Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6/1999.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXTINÇÃO
SUSPENSÃO
ACÇÃO EXECUTIVA
Data do Acordão: 11/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 88º DO CIRE.
Sumário: I – O artº 88º do CIRE, na 1ª parte do seu nº 1, dispõe que “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência”.

II - Se, por um lado, no dito preceito, a expressão “determina a suspensão” logo aponta para que a declaração de insolvência do executado não implique a extinção da instância, por outro lado, também não se vislumbra que a lide executiva, em função de tal declaração, se revele inútil ou impossível, levando à aplicação da regra geral constante do artº 287, alínea e), do CPC.

III - A sentença que declare a insolvência de executado não é causa de impossibilidade superveniente da lide susceptível de levar à extinção da instância executiva, antes é determinante da suspensão da execução até ao encerramento do processo de insolvência, dado poder haver situações que justifiquem o seu prosseguimento (n.º 1 do art.º 88.º do CIRE).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) - A “C…, S.A.”, com sede em Coimbra, intentou, em 07/01/1999, no Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, contra “V…, S.A.”, J… e mulher, S…, execução para pagamento de quantia certa.

2) - No processo de recuperação de empresa que correu termos, com o nº …, relativamente à executada “V…, S.A.”, foi aprovada medida de reestruturação financeira que veio a ser homologada por despacho de 03/11/1999, que transitou em julgado.

3) - A exequente, veio, relativamente à penhora dos bens da executada “V…, SA”, apresentar desistência (requerimento de 21/6/2002), que veio a ser admitida por despacho de 26/6/2002.

4) - Por despacho de 21/03/2011, que se louvou no disposto no artº 88ºdo CIRE[1] e na certificação da declaração da insolvência dos executados J… e mulher, S…, declarou-se a suspensão da instância.

5) - Em 03/01/2012, foi proferido o despacho que ora se reproduz, na parte que aqui releva:

«Os executados foram declarados insolventes por sentenças transitadas em julgado. Não foi requerida a apensação destes autos à insolvência.

Assim, nenhuma utilidade tem o prosseguimento destes autos, uma vez que a exequente tem necessariamente de reclamar o seu crédito no processo de insolvência, por força do princípio da universalidade ou plenitude da instância falimentar.

Face ao exposto, julgo extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide. Cfr. art.º s 919 e 287 al. e) do CPC.».

B) - Inconformada, a exequente recorreu do aludido despacho que julgou extinta a instância - recurso esse que veio a ser admitido como agravo, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo (fls. 619) - oferecendo, a terminar a respectiva alegação, as seguintes conclusões:

...

Terminou pugnando pela revogação do despacho recorrido.

C) - As questões:

 Em face do disposto nos art.ºs 684º, nºs. 3 e 4, 690º, nº 1 do CPC [2] (aplicáveis ao agravo, “ex vi” do art.º 749º do mesmo Código), o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [3]).

A questão que cumpre solucionar no presente recurso é a de saber se a mera declaração de insolvência do executado determina a extinção da instância executiva, por inutilidade superveniente da lide.

II - A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I-A “supra”.

B) - O artº 88º do CIRE, na 1ª parte do seu nº 1, dispõe que “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência”.

Se, por um lado, no preceito que se acabou de transcrever, a expressão “determina a suspensão” logo aponta para que a declaração de insolvência do executado não implique a extinção da instância, por outro lado, também não se vislumbra que a lide, em função de tal declaração, se revele inútil ou impossível, levando à aplicação da regra geral constante do artº 287, alínea e), do CPC.

A propósito de questão idêntica que aí se suscitava, escreveu-se no Acórdão da Relação do Porto, de 19/04/2012 (Apelação nº 8425/10.7YYPRT.P1)[4]: «…para que a extinção das execuções estivesse justificada era necessário que o processo de insolvência se limitasse a ser um processo de liquidação do activo e, como decorre do CIRE, o processo de insolvência não tem necessariamente de prosseguir para a fase da liquidação podendo ser aprovado um plano de insolvência regulado nos artigos 192º a 222º, que é previsto como meio alternativo para a insolvência, em paralelo com a liquidação do activo e partilha do respectivo produto.

Por outro lado, é o próprio CIRE que expressamente consagra a possibilidade de prosseguimento das execuções pendentes contra o insolvente, após o encerramento do processo. Este é declarado pelo juiz, nos termos do art. 230º, quando se verifique alguma das situações previstas nas suas alíneas (realização do rateio final; após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, a pedido do devedor, quando deixe de estar em situação de insolvência ou quando todos os credores prestem o seu consentimento e quando o administrador constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo as restantes dividas da massa insolvente).

Assim o artigo 233º, n.º 1, al. c) prevê como um dos efeitos do encerramento do processo de insolvência que os credores recuperam a possibilidade de fazer seguir ações executivas e instaurar novas execuções, com as restrições constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamento (cf. neste sentido Menezes Leitão, CIRE Anotado, pág.129).

Temos, pois, da interpretação conjugada destes artigos 88º e 233º que o efeito imediato da declaração sobre as execuções pendentes contra o insolvente é a suspensão e não a extinção por inutilidade superveniente.».

Assim, bem se sintetizou no Acórdão desta Relação de Coimbra, de 26/10/2010 (Apelação nº 169/08.6TBVLF-F.C1)[5], ao dizer-se: “A sentença que declare a insolvência de executado não é causa de impossibilidade superveniente da lide susceptível de levar à extinção da instância executiva, antes é determinante da suspensão da execução até ao encerramento do processo de insolvência, dado poder haver situações que justifiquem o seu prosseguimento (n.º 1 do art.º 88.º do CIRE).”.

Concordando-se, plenamente, com o entendimento que se acaba de expor, perfilhado, aliás, por outros acórdãos dos tribunais das Relações[6], há que concluir que, também no caso “sub judice” a declaração de insolvência dos executados determinava apenas a suspensão da instância executiva - como se decidiu, aliás no despacho de 21/03/2011 - e não a extinção desta, não ocorrendo, designadamente, inutilidade ou impossibilidade da lide.

Do exposto resulta, pois, que a decisão impugnada não pode subsistir, sendo, pois, de a revogar.

III - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em dar provimento ao agravo e revogar o despacho impugnado, mantendo-se a suspensão da instância decretada no despacho de 21/03/2011.

Sem custas.


(Luís José Falcão de Magalhães -Relator)

(Sílvia Maria Pereira Pires)

(Henrique Ataíde Rosa Antunes)



[1] Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
[2] Sendo de aplicar o regime de recursos anterior ao que foi introduzido pelo DL n.º 303/07, de 24/08, haverá que considerar, por outro lado, no que concerne às normas do processo executivo, não serem convocáveis, no caso “sub judice”, as alterações do DL n.º 226/2008, de 20/11, já que este diploma - com algumas excepções (v.g. n.º 6 do artigo 833.º -B, alínea c) do n.º 1 do artigo 919.º e n.º 5 do artigo 920.º) - apenas é aplicável aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, em 31/3/2009 (art.ºs 22º, nº 1 e 23º).
[3] Consultáveis na “Internet”, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf, tal como todos os Acórdãos do STJ, ou os respectivos sumários, que adiante forem citados sem referência de publicação.
[4] Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.
[5] Consultável, tal como os demais acórdãos desta Relação de Coimbra que vierem a ser citados sem referência de publicação, em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.

[6] Cfr., designadamente, o acórdão desta Relação de Coimbra, de 03/11/2009, (Apelação nº 68/08.1 TBVLF-B.C1), citado nas alegações da Apelante.