custas, por delas estar isento o apelante.

Coimbra, 24 de Abril de 2018.