Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1320/11.4TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: SEGURO AUTOMÓVEL
ALIENAÇÃO
VEÍCULO
CADUCIDADE
DIREITO DE REGRESSO
Data do Acordão: 10/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DL Nº 291/2007 DE 21/8
Sumário: 1. Na responsabilidade civil automóvel, a obrigação de segurar recai, em primeira linha, sobre o proprietário do veículo, salvo nos casos de usufruto, venda com reserva de propriedade ou locação financeira, em que a obrigação recai sobre os respectivos beneficiários desses institutos ou contratos (art.º 6º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, de 21.8).

2. O seguro de responsabilidade civil automóvel caduca (cessa) às 24 horas do dia de alienação do veículo recaindo sobre o novo adquirente (ou terceiro, nos termos do n.º 2 do art.º 6º, do mesmo DL) a obrigação de celebrar novo contrato.

3. O facto do primitivo proprietário continuar a utilizar o veículo, por mero favor, tolerância ou cortesia, não faz renascer o contrato de seguro que cessou com a alienação, já que, após esta, seria obrigatória a outorga de novo seguro.

4. A cessação do contrato de seguro decorrente da mencionada alienação é oponível ao lesado, in casu, à seguradora obrigada a indemnizar prejuízos decorrentes do acidente em razão da cobertura de danos próprios, por tal alienação ter ocorrido antes da data do acidente (art.º 22º do DL 291/2007, de 21.8), sem prejuízo de, dada a falta de seguro válido e eficaz, na data do acidente, a mesma poder exercer o correspondente direito de regresso contra o responsável civil do acidente e sobre quem impenda a obrigação de segurar, que respondem solidariamente (art.º 51º, n.ºs 2 e 4, do mesmo DL).

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Companhia de Seguros A..., S. A., intentou, no Tribunal Judicial de Leiria, a presente acção declarativa com processo sumário contra B... Companhia de Seguros, S. A., e, subsidiariamente (art.º 31º-B do Código de Processo Civil/CPC), ML (…) e JC (…), pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 9 371,79, acrescida de juros de mora contados da citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que no âmbito de um contrato de seguro de danos próprios pagou à proprietária do veículo de matrícula 52-73-TB a quantia de € 9 371,79 para reparação dos danos emergentes de um embate ocorrido por culpa exclusiva da Ré ML (…), condutora do veículo de matrícula 21-56-VM, seguro na Ré B...; porém, esta comunicou que o seguro em causa não era válido à data do acidente, em virtude da alienação do veículo VM ao Réu JC (…) em data anterior à do sinistro.

Contestando, a Ré B... alegou que à data do sinistro já não segurava o veículo VM e impugnou os factos relativos à produção do alegado evento e aos danos sobrevindos; a Ré ML (…) invocou a sua ilegitimidade por não ter sido demandado o respectivo cônjuge, apresentou perspectiva contrária sobre a dinâmica e a responsabilidade pelo sinistro e concluiu pela existência de seguro válido e eficaz celebrado com a Ré B.... Concluíram as Rés pela sua absolvição do pedido.

O Réu JC (…), devidamente citado, não contestou.

A A. respondeu e concluiu pela improcedência da matéria de excepção; prevenindo entendimento contrário, requereu a intervenção principal provocada de JA (…), marido da Ré ML (…)

Admitida a intervenção principal provocada, e devidamente citado para os termos da acção, o interveniente nada disse.

Foi proferido despacho saneador (tabelar) e seleccionada a matéria de facto (assente e controvertida), modificada na sequência da reclamação de fls. 191.

Efectuado o julgamento, o Tribunal julgou a acção procedente, condenando a Ré B... a pagar à A. a quantia de € 9 371,79, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, e decidiu absolver da instância os Réus ML (…) e JC (…) e o interveniente JÁ (…), por serem “partes ilegítimas” na acção.

Inconformada, a Ré B... interpôs a presente apelação, formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:

1ª - A apelante havia celebrado com ML (…) um contrato de seguro pelo qual segurava o veículo de matrícula 21-56-VM, titulado pela apólice 0045.10.027811.

2ª - Em 14.3.2008 operou-se a transmissão, para terceiros, do veículo VM.

3ª - Em 19.3.2008 o veículo VM foi interveniente num acidente.

4ª - À data do acidente, por motivo da dita transmissão de propriedade, o supra mencionado contrato de seguro não se encontrava em vigor - o veículo VM não tinha seguro válido, pelo que a apelante não responde pelos danos causados por este veículo a terceiros.

            Rematou a alegação pugnando pela revogação da sentença e a sua absolvição do pedido.

A A. e a Ré ML (…) responderam à alegação da recorrente concluindo pela improcedência do recurso; para a hipótese de procedência, e atendendo à matéria provada e ao peticionado a título subsidiário, a A. concluiu, ainda, pela condenação dos demandados subsidiários.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir: a) da (in)existência de seguro automóvel, válido e eficaz à data do sinistro, por força da alienação anterior do veículo por parte do titular da apólice; b) eventual direito de regresso contra os demandados subsidiários.


*

II. 1. A 1ªinstância deu como provados os seguintes factos:

a) A A. exerce a actividade seguradora. (A)

b) Na missiva, datada de 02.5.2008, endereçada à segurada da A., a B... Portugal – Companhia de Seguros, S. A., veio declinar a responsabilidade pelo pagamento de qualquer indemnização, alegando, para o efeito, “(…) se ter verificado alienação do objecto seguro anterior à data do sinistro” – cf. fls. 38. (B e C)[1]

c) Ao que acresce, a declaração, contida na missiva endereçada pelo proprietário do veículo VM à A., na qual afirmou que “(…) a viatura acidentada tinha sido por mim adquirida 2/3 dias antes do acidente, tendo sido acordado com a sua anterior proprietária (ML (…), pessoa que tinha a viatura na sua posse e que a conduzia no dia do acidente) que a entrega da viatura seria feita, a seu pedido, no 19.3.2008 (o próprio dia do acidente), procedendo-se então à alteração do contrato de seguro.” (D e E)

d) Da certidão do registo automóvel resulta a transmissão da propriedade do veículo 21-56-VM a favor de JC (…) averbada com a data de 14.3.2008. (F e G)

e) No exercício da sua actividade, a A. celebrou com a sociedade comercial C... S. A., proprietária do veículo ligeiro de passageiros de marca “BMW”, modelo “346L”, com a matrícula 52-73-TB, um contrato de seguro com cobertura de danos próprios, referente a esse mesmo veículo, titulado pela apólice n.º 001774670. (1º)

f) Através desse contrato a referida sociedade comercial transferiu para a A. a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo TB, o qual se encontrava válido e eficaz à data do acidente que infra se descreve. (2º)

g) O acidente de viação, em causa nos presentes autos, foi participado à A. pela segurada, e, em virtude do contrato de seguro celebrado, a A. indemnizou os danos materiais resultantes do mesmo. (3º)

h) No dia 19.3.2008, pelas 20.45 horas, ao km 116,620 do IC2, na zona denominada Vale do Gracioso, da freguesia de Azóia, concelho de Leiria, ocorreu um acidente de viação, que envolveu o veículo TB, à data conduzido por L (…), e o veículo VM, propriedade de JC (…), à data conduzido por ML (…)(2ª e 1ª Co-Réus subsidiários). (4º)

i) O local do acidente configura um entroncamento de boa visibilidade, de plano ligeiramente inclinado no sentido sul - norte. (5º)

j) O trânsito efectua-se por uma via em cada sentido, com uma faixa de rodagem de 11,70 metros de largura, incluídas linhas delimitadoras de passeio e bermas. (6º)

k) A estrada é asfaltada, em patamar de bom piso, com baia central para mudança de direcção para a esquerda no sentido da marcha do veículo VM. (7º)

l) Neste circunstancialismo, o veículo TB circulava no IC2, no sentido Batalha – Leiria. (8º)

m) O seu condutor seguia com total atenção ao trânsito e às demais condições da via, rigorosamente pela sua hemi-faixa, atento o seu sentido de marcha, circulando a velocidade inferior a 60 km/h. (9º)

n) Em sentido contrário, circulava o veículo VM e dois outros veículos. (10º)

o) Na aproximação ao referido entroncamento, o condutor do veículo TB avistou os três veículos que seguiam no sentido oposto ao da sua marcha, com a intenção de atravessar a faixa de rodagem. (11º)

p) Pelo que, abrandou a velocidade, de modo a dar tempo a que os mesmos mudassem de direcção para a esquerda. (12º)

q) Nesse preciso momento a condutora do veículo VM - o terceiro dos veículos, pela ordem da marcha no sentido oposto ao veículo TB -, que circulava desfasada dos demais, imobilizou o veículo VM e cedeu a passagem ao veículo TB. (13º e 14º)

r) Sem que nada o fizesse prever, no momento que o veículo TB já se encontrava junto do entroncamento, o veículo VM invadiu a via do sentido contrário (a hemi-faixa em que circulava o veículo TB). (15º)

s). Acto contínuo, o veículo VM atravessou-se, imediatamente, em frente ao veículo TB e colidiu frontalmente com o veículo seguro pela A.. (16º e 17º)

t) Do embate resultaram danos patrimoniais no veículo TB, tendo necessitado das peças melhor discriminadas no documento junto a fls. 29. (18º e 19º)

u) O custo da reparação dos referidos danos ascendeu a € 9 371,79 (nove mil trezentos e setenta e um euros e setenta e nove cêntimos), que foi pago pela A.., razão pela qual, a segurada – beneficiária de um contrato de seguro automóvel com cobertura de danos próprios – veio declarar “(…) exonerar a Companhia de Seguros A... de toda e qualquer responsabilidade que diga respeito ao mesmo sinistro, subrogando-a nos correspondentes direitos, acções e recursos”. (20º e 21º)

v) Da participação de acidente de viação constam, devidamente identificados, os veículos intervenientes no sinistro, os respectivos condutores, bem como as correspondentes apólices de seguros, com a menção expressa da respectiva validade (“data de início”/”data do fim” da apólice). (22º)

w) Em 17.7.2003, a Ré B... celebrou com ML (…)um contrato de seguro do ramo automóvel tendo por objecto o veículo ligeiro de passageiros de marca BMW e com a matrícula 21-56-VM, titulado pela apólice 0045.10.027811. (23º, 24º e 25º)

x) Razão pela qual a Ré B... pagou à referida ML (…) os danos ocorridos no veículo seguro em virtude do acidente supra referido. (26º)

y) À hora em que o acidente ocorreu e tendo em conta a época do ano, as viaturas já circulavam com as luzes ligadas, pois estava a anoitecer. (32º)

z) A condutora do veículo VM, ao aproximar-se do cruzamento e porque pretendia virar à esquerda, ocupou a via mais à esquerda da hemi-faixa de rodagem em que circulava. (33º)

aa) O veículo da Ré era o único que se encontrava parado no dito entroncamento a aguardar a passagem do veículo TB, para depois virar à esquerda, na direcção da Golpilheira. (36º)

bb) Em consequência do embate, a viatura VM foi projectada para trás, até se imobilizar na berma da hemi-faixa de rodagem em que inicialmente circulava, tal como consta na participação do acidente. (42º)

cc) Já a viatura TB, totalmente desgovernada, acabou por se imobilizar na hemi-faixa de rodagem em que circulava, depois de o separador central, tal como consta na participação do acidente. (43º)

dd) A sinalização vertical ali afixada, encontrava-se derrubada. (resposta ao art.º 44º)

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Face ao expendido nos autos e aos factos dados como provados, não se questiona que o demandado JC (…) é/era proprietário do veículo segurado, matrícula 21-56-VM, e da certidão do registo automóvel resulta a transmissão de tal viatura a seu favor, averbada com a data de 14.3.2008 [o registo funciona como mera presunção de propriedade, por força do disposto no art.º 7º do Código do Registo Predial, ex vi do art.º 29º do DL 54/75, de 24.02, que não foi ilidida].

Em 17.7.2003, a Ré B... celebrou com a Ré ML (…) um contrato de seguro do ramo automóvel tendo por objecto a viatura VM, titulado pela apólice 0045.10.027811 [cf. II. 1. d), h) e w), supra].

O sinistro que motivou o pagamento da indemnização em causa ocorreu no dia 19.3.2008, o veículo VM era então tripulado pela Ré ML (…) (anterior proprietária).

“Declarou” o Réu JC (…) ter acordado com a anterior proprietária da viatura VM (a Ré ML (…)) que a entrega seria feita, a seu pedido, no dia 19.3.2008, procedendo-se então à alteração do contrato de seguro [cf. II 1. alínea c), supra].

Perante a descrita factualidade, dúvidas não restam de que, em data não posterior a 14.3.2008, ocorreu uma alienação do veículo VM que a recorrida ML (…) havia garantido através do mencionado contrato de seguro com início em 17.7.2003, e, na sequência da aludida alienação e no indicado lapso de tempo (14.3.2008 a 19.3.2008), a ML (…) (tomadora do seguro) não decidiu utilizar esse seguro (inicial) para segurar novo veículo, nem o JC (…) (novo proprietário) veio a celebrar novo contrato de seguro.

3. Aplica-se à situação em análise o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.8 (cf. os art.ºs 94º e 95º do referido DL).

Face à configuração normativa dada pela sentença recorrida e tendo presente o objecto do recurso, importa citar as seguintes normas deste diploma:

Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do presente decreto-lei (art.º 4º, n.º 1/”obrigação de seguro”).

A obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a obrigação recai, respectivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário. Se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no presente decreto-lei, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior (art.º 6º, n.ºs 1 e 2/”sujeitos da obrigação de segurar”).

O contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas do próprio dia da alienação, salvo se for utilizado pelo tomador do seguro inicial para segurar novo veículo (art.º 21º, n.º 1/ “alienação do veículo”).

O titular da apólice avisa a empresa de seguros por escrito, no prazo de vinte e quatro horas, da alienação do veículo. Na falta de cumprimento da obrigação prevista no número anterior, a empresa de seguros tem direito a uma indemnização de valor igual ao montante do prémio correspondente ao período de tempo que decorre entre o momento da alienação do veículo e o termo da anuidade do seguro em que esta se verifique, sem prejuízo de o contrato ter cessado os seus efeitos nos termos do disposto no n.º 1. O aviso referido no n.º 2 deve ser acompanhado do certificado provisório do seguro, do certificado de responsabilidade civil ou do aviso-recibo e do certificado internacional («carta verde») (n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo art.º).

4. Decorre do referido regime jurídico, por um lado, que a obrigação de segurar recai, em primeira linha, sobre o proprietário do veículo, salvo nos casos de usufruto, venda com reserva de propriedade ou locação financeira, em que a obrigação recai sobre os respectivos beneficiários desses institutos ou contratos, e,  por outro lado, que o contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas da data da alienação.

Ou seja, existindo um seguro válido e eficaz, se o veículo for vendido, doado ou, por qualquer outra forma, alienado, caduca no prazo referido, recaindo sobre o adquirente (em qualquer das modalidades do n.º 1 do art.º 6º) a obrigação de celebrar novo contrato, por ter cessado a responsabilidade da primitiva seguradora, constante da primeira apólice.[2]

5. No caso em análise, o veículo foi alienado pela primitiva tomadora do seguro, que o tinha celebrado na sua qualidade de proprietária.

E o novo dono não demonstrou ter outorgado novo contrato (mesmo por outrem) apesar da cessação do primeiro, resultante da transferência de propriedade.

O facto da primitiva dona ter usado o veículo no período que antecedeu o embate (e já depois da transmissão da propriedade) não basta para manter o seguro que, reafirma-se, perdeu a sua vigência com a alienação.

Ademais, o que a lei pretende é que o seguro seja tomado por quem tem uma efectiva e permanente ligação ao veículo, que não por qualquer pessoa que o utilize, v. g., em circunstâncias de mero favor, tolerância ou cortesia de quem tem um direito sobre o veículo, designadamente do elenco do n.º 1 do art.º 6º do DL n.º 291/97, de 21.8.[3]

Neste circunstancialismo, o contrato de seguro celebrado pela Ré ML (…) cessou os seus efeitos no dia da alienação do veículo VM, nos termos do art.º 21º, do DL 291/2007, de 21.8.

Assim, tudo tem de passar-se como se o contrato de seguro em causa não estivesse realmente em vigor à data do acidente, não podendo, por isso, a Ré seguradora ser responsabilizada pelo pagamento/reembolso da importância peticionada pela A..

6. Recorrente e recorridas não põem em causa o evento, a culpa na produção do sinistro (a culpa exclusiva da condutora do VM, nos termos do art.º 483º, n.º 1, do Código Civil), os danos e o nexo causal, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

Porém, a cessação do contrato de seguro decorrente da mencionada alienação é oponível, pela Ré/recorrente B..., aos lesados, in casu, à seguradora A., obrigada a indemnizar a sua segurada pelos prejuízos decorrentes do acidente para a viatura TB, em razão da cobertura de danos próprios, por tal alienação ter ocorrido antes da data do acidente em questão (art.º 22º do DL 291/2007, de 21.8)[4], sem prejuízo de, dada a falta de seguro válido e eficaz, na data do acidente, poder a A. exercer o correspondente direito de regresso contra o responsável civil do acidente e sobre quem impenda a obrigação de segurar, que respondem solidariamente (art.º 51º, n.ºs 2 e 4, do mesmo DL)[5].

Daí a responsabilidade dos demandados a título subsidiário (art.º 31º-B, do CPC) pelo pagamento à A. da importância reclamada nos autos, correspondente ao valor da indemnização paga à sua segurada pelos prejuízos decorrentes do acidente causado pela condutora do veículo VM [cf. II. 1. alínea u), supra], propriedade do segundo co-réu subsidiário.[6]

Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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III. Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revogando a sentença, decide-se absolver do pedido a Ré B... - Companhia de Seguros, S. A., e condenar os co-réus ML (…) e JC (…) solidariamente, a pagar à A. a quantia de € 9 371,79 (nove mil trezentos e setenta e um euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

            Custas pelos co-réus ML (…) e JC (…).


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22.10.2013


Fonte Ramos ( Relator )

Maria Inês Moura

Fernando Monteiro


[1] Rectificou-se tendo em conta o teor da referida carta.
[2] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 08.5.2003-processo 03B810, 24.10.2006-processo 06A3021, 09.01.2007-processo 06A4434 e 29.4.2010-processo 191/07. OTBCBR.C1.S2, da RP de 25.3.2010-processo 332/08.0TBETR.P1 e 16.01.2012-processo 182/08.3TBVLP.P1 e da RL de 26.02.2013-processo 5202/11.1TBSXL.L1-7, publicados no “site” da dgsi (o primeiro, também, na CJ-STJ, XI, 2, 42).
[3] Cf., neste sentido, o cit. acórdão do STJ de 29.4.2010-processo 191/07. OTBCBR.C1.S2.
  Vide, designadamente, Adriano Garção Soares, e Outros, Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Almedina, 1997, págs. 13 e seguintes (anotação a idênticos normativos do DL n.º 522/85, de 31.12).
[4] Preceitua o referido art.º: “Para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente decreto-lei, a empresa de seguros apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do n.º 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do acidente.”

[5] O art.º 51º (com a epígrafe “limites especiais à responsabilidade do Fundo”) dispõe:

1 — Caso o acidente previsto nos artigos 48.º e 49.º seja também de trabalho ou de serviço, o Fundo só responde por danos materiais e, relativamente ao dano corporal, pelos danos não patrimoniais e os danos patrimoniais não abrangidos pela lei da reparação daqueles acidentes, incumbindo, conforme os casos, às empresas de seguros, ao empregador ou ao Fundo de Acidentes de Trabalho as demais prestações devidas aos lesados nos termos da lei específica de acidentes de trabalho ou de serviço, salvo inexistência do seguro de acidentes de trabalho, caso em que o FGA apenas não responde pelas prestações devidas a título de invalidez permanente.

2 — Se o lesado por acidente previsto nos artigos 48.º e 49.º beneficiar da cobertura de um contrato de seguro automóvel de danos próprios, a reparação dos danos do acidente que sejam subsumíveis nos respectivos contratos incumbe às empresas de seguros, ficando a responsabilidade do Fundo limitada ao pagamento do valor excedente.

3 — Quando, por virtude de acidente previsto nos artigos 48.º e 49.º, o lesado tenha direito a prestações ao abrigo do sistema de protecção da segurança social, o Fundo só garante a reparação dos danos na parte em que estes ultrapassem aquelas prestações.

4 — As entidades que satisfaçam os pagamentos previstos nos números anteriores têm direito de regresso contra o responsável civil do acidente e sobre quem impenda a obrigação de segurar, que respondem solidariamente.

5 — O lesado pelo acidente previsto nos artigos 48.º e 49.º não pode cumular as indemnizações a que tenha direito a título de responsabilidade civil automóvel e de beneficiário de prestações indemnizatórias ao abrigo de seguro de pessoas transportadas.

6 — O pagamento pela empresa de seguros da indemnização prevista no n.º 2 não dá, em si, lugar a alteração de prémio do respectivo seguro quando o dano reparado for da exclusiva responsabilidade do interveniente sem seguro.”

Idêntica é a estatuição do art.º 54º do mesmo diploma legal, no tocante à sub-rogação do Fundo de Garantia Automóvel (maxime, nos seus n.ºs 1 e 3).
[6] Tem aqui inteira aplicação o entendimento segundo o qual os poderes de cognição da Relação incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer (cf. o acórdão do STJ de 25.01.2000, in BMJ, 493º, 344).