Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | EMPREITADA DE CONSUMO DEFEITOS ÓNUS DA PROVA PRESUNÇÃO LEGAL | ||
Data do Acordão: | 11/20/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 3º JUÍZO CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 342º E 1207º DO C. CIV.; LEI Nº 24/96, DE 31/7; DL Nº 67/2003, DE 8/4. | ||
Sumário: | 1. Deve qualificar-se como contrato de empreitada para consumo aquele em que a Autora (pessoa singular) acordou com a Ré (empresa de captação de água) a execução, num terreno daquela, de um furo de captação de água para fins domésticos, mediante um preço, sendo todo o material necessário fornecido pela empreiteira. 2. O contrato de empreitada de consumo está submetido ao regime especial da legislação proteccionista do Direito do Consumo, aplicando-se, por isso, para além da LDC (Lei nº 24/96, de 31/7), o DL nº 67/2003, de 8/4, cujo art.1º, nº 2 determina que o diploma é aplicável, com as necessárias adaptações, “aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir “, abrangendo as empreitadas de coisas móveis ou imóveis. 3. Compete ao autor o ónus de alegar e provar o defeito, ou seja, a falta de conformidade (art. 342º, nº1 do CC), tanto para o direito civil comum, como para a legislação específica da tutela do consumidor, bastando, para o efeito, a comprovação de uma das alíneas do nº 2 do art.2º (presunção juris tantum de falta de conformidade) do DL nº 67/2003 de 8/4. 4. O dono da obra não tem de demonstrar a causa do defeito. 5. Provando-se que, após concluída a execução da obra, o furo debitou água, nos termos acordados, mas passados meses e de forma repentina, a bomba não mais trabalhou, por haver caído dentro do furo, e deixar de captar água, sem que se apurasse a causa, verifica-se a presunção de falta de conformidade das alíneas c) e d) do nº 2 do DL nº 67/2003, com a consequente responsabilização da empreiteira. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO 1.1.- A Autora – D (…) – instaurou (20/10/2005) na Comarca de Leiria acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra a Ré – S (…), LDA. Alegou, em resumo: Em 5/8/2003, a Autora acordou com a Ré a execução de um furo de captação de água, pronto a ser utilizado e a garantia de fornecimento de água, pelo preço de € 39.300,00, com a garantia de 10 anos contra a deficiência. E caso não existisse a quantidade mínima de água acordada, 12 m3 por dia, a Autora pagaria apenas 50% do valor total da perfuração. A Ré concluiu as obras em meados de 2004, altura em que o furo começou a debitar água, tendo a Autora pago o preço. Porém, passados poucos meses, de modo repentino, o furo inexplicavelmente deixou de debitar água. Comunicada a avaria, a Ré deslocou-se ao local mas não conseguiu retirar a bomba e repará-la, por não a ter colocado devidamente e desde a data referida nunca mais o furo debitou água. Em consequência da privação da água, a Autora sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais. Pediu a condenação da Ré: a). A repor o furo com os mecanismos de extracção de água a funcionar e de modo que passe a debitar água em termos normais como o fazia antes das avarias, anomalias, defeitos, erros ou falhas ocorridas e de modo seguro que possa ser, em qualquer momento, quando ocorrer avarias ou falhas, reparado ou a abrir um outro furo no mesmo local do avariado, de novo, com as mesmas características, especificidades, qualidades e garantias contidas no contrato celebrado entre a Autora e a Ré. b). Para o caso de a Ré não fazer nada do que anteriormente se peticiona, no prazo de 6 meses, tempo reputado adequado e bastante para o efeito de reparar o furo de modo a dar água normalmente e com segurança e de modo a poder ser reparado, se acaso ocorrer qualquer anomalia, ou de abrir outro de novo tudo nos termos atrás peticionados, deve a Ré em alternativa ser condenada a restituir à Autora o dinheiro por esta pago no montante de € 39.300,00, com juros legais desde Junho de 2005, data em que lhe deu a escolher para reparar o furo ou fazer outro de novo ou restituir as quantias pagas e acrescido da licença paga pela autora no montante de € 126,98; c). Em ambos os casos sempre a pagar à Autora a quantia de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos com juros legais desde a citação até integral pagamento.
Contestou a Ré, defendendo-se, em síntese: O desprendimento da bomba e consequente queda ao fundo do furo foi causado pela actuação da Autora que, sem consultar previamente a Ré, alterou a configuração da canalização, com um circuito fechado da passagem da água, o que originou uma sobrecarga de pressão da bomba e sobreaquecimento da tubagem. Quando executou os trabalhos, criou as condições para a bomba poder ser retirada a qualquer momento, caso se mostrasse necessário. O seu desprendimento não ficou a dever-se à má execução, ao desrespeito por parte da Autora das instruções que lhe haviam sido dadas. Com os trabalhos de execução do furo e a tentar retirar o grupo submersível do fundo do duro, gastou € 9.167,57. Concluiu pela improcedência da acção e em reconvenção pediu a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de € 9.167,57, acrescida de juros de mora desde a citação da reconvenção e até integral pagamento.
Replicou a Autora, contraditando a reconvenção. No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância. 1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu: a). Julgar a acção parcialmente procedente e condenar a Ré a repor, no prazo de 60 dias, após o trânsito em julgado da sentença, o furo com os mecanismos de extracção de água a funcionar e de modo que passe a debitar água em termos normais ou a abrir um novo furo no mesmo local do avariado, com as mesmas características, especificidades, qualidades e garantias contidas no contrato celebrado entre a autora e a ré, no mais se absolvendo a ré do pedido. b). Julgar improcedente a reconvenção e absolver a Autora do pedido reconvencional.
1.3. - Inconformada, a Ré recorreu de apelação, com as seguintes conclusões: … Contra-alegou a Autora, no sentido da improcedência do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – Objecto do recurso: A qualificação do contrato como de empreitada de consumo e o regime legal do DL nº 67/2003 de 8/4; O cumprimento defeituoso (falta de conformidade, presunção legal e direito à reparação). 2.2. – Os factos provados (descritos na sentença): … 2.3. - A qualificação do contrato: Todo o negócio jurídico deve ser pontualmente cumprido e no cumprimento das obrigações como no exercício do direito correspondente devem as partes procederem de boa fé (arts.406º, nº1 e 762º, nº 2 do CC). O principal direito do dono da obra traduz-se no direito de exigir do empreiteiro a obtenção do resultado a que este se obrigou e como contrapolo a sua obrigação principal consubstanciada no pagamento do preço acordado, já que a retribuição é um elemento essencial do contrato. Diz o art.4º nº1 do DL nº 67/2003 – “Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”. Acresce o direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos, nos termos do art.12º, nº1 da Lei nº24/96 de 31/7. Perante o defeito da coisa (conceito funcional), o consumidor tem o direito à reparação, à substituição, à redução do preço, à resolução, e à indemnização. Muito embora a obrigação de conformidade com o contrato decorra já dos princípios gerais e do regime legal do contrato de compra e venda e de empreitada no Código Civil (arts.406, 763, 1208) e da própria Lei de Defesa do Consumidor (art.4º), ela é expressamente imposta no art. 2º, nº1 do DL nº67/2003, pois “o vendedor (leia-se empreiteiro) tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda (empreitada)”. Por sua vez, o nº 2 do art. 2º do DL 67/2003 consagra determinados “factos-índices” de não conformidade, de tal forma que se comprovados presume-se a desconformidade (presunção juris tantum). As faltas de conformidade devem existir no momento da entrega do bem ao consumidor, presumindo-se existentes já nessa data caso se manifestem num prazo de dois ou cinco anos, a contar da entrega de coisa móvel ou imóvel, respectivamente (art. 3º nºs 1 e 2 do DL nº 67/2003). Verifica-se identidade na noção de defeito no regime da compra e venda e na empreitada, podendo decompor-se em “deformidade” e “vício“. O vício apresenta-se como “deficiência ou alteração na forma, na estrutura da composição da coisa que resulta da sua concepção, execução, produção, fabrico”, e a deformidade como desvio relativamente ao acordo das partes”. No fundo, em qualquer caso, o defeito resulta de dois aspectos: desvio relativamente ao acordo das partes, nomeadamente quanto a qualidades especiais da coisa; vício que ponha em causa (ainda que parcialmente) a finalidade da coisa (P. MARTINEZ, “Compra e venda e empreitada”, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol.III, pág.246). Noutra perspectiva, adopta-se um “conceito funcional de defeito” em que se “privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina”, a partir de uma concepção subjectiva de defeito (as partes determinaram no contrato as características fundamentais da coisa e o fim) ou de uma concepção objectiva (função normal das coisas da mesma categoria) - cf. CALVÃO DA SILVA, Compra e venda de Coisas Defeituosas, 4ª ed., pág.42 e segs.. Segundo a “teoria da norma” e porque facto constitutivo do direito, compete ao autor o ónus de alegar e provar o defeito, ou seja, a falta de conformidade (art.342º, nº 1 do CC), tanto para o direito civil comum, como para a legislação específica da tutela do consumidor (cf., por ex., PEDRO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, pág.273 e segs.; Ac STJ de 21/5/2002, C.J. ano X, tomo II, pág.85, Ac STJ de 11/10/2007, de 15/2/2005, disponíveis em www dgsi.pt.). A este propósito, refere CALVÃO DA SILVA que “a prova da falta de conformidade, vale dizer, a não correspondência do bem recebido ao bem convencionado, cabe ao comprador, com a ajuda, na falta de cláusulas específicas, das presunções do nº2 do art.2º, demonstrando as qualidades ou características que as ditaram para se considerarem devidas” (Venda de Bens de Consumo, 3ª ed., pág.74). Mas o dono da obra, na empreitada (tal como o comprador) não tem de demonstrar a causa do defeito, mas sim o empreiteiro, visto ser quem está em melhores condições (cf., por ex., P.MARTINEZ, loc. cit., pág.359, CURA MARIANO, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, 2ª ed., pág.76). O art.2º nº2 do DL nº67/2003 positiva presunções legais (juris tantum) de desconformidade, logo, presunções da verificação de defeito, na acepção já definida, entre as quais figuram as das alíneas c) e d) - utilizações habituais, qualidades normais e expectativas razoáveis do consumidor. Na verdade, não assiste à Apelante a quantia peticionada, em sede reconvencional, quer a título dos gastos com a tentativa de reparação, por ser responsável pela falta de conformidade e porque a reparação é “sem encargos” para o consumidor (cf. art.4º, nº1 do DL 67/2003), quer a título de retribuição (preço), em dívida, pela empreitada, já que, face às respostas restritivas aos quesitos 30º e e 31º, a Ré não provou sequer qual o valor. 3.- Compete ao autor o ónus de alegar e provar o defeito, ou seja, a falta de conformidade (art.342º, nº1 do CC), tanto para o direito civil comum, como para a legislação específica da tutela do consumidor, bastando, para o efeito, a comprovação de uma das alíneas do nº 2 do art.2º (presunção juris tantum de falta de conformidade) do DL nº 67/2003 de 8/4. 4.- O dono da obra não tem de demonstrar a causa do defeito. III – DECISÃO Pelo exposto, decidem:1) Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.2) Condenar a Apelante nas custas.Jorge Arcanjo (Relator) Teles Pereira Manuel Capelo |