Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6646/05.3TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: EMPREITADA DE CONSUMO
DEFEITOS
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO LEGAL
Data do Acordão: 11/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 342º E 1207º DO C. CIV.; LEI Nº 24/96, DE 31/7; DL Nº 67/2003, DE 8/4.
Sumário: 1. Deve qualificar-se como contrato de empreitada para consumo aquele em que a Autora (pessoa singular) acordou com a Ré (empresa de captação de água) a execução, num terreno daquela, de um furo de captação de água para fins domésticos, mediante um preço, sendo todo o material necessário fornecido pela empreiteira.

2. O contrato de empreitada de consumo está submetido ao regime especial da legislação proteccionista do Direito do Consumo, aplicando-se, por isso, para além da LDC (Lei nº 24/96, de 31/7), o DL nº 67/2003, de 8/4, cujo art.1º, nº 2 determina que o diploma é aplicável, com as necessárias adaptações, “aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir “, abrangendo as empreitadas de coisas móveis ou imóveis.

3. Compete ao autor o ónus de alegar e provar o defeito, ou seja, a falta de conformidade (art. 342º, nº1 do CC), tanto para o direito civil comum, como para a legislação específica da tutela do consumidor, bastando, para o efeito, a comprovação de uma das alíneas do nº 2 do art.2º (presunção juris tantum de falta de conformidade) do DL nº 67/2003 de 8/4.

4. O dono da obra não tem de demonstrar a causa do defeito.

5. Provando-se que, após concluída a execução da obra, o furo debitou água, nos termos acordados, mas passados meses e de forma repentina, a bomba não mais trabalhou, por haver caído dentro do furo, e deixar de captar água, sem que se apurasse a causa, verifica-se a presunção de falta de conformidade das alíneas c) e d) do nº 2 do DL nº 67/2003, com a consequente responsabilização da empreiteira.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1.- A Autora – D (…) – instaurou (20/10/2005) na Comarca de Leiria acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra a Ré – S (…), LDA.

Alegou, em resumo:

Em 5/8/2003, a Autora acordou com a Ré a execução de um furo de captação de água, pronto a ser utilizado e a garantia de fornecimento de água, pelo preço de € 39.300,00, com a garantia de 10 anos contra a deficiência. E caso não existisse a quantidade mínima de água acordada, 12 m3 por dia, a Autora pagaria apenas 50% do valor total da perfuração.

A Ré concluiu as obras em meados de 2004, altura em que o furo começou a debitar água, tendo a Autora pago o preço.

Porém, passados poucos meses, de modo repentino, o furo inexplicavelmente deixou de debitar água.

Comunicada a avaria, a Ré deslocou-se ao local mas não conseguiu retirar a bomba e repará-la, por não a ter colocado devidamente e desde a data referida nunca mais o furo debitou água.

Em consequência da privação da água, a Autora sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.

Pediu a condenação da Ré:

a). A repor o furo com os mecanismos de extracção de água a funcionar e de modo que passe a debitar água em termos normais como o fazia antes das avarias, anomalias, defeitos, erros ou falhas ocorridas

e de modo seguro que possa ser, em qualquer momento, quando ocorrer avarias ou falhas, reparado ou a abrir um outro furo no mesmo local do avariado, de novo, com as mesmas características, especificidades, qualidades e garantias contidas no contrato celebrado entre a Autora e a Ré.

b). Para o caso de a Ré não fazer nada do que anteriormente se peticiona, no prazo de 6 meses, tempo reputado adequado e bastante para o efeito de reparar o furo de modo a dar água normalmente e com segurança e de modo a poder ser reparado, se acaso ocorrer qualquer anomalia, ou de abrir outro de novo tudo nos termos atrás peticionados, deve a Ré em alternativa ser condenada a restituir à Autora o dinheiro por esta pago no montante de € 39.300,00, com juros legais desde Junho de 2005, data em que lhe deu a escolher para reparar o furo ou fazer outro de novo ou restituir as quantias pagas e acrescido da licença paga pela autora no montante de € 126,98;

c). Em ambos os casos sempre a pagar à Autora a quantia de € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos com juros legais desde a citação até integral pagamento.

         Contestou a Ré, defendendo-se, em síntese:

         O desprendimento da bomba e consequente queda ao fundo do furo foi causado pela actuação da Autora que, sem consultar previamente a Ré, alterou a configuração da canalização, com um circuito fechado da passagem da água, o que originou uma sobrecarga de pressão da bomba e sobreaquecimento da tubagem.

Quando executou os trabalhos, criou as condições para a bomba poder ser retirada a qualquer momento, caso se mostrasse necessário. O seu desprendimento não ficou a dever-se à má execução, ao desrespeito por parte da Autora das instruções que lhe haviam sido dadas.

Com os trabalhos de execução do furo e a tentar retirar o grupo submersível do fundo do duro, gastou € 9.167,57.

Concluiu pela improcedência da acção e em reconvenção pediu a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de € 9.167,57, acrescida de juros de mora desde a citação da reconvenção e até integral pagamento.

Replicou a Autora, contraditando a reconvenção.

         No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância.

         1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:

         a). Julgar a acção parcialmente procedente e condenar a Ré a repor, no prazo de 60 dias, após o trânsito em julgado da sentença, o furo com os mecanismos de extracção de água a funcionar e de modo que passe a debitar água em termos normais ou a abrir um novo furo no mesmo local do avariado, com as mesmas características, especificidades, qualidades e garantias contidas no contrato celebrado entre a autora e a ré, no mais se absolvendo a ré do pedido.

b). Julgar improcedente a reconvenção e absolver a Autora do pedido reconvencional.

1.3. - Inconformada, a Ré recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:

         Contra-alegou a Autora, no sentido da improcedência do recurso.


II – FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. – Objecto do recurso:
A qualificação do contrato como de empreitada de consumo e o regime legal do DL nº 67/2003 de 8/4;
O cumprimento defeituoso (falta de conformidade, presunção legal e direito à reparação).

         2.2. – Os factos provados (descritos na sentença):

2.3. - A qualificação do contrato:
Considerando a definição legal do contrato de empreitada, postulada no art.1207 do CC, resulta como elementos essenciais a realização de uma obra e a retribuição.
Ao discorrer sobre a noção de empreitada, ANTUNES VARELA (RLJ ano 121, pág.183 e segs., em anotação ao Ac STJ de 5/11/83) escreve a dado passo: “ A obra que define a causa típica ou função económico-social da empreitada, refere-se ao acto que o empreiteiro se obrigou a realizar (à construção ou à pintura da casa, à limpeza do armazém, ao alargamento da estrada, à reparação da viatura, etc.) e não à coisa sobre a qual o acto incide. Mesmo quando a empreitada tenha por objecto a construção de um imóvel ou o fabrico de uma coisa móvel – é na construção ou no fabrico e não no imóvel ou na coisa móvel, que reside a obra do empreiteiro “.
Por conseguinte, é na caracterização do acto, enquanto resultado material, exercido com autonomia, e não como mero serviço pessoal dependente, que reside o traço distintivo de outros contratos, sendo que a realização da obra importa não só a construção ou criação, como a reparação, modificação ou demolição de uma coisa.
Comprovando-se que a Ré se obrigou a executar no prédio da Autora um furo de captação de água, pronto a ser utilizado, mediante o preço global de € 39.300,00, estamos perante um contrato de empreitada, como, de resto, o designaram as partes no documento de fls.9.
O facto de haverem acordado que todo o material necessário à construção da obra era fornecido pela Ré, não significa que seja de qualificar como contrato misto de compra e venda e prestação da obra, já que o fornecimento de materiais se revela como um simples meio para a feitura da obra.
Neste sentido, afirma PEDRO MARTINEZ “deve qualificar-se como de empreitada o contrato em que o subministro de material constitui um meio para a realização da obra “ (Compra e venda e Empreitada, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol. III, pág.243); no plano jurisprudencial, cf. Ac.s STJ de 9/6/2005 (proc. nº 05B1396), de 20/10/2009 (proc. nº 146/2001), em www dgsi.pt.
Coloca-se a questão de saber se se trata de um contrato de empreitada de consumo, submetido ao regime do DL nº 67/2003 de 8/4.
A Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96 de 31/7, rectificada pela Declaração de rectificação nº 16/96 de 13/11, alterada pela Lei nº 85/98, de 16/12 e pelo DL nº 67/2003, de 8/4), que funciona como lei-quadro em sede de Direito do Consumidor, define o consumidor como “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
O conceito operatório de consumidor postula, assim, a verificação de quatro elementos: o elemento subjectivo (“todo aquele”), o elemento objectivo (“a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços e transmitidos direitos”), o elemento teleológico (“destinados a uso não profissional”) e o elemento relacional (“pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”) - cf. JORGE CARVALHO, Os Contratos de Consumo, pág. 26 e segs..
Tem-se entendido que a LDC acolheu a noção estrita de consumidor, a mais relevante no Direito Comunitário, como a pessoa singular que adquire um bem ou serviço para uso não profissional, ou seja, uso privado, com vista à satisfação das necessidades pessoais ou familiares, ou seja, com um fim alheio ao âmbito da sua actividade profissional, sendo que a contraparte do consumidor será sempre pessoa singular ou colectiva que exerce, com carácter empresarial, uma actividade económica.
Não é difícil, perante os elementos factuais apurados, a qualificação de contrato de empreitada para consumo, visto que a obra se destinou a uso não profissional da Autora (captação da água para fins domésticos) e a Ré (empreiteira) é uma empresa que exerce a actividade profissional de captação de água, como resulta da própria denominação social e dos documentos juntos.
O contrato de empreitada outorgado pelas partes é um contrato de consumo, e como tal submetido, não só ao regime geral do Código Civil, como ao regime especial da legislação proteccionista do Direito do Consumo, aplicando-se, por isso, para além da LDC, o DL nº 67/2003, de 8/4, que transpôs para o direito interno a Directiva nº 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, cujo art.1º, nº 2, ao definir o âmbito de aplicação, determina que o diploma é aplicável, com as necessárias adaptações, “aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir“, incluindo-se aqui “as empreitadas de coisas – coisas móveis ou imóveis, específicas ou genéricas – firmadas por consumidores, a fabricar ou produzir com materiais fornecidos pelo empreiteiro ou pelo dono da obra” (cf. CALVÃO DA SILVA, Venda de Bens de Consumo, 3ª ed., pág.52).
Não tem consistência a objecção da Apelante que, para rejeitar a qualificação de contrato de consumo e consequente aplicação do regime legal do DL nº 67/2003, faz apelo à natureza da obra, mas, como já se anotou, não é este o critério jurídico para a definição de consumidor e do direito do consumo.
Por conseguinte, é de empreitada de consumo o contrato celebrado entre as partes - cf., neste sentido, por ex, Ac RL de 9/2/2010 (proc. nº 72/08.0TBPST), Ac RC de 13/4/2010 (proc. nº 821/05.8TBALB), em www dgsi.pt -, com aplicação do regime instituído pelo DL nº 67/2003, de 8/4 (versão originária), sem as alterações introduzidas pelo DL nº 84/2008, de 21/5, por força do art.12º, nº 2CC - cf., por ex., Ac STJ de 24/5/2012 (proc. nº 2565/10), em www dgsi.pt -, porque o contrato foi outorgado em 5/8/2003, logo antes delas e os efeitos do contrato são regidos pela lei vigente no momento da celebração.
2.4. - O cumprimento defeituoso (falta de conformidade, presunção legal e direito à reparação):

Todo o negócio jurídico deve ser pontualmente cumprido e no cumprimento das obrigações como no exercício do direito correspondente devem as partes procederem de boa fé (arts.406º, nº1 e 762º, nº 2 do CC).

O principal direito do dono da obra traduz-se no direito de exigir do empreiteiro a obtenção do resultado a que este se obrigou e como contrapolo a sua obrigação principal consubstanciada no pagamento do preço acordado, já que a retribuição é um elemento essencial do contrato.

Diz o art.4º nº1 do DL nº 67/2003 – “Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”.

Acresce o direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos, nos termos do art.12º, nº1 da Lei nº24/96 de 31/7.

Perante o defeito da coisa (conceito funcional), o consumidor tem o direito à reparação, à substituição, à redução do preço, à resolução, e à indemnização.

Muito embora a obrigação de conformidade com o contrato decorra já dos princípios gerais e do regime legal do contrato de compra e venda e de empreitada no Código Civil (arts.406, 763, 1208) e da própria Lei de Defesa do Consumidor (art.4º), ela é expressamente imposta no art. 2º, nº1 do DL nº67/2003, pois “o vendedor (leia-se empreiteiro) tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda (empreitada)”.

Por sua vez, o nº 2 do art. 2º do DL 67/2003 consagra determinados “factos-índices” de não conformidade, de tal forma que se comprovados presume-se a desconformidade (presunção juris tantum).

As faltas de conformidade devem existir no momento da entrega do bem ao consumidor, presumindo-se existentes já nessa data caso se manifestem num prazo de dois ou cinco anos, a contar da entrega de coisa móvel ou imóvel, respectivamente (art. 3º nºs 1 e 2 do DL nº 67/2003).

Verifica-se identidade na noção de defeito no regime da compra e venda e na empreitada, podendo decompor-se em “deformidade” e “vício“.

         O vício apresenta-se como “deficiência ou alteração na forma, na estrutura da composição da coisa que resulta da sua concepção, execução, produção, fabrico”, e a deformidade como desvio relativamente ao acordo das partes”.

No fundo, em qualquer caso, o defeito resulta de dois aspectos: desvio relativamente ao acordo das partes, nomeadamente quanto a qualidades especiais da coisa; vício que ponha em causa (ainda que parcialmente) a finalidade da coisa (P. MARTINEZ, “Compra e venda e empreitada”, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol.III, pág.246).

         Noutra perspectiva, adopta-se um “conceito funcional de defeito” em que se “privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina”, a partir de uma concepção subjectiva de defeito (as partes determinaram no contrato as características fundamentais da coisa e o fim) ou de uma concepção objectiva (função normal das coisas da mesma categoria) - cf. CALVÃO DA SILVA, Compra e venda de Coisas Defeituosas, 4ª ed., pág.42 e segs..

Segundo a “teoria da norma” e porque facto constitutivo do direito, compete ao autor o ónus de alegar e provar o defeito, ou seja, a falta de conformidade (art.342º, nº 1 do CC), tanto para o direito civil comum, como para a legislação específica da tutela do consumidor (cf., por ex., PEDRO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, pág.273 e segs.; Ac STJ de 21/5/2002, C.J. ano X, tomo II, pág.85, Ac STJ de 11/10/2007, de 15/2/2005, disponíveis em www dgsi.pt.).

A este propósito, refere CALVÃO DA SILVA que “a prova da falta de conformidade, vale dizer, a não correspondência do bem recebido ao bem convencionado, cabe ao comprador, com a ajuda, na falta de cláusulas específicas, das presunções do nº2 do art.2º, demonstrando as qualidades ou características que as ditaram para se considerarem devidas” (Venda de Bens de Consumo, 3ª ed., pág.74).

Mas o dono da obra, na empreitada (tal como o comprador) não tem de demonstrar a causa do defeito, mas sim o empreiteiro, visto ser quem está em melhores condições (cf., por ex., P.MARTINEZ, loc. cit., pág.359, CURA MARIANO, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, 2ª ed., pág.76).

O art.2º nº2 do DL nº67/2003 positiva presunções legais (juris tantum) de desconformidade, logo, presunções da verificação de defeito, na acepção já definida, entre as quais figuram as das alíneas c) e d) - utilizações habituais, qualidades normais e expectativas razoáveis do consumidor.
Na situação dos autos, sabe-se que a Ré obrigou-se a entregar o furo de captação de água pronto a ser utilizado, garantindo a extracção mínima de 13 m3 de água, montou os tubos respectivos e respectiva bomba, tendo concluído a obra em meados de 2004, e o furo debitou água de modo satisfatório em quantidade adequada aos fins e necessidade da Autora.
Acontece que meses depois, repentinamente, deixou de deitar água, e uma vez denunciada, a Ré, apesar das tentativas, não conseguiu reparar o furo, pois a bomba caiu dentro dos tubos ou do furo, sendo certo que o furo nunca mais deitou água e a bomba não mais trabalhou.
Não se provou que na origem da avaria estivesse a má execução da montagem da bomba pela Ré (cf. respostas negativas aos quesitos 4º e 5º), nem que a avaria fosse causada por qualquer actuação da Autora (cf. respostas negativas aos quesitos 25º a 29 e limitativa ao quesito 20º).
Contudo, verifica-se a presunção de falta de conformidade das alíneas c) e d) do nº 2 do art. 2º do DL 67/2003, que a Ré não ilidiu, ficando, assim, comprovado o defeito e a consequente responsabilidade da Ré pelo cumprimento defeituoso da prestação.
Impunha-se, como doutamente decidiu a sentença, a procedência da acção e a improcedência da reconvenção, conforme se justificou.

Na verdade, não assiste à Apelante a quantia peticionada, em sede reconvencional, quer a título dos gastos com a tentativa de reparação, por ser responsável pela falta de conformidade e porque a reparação é “sem encargos” para o consumidor (cf. art.4º, nº1 do DL 67/2003), quer a título de retribuição (preço), em dívida, pela empreitada, já que, face às respostas restritivas aos quesitos 30º e e 31º, a Ré não provou sequer qual o valor.


2.5. – Síntese conclusiva:
1.- Deve qualificar-se como contrato de empreitada para consumo aquele em que a Autora (pessoa singular) acordou com a Ré (empresa de captação de água) a execução, num terreno daquela, de um furo de captação de água para fins domésticos, mediante um preço, sendo todo o material necessário fornecido pela empreiteira.
2.- O contrato de empreitada de consumo está submetido ao regime especial da legislação proteccionista do Direito do Consumo, aplicando-se, por isso, para além da LDC (Lei nº 24/96, de 31/7), o DL nº 67/2003, de 8/4, cujo art.1º, nº 2 determina que o diploma é aplicável, com as necessárias adaptações, “aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir “, abrangendo as empreitadas de coisas móveis ou imóveis.

3.- Compete ao autor o ónus de alegar e provar o defeito, ou seja, a falta de conformidade (art.342º, nº1 do CC), tanto para o direito civil comum, como para a legislação específica da tutela do consumidor, bastando, para o efeito, a comprovação de uma das alíneas do nº 2 do art.2º (presunção juris tantum de falta de conformidade) do DL nº 67/2003 de 8/4.

4.- O dono da obra não tem de demonstrar a causa do defeito.
5.- Provando-se que, após concluída a execução da obra, o furo debitou água, nos termos acordados, mas passados meses e de forma repentina, a bomba não mais trabalhou, por haver caído dentro do furo, e deixar de captar água, sem que se apurasse a causa, verifica-se a presunção de falta de conformidade das alíneas c) e d) do nº 2 do DL nº 67/2003, com a consequente responsabilização da empreiteira.

III – DECISÃO
         Pelo exposto, decidem:
1)
         Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
2)
         Condenar a Apelante nas custas.

        
Jorge Arcanjo (Relator)
 Teles Pereira
 Manuel Capelo