Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
584/11.8TBPBL-H.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO
CRÉDITO
ÓNUS DA PROVA
PODER DE DIRECÇÃO
JUIZ
Data do Acordão: 07/10/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 25º, Nº 2, DO CIRE; 265º CPC.
Sumário: I – Na fase de verificação de créditos em processo de insolvência, toda a prova que o impugnante do crédito e o respondente pretendam apresentar deve ser indicada no requerimento de impugnação e na resposta por força do disposto no art. 25º, nº 2 do CIRE aplicável a essa fase do processo ex vi do art. 134º, nº 1 do mesmo texto legal.

II - O estabelecido no art. no art. 265º (e no art. 519º) do CPC, conferindo ao juiz poderes de direcção e intervenção no processo, tem como finalidade a de permitir a celeridade e regularidade processual, bem como o necessário ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, tendo sempre atenção aos ónus que a lei especialmente impõe às partes.

III - O exercício pelo juiz dos poderes de direcção contidos no art. 265º do CPC e o seu não exercício apenas podem ser objecto de reacção processual pelas partes quando tais poderes possam ser considerados como vinculados.

IV - São vinculados quando esses poderes conduzem ao suprimento da falta de pressupostos ou à realização de actos que visam a regularidade da instância, partindo daqueles que foram praticados pelas partes mas corrigindo-os ou completando-os de forma a permitir que o processo possa prosseguir com regularidade e possibilitar uma decisão sobre a pretensão das partes.

V - O indeferimento do requerimento dirigido ao juiz para que, no exercício dos poderes estabelecidos nos arts. 265º e 519º do CPC, determine diligências de prova, não tendo o requerente arrolado essa nem nenhuma outra prova através do acto processual que a lei lhe prescrevia e no prazo que a lei lhe determinava, não constitui violação desses preceitos por não constituir poder vinculado.

VI - Querendo-se considerar existir nulidade, por omissão de acto, quando o juiz indefere a realização dessas diligências nunca poderá argui-la em face do disposto no nº 2 do art. 203º do CPC aquele que deveria praticar, e não praticou, o acto que posteriormente vem a solicitar ao juiz que pratique no exercício dos poderes conferidos no art. 265º do CPC.

Decisão Texto Integral: Face à simplicidade da questão e atento o que dispõe o art. 705° do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.

Relatório

Por decisão proferida em 4 de Outubro de 2012, no processo de insolvência que corre termos no 1º Juízo do Tribunal de Pombal, foi indeferido o requerimento do credor reclamante Banco C…, SA, em 24-5-2012, e no qual arrolava testemunhas, pedia a audição do Sr. Administrador, o exame pericial das assinaturas constantes das livranças juntas aos autos pelo credor e a gravação da audiência de julgamento.

Desta decisão interpôs recurso o requerente, concluindo que:

Nas contra alegações a recorrida sustenta a manutenção       da decisão recorrida porque da conjugação dos artigos 25.º, n.º 2 e 134.º, n.º 1, ambos do CIRE, atento o seu carácter urgente, que derrogam as regras do Código de Processo Civil, sobre a iniciativa da prova, resulta a necessidade e obrigatoriedade de todos os meios de prova serem oferecidos com a impugnação e com a resposta, sob pena de preclusão.

Cumpre decidir.

Fundamentação

Os factos que interessam à decisão são os que constam do relatório e ainda:

1. No processo de insolvência o recorrente reclamou crédito contra a insolvente, consubstanciando um mútuo bancário, que foi reconhecido pelo administrador;

2. M…, Ldª, credora reclamante na insolvência impugnou o crédito da recorrente e reconhecido pelo administrador e na resposta a reclamante sustentou a validade do seu crédito.

3. Proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e elaborada a base instrutória, o reclamante Banco C…, S.A. apresentou o aludido requerimento de prova.

4. Por despacho de 4 de Outubro de 2012 foi esse requerimento indeferido por se considerar que de acordo com o art. 25 do CIRE aplicável ex vi do art. 134 nº1 do mesmo diploma, toda a prova deveria ser apresentada com os requerimentos de impugnação dos créditos e de resposta.

… …

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), importando decidir as questões colocadas através dessas conclusões e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução dada a outras precedentemente apreciadas e decididas nesta instância (artigo 660º, nº 2 do CPC).

Assim, a única questão a decidir é a da admissibilidade ou inadmissibilidade legal de, na verificação dos créditos em insolvência, ser apresentado requerimento probatório em momento posterior ao da impugnação do crédito ou da resposta e, ainda, a possibilidade de o juiz nos termos do art. 265 do CPC poder ordenar/realizar diligências de prova quando a parte não tenha apresentado prova alguma mas apenas requerido ao juiz que o fizesse no uso dos seus poderes.

Adverte-se, desde já, que não está em decisão neste recurso aferir-se da relevância, ou mesmo da admissibilidade, da prova testemunhal[1] para provar um mútuo bancário mas simplesmente se alguma prova, seja ela de que natureza seja, pode ser apresentada fora da impugnação ou da resposta e, como assim, apenas neste ponto nos deteremos.

O art. 25, nº2 do CIRE, no capítulo da declaração da insolvência, estabelece que no requerimento de declaração de insolvência “o requerente deve oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas, cujo número não pode exceder os limites previstos no art. 789 do CPC”.

Por sua vez o art. 134 nº1 do CIRE, no capítulo da verificação dos créditos dispõe que “às impugnações e às respostas é aplicável o disposto no nº2 do art. 25”.

Não cremos como passível de dúvida que o legislador pretendeu que toda a prova que o impugnante e o respondente pretendam apresentar, na discussão da verificação dos créditos, deve ser apresentada no articulado respectivo pois que faz inserir, expressamente, nesta fase do processo de insolvência, o que antes tinha estabelecido para outra, manifestando que iguais razões importam para que se mantenha na verificação dos créditos esta mesma regra que impera na declaração da insolvência. E essas razões são as de celeridade e urgência traduzidas não só na exigência de toda a prova ser apresentada no momento da própria alegação do facto de impugnação ou de resposta com a exclusão de um prazo posterior para apresentação da prova mas, também, com a exigência de correr pelo impugnante ou pelo respondente o ónus de apresentação das testemunhas que tenha arrolado nesse articulado.

Foi com estes fundamentos que a decisão recorrida indeferiu o requerimento do ora recorrente que, não tendo apresentado qualquer meio probatório na sua resposta à impugnação, depois de proferido o despacho saneador, de fixados os factos assentes e de elaborada a base instrutória, veio requerer a audição de duas testemunhas, pedir prova pericial de exame a assinaturas e audição do administrador.

Em sustentação da admissibilidade desse requerimento e pugnando pelo seu deferimento em recurso, o recorrente protesta que os preceitos citados (o art. 25 e o art. 134 do CIRE) não obstam à aplicação do estabelecido nos arts. 265 nº3 e 519 do CPC, por força dos quais o juiz deve ordenar ou mesmo realizar oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.

Pretende pois a recorrente uma leitura desses normativos (dos art. 265 e 519 do CPC) segundo a qual as faculdades dadas ao juiz, no âmbito do poder de direcção do processo, constituiriam para este uma verdadeira obrigação, não só de apreciar mas de deferir, as diligências que lhe fossem solicitadas pelas partes, mesmo que extemporâneas por referência aos prazos que essas mesmas partes tinham para as praticar.

Não podemos esquecer que o nº1 do art. 265 do CPC, com grande contenção e cautela, refere que “sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes” cumpre ao juiz providenciar pelo andamento regular e célere do processo.

Toda a actividade desenvolvida pelo juiz no exercício deste poder tem de ter presente o sentido da celeridade e regularidade processual e os ónus que a lei especialmente impõe às partes, o que se torna evidente em situações em que seria uma ofensa a estes imperativos que o juiz oficiosamente determinasse a realização de meios de prova que a parte, a quem incumbia a sua apresentação, não tivesse feito.

Contrariamente ao que por vezes parece ser entendido na prática comum processual, este normativo não tem também como previsão o facultar às partes que requeiram ao juiz a utilização dessas suas faculdades, mormente, quando elas tenham deixado passar o prazo que a lei lhes fornecia para praticarem o acto que depois vêm requerer, mas antes o de facultar ao julgador, uma vez mais o dizemos, de acordo com os imperativos que ali são determinados, os poderes necessários a tornar célere e regular o processo com respeito pelos direitos e obrigações processuais das partes e a diligenciar a que se faça o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, isto sempre no respeito dos princípios da igualdade das partes e do contraditório.

Neste domínio parece ser significativo que no requerimento indeferido e cujo indeferimento deu origem ao presente recurso, os aí requerentes para o justificarem legalmente não invocam o art. 512 do CPC, isto é, não requereram esses meios de prova com arrimo em nenhuma notificação que lhes tivesse sido feita para esse fim, e menos em qualquer direito processual próprio mas, ao invés, reclamam as disposições dos arts. 265 e 519 do CPC, dizendo-as aplicáveis ex vi do art. 17 do CIRE, deixando claro que esse requerimento pretende ser um “convite” ou uma intimação ao juiz para que ele determine a audição das testemunhas que indicam e ordene o exame pericial que mencionam (para lá de proceder à gravação da prova).

Porém, como esse convite revestido da forma de requerimento probatório foi recusado pelo tribunal, os requerentes protestam agora, em recurso, a violação do que consideram ser um seu direito que, no caso, só se poderia configurar como o direito de pedirem ao juiz que exerça poderes que a lei lhe confere.

Temos pois por claro que os recorrentes tinham o ónus, especialmente imposto por lei (art. 134 nº1 e 25 nº2 do CIRE), de indicarem toda a prova que entendessem pertinente no articulado de resposta à impugnação do seu crédito e não o fizeram. E a existência deste ónus é determinante para que o julgador compagine a sua iniciativa nesse domínio (de determinar diligências probatórias) com esse outro dever de iniciativa das partes.

Nesta conformidade, tendo deixado passar o seu prazo, os requerentes terão de aguardar que o juiz faça, ou não, uso dos poderes que a lei lhe confere nos termos do art. 265 do CPC, ouvindo, ou não, quaisquer testemunhas e ordenando, ou não, quaisquer outras diligências.

Por uma questão de indicação, os requerentes podem dirigir-se ao juiz e lembrar a conveniência de audição de algumas pessoas ou de outras diligências probatórias, mas esta sugestão está fora já de qualquer direito que a lei lhes conceda e que possam vir reclamar como violado quando o juiz indefira a sugestão por a entender que ela é um requerimento probatório extemporâneo. Se bem que o indeferimento do requerimento não equivale a que o juiz não possa ainda determinar quaisquer diligências, porquanto indeferir um requerimento dizendo que ele constitui um arrolamento de prova extemporâneo e já legalmente inadmissível, não é o mesmo que afirmar que a partir desse momento o tribunal não possa, como sempre poderia, por sua iniciativa e só já por sua vontade ordenar qualquer diligência.

Na problemática relativa ao exercício dos poderes conferidos no art. 265 resulta pois como importante saber se se pode reagir, ou como se pode reagir, contra o exercício desses poderes quando accionados ou contra a sua não utilização quando sugeridos/requeridos pelas partes.

No capítulo das nulidades processuais observamos que, para lá das especialmente previstas, a prática de um acto que a lei não admita ou a omissão de algum que a lei prescreva só gera nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (art. 201 nº1 do CPC), sendo que destas nulidades não pode o tribunal conhecer oficiosamente (art. 202 parte final) nem argui-las a parte que lhes tenha dado causa (art. 203 nº2)

Em nosso entender, os poderes que a lei processual civil põe à disposição do juiz no art. 265 podem ser vinculados – quando os mesmos conduzem ao suprimento da falta de pressupostos ou à realização de actos que visam a regularidade da instância, partindo daqueles que foram praticados pelas partes mas corrigindo-os ou completando-os de forma a permitir que o processo tenha regularidade, não pare e possibilite uma decisão sobre a pretensão das partes – ou não vinculados ou meras faculdades - quando se traduzem no envio de convites ou indicações às partes a que realizem determinados actos capazes de tornar mais normal e ágil o prosseguimento da acção ou mesmo na prática pelo juiz de diligências que tenham essa finalidade, mas cuja omissão não comprometeria a possibilidade de continuação e conhecimento da questão em litígio.

Esta distinção permite perceber, no quadro das nulidades de processo, que o exercício dos poderes referidos ou a sua omissão, apenas pode ser invocável como nulidade se o poder do juiz era vinculado, traduzindo-se numa verdadeira obrigação, não esquecendo, neste caso, a advertência anterior segundo a qual será sempre necessário obter a confirmação se o acto que se diz que o juiz deveria praticar supre ou não um ónus especialmente imposto por lei às partes, circunstância em que, em nosso entender, nunca se poderá entender o poder do juiz como vinculado (vinculada à sua prática estava a parte que o omitiu).

No caso em estudo, cremos que existia um ónus especialmente imposto aos requerentes de apresentarem a prova do que afirmavam na resposta mas, igualmente, o ónus especialmente previsto de apresentarem essa prova no articulado de resposta e o de serem eles mesmos a apresentar as testemunhas em julgamento, razão pela qual, no sentido técnico de requerimento probatório o indeferido era como se decidiu extemporâneo, não merecendo neste aspecto a decisão apelada qualquer censura.

Na análise da decisão recorrida como recusa do juiz ao exercício dos poderes de direcção do processo conferidos no art. 265 do CPC, julgamos também que nenhuma razão assiste aos recorrentes pois não temos por poder vinculado a atenção que o julgador deva ter ao processo no sentido de suprir em absoluto as omissões das partes em matéria de tal importância como é a da apresentação dos elementos probatórios para os factos que lhes cabe alegar e provar.

Da mesma maneira que o juiz não pode suprir a ineptidão da petição inicial mas só mandar aperfeiçoar deficiências, de igual modo cremos que não pode substituir-se à parte e ordenar a produção de prova que àquela cabia apresentar e não apresentou. É que não se trata de o juiz ordenar uma diligência ou determinar a audição de alguém, para além das indicadas pela parte, mas antes de realizar algo que, de todo, a parte não fez.

Acresce, por último, ainda que se quisesse a análise deste quadro como nulidade, que a sua invocação seria sempre inadmissível porquanto a parte que daria causa à necessidade de o juiz exercer os poderes de direcção era a mesma que daria causa à eventual nulidade nunca podendo argui-la em face do disposto no nº2 do art. 203 do CPC que consagra o principio da auto responsabilidade.

No que se refere à audição do administrador, também protestada pelo recorrente, como este mesmo acaba por referir, ao citar o art. 139 al.a) do CIRE, o tribunal pode sempre determinar por sua iniciativa e na altura que o entender que este seja ouvido, o que no contexto do que dissemos anteriormente constitui uma faculdade não vinculada do julgador, ainda que sugerida pelas partes.

Decisão

Pelo exposto decide-se julgar improcedente a Apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Apelante.

Manuel Capelo (Relator)


[1] Existe jurisprudência abundante sobre esta matéria, v.g. ac RL de 19-5-2011, no proc. 6684/09.7TVLSB.L1-8, ac. STJ de 31-10-2006, no proc. 06A2999, in dgsi.pt.