Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4704/14.2T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE
CADUCIDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
INCONSTITUCIONALIDADE
POSSE DE ESTADO
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.1817 CC, 18 CRP, LEI Nº 14/2009 DE 1/4
Sumário: 1. Plasmando o juiz, no despacho saneador de ação de investigação de paternidade «Tendo o autor atingido a maioridade em 1955, teria caducado o direito do autor em intentar esta ação se fosse aplicável o citado nº1 do artº 1817º», mas sendo aplicável este segmento normativo porque o autor invocou o facto procriação, deve ter-se por decidida e transitada a questão da caducidade ao abrigo do mesmo segmento.

2. - O prazo de dez anos do nº1 do artº 1817º do CC não é inconstitucional, pois que, razoavelmente, opera o justo equilíbrio entre os direitos em presença: o direito do investigante à definição da sua identidade pessoal, e o direito do investigado e da sociedade à estabilidade vivencial e à paz jurídica.

3.- O artº 3º da Lei 14/2009 de 01 de abril, que manda aplicar os novos prazos do artº 1817º aos processos pendentes, não é inconstitucional, por violação do artº 18º nº3 da Constituição, pois que tais prazos são mais favoráveis do que os prazos previstos neste preceito na sua anterior redação, e irrelevando a declaração de inconstitucionalidade destes, já que a jurisprudência não atribui direitos e não cria expectativas indefinidamente intocaveis.

4. - O autor que, nascido em 1934, propõe a ação de investigação de paternidade em 2002, tem o seu direito, invocado ao abrigo do disposto no artº 1817º nº1 do CC, caducado, pois que, no máximo, e atento o disposto no artº 19º do DL 47344 de 25.11, apenas a poderia instaurar até maio de 1968.

5.- Para que o autor possa beneficiar do prazo de propositura da ação previsto na al. b) do nº 3 do artº 1817º do CC, vg. com base na posse de estado, tem de provar esta posse, consubstanciada pelos seus três requisitos cumulativos: a) A reputação como filho pelo pretenso pai; b) O tratamento como filho pelo pretenso pai; c) A reputação como filho pelo público, bem com a data da sua cessação.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

J (…), nascido em 13.12.934, intentou, em 12.12.2002, contra M (…), A (…) e M (…)   ação de investigação de paternidade, sob a forma de processo comum ordinário.

Pediu:

 Seja reconhecido como filho de A (…) já falecido, ordenando-se o necessário averbamento, no que respeita à paternidade e avoenga paterna, ao  seu registo de nascimento.

Para tanto alegou, em síntese:

Nasceu das relações sexuais havidas,  em exclusividade, entre sua mãe, M (…), e A (…)

Sendo que este sempre o tratou como se seu filho fosse.

Contestaram os Réus.

 Por exceção disseram que o Autor nasceu em 13/12/1934 tendo atingido a maioridade em 13 de Dezembro de 1955, verificando-se, assim, o decurso do prazo de caducidade atento o disposto no artº1817º, nº1, do CC e o disposto no artº19º do DL 47344, de 25/11, concluindo ter caducado em 31 de Maio de 1968 o direito do A. propor a ação de investigação de paternidade.

Por impugnação alegaram  não ser verdade que o A (…)  se tivesse relacionado sexualmente com a Mãe do autor e que o  tratasse como seu filho ou que se considerasse pai dele.

Replicou o autor.

Pugnando pela improcedência caducidade invocando para tanto o disposto no artº1817º, nº4 do CC.

Por despacho de fls.168 v. e 169  relegou-se  para final o conhecimento da exceção de caducidade.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos com vicissitudes várias, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Por todo o exposto, julgo totalmente procedente por provada a presente  acção e em consequência determino que o autor J (…) seja reconhecido como filho de A (…) para todos os legais efeitos, ordenando consequentemente o necessário averbamento no que respeita à paternidade e avoenga paterna, ao registo de nascimento do A.».

3.

Inconformados recorreram os réus.

Rematando as suas alegações com as seguintes, sintetizadas, conclusões:

(…)

Contra alegou o autor pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:
(…)
4.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica e metodologicamente,  as seguintes:

1ª – Caducidade do direito de propor a ação.
2ª -  Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
3ª– (Im)procedência da ação.

4.1.
Primeira questão.
4.1.1.
As razões justificativas dos institutos da prescrição e da caducidade, radicam na protecção da certeza e segurança do tráfico jurídico, da estabilidade das relações entre os membros da comunidade, por razões de garantia e de confiança necessárias ao desenvolvimento, progresso económico e paz social, na conveniência de se evitarem os riscos e inconvenientes de uma apreciação judicial a longa distância - principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos -  e, ainda, no fito da proteção do devedor evitando-se a onerosidade excessiva decorrente da exigência do pagamento a longo prazo, procurando-se assim obstar a situações de ruína económica – Baptista Machado, RLJ, 117º, 205, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 452, e Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 107º, pág. 285.
Numa outra perspetiva, pode dizer-se que o decurso dos prazos da prescrição ou da caducidade apresenta-se como uma reação ou sanção da ordem jurídica contra a inércia e o desinteresse do titular do direito, entendendo-se que ele já não pretende a sua tutela, considerando-se assim a ordem jurídica desobrigada de a prestar – cfr. Pessoa Jorge, ob. e loc. Cits e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1979, p.814 e sgs.
É assim comummente entendido que, por via de regra, em caso de conflito entre a proteção dos objetivos e valores pretendidos com tais institutos, e a concretização de outro fito da aplicação do direito, qual seja, a realização da justiça material do caso, impõe-se o sacrifício da justiça perante a segurança, exceto nos casos em que a injustiça do direito positivo atinja um tão alto grau que a segurança deixe de representar algo de positivo em confronto com esse grau de violação da justiça – cfr. Batista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.55 e sgs. (neste último trecho citando Radbruch) e Oliveira Ascensão, in O Direito, ed, Gulbenkian, 2ª ed., p.165 e sgs e  Ac. da Relação do Porto de 12.02.2008, dgsi.pt, p.0726212.
Por outro lado, o quid essencial diferenciador das figuras da prescrição e da caducidade é o seguinte:
A prescrição tem mais a ver com os direito subjetivos disponíveis propriamente ditos, pois que, e p. ex. não pode ser conhecida ex officio, é suscetível de renuncia e está sujeita a causas interruptivas e suspensivas.
A caducidade reporta-se mais a razões objetivas ditadas pela tutela do interesse social de definição das situações a que respeita, pelo que, por via de regra, o seu prazo não se suspende nem se interrompe – artº 328º do CC.
O momento para aferir da caducidade do direito e das normas que quanto a tal exceção se reportam e que têm de ser consideradas, é a data da prática do ato.
E sendo certo que, se for o caso de sucessão de leis no tempo, a regra é ade que a lei só dispõe para o futuro.
4.1.2.
No caso vertente.
4.1.2.1.
Vista a petição inicial verifica-se que o autor fundou a sua pretensão em dois fundamentos ou duas causas de pedir: a procriação  e a posse de estado.
Esta cumulação não é despicienda para o efeito que nos ocupa, pois que o prazo de caducidade é diferente para cada uma das causas – artº 1817º nº1 e 4 do CC na redação então vigente à data da propositura da ação – 2002.
Os réus disso se deram conta e  invocaram a caducidade do direito do autor ao abrigo do disposto no nº1 do artº 1817º do CC, na redação naquele ano vigente, que apenas permitia a propositura da ação de investigação nos dois anos posteriores à maioridade do investigante.
Destarte, consideraram que, tendo esta ocorrido em 1955, o autor, ao abrigo do disposto no artº 19º do DL 47334 que aprovou o atual CC, apenas poderia instaurar a ação até 31.05.1968.
Quanto ao prazo concedido pelo nº4 do artº 1817º, entenderam que o mesmo não pode ser concedido, pois que o A (…)  não tratou o autor como filho.
Ora no despacho saneador, e versus o expendido na sentença ora recorrida com base em Acordão desta relação de fls. 175 e sgs. do apenso B), o juiz tomou posição quanto à caducidade relativa ao fundamento procriação.
Pois que em tal despacho plasmou adrede:
«nos termos do  nº1 do artº 1817º do C. Civil…
Tendo o autor atingido a maioridade em 1955, teria caducado o direito do autor em intentar esta ação se fosse aplicável o citado nº1 do artº 1817º.
Porém, como refere o autor, o fundamento desta ação é o tratamento de filho que o pai dispensou ao longo da sua vida até à morte, sendo que a factualidade alegada para prova de tal fundamento foi impugnada.
Esta factualidade constitui a exceção prevista no nº4 do citado artigo 1817º…
A ser assim relega-se para decisão final o conhecimento da invocada exceção».
Ou seja, o juiz considerou – mal, como se viu – que o autor apenas invocou como causa petendi, o tratamento como filho, e não já a procriação.
Mas disse claramente que se tivesse sido invocada esta causa, o direito do autor estava prescrito.
Mas essa causa foi invocada, como se viu.
Pelo que, indireta e implicitamente, mas – que é o que interessa – em função do modo como o autor fundamentou a sua pretensão – ele pronunciou-se quanto à caducidade  do direito do autor  em instaurar a ação, tendo-a declarado.
Urge aqui uma palavra para a problemática da declaração/decisão tácita ou implícita.
Na verdade, tal como uma declaração negocial, também uma decisão ou um articulado da parte devem ser devidamente analisados e interpretados de sorte a que deles se retire o seu  real e verdadeiro fundamento, sentido e fito.
Nesta conformidade, o intérprete deve partir do texto e do seu sentido perfunctório, liminar e heurístico para, através de adequada hermenêutica jurídica alcançar o real e essencial pensamento, a ratio e teleologia do quid interpretando, pois que só assim se consecute a finalidade suprema a alcançar pela aplicação concreta do direito: a realização efetiva da justiça material – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 05.11.1998, p. 98B712 in dgsi.pt.
Este vislumbre último pode não advir, desde logo e como é preferível, da letra da declaração adrede consignada, sendo pois, por vezes, necessário efetivar um esforço hermenéutico/exegético para o alcançar, máxime se aquele verdadeiro fundamento e finalidade se indiciarem tácitos ou implícitos.
Ora: «A declaração negocial tácita deve deduzir-se de factos que  com toda a probabilidade a revelem» -artigo 217.º, n.º 1 do CC.
Assim: «a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido de auto regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade …A univocidade dos “facta concludentia” deve ser aferida por um critério prático que não de acordo com um critério estritamente lógico. Há que buscar um grau de probabilidade da vida da pessoa comum, de os factos serem praticados com determinado significado negocial.
 Já a autorização ou aceitação implícita não tem de se inferir de factos por inequivocamente se conter na declaração integrando-se na vontade que esta exprime» - Ac. do STJ de  01.07.2008, p. 08A1920 in dgsi.pt, citando Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed., 425.
Neste sentido, ainda, e mutatis mutandis: «Transitada em julgado a decisão que negou o juízo de inconstitucionalidade relativamente à norma do nº 1 do art. 1817º do CC, na sua actual redacção …e prosseguindo a acção exclusivamente para apreciação da caducidade em função do decurso ou não do prazo adicional de 3 anos previsto no art. 1817º, nº 3, al. c) …está precludida a possibilidade de ser retomada a questão da inconstitucionalidade daquele primeiro normativo, ainda que com invocação de outro fundamento jurídico» - Ac. do STJ de  28.05.2015, p. 2615/11.2TBBCL.G2.S1.
Nesta conformidade e voltando ao caso sub judice,  verifica-se que, ao invés do referido na sentença, alicerçado no Acordão supra referido – o qual, inclusive, não era necessáriamente invocável, nem releva, pois que ele não fez caso julgado quanto à presente questão, já  que o cerne do recurso do objeto do recurso que decidiu se reportava à admissibilidade do exame  ao ADN, o qual foi tido como admissível, quer a causa de pedir incluísse, ou não, a procriação -  existe uma decisão, pelo menos indireta e  implícita, quanto à existência de caducidade no âmbito do nº1 do artº 1817º do CC.
Até porque as partes foram notificadas deste despacho e nada disseram.
Poderiam/deveriam fazê-lo.
Na verdade, perante os termos algo dúbios, ademais alicerçados num entendimento – invocação apenas do fundamento «tratamento como filho» - que não estava conforme ao teor da pi, pois que neste outrossim se invocou a procriação, deveriam insurgir-se contra tal posição, ou, ao menos, requerer esclarecimentos sobre qual o verdadeiro alcance do decidido, ou esclarecendo eles a desconformidade/incongruência fáctica em que o julgador estava embrenhado.
Não o tendo feito, aceitaram a posição do julgador que, se fosse caso de aplicação do artº 1817º nº1, seria de declarar a caducidade, nos termos de tal preceito.
Mas como, na realidade, e perante o por elas alegado, a interpretação de tal norma estava em causa e era exigível, a pronúncia sobre a mesma nos termos referidos deve ter-se como efetiva, válida e eficaz.
Logo, a decisão quanto à existência da caducidade ao abrigo do nº1 do artº1817º, transitando em julgado, ficou, então, -  em 2003, quando ainda não se tinha levantado toda a polémica decorrente do Ac. do Tribunal Constitucional 23/2006, da Lei  14/2009 de 01.04 e do Ac. do TC 24/12 -  definitivamente assente.
Aliás, com a anuência do autor que, na réplica, admitiu a caducidade com fundamento na procriação, mas invocando  o tratamento como filho e o nº4 do artº 1817º para continuar com a sua pretensão.
Decorrentemente, e não obstante a declaração de inconstitucionalidade de tal segmento normativo pelo Ac. do TC nº23/2006, tal questão da caducidade, ao abrigo do artº 1817º nº1, ficou arrumada, pois que tal declaração não abrange os casos já julgadosartº 282º nº3 da Constituição e Ac. do STJ de 09.09.2010, p. 2799/08.7TBVCD.P1.S1.
Ou, noutra nuance e mutatis mutandis:
«Transitada em julgado a decisão que negou o juízo de inconstitucionalidade relativamente à norma do nº 1 do art. 1817º do CC, na sua actual redacção (em conexão com a norma do art. 1873º, respeitante ao prazo geral de caducidade da acção de investigação da paternidade) e prosseguindo a acção exclusivamente para apreciação da caducidade em função do decurso ou não do prazo adicional de 3 anos previsto no art. 1817º, nº 3, al. c) (conhecimento de factos supervenientes que justifiquem a propositura da acção), está precludida a possibilidade de ser retomada a questão da inconstitucionalidade daquele primeiro normativo, ainda que com invocação de outro fundamento jurídico.» - Ac. do STJ de 28.05.2015, p. 2615/11.2TBBCL.G2.S1.
E apenas prosseguindo a ação, para apreciação da caducidade, quanto aos factos atinentes à posse de estado, no pressuposto  de que eles estavam controvertidos, e, assim, tal questão apenas poder ser conhecida a final, após a produção de prova.
4.1.2.2.
Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda…
A questão da caducidade do artº 1817º do CC e dos respetivos prazos que lhe foram introduzidos, bem como a sub questão da sua (in)constitucionalidade, nas suas diversas redações, tem sido objeto de infindável controvérsia, principalmente em sede jurisprudencial.
Encontrando-se a jurisprudência  vg. do nosso mais Alto Tribunal Judicial, claramente dividida, tal como dimana das alegações e contra alegações de recurso neste processo e dos variadíssimos arestos  publicados sobre tal matéria, que podem ser consultados em diversas plataformas, vg. em dgsi.pt.
Assim e no sentido da sua constitucionalidade, na redação decorrente da lei 14/2009, cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 09.04.2013, p. 187/09.7TBPFR.P1.S1, de 03.04.2014, p. 5779/11.1TBVNG.P1.S1, de 15.05.2014, p. 3444/11.9TBTVD.L1.S1,  de 18.02.2015, p. 4293/10.7TBSTS.P1.S1 e de  28.05.2015, p. 2615/11.2TBBCL.G2.S1, todos in dgsi.pt.
No sentido da inconstitucionalidade, cfr., entre outros, os Acs. do STJ de  14.01.2014, p. 155/12.1TBVLC-A.P1.S1 e de 16.09.2014, p. 973/11.8TBBCL.G1.S1.  
Os argumentos a favor e contra a (in)constitucionalidade, estão exaustivamente plasmados e dilucidados em tais arestos, e noutros, bem como na doutrina neles citada, pelo que aqui, por economia de meios, se dispensa a sua repetição.
Brevitatis causa, importa dizer que se adere à tese da não inconstitucionalidade.
Na verdade, no nosso ordenamento jurídico inexistem direitos ou interesses que tenham um valor e magnitude tais que clamem a concessão de uma faculdade temporalmente ilimitada para os defender, com a correlativa postergação de qualquer prazo de caducidade ou prescrição.
Atente-se, vg. que mesmo na jurisdição processual penal, e no que tange à prescrição do procedimento criminal, existem prazos, findos os quais, mesmo no atinente à violação do bem pessoal máximo – direito à vida – não é possível instaurar tal procedimento.
Não se compreenderia assim que, em sede civilística, e mesmo no atinente a um relevante bem ou direito, qual seja, a definição da história e identidade pessoal, se eliminassem quaisquer prazos de exercício do direito.
Tudo com total desrespeito do valor jurídico da segurança, do trafego jurídico e em favorecimento e incentivo de eventuais e possíveis atuações cinicamente planeadas  e oportunistas, máxime na vertente da busca de vantagens patrimoniais.
Aqui como em outros campos, a boa opção passa por fixar um prazo que, razoável e sensatamente, opere o justo equilíbrio entre os direitos em presença – justiça e segurança.
Destarte, temos para nós que, na ponderação de tais interesses e direitos, os prazos consignados na redação do artº 1817º - vg. o de dois anos após a maioridade  previsto no nº1 -  vigente à data da presente ação, eram curtos, pecando por defeito.
Efetivamente a relevância do direito a definir – filiação biológica -  e a possível imaturidade, inexperiência e desconhecimento do titular do direito, poderiam descambar na não instauração da ação, com a inerente possível injustiça.
O que justifica a doutrina do Ac. do TC 23/2006  que declarou a inconstitucionalidade do concreto prazo de caducidade previsto no artº 1817º nº1 do CC.
Não obstante, como refere o recorrente e dimana de tal aresto, no mesmo não foi, nem poderia ser, declarada a inconstitucionalidade  da figura da caducidade para o exercício do direito de estabelecimento da filiação biológica ou de qualquer prazo de caducidade, mas antes e apenas foi declarada a inconstitucionalidade daquele concreto prazo de caducidade previsto no artº 1817º nº1 do CC.
Assim, declarada a inconstitucionalidade de tal prazo, emergiu uma lacuna quanto ao prazo de caducidade para o exercício do direito.
Devendo a situação ser regulada segundo a norma aplicável aos casos análogos – artº 10º do CC.
Sendo, assim, admissível que se defendesse a aplicação do prazo geral da prescrição de 20 anos previsto no artº 2019º do CC – cfr. Ac. RC de 10.01.2011, p. 146/08.7TBSAT.C1.
E uma vez que a jurisprudência não cria lei, esta lacuna foi suprida pelo legislador através da dita Lei 14/2009, fixando-se nesta o prazo do nº1 do artº 1817º em dez anos.
Ora se o prazo de dois anos, por escasso, se poderia prestar às críticas supra aludidas e ser violador de princípios constitucionais -  artigos 16.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição – já este prazo de dez anos se nos afigura, na esteira dos Acordãos atinentes supra referidos, e em função  de uma sensata e sagaz perspetivação dos interesses e direitos em presença, como adequado, proporcional e razoável, pelo que, e em conclusão, se não pode taxar de inconstitucional – cfr. Ac. RC de  28.01.2014, p. 779/10.1T2ETR.P1.C1.
Sendo este, aliás, a jurisprudência, senão unívoca, pelo menos maioritária, do Tribunal Constitucional.
Assim: «o novo regime resultante da redacção introduzida pela Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, alia a alta previsão do prazo previsto no nº 1 – um prazo geral de 10 anos – contado a partir do facto objectivo – a maioridade do investigante - com prazos especiais contados a partir de factos subjectivos, dependentes do conhecimento dos factos motivadores da propositura de uma acção de investigação. Esse prazo garante – na normalidade das coisas – ao pretenso filho o tempo de reflexão necessário para decidir sobre a eventual propositura da acção de investigação» . - Acórdão do TC nº 247/2012, de 22 de Maio de 2012.
Nesta conformidade e, sdr,. entendendo-se a tese dos arestos que continuam a defender a inexistência de qualquer prazo de caducidade, como juridicamente insustentável, considerando os elementos  sistemático, lógico e teleológico da hermenêutica jurídica, e, em termos práticos e de senso comum, como intoleravelmente extremista, em benefício do investigante, e arriscada, no sentido de que pode proporcionar atuações  materialistas e mais arredadas do comedido exercício do direito e da boa fé.
4.1.2.3.
Esgrime-se ainda com a inconstitucionalidade do artº 3º da mencionada lei quanto à sua aplicação ao processos pendentes.
Estatui tal preceito: «a presente lei aplica -se aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor».
Este normativo tem sido, outrossim, objeto de interpretações díspares por banda do STJ e do T. Constitucional, quanto à sua (In)constitucionalidade.
Na decisão   ora posta sub sursis invocou-se o Ac. do TC nº 24/212 no qual se plasmou:
« …a afetação negativa de direitos, para se furtar à censura constitucional, tem que cumprir outros requisitos para além do da proporcionalidade. Nomeadamente, o que consta do n.º 3 do artigo 18.º (da constituição) nos termos do qual as leis que afetem negativamente posições jurídicas subjetivas que tenham a natureza de direitos, liberdades e garantias não podem fazer retroagir, para o passado, os seus efeitos.
Ao dispor que a "presente lei se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor", está o artigo 3.º da Lei 14/2009 a determinar que o regime novo nela fixado quanto a prazos de caducidade de ações de investigação de paternidade valha também para eventos pretéritos.
Tanto basta para que se conclua pela sua inconstitucionalidade.»
No entanto, tal argumentação presta-se a fundadas críticas, como dimana dos votos de vencido de tal aresto, máxime dos Srs. Conselheiros Carlos Pamplona de Oliveira e Cura Mariano.
Na verdade, não se alcança qualquer afetação negativa aludida no Acordão, vg. a violação  dos princípios da confiança e da segurança jurídica.
Efetivamente, e como se expende no voto de vencido daquele Conselheiro: «A afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar».
Ora: «A intervenção do legislador no sentido da introdução de novos prazos de caducidade das ações de investigação da filiação nunca poderia ser configurada como uma normação inesperada… não pode afirmar-se que a decisão e os fundamentos do Acórdão 23/2006 fossem adequados a gerar a «expectativa» de que as ações de investigação da paternidade e maternidade deixariam, por imposição constitucional, de estar sujeitas a prazos de caducidade.»
É que: «mesmo perante uma jurisprudência - de resto, não consolidada - do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que as ações de investigação da paternidade não estariam sujeitas a qualquer prazo,…não existe um direito à manutenção da jurisprudência dos tribunais».
Ademais: «através do artigo 3.º da Lei 14/2009, a ordem jurídica trata de igual forma todos os casos pendentes à data da entrada em vigor da lei, não privilegiando os interessados que tivessem proposto a ação no lapso de tempo compreendido entre o Acórdão 23/2006 e essa entrada em vigor. A opção do legislador afigura-se assim idónea e justificada pela necessidade de dar tratamento igual a essas situações.»
Por outro lado, a norma do nº3 não pode qualificar-se como verdadeiramente retroativa, pois que:
«acaba por tocar em situações, direitos ou relações jurídicas desenvolvidos no passado, mas ainda existentes - caso em que se pode considerar a norma como meramente retrospetiva ou inautenticamente retroativa. De facto, a retrospetividade ou "retroatividade inautêntica" é uma situação que se verifica "quando a lei nova só reclama uma vigência ex nunc, ainda que com a virtualidade de afetar direitos que, embora constituídos no passado por força da lei anterior, prolongam os seus efeitos no presente»
Finalmente, corroboram-se os argumentos do Sr. Conselheiro Cura Mariano, quando expende que:
«há que ter presente que o disposto no n.º 3, do artigo 18.º, da Constituição, apenas impede o efeito retroativo das normas que venham a introduzir novas restrições, anteriormente não previstas, ou a proceder ao alargamento ou agravamento de restrições já consagradas por lei prévia.
Ora, para verificar esta condição de aplicação do referido parâmetro constitucional, há que ter presente a situação legislativa que a antecedeu e que provinha da redação inicial do Código Civil de 1966.
…a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, determinou a eliminação do universo jurídico, ab initio, daquela norma, nos termos do artigo 282.º, n.º 1, da Constituição.
E como a revogação da legislação anterior à aprovação da norma declarada inconstitucional, não foi por ela operada, tendo a norma revogatória inteira autonomia (o artigo 3.º, do Decreto-Lei 47344, de 25 de novembro de 1966), aquela eliminação não determinou a repristinação do disposto no artigo 37.º, do Decreto 2, de 25 de dezembro de 1910, que admitia que a ação de investigação de filiação pudesse ser ainda intentada no ano seguinte à morte dos pretenso progenitor, mas sim uma lacuna legislativa que importava preencher, desde logo pelos tribunais, nos termos do artigo 10.º, n.º 3, do Código Civil…
O facto do Supremo Tribunal de Justiça (ter considerado)…as ações de investigação de paternidade, durante este período,…imprescritíveis, não é suficiente para que se possa considerar que durante o período que antecedeu a aprovação da Lei 14/2009, de 1 de abril, vigorou um regime de absoluta imprescritibilidade do direito ao reconhecimento judicial da paternidade.
Estamos apenas perante pronúncias jurisprudenciais, com efeitos limitados aos casos concretos onde foram proferidas, cujo sentido é irrelevante para a caracterização da intervenção do legislador em 1 de abril de 2009.
Quando foi aprovada a Lei 14/2009, de 1 de abril, existia uma lacuna legislativa quanto ao prazo-regra de caducidade das ações de investigação de paternidade, a qual era suscetível de ser preenchida através de integração, nos termos do artigo 10.º, n.º 3, do C. Civil.
O legislador com a aprovação da Lei 14/2009, de 1 de abril, supriu essa lacuna, alterando a redação do artigo 1817.º, do C. Civil, de modo a criar um novo sistema de prazos de caducidade.
…a Lei 14/2009, de 1 de abril, …não veio introduzir novas restrições, anteriormente não previstas, nem procedeu ao alargamento ou agravamento de restrições já consagradas por lei prévia ao direito ao reconhecimento judicial da paternidade, mas, pelo contrário, desagravou significativamente a severidade do sistema de prazos de caducidade que vigorava anteriormente à sua aprovação.».
(sublinhado nosso).

Ou seja, e em síntese nuclear, a comparação do prazo estabelecido na Lei 14/2009, não pode ser efetivada com uma tendência jurisprudencial que pugnou pela inexistência de prazo de caducidade, porque, como se disse, os tribunais não criam lei geral e abstrata;  mas antes deve ser comparado com o prazo estabelecido pelo artº 1817º nº1 na redação afetada pela declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral pelo Ac. do TC 23/2006.

Por conseguinte, sendo o novo regime mais favorável, não se vê como se possa defender a proibição, com base na violação da confiança e da segurança, da sua aplicação numa retroatividade mitigada, ou seja, a processos pendentes em que a questão ainda não tenha sido decidida.

Tal interpretação levaria a injustiças comparativas gritantes, a saber:

 Os autores que instaurassem a ação já na vigência desta Lei 14/2009 apenas teriam direito ao prazo de dez anos.

Mas os que a tivessem instaurado ainda na vigência da redação primitiva do artº 1817º nº1, o qual estabelecia o prazo de apenas dois anos, e que era o que eles conheciam e com o que contavam, já este prazo não relevaria.

Nem sequer o prazo de dez anos da lei atual.

Mas antes se lhe atribuiria o direito inalienável e inelutável de, a todo o tempo, poderem instaurar a  ação.

Isto com base numa mera interpretação jurisprudencial, que vigorou, determinantemente, apenas cerca de três anos, e que nem sequer era pacífica.

É evidente a irrazoabilidade e a iniquidade  deste entendimento, o qual descambaria em gritantes injustiças comparativas.

Quando muito, e concedendo, tal apenas é defensável para processos instaurados no período que medeou entre a publicação da Ac. TC 23 /2006 e a Lei 14/2009 – cfr. Ac. da RC de 18.10.2011, p. 194/08.7TBAGN.C1.

Neste sentido se inclinando a jurisprudência mais recente do STJ, a saber:
« O facto de em certas acções de investigação da paternidade que se encontravam pendentes na data em que, com força obrigatória geral, foi declarada a inconstitucionalidade do preceituado no nº 1 do art. 1817º do CC (pelo Ac. do Trib. Const. publicado no D.R., I Série, de 8-2-06) e em acções instauradas entre a referida data e aquela em que entrou em vigor da Lei nº 14/09, de 1-4, ter sido reconhecido o direito de investigação da paternidade sem interferência de qualquer prazo de caducidade previsto em legislação ordinária, não determina a inconstitucionalidade do regime legal contido na actual redacção do art. 1817º, designadamente do seu nº 3, quando aplicado às acções de investigação da paternidade instauradas depois da entrada em vigor da Lei nº 14/09, por tal não importar violação do princípio da igualdade.» -  Ac. do STJ de 09.09.2010, p. 2799/08.7TBVCD.P1.S1.
Sendo ainda de atentar que:
«decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), que aceita a sujeição das acções de estabelecimento da filiação ao cumprimento de determinados pressupostos, entre eles a exigência de prazos, desde que não se tornem impeditivos do uso do meio de investigação em causa ou representem um ónus exagerado (assim se referiu no caso Mizzi c. Malta). A existência de um prazo limite para a instauração duma acção de reconhecimento judicial da paternidade não é, só por si, violadora da Convenção, importando verificar se a natureza, duração e características desse prazo resultam num justo equilíbrio entre o interesse do investigante em ver esclarecido um aspecto importante da sua identidade pessoal, o interesse do investigado e da sua família mais próxima em serem protegidos de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima ocorridos há já muito tempo, e o interesse público da estabilidade das relações jurídicas, sustenta a jurisprudência do TEDH.» - Ac. do STJ de  28.05.2015, p. 2615/11.2TBBCL.G2.S1.

4.1.2.4.

O caso vertente insere-se dentro desta inadmissibilidade.

Na verdade, o autor, e na ótica do fundamento da procriação, instaurou a ação em 2002,  vigorando e relevando então o prazo de dois anos após a maioridade,o qual o demandante conhecia e com o qual contava.

Era este, pois, o prazo que, nesse momento, relevaria e que teria de ser considerado se a questão fosse decidida antes do Ac. TC 23/2006.

Se o processo demorasse, como demorou, o autor teria, quando muito e em princípio, salvo, vg, afetação negativa por  superveniente pior do prazo de caducidade  do que o previsto aquando da instauração do processo, de ver decidida a questão de acordo com as alterações legislativas, ou jurisprudenciais com força obrigatória geral, que entretanto surgissem.

O autor começou por ser beneficiado pelo Ac. 23/2006, pelo que se a questão fosse decidida entre a publicação deste e a entrada em vigor da Lei 14/2009, seria defensável que se lhe atribuísse ganho de causa, na adoção da tese da imprescritibilidade.

Mas não o tendo sido – na perspetiva do Sr. Juiz a quo e das partes, que não a deste tribunal ad quem, como supra se viu -  e colocada apenas em apreciação já após a entrada em vigor desta Lei, então, e porque, como se demonstrou, a retroatividade imprópria ou mitigada,  ou retrospetividade, nela constante, não é inconstitucional, terá(ia) de ver decidia a questão em função do prazo de dez anos em tal diploma prevista.

Tudo, como se viu, sob pena de ilegalidade e injustiças relativas ou comparativas.
Ora podendo a ação ser proposta até maio de 1968 e tendo-o sido em 2002, obviamente que, por este fundamento da procriação, o direito de instaurar a ação estava mais do que caducado.
4.1.2.5.
Mas tendo o autor invocado outrossim a posse de estado, rectius o tratamento como filho, por banda do (…), resta apurar se, relativamente a este fundamento, a o seu direito à ação caducou, ou não.
Na verdade tal questão pode/deve ser abordada:
- quer à luz do disposto no artº 1817º nº 4 do CC, na redação vigente à data da instauração da ação, a saber: «se o investigante for tratado como filho pela pretensa mãe ( aqui pai, ex vi  do artº 1873º) sem que tenha cessado voluntariamente esse tratamento, a ação pode ser proposta até um ano posterior à data da morte daquela; tendo cessado voluntariamente o tratamento como filho, a ação pode ser proposta dentro do prazo de um ano a contar da data em que o tratamento tiver cessado»;
- quer perspetivando a sua atual redação, na parte aplicável, seja, o nº 3 al. b) : «a ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo referido no numero 1, de factos ou circunstancias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe».
Ora para que o investigante goze da presunção baseada na posse de estado, é necessário que se verifiquem, cumulativamente, três requisitos:
 a) A reputação como filho pelo pretenso pai;
 b) O tratamento como filho pelo pretenso pai;
 c) A reputação como filho pelo público.
A reputação como filho pelo pretenso pai consiste na convicção íntima que o pai tem de que determinada pessoa é seu filho.
O tratamento como filho pelo pretenso pai consiste em este dispensar à respetiva pessoa, os cuidados, o amparo, a proteção e o carinho que ao pais costumam dispensar aos filhos. Traduz-se em atos, concretos e objetivos, de assistência material, e atos de assistência  moral ou afetiva.
A reputação como filho pelo público consiste em este manifestar a sua convicção de que o investigante é filho da pessoa cuja paternidade investiga – cfr. Pereira Coelho, Filiação, 1978, p.116 a 119 e A. dos Reis, A Posse de Estado na Investigação da Paternidade Ilegítima, 1940, p. 11/12, Apud, Abílio Neto in CC Anotado, 2001, p.1517.
Os recorrentes insurgem-se quanto à prova dos factos vertidos nos quesitos 11º e 33º, o que, a terem ganho de causa, mais força dariam à sua pretensão.
Vejamos, porém, se, mesmo perante a prova de tais factos, os supra referidos requisitos se encontram, ou não, presentes.
Considerando as seguintes  respostas: «A (…) viveu toda a sua vida com a convicção de que o autor era seu  filho, (resposta ao item 33º da Base Instrutória), e « Na cidade de Viseu constava a partir do final da década de 40 do século passado  que o autor é filho de (…), (resposta ao item 39º da Base Instrutória).»,  conclui-se que os requisitos mencionados nas alíneas a) e c), «reputação como filho pelo pretenso pai» e «reputação como filho pelo público», estão verificados.
Mas quanto ao tratamento como filho pelo pretenso pai?
Quanto a este relevam, determinantemente, os formulados  quesitos 13) a 36.
Nestes perguntava-se, nuclearmente, se o pretenso pai (...):
- oferecia roupas ao autor;
- lhe pagou os estudos;
-  lhe arranjou empregos;
-  orientou-o e  auxiliou-o para a continuação dos estudos;
-  lhe dispensava uma mensalidade quando esteve no serviço militar;
-   interveio junto do Dr. (…) para o autor ingressar no BNU;
-  quando ingressou neste banco lhe comprou um fato novo;
-  encontrava-se com frequência com o A. para darem e receberem notícias da vida de cada um;
-  perguntava aos amigos e conhecidos «que era feito do seu filho J (...)»;
-  em privado e publico se referia ao autor como «seu filho J (...)»;
 -  aceitava que os seus amigos e conhecidos se referissem ao autor como sendo seu filho;
-  referiu a um amigo que estava a pensar incluir o autor no seu testamento;
-  quando esteve internado na casa de saúde pediu que chamassem o seu filho J (...).
Ora estes factos foram dados como não provados; e o autor  não se insurgiu contra esta não prova.
Temos assim que o convencimento sobre o tratamento, objetivo, como filho, do autor, por banda do (…), não se verificou.
Destarte não  emerge, in casu, a previsão de qualquer dos segmentos normativos citados.
Na verdade, mais do que a prova da cessação do tratamento como filho, a partir da qual se fixava o dies a quo do prazo da prescrição neles previsto, nem sequer se provou que tivesse existido – objetivamente, que é o que releva, e independentemente da prova da convicção do A. (...) como sendo pai do autor - tal tratamento.
Decorrentemente, o autor não pode beneficiar de tais prazo que têm como conditio sine qua non a existência do tratamento como filho e a sua cessação.
Em conclusão final: o autor instaurou a ação extemporaneamente quando o seu direito se encontrava já caducado, o que efetivamente se declara.
A caducidade assume-se como uma exceção perentória cuja verificação acarreta a absolvição do pedido- artº 576º nº3 do CPC.

6.
Sumariando:
I – Plasmando o juiz, no despacho saneador de ação de investigação de paternidade:«Tendo o autor atingido a maioridade em 1955, teria caducado o direito do autor em intentar esta ação se fosse aplicável o citado nº1 do artº 1817º», mas sendo aplicável este segmento normativo porque o autor invocou o facto procriação, deve ter-se por decidida e transitada a questão da caducidade ao abrigo do mesmo segmento.
II - O prazo de dez anos do nº1 do artº 1817º do CC não é inconstitucional, pois que, razoavelmente, opera o justo equilíbrio entre os direitos em presença: o direito do investigante à definição da sua identidade pessoal, e o direito do investigado e da sociedade à estabilidade vivencial e à paz jurídica.
III - O artº 3º da Lei 14/2009 de 01 de abril, que manda aplicar os novos prazos do artº 1817º aos processos pendentes, não é inconstitucional, por violação do artº 18º nº3 da Constituição, pois que tais prazos são mais favoráveis do que os prazos previstos neste preceito na sua anterior redação, e irrelevando a declaração de inconstitucionalidade destes, já que a jurisprudência não atribui direitos e não cria expectativas indefinidamente intocaveis.
IV - O autor que,  nascido em 1934, propõe a ação de investigação de paternidade em 2002,  tem o seu direito, invocado ao abrigo do disposto no artº 1817º nº1 do CC, caducado, pois que, no máximo, e atento o disposto no artº 19º do DL 47344 de 25.11, apenas a poderia instaurar até maio de 1968.
V - Para que o autor possa beneficiar do prazo de propositura da ação previsto na al. b)  do nº 3  do artº 1817º do CC, vg. com base na posse de estado, tem de provar esta posse, consubstanciada pelos seus três requisitos cumulativos:  a) A reputação como filho pelo pretenso pai; b) O tratamento como filho pelo pretenso pai; c) A reputação como filho pelo público, bem com a data da sua cessação.

7.
Deliberação.
Termos em que, na  verificação e declaração da caducidade do direito do autor em instaurar a ação, se julga o recurso procedente, e, consequentemente, se absolvem os réus do pedido.

Custas pelo autor.

Coimbra, 2015.09.08.

Carlos Moreira ( Relator )
Moreira do Carmo
Anabela Luna de Carvalho ( vencida conforme declaração )


Declaração de voto:
Com respeito pela decisão que fez vencimento, não a acompanho e, ao invés, manteria o decidido na 1.ª instância.
Pretende-se nestes autos, entre o mais, apurar se caducou o direito do Autor à investigação da sua paternidade.
A 1ª instância considerou tempestiva a ação.
O acórdão que faz vencimento e do qual divergimos, revoga tal decisão.
Está em causa a eventual inconstitucionalidade material do artigo 1817º nº1 do CC, na redação dada pela Lei 49/2009, porque limitador do exercício do direito de ação de investigação de paternidade (por força do artigo 1873º CC).
O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/2011 datado de 22/09/2011 decidiu:
“ Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação  do investigante”.
Contudo, nos tribunais superiores mantém-se a divergência jurisprudencial quanto a tal questão, como veremos.
Dispõe o art. 1817º nº 1 do Cód. Civil na redação dada pela Lei n.º 14/2009 de 1 de Abril que:
1 - A ação de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
2 - Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º, a ação pode ser proposta nos três anos seguintes à retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório.
3 - A ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:
a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante;
b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe;
c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.
4 - No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da ação.
Tal prazo aplica-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código.
Não se ignora que por opção ou por política legislativa as ações de investigação da paternidade têm estado historicamente sujeitas a um prazo de caducidade de intentar tal ação, em prol dos valores da segurança e da certeza jurídica.
 Na verdade, já o art. 130º, do CC de 1867, na redação intentada pelo Dec.- Lei 2, de 25.12.1910, estabelecia que tal ação só poderia ser intentada em vida do pretenso pai ou no ano seguinte ao seu falecimento.
O CC de 66 veio reduzir tal prazo, tendo fixado o prazo máximo de intentar a ação em dois anos, contados a partir da maioridade do investigante (art. 1817º, n.º 1, na redação referida, ex vi do art. 1873º, do CC). Tal norma foi, no entanto, declarada inconstitucional com força obrigatória e geral pelo Acórdão do TC 23/2006, de 08.02 (proc. 885/2005), embora deva esclarecer-se que a razão da apontada inconstitucionalidade não foi a da existência em si mesmo de um prazo de caducidade para o exercício do direito de investigar a paternidade biológica, mas antes da falta de razoabilidade do prazo que se encontrava estabelecido.
Na sequência desta decisão do Tribunal Constitucional criou-se um certo entendimento jurisprudencial maioritário, sobretudo ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, de que tais ações de investigação da paternidade deixariam de estar sujeitas a qualquer prazo de caducidade, seriam, por assim dizer, ações imprescritíveis, fazendo prevalecer de forma absoluta o direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade sobre os valores da segurança e da certeza jurídica, tendo, aliás, tal tribunal estendido mesmo esta máxima às próprias ações de impugnação da paternidade.
Uma outra interpretação jurisprudencial, embora minoritária, propendeu pela repristinação ou o renascimento do regime de caducidade do CC de 1867, na versão de 1910 – segundo o qual a ação de investigação da paternidade só podia ser intentada em vida do pretenso pai ou no ano seguinte ao seu falecimento – (vide neste sentido Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães 1513/07-1 de 11.10.2007, relatado por Espinheira Baltazar em dgsi.pt).
Com a nova redação do art. 1817º do C.Civ., mantendo o estabelecimento de prazos (não apenas o de 10 anos posteriores à maioridade ou emancipação) o legislador terá tido por objetivo conciliar os diversos interesses em presença, nomeadamente o interesse do filho à sua filiação como reflexo dos direitos constitucionais à constituição de família e à identidade pessoal e, o interesse do pretenso pai e família deste à segurança jurídica que advém do estabelecimento dum prazo.
Ainda assim, apesar do alargamento do prazo geral e do estabelecimento de prazos suplementares para situações igualmente dignas de tutela, e que vão para além daquele (nº 3 alªs a), b) e c) do art.1817), a jurisprudência mantém-se dividida quanto à sua conformidade com a Constituição.
 Efetivamente uma parte da jurisprudência continua a defender a imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade, invocando que a existência de prazo, qualquer que ele seja, para intentar uma ação desta natureza, é inconstitucional.
Tal jurisprudência apoia-se, em regra, na argumentação explanada no anterior Ac.do TC nº 23/06, de 08.02, que declarou inconstitucional o art. 1817º, n.º 1, do CC, na redação anterior à vigente (que previa o prazo de dois anos após a maioridade), nomeadamente no direito do filho ao apuramento da paternidade biológica com uma dimensão de “direito fundamental à identidade pessoal”, o que não se compagina com o estabelecimento de qualquer prazo.
Outra jurisprudência tem defendido a constitucionalidade de um prazo para a interposição de tais ações de investigação de paternidade, desde que o mesmo se mostre razoável, porquanto, importa simultaneamente prevenir situações de incerteza e de ameaça sobre o pretenso progenitor e os familiares deste, bem como situações de caça à herança paterna.
O acórdão que faz vencimento segue tal orientação.
O Tribunal Constitucional no Ac. nº 401/2011, decidido em plenário, pretende que, com a nova redação do art. 1817 se mostra assegurado o equilíbrio e salvaguarda dos diversos interesses que, à luz da Constituição, não se esgotam no direito à filiação.
Não obstante a nossa divergência de princípio, reconhecemos em tal Acórdão (relatado por Cura Mariano) uma clareza de exposição e abundância de argumentos que justificam uma transcrição, ainda que parcial, do mesmo:
Nele se lê, nomeadamente:
“7 — A questão da constitucionalidade da previsão de limites temporais à propositura da ação de investigação da paternidade
(…) Mas, já num plano geral, não é possível ignorar que a constituição e a determinação integral do vínculo de filiação, abrangendo ambos os progenitores, corresponde a um interesse de ordem pública, a um relevante princípio de organização jurídico-social. O dar eficácia jurídica ao vínculo genético da filiação, propiciando a localização perfeita do sujeito na zona mais nuclear do sistema das relações de parentesco, não se repercute apenas na relação pai-filho, tendo projeções externas a essa relação (v. g. em tema de impedimentos matrimoniais). É do interesse da ordem jurídica que o estado pessoal de alguém não esteja amputado desse dado essencial. Daí, além do mais, a consagração da averiguação oficiosa de paternidade (artigos 1864.º e seguintes). E importa que esse objetivo seja alcançado o mais rápido possível, numa fase ainda precoce da vida do filho, evitando -se um prolongamento injustificado de uma situação de indefinição na constituição jurídica da relação de filiação. É do interesse público que se estabeleça o mais breve que seja possível a correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica, fazendo funcionar o estatuto jurídico da filiação com todos os seus efeitos, duma forma estável e que acompanhe durante o maior tempo possível a vida dos seus sujeitos.
Este interesse também tem projeção na dimensão subjetiva, como segurança para o investigado e sua família. Não deixa de relevar que alguém a quem é imputada uma possível paternidade — vínculo de efeitos não só pessoais, como também patrimoniais — tem interesse em não ficar ilimitadamente sujeito à “ameaça”, que sobre ele pesa, de instauração da ação de investigação. Note-se que este interesse do suposto pai não é auto tutelável, uma vez que nas situações de dúvida a realização de testes científicos exige a colaboração do suposto filho, além de que nas situações de completo desconhecimento, apesar de não se registar uma vivência de incerteza, a propositura da ação de investigação potencialmente instaurada largos anos volvidos após a procriação é de molde a “apanhar de surpresa” o investigado e a sua família, com as inerentes perturbações e afetações sérias do direito à reserva da via privada. Também deste ponto de vista há razões para o legislador incentivar o exercício o mais cedo possível desse direito.
Ora, o meio, por excelência, para tutelar estes interesses atendíveis públicos e privados ligados à segurança jurídica, é precisamente a consagração de prazos de caducidade para o exercício do direito em causa. Esses prazos funcionam como um meio de induzir o titular do direito inerte ou relutante a exercê-lo com brevidade, não permitindo um prolongamento injustificado duma situação de indefinição, tendo deste modo uma função compulsória, pelo que são adequados à proteção dos apontados interesses, os quais também se fazem sentir nas relações de conteúdo pessoal, as quais, aliás, têm muitas vezes, como sucede na relação de filiação, importantes efeitos patrimoniais.
Apesar da inexistência de qualquer prazo de caducidade para as ações de investigação da paternidade, permitindo que alguém exerça numa fase tardia da sua vida um direito que anteriormente negligenciou, poder corresponder a um nível de proteção máximo do direito à identidade pessoal, isso não significa que essa tutela otimizada corresponda ao constitucionalmente exigido.
Como já vimos, o direito ao estabelecimento do vínculo da filiação não é um direito absoluto que não possa ser harmonizado com outros valores conflituantes, incumbindo ao legislador a escolha das formas de concretização do direito que, dentro das que se apresentem como respeitadoras da Constituição, se afigure mais adequada ao seu programa legislativo.
(…) Ao ter optado por proteger simultaneamente outros valores relevantes da vida jurídica através da consagração de prazos de caducidade, o legislador não desrespeitou, as fronteiras da suficiência da tutela, uma vez que essa limitação não impede o titular do direito de o exercer, impondo -lhe apenas o ónus de o exercer num determinado prazo.
É legítimo que o legislador estabeleça prazos para a propositura da respetiva ação de investigação da paternidade, de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada do investigante, não sendo injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incerteza indesejável.
Necessário é que esse prazo, pelas suas características, não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica.
(…)
8 — A questão da constitucionalidade do prazo previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil
O limite temporal em causa no presente recurso é o prazo de caducidade estabelecido no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável às ações de investigação de paternidade, por força da remissão constante do artigo 1873.º, n.º 1, do mesmo diploma, segundo o qual essas ações só podem ser propostas durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
Contudo, o alcance deste prazo só pode ser compreendido numa ponderação integrada do conjunto de prazos de caducidade estabelecidos nos diversos números do artigo 1817.º, do Código Civil.
Embora o disposto em todos estes preceitos não integre o objeto da questão de constitucionalidade que nos ocupa, o seu conteúdo não pode deixar de ser tido em consideração na apreciação da norma impugnada, uma vez que a sua eficácia flanqueadora tem interferência no alcance extintivo do prazo de caducidade sob fiscalização. Os efeitos da aplicação deste prazo, só podem ser medidos, na sua devida extensão, se ponderarmos também a latitude com que são admitidas, no regime envolvente daquela norma, causas que obstem à preclusão total da ação de investigação, por força do decurso do prazo geral de dez anos, após a maioridade.
Ora, enquanto no n.º 2 se estabeleceu que se não fosse possível estabelecer a maternidade em consequência de constar do registo maternidade determinada, a ação já podia ser proposta nos três anos seguintes à retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório, no n.º 3 permitiu-se que a ação ainda pudesse ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) e em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.
Como já acima se explicou, os prazos de três anos referidos nos transcritos n.º 2 e 3 do artigo 1817.º do Código Civil, contam-se para além do prazo fixado no n.º 1, do mesmo artigo, não caducando o direito de proposição da ação antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a ação é ainda exercitável dentro dos prazos previstos nos n.º 2 e 3; inversamente, a ultrapassagem destes prazos não obsta à instauração da ação, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação.
Isto significa que o prazo de dez anos após a maioridade ou emancipação previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil não funciona como um prazo cego, cujo decurso determine inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da paternidade, mas sim como um marco terminal de um período durante o qual não opera qualquer prazo de caducidade.
Verdadeiramente e apesar da formulação do preceito onde está inserido ele não é um autêntico prazo de caducidade, demarcando antes um período de tempo onde não permite que operem os verdadeiros prazos de caducidade consagrados nos n.º 2 e 3, do mesmo artigo.
Face ao melindre, à profundidade e às implicações que a decisão de instaurar a ação de investigação da paternidade reveste, entende-se que num período inicial após se atingir a maioridade ou a emancipação, em regra, não existe ainda um grau de maturidade, experiência de vida e autonomia que permita uma opção ponderada e suficientemente consolidada.
Apesar de na atual conjuntura a cada vez mais tardia inserção estável no mundo profissional poder acarretar falta de autonomia financeira, eventualmente desincentivadora de uma iniciativa, por exclusiva opção própria, a alegada falta de maturidade e experiência do investigante perde muito da sua evidência quando se reporta aos vinte e oito anos de idade, ou um pouco mais cedo nos casos de emancipação. Neste escalão etário, o indivíduo já estruturou a sua personalidade, em termos suficientemente firmes e já tem tipicamente uma experiência de vida que lhe permite situar-se autonomamente, sem dependências externas, na esfera relacional, mesmo quando se trata de tomar decisões, como esta, inteiramente fora do âmbito da gestão corrente de interesses.
O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, revela-se, pois, como suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração pelo filho duma ação de investigação da paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para sobre esse assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada.
Por estas razões cumpre concluir que a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando -se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante, não se afigura desproporcional, não violando os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico, abrangidos pelo direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artigo 26.º, n.º 1, e o direito a constituir família, previsto no artigo 36.º, n.º 1, ambos da Constituição” .
Apesar da douta argumentação de tal acórdão que, diga-se, e com todo o respeito, não nos vincula, divergimos do mesmo na medida em que, não concebemos a constitucionalidade de qualquer norma que estabeleça um prazo legal para que um filho possa investigar a verdade biológica da sua filiação, colocando assim tal questão num momento prévio.
Nessa medida, o nº 1 do artigo 1817º do C.Civ, na redação conferida pela Lei 14/2009, alargando o prazo de caducidade (de 2 para 10 anos) e prevendo prazos suplementares que flexibilizam aquele, ainda assim, porque mantém uma limitação temporal para a propositura da ação é, a nosso ver, inconstitucional, pois que restringe os princípios constitucionais consagrados nos artigos 18º nº 2, 26º nº 1 e 36º nº 1 da C.R.P, ou seja, configura uma restrição desproporcionada do direito à identidade das pessoas.
Efetivamente, a Constituição de 1976 reconheceu um “direito de constituir família” (artigo 36º, nº 1) impondo ao legislador a previsão de meios para o estabelecimento jurídico dos vínculos de filiação – os modos de perfilhar e a ação de investigação.
Por outro lado, ainda no domínio do direito da família, a Constituição proibiu a discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (artigo 36.º, n.º 4), não podendo os filhos nascidos fora do casamento serem desfavorecidos ao lhes serem limitadas excessivamente as possibilidades de estabelecimento da filiação.
Desse modo, o reconhecimento dos meios para estabelecer a paternidade ou maternidade deverá ter a maior abertura, tendencialmente, para não limitar em demasia as possibilidades de estabelecimento da filiação dos filhos nascidos fora do casamento, mediante a prova do vínculo biológico.
Mas o parâmetro constitucional mais significativo que se prende com o direito pessoal de investigar a sua paternidade encontra-se, no “direito à identidade pessoal”, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, que assim prescreve:
“A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação”
O direito da Autora ao apuramento da paternidade biológica configura uma dimensão deste direito fundamental.
O Tribunal Constitucional reafirmou no anterior Acórdão nº 23/06 de 10 de Janeiro (acórdão que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código) a existência de um interesse do filho, constitucionalmente protegido, a conhecer a identidade dos seus progenitores, como decorrência dos direitos fundamentais à identidade pessoal.
Citando, Guilherme de Oliveira: Impugnação da Paternidade, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Suplemento XX, Coimbra, 1973, pág. 193; em Separata, Coimbra, 1979, pág. 66, realça-se em tal acórdão que: “o conhecimento da ascendência verdadeira é um aspeto relevante da personalidade individual e uma condição de gozo pleno desses direitos fundamentais.”
E mais à frente:
 “(...) não se vê como possa deixar de pensar-se o direito a conhecer e ver reconhecido o pai (...) como uma das dimensões dos direitos constitucionais referidos, em especial do direito à identidade pessoal, ou das faculdades que nele vai implicada”.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, pág. 179, falam precisamente de um “direito à historicidade pessoal”.
Não sendo, embora, pacífica e deparando-se com jurisprudência divergente do Tribunal Superior, é hoje muito forte a opinião de que é inconstitucional a fixação de qualquer prazo para se poder intentar a ação de investigação, considerando o interesse protegido pela norma. E que, declarado inconstitucional o prazo de 2 anos para a caducidade do direito de ação de investigação da paternidade do artº 1817º, nº1 do CC, o novo prazo de 10 anos, estabelecido pelo artº 3º da Lei nº 14/09, de 01.04, é, também ele, inconstitucional. Isto porque limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito de conhecer a ascendência.
Podemos citar em apoio deste tese e a título de exemplo os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ambos in www.dgsi.pt:
Processo:    973/11.8TBBCL.G1.S1, (Relator: Helder Roque) datado de 16-09-2014, que decidiu:
“ (…) V - A norma constante do art. 1842.º, n.º 1, al. c), do CC, na dimensão interpretativa que prevê um prazo limitador da possibilidade do filho do marido da mãe propor, a todo o tempo, a ação de impugnação da paternidade, desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se que este último não era o seu pai biológico, é inconstitucional, por violação do direito à tutela judicial efetiva e, bem assim, como do preceituado pelos arts. 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP”.
Processo:155/12.1TBVLC-A.P1.S1, (Relator: Martins de Sousa), datado de 14-01-2014, assim sumariado:
“O art. 1817.º, n.º 1, do CC, na redação emergente da Lei n.º 14/2009, de 01-04, ao estabelecer o prazo de caducidade de 10 anos após a maioridade (ou emancipação) do investigante para a propositura da ação de investigação de paternidade (cf. art.1873.º) é inconstitucional, por violação dos arts. 18.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da CRP”.
Tal posição que temos vindo a acompanhar tem igualmente subjacente o reconhecimento de que o próprio Estado, tem também ele interesse na concretização da filiação biológica, pois que,  não é possível pensar o Estado sem esta forma de organização humana e social que é a família, sendo esta seu núcleo básico.
Deve, assim, dar-se por adquirido o reconhecimento na Constituição, como dimensão do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, de um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade.
Temos pois que, este direito ao conhecimento da paternidade ou maternidade biológica, às suas raízes familiares, consagrado no artigo 26º nº 1 como direito à identidade pessoal, tal como o direito a constituir família, consagrado no artigo 36º, têm ambos uma dimensão protegida na Constituição no seu patamar mais elevado dos direitos fundamentais.
Nesta linha ainda, o Acórdão do STJ de 10-01-2012 (nº193/09.1TBPTL.G1.S1) in www.dgsi.pt que, recuperando por sua vez a argumentação utilizada no Acórdão de 21-09-2010 (495/04.3TBOR.C.1.S.1), inspirada, no essencial nos fundamentos do Ac. do Tribunal Constitucional nº 23/2006, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral do n.º 1 do Art.º 1817º do C.C. (redação anterior à Lei 14/2009), na medida em que estabelecia um prazo de caducidade de 2 anos para a propositura da ação de investigação da paternidade, com o terminus a quo na maioridade do investigante, decidiu:
“I - O estabelecimento da paternidade insere-se no acervo dos direitos pessoalíssimos, entre os quais, o de conhecer e de ver reconhecida a verdade biológica da filiação, a ascendência e marca genética de cada pessoa”.
No seu corpo pode ler-se:
 “(…) apesar de a jurisprudência constitucional anterior ao Ac. 486/2004, ter sempre decidido pela constitucionalidade da fixação do prazo de caducidade estabelecido no citado preceito, a verdade é que se tem verificado «... uma progressiva, mas segura e significativa, alteração dos dados do problema constitucionalmente relevantes a favor do filho e da imprescritibilidade da ação, designadamente, com o impulso científico e social para o conhecimento das origens, os desenvolvimentos da genética, e a generalização dos testes genéticos de muita elevada fiabilidade. Esta alteração não deixa incólume o equilíbrio de interesses e direitos, constitucionalmente protegidos, alcançado há décadas, e sancionado também pela jurisprudência, empurrando-o claramente em favor do direito de conhecer a paternidade.” (…) “…nota-se também um movimento científico e social em direção ao conhecimento das origens, com desenvolvimentos da genética, nos últimos vinte anos, que tem acentuado a importância dos vínculos biológicos (mesmo se porventura com exagerado determinismo). O desejo de conhecer a ascendência biológica tem sido tão acentuado, que se assiste a movimentações no sentido de afastar o segredo sobre a identidade dos progenitores biológicos, mesmo nos casos de reprodução assistida.»
(…) Não se ignora que o Ac. n.º 23/2006, refugiando-se no princípio do pedido, afirmou que, no caso, “... está apenas em apreciação o prazo de dois anos a contar da maioridade ou emancipação e não a possibilidade de um qualquer outro limite temporal para a ação de investigação da paternidade” não constituindo, por isso, objeto do recurso de constitucionalidade, “apurar se a impossibilidade da ação corresponde à única solução constitucionalmente conforme ...”, acabou por não tomar posição direta sobre a referida imprescribilidade no seu segmento decisório, deixando, assim, margem para uma interpretação restritiva a permitir a substituição do prazo previsto no preceito declarado inconstitucional, por outro ou outros prazos mais alargados, como fez a Lei 14/2009, fazendo ressurgir a questão que a final, não ficou definitivamente resolvida.
Mas, por outro lado, considerando que o referido acórdão, acolhendo a argumentação do anterior Ac. 486/2004, confrontou e rejeitou a jurisprudência constitucional que até aí vinha sendo seguida, toda no sentido da conformidade constitucional do n.º 1 do Art.º 1817 do C.C., rebatendo-a nos seus fundamentos, ponto por ponto, com argumentação utilizada pelos defensores da não caducidade ou imprescritibilidade da ação de investigação da paternidade/maternidade, parece legítima a interpretação extensiva do dito aresto constitucional”.
Interpretação que tem implícita uma ideia de imprescritibilidade das ações quando esteja em causa o reconhecimento de paternidade ou maternidade, por respeito ao direito fundamental à identidade pessoal.
Assim sendo as restrições temporais não podem ser vistas como proporcionais.
Para os defensores de tal proporcionalidade importa ter em conta: - a segurança jurídica dos pretensos pai e herdeiros; - a perda ou “envelhecimento” das provas, e - o escopo “caça fortunas”.
Argumentos que a nosso ver não têm justificação bastante.
Vejamos:
Conflituando o direito ao conhecimento da ascendência e verdade biológica com a “tranquilidade” do suposto pai (ou dos herdeiros a defenderem interesses puramente patrimoniais) sempre deveria prevalecer o primeiro, já que, o mesmo se inscreve num direito de personalidade, socialmente tido como mais relevante, podendo ser criados legislativamente mecanismos de proteção relativamente à estabilidade do património a partir de certo período de tempo, ou recorrer-se à figura do abuso de direito como critério balanceador para equilibrar os interesses em presença. 
Países como a Itália, a Espanha e a Áustria, optaram pela imprescritibilidade das ações de investigação de paternidade, por considerarem que a procura do vínculo omisso do ascendente biológico é um valor que prevalece sobre quaisquer outros relativos ao pretenso progenitor.
Quanto ao chamado “envelhecimento das provas”, tal questão mostra-se totalmente ultrapassada mediante os avanços científicos.
Os exames de sangue e outros métodos cientificamente comprovados, sustentados no ADN, permitem com elevada fiabilidade a identificação de pessoas.
Na investigação de paternidade a fiabilidade é, de resto, quase total (superior a 99,99%). Ao contrário, se os perfis genéticos do filho e do presumível pai não coincidem em pelo menos dois dos indicadores submetidos à análise, a paternidade é improvável em 100%.
Assim, tal argumento não tem já qualquer atualidade.
Relativamente ao argumento “caça fortunas”, remetemo-nos para os mecanismos que o direito já contempla, como o do abuso do direito, a litigância de má-fé, etc., sem prejuízo de outros que a lei poderia vir a contemplar, com vista a prevenir tal escopo dispondo, por exemplo, a ineficácia patrimonial do estabelecimento da filiação em ação  intentada decorridos que fossem x anos após o conhecimento dos factos, ou quando se tornasse patente que o propósito que moveu a ação foi o da obtenção de benefícios patrimoniais.
Por fim, importa reforçar que o direito à verdade da filiação biológica não é só um direito do investigante, é também um interesse do Estado.
Como acima referimos, o próprio Estado tem também interesse na concretização da filiação biológica, não só porque,  não é possível pensar o Estado sem a família, sendo esta seu núcleo básico, mas também porque a ordem pública impõe o impedimento dirimente absoluto do casamento entre duas pessoas parentes na linha reta ou no segundo grau da linha colateral (artigo 1602.º do Código Civil), o que só pode ser averiguado e exercido se a filiação biológica for verdadeira.
Por isso, sempre que haja demonstração da paternidade biológica, também é do interesse do Estado e da sociedade o seu inevitável reconhecimento legal.
Assim, num possível conflito entre os argumentos a favor do filho e da imprescritibilidade da ação e, os argumentos  a favor da proteção do suposto progenitor e da caducidade, o peso daqueles é muito superior ao destes.
Aderindo, sem reservas, a estes princípios e à consagração do direito de qualquer pessoa a conhecer a sua ascendência e de estabelecer um vínculo biológico conducente ao estabelecimento de um vínculo jurídico, teremos de concluir, que o legislador não pode limitar o assentamento da filiação/identidade pessoal, através de prazos quaisquer que sejam.
Desse modo consideramos serem inconstitucionais os prazos estabelecidos nos artigos 1817º e 1873º do C.Civ, porque violam, de forma desproporcionada, os direitos fundamentais  consagrados nos art.ºs 16º n.º 1, 18º n.º 2 e 26º n.º 1 da C.R.P, devendo o direito dos filhos investigantes ser exercitável a todo o tempo, durante  a sua vida contra o suposto pai ou contra outros legitimados em seu lugar.
Por isso, não se aplica ao caso concreto a nova redação do n.º 1 do art.º 1817º do C.C., o que significa que a presente ação de investigação da paternidade não caducou, como bem decidiu a 1ª instância, sendo antes tempestiva,.
Em suma, são inconstitucionais os prazos estabelecidos nos artigos 1817º e 1873º do C.Civ, porque violam, de forma desproporcionada, os direitos fundamentais  consagrados nos art.ºs 16º n.º 1, 18º n.º 2 e 26º n.º 1 da C.R.P, devendo o direito dos filhos investigantes ser exercitável a todo o tempo, durante  a sua vida contra o suposto pai ou contra outros legitimados em seu lugar.
Assim decidiríamos.

                                                     
(Anabela Luna de Carvalho)