Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
571/22.0T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
ABSOLVIÇÃO EM PROCESSO CRIME
INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 27.º, DA CRP
ARTIGO 225.º, 1, C), DO CPP
ARTIGO 609.º, 2, DO CPC
ARTIGOS 342.º, 1; 483.º; 494.º E 496.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. Tendo o ora recorrente estado privado da liberdade durante 276 dias, período em, que esteve sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com recurso a vigilância electrónica, vindo a ser absolvido no processo crime, sem que tal absolvição decorra do princípio do in dubio pro reo , tem o mesmo, por isso, a ser indemnizado pelo Estado Português.

II. Atentos os constrangimentos resultantes de tal situação e a factualidade a tal atinente, mostra-se equitativo fixar a indemnização a conceder ao autor, no montante de 35.000,00 €, a título de danos não patrimoniais e de 2.460,00 €, por danos patrimoniais

Decisão Texto Integral:
Proc.º n.º 571/22.0T8GRD.C1

                                                           1.-Relatório

            1.1.-O Autor AA, interpôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Réu Estado Português.

Pede que o Réu seja condenado a pagar-lhe as quantias de:

- 55.200,00 euros a titulo de danos não patrimoniais;

- 27.136,69 euros a titulo de danos patrimoniais; e

- 25.830,00 euros relativo a ganhos futuros não auferidos.

Para tanto, em síntese e com relevo, o Autor alega que foi arguido no Processo Comum Colectivo nº 266/16...., que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal – Juiz ..., da comarca ... e que, no Inquérito, foi-lhe aplicada, em 18 de Março de 2019, a medida coactiva de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância e foi pronunciado, e  posteriormente julgado, pela alegada prática, em co-autoria com seu pai, BB, de dois crimes de escravidão e dois crimes de tráfico de pessoas, tendo ainda, a título individual e singular, sido também pronunciado pela alegada prática de um crime de abuso de confiança e, submetido a julgamento foi absolvido de todos os crimes que lhe eram imputados, por acórdão de 19 de Dezembro de 2019, data em que foi-lhe  revogada a medida de coacção e restituído à liberdade.

Mais alega que o Acórdão foi objecto de recurso, interposto pelo assistente do processo, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra negado provimento ao recurso.

E, segundo o Autor, a absolvição adveio de se haver comprovado que não praticou os crimes de que era acusado, não se estando, perante uma absolvição com base no princípio “in dubio pro reo”.

Relativamente aos danos não patrimoniais, alega que sofreu privação da liberdade durante 276 dias, o que acarretou-lhe um sentimento de profunda tristeza e inconformismo e, em termos psicológicos e de auto-estima, a situação se revelou penosa; sempre fora, até à sua detenção, considerado pessoa séria, íntegra e honrada, na localidade onde reside e na região envolvente, e tido em consideração pela generalidade das pessoas, tendo chegado a integrar a Junta de Freguesia ..., sendo que, após tal conhecimento passou a ser motivo de conversa e comentários com teor negativo e depreciativo, o que lhe causou sentimento de desgosto e ainda afecta a sua imagem social; e andou preocupado por ter sido afectada a sua actividade profissional – sofreu de um estado de grande ansiedade, perda de sono e depressão, que foi mais intensa durante o período de privação da liberdade, mas que deixou sequelas psicológicas que ainda hoje se fazem sentir – deve ser fixada a indemnização em 200,00 euros diários.

Quanto aos danos patrimoniais, alega que tinha um rebanho composto por 252 animais adultos e a falta de assistência e acompanhamento, no período da sua detenção (e de seu pai), fez com que, por causas naturais (acidentes e ataques de predadores) tivessem desaparecido 107 ovelhas, sendo o prejuízo de 16.050,00 euros, porque cada animal tinha o valor de, pelo menos, 150,00 euros – desaparecimentos que aconteceram apesar de ter contratado uma pessoa para os trabalhos necessários ao manejo do rebanho e com quem despendeu a quantia de 2.460,00 euros, que não gastaria se tivesse liberdade para pessoalmente fazer tais trabalhos e a contratação não foi suficiente para garantir o manejo do gado; perdeu ainda 35 borregos (18 machos e 17 fêmeas) dos nascidos durante o período da privação da liberdade, perda essa resultante da acção de predadores – tendo um prejuízo de 2.960,00 euros e fi obrigado a devolver ao IFAP 2.625,69 euros;

Alega igualmente o Autor que se viu impedido de colher/enfardar aveia e centeio, que semeia, e do feno dos seus lameiros tendo necessidade, de recorrer aos serviços de um conhecido para enfardar a aveia e o centeio que havia semeado antes da sua detenção, gastando 791,00 euros e teve que comprar 1.500 fardos, com o custo total de 4.500,00 euros, sendo o seu prejuízo de 2.250,00 euros, correspondente à parte que destinou ao seu gado; e deixou de vender 5.000 fardos de feno, sendo o seu lucro cessante de 10.000,00 euros, porque o custo de produção é de 1/3 do valor de cada fardo; esteve ainda impedido produzir batata para venda e de colher e vender as suas castanhas, tendo um lucro cessante de, respectivamente, 1.500,00 euros e 3.450,00 euros.

Por último, com a perda de produção das 107 ovelhas que pereceram, o rebanho deixou de produzir 128 borregos que seriam vendidos ao preço médio de 85,00 euros cada, deixando de ganhar 10.880,00 euros.

***

1.2. – Citado contestou o Réu Estado Português, defende-se por excepção inominada – autoridade do caso julgado, impugna os factos alegados pelo Autor e pede que o mesmo seja condenado por litigar com má-fé.

***

1.3. - Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador e fixados o valor da causa, o objecto do litígio, findo depois a ser realizada audiência de discussão, e prolação de sentença, onde se decidiu, julgar a presente acção improcedente, por não provada, e em consequência:

A) Absolver o Réu Estado Português, dos pedidos formulados pelo Autor AA.

B) Condenar o Autor AA como litigante da má-fé na multa que se fixa em 10 (dez) unidades de conta.

*

Valor da acção: 108.166,69 euros.

*

Custas: pelo Autor (cfr. artigo 527º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

*

Registe-se e notifique-se                  

                                                           ***

1.4. – Inconformado com tal decisão dela recorreu o A. - AA -, tendo terminado a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1ª – Pelas razões explanadas nos pontos 3 a 7 das presentes alegações (que aqui, por óbvias razões de economia processual, se dão por reproduzidas) deverão ser retirados dos “Factos Provados”, os aí referidos sob os nºs 41, 58, 59 e 60, pois que não se provaram.

2ª – O mesmo devendo suceder aos com os nºs 53, 56 e 57, atento o constante dos pontos 8 a 10 desta alegação; e

3ª – Ainda, os fixados sob os nºs 61 a 64, atentos os considerandos dos pontos 44 a 50 desta motivação.

4ª – Já no que concerne aos factos considerados não provados na decisão recorrida, entende-se que terão de considerar-se provados os que elencamos nos pontos 17, 19, 23 e 25, de acordo o aí alegado e face à prova produzida em audiência.

5ª – Uma vez que o recorrente, como dos autos resulta, esteve privado da liberdade durante 276 dias em virtude da medida coactiva que lhe foi aplicada no processo penal supra identificada, no qual veio a ser absolvido,

6ª – Absolvição essa resultante de se ter demonstrado que o arguido não praticou os crimes que lhe eram imputados,

7ª – Verificam-se os pressupostos previstos no artº 225º, nº 1, c), do C. P. Penal para que o recorrente tenha direito a ser indemnizado pelos danos, quer morais, quer patrimoniais, sofridos em virtude de tal privação, já que existe nexo de causalidade entre aquela privação e estes danos.

8ª – Ao afastar, no caso em apreço, tal direito, a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o referido normativo.

9ª – Sendo, inclusive e nessa parte, tal decisão inconstitucional, porquanto violadora ainda dos artºs 13º, nº 1 e 32º, nº 2, da Constituição.

10ª – Devendo, consequentemente, ser tal decisão revogada, condenando-se o Réu Estado Português a indemnizar o Autor nos termos peticionados.

11ª – Absolvendo-se o mesmo A., aqui recorrente, da condenação como litigante de má-fé, pois que, como se demonstrou e é evidente, não deduziu ele pretensão contra legem nem alterou ou omitiu dolosa e conscientemente a verdade dos factos.

12ª – Sendo certo que o A. não logrou provar integralmente os factos alegados, no concernente aos danos patrimoniais cuja indemnização pretende, não é menos certo que resulta do processo e do julgamento que ele teve prejuízos na sua actividade agro-pecuária em resultado da privação da liberdade.

13ª – Por isso se concita aqui a aplicação da regra do artº 609º, nº 2, do C. P. Civil, devendo ser o R. condenado, quanto aos danos patrimoniais, a satisfazer ao A. a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença.

Assim decidindo farão, Vossas Excelências

JUSTIÇA”

                                                           ***

1.5. – Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. respondeu o M.P. terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1º. A fixação dos factos provados teve por base a globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e a livre convicção que o Tribunal formou sobre a mesma, partindo das regras de experiência, assim como da prova escrita e oral

que foi produzida, aferindo-se quanto a esta o conhecimento de causa e isenção

de cada um dos depoimentos prestados.

2º. Os factos 41, 53, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63 e 64 resultaram provados em

virtude desde logo da confissão do Autor (facto 41.º), dos diversos documentos

juntos aos autos pelo Réu Estado, sendo inequívoco que a medida de coacção

que lhe foi imposta no âmbito do processo n.º 266/..., não impediu o Autor de assegurar, por si ou através de terceiros, os cuidados considerados adequados a salvaguardar o bem-estar dos animais, e que foram ainda garantidos pelo Veterinário Municipal e DGV (factos 58, 59 e 60).

3º. Tais factos encontram-se ainda suportados nas declarações prestadas pelas

testemunhas CC, DD, EE

, FF e BB;

4º. Não se verifica qualquer contradição entre os factos dados como provados em 58

e 24, sendo notório que uma pessoa não é suficiente para garantir o cabal manejo

do gado (aliás conforme é referido no documento de fls. Fls. 101, datado de 10

de Julho de 2019 e subscrito pelo Médico Veterinário Municipal de ...), o

que não significa que não tenha sido possível às diversas pessoas que foram

sendo contratadas pelo Autor, juntamente com os seus familiares e amigos, bem

como com as diversas autorizações que foram sendo concedidas ao Autor e ao

seu pai, vir a assegurar os cuidados considerados adequados a salvaguardar o

bem-estar dos animais.

5º. Quanto ao facto dado como provado em 59, ao contrário do que é alegado

recorrente, o Tribunal considerou demonstrado que os cuidados aos animais

“foram também garantidos por entidades terceiras (Veterinário Municipal e

DGV), a quem o Tribunal comunicou o estatuto processual do Autor e a

necessidade de salvaguardar aquele rebanho”, e não que aquelas entidades

manejaram o gado.

6º. No que concerne ao facto dado como provado em 53, é legalmente exigível aos produtores de ovinos a comunicação de nascimentos ou desaparecimento de

animais ovinos e bovinos, tal como estabelecido nos arts. 7.º n.º 4e 8.º n.º 2 e 3

do DL 142/2006 e art. 5.º e ss. do DL n.º 33/2017, de 23 de Março,

7º. No que concerne aos factos dados como provados em 56 e 57, estes resultam de valores médios de cotações de mercado relativos à venda de borregos e ovelhas,

que são estabelecidos e fixados regularmente pelo sistema de informação de mercados agrícolas, sendo dados objectivos com relevância para aferição dos valores dos prejuízos invocados pelo Autor, caso os mesmos fossem comprovados, o que não se verificou.

8º. Quanto aos factos provados em 61 a 64 reitera-se que o Autor sustenta a causa de pedir na incapacidade de prestar cuidados aos animais, durante todo o período

em que foi sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, que lhe provocaram prejuízos, omitindo dolosamente factos relevantes para a boa decisão da causa quanto às diversas autorizações que lhe foram concedidas pelo Tribunal para proceder ao maneio dos animais e para trabalhos agrícolas, bem como a circunstância de tal permissão ter sido concedida de forma ampla e nos termos por este requeridos desde Setembro de 2019, e ainda quanto à obrigação de identificação, registo e circulação dos animais das espécies ovinas e caprinas,

9º. Ao contrário do que sustenta o recorrente, a não prova dos factos não é sinónimo de prova de que o arguido não foi agente do crime (tal como estabelece o art.

255.º do C. P. Penal) e o que decorre da leitura da decisão proferida naquele Acórdão n.º 266/16.... é, simplesmente, a falta de prova dos factos que eram imputados ao ali arguido.

10º. Os depoimentos prestados pelas testemunhas não lograram convencer o Tribunal quanto ao valor dos prejuízos invocados, tanto mais que o Autor podia e devia

ter junto aos autos documentos demonstrativos do preço a que vendia aqueles

animais.

11º. As testemunhas inquiridas não foram sequer credíveis quanto à alegada morte de animais - nenhuma das testemunhas ouvidas fez qualquer menção ao número de animais que poderia ter morrido, nem à causa daquela morte, ou logrou esclarecer a omissão de comunicação das mortes ao sistema de registo de animais.

12º. A prova produzida não permitiu esclarecer porque motivo morreram ou

desapareceram os animais pertencentes ao Autor, se é que tal aconteceu, ou se

aquelas mortes ou desaparecimentos tiveram qualquer relação com o estatuto

processual a que o ora Autor se encontrava sujeito – cfr. ainda declarações prestadas pela testemunha GG, documento de fls. 101, fundamentação da decisão do processo n.º 266/16.... e documento elaborado pelo Autor a 17 de Junho de 2019.

13º. Não tendo o Autor comprovado documentalmente, conforme se impunha,

qualquer pagamento a terceiros para a realização de recolha e enfardamento de feno e cereais, ou a aquisição de fardos para a alimentação de animais, não poderia o Tribunal dar como provados aqueles factos, apenas com base nos depoimentos daquelas testemunhas, com evidente comprometimento com a versão do Autor.

14º. Tão pouco ficou demonstrado que o Autor não tivesse logrado colher e enfardar todo o feno e palha, que não tivesse plantado e colhido batatas ou apanhado

castanhas (tendo sido adiantado pela testemunha HH que as castanhas tinham sido furtadas), não tendo sido efectuada qualquer prova de que o negócio em

causa gerasse o lucro invocado pelo Autor.

15º. Refira-se ainda que, após requerimentos concretizados a 12 de Julho de 2019 e 15 de Julho de 2019, o Autor e o seu pai foram autorizados a proceder à tosquia

dos animais no ovil de ... e a deslocarem-se a diversas propriedades com o objectivo de cortar as suas culturas de grão, centeio e aveia, destinadas a alimentar os animais, entre as 07.00h e as 10.00h e as 1 7.00 e as 19.00h, exactamente como requerido por estes, nada tendo sido requerido quanto a plantação de batatas ou recolha de castanhas.

16º. Tão pouco foi produzida qualquer prova, designadamente documental, de que o Autor se dedica ao comércio de fardos de aveia ou centeio, ou à produção de batata e castanhas, e de qual o montante anual que aufere com tal actividade.

17º. Relativamente às crias que o rebanho deixou de produzir, nenhuma prova foi produzida quanto à quantidade de ovelhas prenhas, quantas dessas desapareceram, quantas pariram, quais dessas não pariram, quantos animais deixaram de nascer, e porquê, ou o seu preço… e de acordo com as declarações da testemunha DD, as ovelhas “paridas de poucos dias” e as crias eram guardadas em armazém, sendo esta que cuidava delas, na ausência do seu marido e filho.

18º. A Lei n.º 48/2007, de 29.09, que deu nova redacção ao artigo 225.º do CPP,

passou a prever o direito a indemnização não só nos casos de prisão, mas também nos casos de obrigação de permanência na habitação; atribuiu-se o direito a indemnização a quem for absolvido por estar comprovadamente inocente, bem como a quem tiver actuado justificadamente: “…quando se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente”.

19º. A referida Lei acolheu a redação constante da Proposta de Lei n.º 109/X, que justificou a alteração nestes termos: «Para além dos casos anteriormente contemplados, atribui-se o direito de ser indemnizado a quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação e não for condenado por não ter sido o agente do crime ou por ter atuado justificadamente.

Apesar de a medida de privação da liberdade ter sido corretamente aplicada, é

justo que o Estado de direito assuma a responsabilidade pelos danos sofridos por

arguidos inocentes.»

20º. O Réu Estado Português apenas pode ser responsabilizado pelo pagamento da peticionada indemnização se da factualidade a apurar resulte provado que o A. foi absolvido por estar comprovadamente inocente, que da sujeição à medida de coacção de obrigação de permanência decorreram danos para a A. e que existe uma relação directa entre essa medida de coação e os prejuízos cujo ressarcimento se peticiona, o que não se verifica no caso em apreço.

21º. Resultando do Acórdão absolutório (penal) que o arguido foi absolvido por falta de prova, mas não se demonstrando que não foi o agente do crime, não há

dúvidas de que a indemnização só será devida se o arguido provar (na acção de

indemnização) que efectivamente não praticou o crime, o que não aconteceu.

22º. No Acórdão proferido no processo comum colectivo n.º 266/16....

provou-se que os ali assistentes viviam e trabalhavam para os ali arguidos, sem

que tivessem qualquer remuneração em dinheiro fixa, sem horário estabelecido ou período de férias estipulado, ainda que a versão entretanto trazida ao processo pelos ali arguidos, mormente as justificações e documentos que apresentaram, aliados à demais prova produzida naquele Tribunal não tenham permitido dar como provados os factos que seriam relevantes para as imputações penais efectuadas.

23º. Desse mesmo Acórdão penal não se retira, de modo algum, que os ali arguidos não praticaram os factos!

24º. O recorrente confunde, na sua motivação de recurso, o princípio da presunção da inocência plasmado no art. 32.º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, que constitui uma garantia de processo penal, com a necessidade de prova de que o arguido não foi o agente do crime de que depende a responsabilidade extracontratual do Estado, tal como estabelece o art. 225.º do C. P. Penal, e que

o Autor teria que comprovar no âmbito da presente acção.

25º. Não há dúvidas que uma pessoa absolvida em processo penal é, para todos os efeitos uma pessoa criminalmente inocente. No entanto, não se pode transpor

essa presunção de inocência para o processo civil, cujas regras processuais

impõem, no caso do direito à indemnização por privação da liberdade, a prova

de que o arguido não foi o agente do crime.

26º. Isto porque o objectivo prosseguido pelo legislador de 2007 foi a compensação de um dano injustamente sofrido, ao que o legislador associou o requisito de prova de que o arguido não praticou os factos, não se bastando com a mera

absolvição.

27º. Se outra fosse a opção do legislador, bastava para tanto ter introduzido na

referida alínea “em caso de absolvição da prática do crime imputado”, o que não

se verificou.

28º. Qualquer outra interpretação distinta do art. 225.º contende com o Estado de Direito democrático em si mesmo, na medida em que ofende a liberdade e independência da Magistratura Judicial e a autonomia do Ministério Público. De

facto, como se pode pretender que sejam tomadas decisões livres, quer na perspectiva da aplicação das medidas de coacção, quer na perspectiva da decisão final do julgamento, quando uma decisão absolutória, sem mais, poderá acarretar a  responsabilidade civil do Estado e o eventual direito de regresso sobre os

Magistrados?

29º. E como se pode perspetivar que uma decisão absolutória, radicada na ausência de prova gerada por depoimentos de testemunhas discrepantes com os prestados no inquérito, possa gerar sem mais o direito de indemnização do Estado? E onde ficam os pressupostos da ilicitude e da culpa?

30º. Já para não fazer apelo à desmesurada incongruência resultante da possibilidade de acordos entre arguidos e testemunhas destinados a obter a indemnização do Estado – será que não compensará recorrer a um silêncio ou falta de memória testemunhal para obter o pecúlio e reparti-lo pelos intervenientes?

31º. Não há dúvidas que o Autor omitiu factos absolutamente relevantes para a

decisão da causa, sendo certo que nem sequer os refuta neste recurso.

32º. Referimo-nos aos factos dados como provados em 38, 39, 40., 42., 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, omitidos pelo Autor da petição inicial e considerados

relevantes para a decisão da causa, na medida em que deles se conclui, para além

do mais, que o Autor continuou a desenvolver, ainda que com limitações, o seu

trabalho, ao contrário do que por ele foi alegado.

33º. O Autor omitiu, na petição inicial, as diversas autorizações que lhe foram

concedidas pelo Tribunal para proceder ao maneio dos animais e para trabalhos agrícolas, bem como a circunstância de tal permissão ter sido concedida de forma ampla e nos termos por este requeridos desde Setembro de 2019;

34º. O Autor omitiu ainda que os detentores de animais ovinos estão obrigados à identificação, registo e circulação dos animais das espécies ovinas e caprinas, encontrando-se todos os dados relativos aos animais coligidos em bases de dados que integram o SlRNA, geridos pela Direcção-Geral de Veterinária e pelo Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, IP e que entre as comunicações obrigatórias, previstas encontra-se os nascimentos, desaparecimentos, todas as movimentações que ocorram para a exploração ou a partir desta, abates e mortes, como dado provado.

35º. Por outro lado, afigura-se-nos ainda evidente que os factos 41 (este confessado pelo Autor) e 60 a 64 foram correctamente julgados pelo Tribunal. Tais factos, mesmo com uma componente conclusiva, têm um substrato relevante para o

acervo dos factos que importam para a decisão da litigância de má fé, na medida em que comportam o seu elemento volitivo, e na medida em que se reconduzem à consequência lógica extraída dos demais factos dados como provados, designadamente em 38, 39., 40, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, 50.º, 51.º, 52-º, 53.º 54.º, 55.º, 58.º, 59.ºe 60.º.

36º. Bem andou o Tribunal a quo ao julgar totalmente improcedente a presente acção e ao absolver o R. Estado Português e condenando o Autor como litigante de má

fé, nos termos em que o fez.

TERMOS EM QUE E NOS MAIS DE DIREITO NÃO DEVE PROCEDER O RECURSO APRESENTADO E SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA”

                                                           ***

1.6. – Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

“ Refª s 2086159 de 13.12.2022 e 2109705 de 20.01.2023:

Por ser recorrível, estar em tempo e ter legitimidade, admite-se o recurso interposto pelo Réu AA, que é ordinário, de apelação, subida nos próprios autos e efeito devolutivo (cfr. artigos 627º, 629º, n.º 1, 631º, n.º 1, 637º, 638º, 639º, 641º, 644º, n.º 1, alínea a), 645º, n.º 1, alínea a) e 647º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil).

Igualmente se admite a resposta apresentada pelo recorrido Réu Estado, representado pelo Ministério Público, por ter sido apresentada em tempo (cfr. artigo 638º, n.º 5, do Código de Processo Civil).
*

Notifique-se e, após, remetam-se os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra.

                                                           ***

1.7. – Colhidos os vistos cumpre decidir.

                                                             ***

                                                  2. Fundamentação

            Factos provados

1. O Autor foi arguido no Processo Comum Colectivo nº 266/16...., que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal – Juiz ..., desta comarca .... (artigo 1º da petição inicial)

2. No decorrer do Inquérito, foi aplicada ao Autor, em 18 de Março de 2019, a medida coactiva de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, além da proibição de contactar, por qualquer meio e por qualquer forma, com as vítimas e testemunhas já identificadas no processo. (artigos 2º da petição inicial e 22º da contestação)

3. Foi o Autor pronunciado, e posteriormente julgado, naquele processo, pela prática, em co-autoria com seu pai, BB, de dois crimes de escravidão e dois crimes de tráfico de pessoas, (artigo 3º da petição inicial)

4. Tendo ainda, a título individual e singular, sido também pronunciado pela prática de um crime de abuso de confiança. (artigo 4º da petição inicial)

5. Submetido a julgamento o Autor foi absolvido de todos os crimes que lhe eram imputados, por acórdão de 19 de Dezembro de 2019. (artigo 5º da petição inicial)

6. Nessa mesma data, e na decorrência da sua absolvição, foi-lhe revogada a medida de coacção e restituído à liberdade. (artigo 6º da petição inicial)

7. Da qual foi privado durante 276 dias. (artigo 7º da petição inicial)

8. O Acórdão foi objecto de recurso, interposto pelo assistente do processo, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra negado provimento ao recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida. (artigo 8º da petição inicial)

9. O Acórdão da Relação, proferido em 10 de Março de 2021, foi notificado aos interessados a 14 de Março de 2021. (artigo 9º da petição inicial)

10. A privação da liberdade do Autor acarretou-lhe um sentimento de profunda tristeza e inconformismo. (artigo 15º da petição inicial)

11. Em termos psicológicos e de auto-estima, a situação se revelou penosa. (artigo 16º da petição inicial)

12. O Autor sempre foi considerado pessoa séria, íntegra e honrada, na localidade onde reside e na região envolvente, nomeadamente nos concelhos ..., ... e ..., tendo chegado a integrar a Junta de Freguesia .... (artigos 17º e 18º da petição inicial)

13. Também foi para si penosa e motivo de grande preocupação a forma como a situação afectou a sua actividade profissional. (artigo 21º da petição inicial)

14. Tudo isto levou a que o Autor viesse a sofrer de um estado de grande ansiedade, perda de sono e depressão, que foi mais intensa durante o período de privação da liberdade, mas que deixou sequelas psicológicas que ainda hoje se fazem sentir. (artigo 22º da petição inicial)

15. De tal modo que teve que procurar apoio clinico, numa primeira fase, junto do seu médico de família, Dr. II, do Centro de Saúde .... (artigo 23º da petição inicial)

16. E ainda, por indicação do referido médico, junto dos Serviços de Psiquiatria da U.L.S. da ..., onde vem sendo seguido e tratado pelo Dr. JJ. (artigo 24º da petição inicial)

17. O Autor é agricultor tendo como principal actividade a exploração de um rebanho de ovinos, da raça serra da estrela, cujo pastoreio e manutenção é feita com o seu pai, BB, também este proprietário de um rebanho de ovinos, sendo todo o trabalho desenvolvido por ambos em conjunto. (artigo 26º da petição inicial)

18. Uma vez que o pastoreio é feito em regime extensivo ou tradicional isso implica um acompanhamento diário e durante várias horas dos animais, por parte de ambos, alternadamente. (artigo 27º da petição inicial)

19. Grande parte desse pastoreio ocorre em zonas de montanha e floresta onde é frequente o aparecimento de predadores (lobos, raposas e cães selvagens). (artigo 28º da petição inicial)

20. Aquando da sua detenção o rebanho do Autor era composto por 238 animais adultos. (artigo 29º da petição inicial)

21. Aquando da sua restituição à liberdade, o efectivo estava reduzido a 143 animais adultos. (artigo 30º da petição inicial)

22. O Autor, durante aquele período a contratou os serviços de KK para os trabalhos necessários ao manejo do rebanho (pastoreio, alimentação, limpeza de lojas de parqueamento, cuidados de saúde, etc…). (artigo 32º da petição inicial)

23. O Autor despendeu com tal contratação a quantia de 2.460,00 euros. (artigo 33º da petição inicial)

24. Uma pessoa não é suficiente para garantir o cabal manejo do gado. (artigo 34º da petição inicial)

25. O IFAP, por ter sido indevidamente pago valor por ter sido detectada uma incorrecção de 71 animais elegíveis no prémio/campanha 2019 e porque não foi apresentada qualquer resposta ao ofício enviado ao Autor, mantendo-se a ocorrência que determinou a recuperação da quantia de 2.415,71 euros, determinou a reposição daquele montante considerado como indevidamente pago, que será compensada em futuros pagamentos; e, relativamente à Medida 9 – Manutenção de actividade agrícola em zonas desfavorecida – campanha de 2019, determinou a reposição da quantia de 209,98 euros, considerado como indevidamente recebido na campanha em causa – caso o Autor não proceda à reposição voluntária, se procederá a compensação. (artigo 37º da petição inicial)

26. O Autor todos os anos faz um enfardamento de aveia e centeio, que semeia, e do feno dos seus lameiros, sendo parte dos fardos resultantes destinados a complemento da alimentação dos animais e também para as “camas” dos locais onde eles pernoitam. (artigo 38º da petição inicial)

27. No ano de 2019 teve que recorrer aos serviços de um conhecido (o Sr. LL “da na”, de ...) para enfardar a aveia e o centeio que havia semeado antes da sua detenção. (artigo 39º da petição inicial)

28. Nos anos normais, em que consegue fenar todos os seus lameiros e searas, o Autor vende os fardos excedentes. (artigo 43º da petição inicial)

29. Corre termos neste Tribunal a acção de processo comum n.º 960/21...., em que figura como Autor BB, pai do aqui Autor AA, em que peticiona o pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais contra o Estado, em virtude da perda de liberdade do referido BB, na sequência da aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica no âmbito do processo n.º 266/..., que correu termos no Juízo Cível e Criminal da comarca ... - J.... (artigo 4º da contestação)

30. No âmbito daquela acção, o ali Autor invoca prejuízos não patrimoniais e patrimoniais decorrentes da perda de animais em virtude da impossibilidade de proceder à manutenção do seu rebanho e à necessidade de ressarcir o IFAP de subsídios recebidos. (artigo 5º da contestação)

31. Nas duas acções existe uma diversidade de sujeitos e do objecto do processo. (artigo 6º da contestação)

32. Não obstante já ter decorrido o respectivo julgamento, a decisão no âmbito da acção de processo comum n.º 960/21...., ainda não transitou em julgado. (artigo 9º da contestação)

33. No âmbito do processo n.º 266/..., que correu termos no Juízo Cível e Criminal da comarca ... - J..., o Autor foi absolvido da prática dos crimes de que se encontrava acusado e pronunciado, mas não foi declarado inocente. (artigo 15º da contestação)

A redação a negrito foi dada por este Tribunal

“No âmbito do processo n.º 266/..., que correu termos no Juízo Cível e Criminal da comarca ... - J..., o Autor foi absolvido da prática dos crimes de que se encontrava acusado e pronunciado”.

34. Conforme resulta dos factos dados como provados no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 266/16....:

"4. No ano de 2005, em primeiro lugar, MM e depois NN, foram para casa dos arguidos, tendo passado a trabalhar para os mesmos na sua exploração agropecuária.

5. Nessa altura, os assistentes MM e NN, encontravam-se em más condições socioeconómicas.

6. MM e NN trabalhavam para os arguidos, o primeiro apenas a guardar o rebanho; e o segundo também realizava certos trabalhos agrícolas, sem terem um horário pré-definido e sem o gozo de férias.

7. Os assistentes iniciavam o trabalho, em regra, no Verão, entre as 6h - 7 h da manhã e no Inverno cerca das 8h -9 h, e no final do dia regressavam a casa, no Verão, cerca das 21 h e no Inverno cerca das 17h-l 8 h, tendo sempre um período de almoço que não era fixo, sendo que no Verão, entre as 10h-11 h e as 18 horas, não estavam com o rebanho e tinham, normal mente, esse período de descanso.

8. Os arguidos não procederam ao pagamento de quaisquer salários aos assistentes, nem procederam a descontos para qualquer sistema de proteção social.

9. Os arguidos davam aos assistentes dormida em sua casa, alimentação, roupa e suportavam as demais despesas dos assistentes.

10. MM e NN passaram a residir com os arguidos em casa destes, e a dormir num quarto existente numa das casas pertença dos arguidos, sita junto ao café que exploram.

11. O quarto onde dormiam MM e NN não tinha aquecimento e não tinha casa-de-banho.

12. Os assistentes MM e NN viveram em casa dos arguidos ao longo de mais de onze anos.

13. MM, nascido a 26.1 1 .1943 era analfabeto, não sabendo ler nem escrever e foi trabalhar para os arguidos, na respetiva exploração agropecuária, no dia 5 de fevereiro de 2005 e esteve a trabalhar para os arguidos durante 11 anos e 10 meses, dando-lhe estes alojamento, alimentação e vestuário e pagando as demais despesas, designadamente de higiene e barbeiro, um maço de tabaco por dia e, por vezes, alguns montantes, incertos, em dinheiro, nomeadamente €5, € 10,00 ou € 20.

14. Os arguidos nunca efetuaram descontos para a Caixa Geral de Aposentações ou para qualquer outro sistema de proteção social. (…)

23. NN, nascido a .../.../1971, padece de debilidade mental ligeira e síndrome de dependência do álcool.

24. Na exploração agropecuária dos arguidos e a mando destes, por vezes, trabalhava com o tractor, com a motosserra, ou pastoreava gado, situação que se manteve durante cerca de 12 anos, até agosto de 2017.

25. Durante esse período de tempo, o NN não recebeu qualquer salário e nunca os arguidos efetuaram descontos, a favor do NN. para a Caixa Geral de Aposentações, ou para qualquer outro sistema de proteção social.

26. NN era retribuído pelos arguidos com as refeições, alojamento, vestuário, pagamento das suas despesas de higiene, barbeiro, um maço de tabaco por dia e, por vezes alguns montantes. incertos, em dinheiro, nomeadamente €5, €10,00 ou € 20". (artigo 16º da contestação)

35. Os ali assistentes viviam e trabalhavam para os ali arguidos, sem que tivessem qualquer remuneração fixa em dinheiro, sem horário estabelecido ou período de férias estipulado. (artigo 17º da contestação)

36. As declarações dos assistentes se revelaram, naquele julgamento, incongruentes, desprovidas de lógica e rigor, não tendo permitido corroborar quaisquer maus tratos má alimentação, privação da liberdade, impossibilidade de escolha ou medo. (artigo 18º da contestação)

37. Os factos foram dados como não provados devido à ausência de prova da sua verificação, e não por se ter provado que o Autor não os praticou. (artigo 19º da contestação)

Este facto é eliminado, por este Tribunal.

38. Apenas a 17 de Junho de 2019, o ali arguido deu entrada de requerimento solicitando autorização para desempenhar a sua actividade laboral, em horário e regime considerado adequado e compatível com a medida de coacção, nos termos a fixar pelo Tribunal. (artigo 23º da contestação)

39. Em tal requerimento, o Autor invoca que, após a aplicação da medida de coacção, "contrataram um funcionário assalariado para colmatar a sua falta na exploração'', situação que se manteve até à semana anterior ao dia 17 de Junho de 2019 e que o "gado tem sobrevivido graças a cuidados primários de amigos e familiares têm prestado". (artigo 24º da contestação)

40. Até ao dia 17 de Junho de 2019, nada havia requerido ao Tribunal, designadamente qualquer autorização de ausência para trabalho com o seu rebanho de ovelhas. (artigo 25º da contestação)

41. Por despacho de 26 de Junho de 2019, foi indeferida a autorização especial de ausências para desenvolvimento da actividade laboral requerida pelos ali arguidos e determinada a comunicação ao veterinário municipal para adopção das medidas necessárias e urgentes para assegurar o bem estar e protecção dos animais. durante o tempo que vigorasse a medida de coacção. (artigo 26º da contestação)

42. Nessa sequência, o Médico Veterinário Municipal de ... subscreveu uma comunicação ao Tribunal informando das diligências por si efectuadas, no dia 28 de Junho de 2019, que veio a ser junta aos autos a 10 de Julho de 2019, dando conhecimento que os animais (cerca de 400) se encontravam a ser apascentados por uma única pessoa, que se encontravam em boas condições corporais, mas necessitavam de ser tosquiadas, e que a Câmara Municipal não tinha condições para tomar medidas para assegurar o bem estar e a protecção dos animais. (artigo 27º da contestação)

43. Após requerimentos concretizados a 12 de Julho de 2019 e 15 de Julho de 2019, os ali arguidos foram autorizados a proceder à tosquia dos animais no ovil de ... e a deslocarem-se a diversas propriedades com o objectivo de cortar as suas culturas de grão, centeio e aveia, destinadas a alimentar os animais, tendo apenas sido indeferida a pretensão de proceder ao maneio diário dos animais, entre as 07.00h e as 10.00h e as 17.00 e as 19.00h, como pretendido. (artigo 28º da contestação)

44. Nesse mesmo despacho foi determinado que se oficiasse à DGV informando-se que os arguidos se encontravam sujeitos à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, que não poderiam deslocar-se às suas propriedades para tomar conta dos seus rebanhos e, nessa medida, deveria existir urna fiscalização periódica aos animais e, caso fosse necessário, adoptadas medidas administrativas, nos termos do artigo 6.º -A do Decreto-Lei n.º 64/2000, de 22 de Abril, nomeadamente medidas de carácter higiosanitário e de maneio que se mostrem adequadas para corrigir a situação de perigo para os animais que se vier a apurar, designadamente alimentação, abeberamento e alojamento dos animais e, apenas, quando estas medidas não sejam suficientes para pôr termo ao seu sofri mento dos animais, o abate dos mesmos. (artigo 29º da contestação)

45. Por despacho de 5 de Setembro de 2019 foi autorizada a deslocação dos ali arguidos, no dia l0 de Setembro, para realização da sua vacinação, controlo sanitário e desparasitação, na sequência de requerimento para o efeito. (artigo 30º da contestação)

46. Através de requerimento junto a 11 de Setembro de 2019 naquele processo, o Autor AA declarou que "desde que se encontram na actual situação coactiva, e na impossibilidade de o fazerem pessoalmente. têm contratado assalariados rurais que assegurem minimamente o manejo de tal rebanho", o que apenas naquela data deixou de ser possível, tendo-se reiterado a necessidade de deslocação do Autor e do seu pai BB ao ovil para assegurar os cuidados aos animais. (artigo 31º da contestação)

47. Nessa sequência, por decisão de 13 de Setembro de 2019, foi autorizado que os ali arguidos AA e BB se ausentassem do local da vigilância, um pela manhã e outro pela parte, pelo período de duas horas, para tratarem de um rebanho de ovelhas. (artigo 32º da contestação)

48. Posteriormente, por despacho de 8 de Outubro de 2019, proferido naquele processo, o Tribunal veio a autorizar cada um dos ali arguidos a deslocarem-se à sua referida propriedade 3 horas por dia, sendo o arguido AA entre as 8 horas e as 11 horas e o seu pai entre as 16 horas e as 19 horas. (artigo 33º da contestação)

49. Por fim, por despacho de 30 de Outubro de 2019, o Tribunal autorizou os dois arguidos a deslocarem-se à sua referida propriedade, entre as 8 horas e as 12 horas no período da manhã; e as 14 horas e as 17 horas, no período da tarde, para que cuidassem dos animais. (artigo 34º da contestação)

50. No âmbito do processo n.º 266/16...., o ali arguido BB declarou, no âmbito daquele julgamento "que, apesar do Sr. MM dar uma ajuda, se ele lá não estivesse, o próprio arguido faria o trabalho, o que, aliás, tem acontecido desde que eles saíram, não tendo, desde então contratado ninguém, acrescentando que mesmo depois deste processo, com a autorização de duas horas para ele e duas para o filho, conseguem tratar de tudo''. (artigo 35º da contestação)

51. O apuramento de animais constantes dos documentos juntos com a petição de animal (extraídos do SNIRA) resultam de declaração do próprio proprietário à Direcção-Geral de Veterinária. (artigo 40º da contestação)

52. Os detentores de animais ovinos e caprinos estão obrigados à identificação, registo e circulação dos animais das espécies ovinas e caprinas, encontrando-se todos os dados relativos aos animais coligidos em bases de dados que integram o SIRNA, geridos pela Direcção-Geral de Veterinária e pelo Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, IP. (artigo 41º da contestação)

53. Entre as comunicações obrigatórias previstas encontra-se os nascimentos, desaparecimentos, todas as movimentações que ocorram para a exploração ou a partir desta, abates e mortes. (artigo 43º da contestação)

Redação dada por este Tribunal.

Os detentores de animais das espécies ovina são obrigados a comunicar ao SNIRA a morte de qualquer animal ocorrida na exploração, no centro de agrupamento ou no transporte para outra exploração no prazo máximo de doze horas a contar da ocorrência, para que seja promovida de imediato a recolha do cadáver.

54. Os documentos 4 e 5 juntos com a petição inicial reflectem apenas uma listagem reportada aos meses de Janeiro de 2019 e Dezembro de 2019, sendo resultado não só das comunicações obrigatórias efectuadas pelo produtor (que poderão ter a sua origem em qualquer uma das finalidades referidas em 55.) mas também de actualizações administrativas efectuadas na sequência de acções de controlo levadas a cabo na exploração. (artigo 45º da contestação)

55. Do desenvolvimento do processo n.º 266/16.... resultou a perda da colaboração que era prestada pelos ali ofendidos MM e NN, no desenvolvimento das tarefas agrícolas e pecuárias daquela exploração, pelo que neste período poderia ser necessário substituir estes trabalhadores. (artigo 49º da contestação)

56. A cotação dos borregos, reportado ao valor semanal entre 14 e 20 de Dezembro de 2020, é, consoante o peso inferior a 12 kg, entre 22 a 28 kg e superior a 28 kg, respectivamente, de 4,50 euros, 3,39 euros e 2,84 euros o kg; (artigo 56º da contestação)

57. Enquanto a ovelha, se encontra cotada em valores, por unidade, entre 10 e 20 euros de espécie não determinada “refugo” e entre 50 e 70 euros de espécie “reprodutora”, Bordaleira Serra da Estrela; (artigo 57º da contestação)

58. A medida de coacção que lhe foi imposta no âmbito do processo n.º 266/l 6.4JAGRD não impediu o Autor de assegurar, por si ou através de terceiros, os cuidados considerados adequados a salvaguardar o bem-estar dos animais. (artigo 61º da contestação)

59. Que foram também garantidos por entidades terceiras (Veterinário Municipal e DGV), a quem o Tribunal comunicou o estatuto processual do Autor e a necessidade de salvaguardar aquele rebanho. (artigo 62º da contestação)

60. Na impossibilidade do Autor e do seu pai, foi contratado pessoal para tratar dos animais, e o Autor pôde manter a prestação de alguns cuidados àqueles animais, desde Julho de 2019, e de forma ampla e nos exactos termos pretendidos pelo Autor a partir de 13 de Setembro de 2019, contrariamente ao que pretende fazer crer, bem sabendo o autor que nenhuma razão lhe assiste na pretensão que deduz contra o Réu Estado. (artigo 63º da contestação)

Redação a negrito foi dada por este Tribunal

“Na impossibilidade do Autor e do seu pai, foi contratado pessoal para tratar dos animais, e o Autor pôde manter a prestação de alguns cuidados àqueles animais, desde Julho de 2019, e de forma ampla e nos exactos termos pretendidos pelo Autor a partir de 13 de Setembro de 2019”

61. Alterando conscientemente a verdade dos factos. (artigo 64º da contestação)

Eliminado por este Tribunal

62. Omitindo factos relevantes para a boa decisão da causa. (artigo 65º da contestação).

Eliminado por este Tribunal

63. Deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, (artigo 66º da contestação)

Eliminado por este Tribunal

64. Fazendo, um uso malicioso e abusivo, manifestamente reprovável, deste processo, com o fim de alcançar um objectivo ilegal. (artigo 67º da contestação)

Eliminado por este Tribunal

65- Facto aditado por este Tribunal (Factos dados como não provados no Proc.º crime n.º 266/16....

1. Em data não concretamente apurada, mas no início do ano de 2005, os arguidos, de comum acordo e em comunhão de esforços e de fins, decidiram recrutar indivíduos desempregados, com apoio familiar e recursos económicos inexistentes ou muito débeis, dependentes do álcool e/ou do tabaco e/ou diminuídos a nível cognitivo, a fim de prestarem trabalho para os mesmos nas quintas que exploram na localidade de ..., ..., a troco de nada mais que alojamento e alimentação precários.

2. Em concretização de tal desígnio, no ano de 2005, os arguidos abordaram MM e NN, aos quais prometeram um emprego na respetiva exploração agropecuária, em troca de um salário, acrescidos de alimentação e habitação, bem como de descontos para regime de proteção social, propostas essas aceites por MM e NN.

3. Os arguidos, relativamente ao regime laboral que prometeram a MM e NN, apenas no que diz respeito ao MM cumpriram parcialmente o acordado no primeiro mês de prestação de trabalho com o pagamento do ordenado estipulado.

4. Os arguidos, aproveitando-se da grande debilidade socio-económica e da situação de especial vulnerabilidade de MM e NN, nada mais cumpriram quanto às contraprestações devidas pela prestação da respetiva força de trabalho.

5. Os arguidos passaram a tratar MM e NN por “criados”, e obrigavam-nos a iniciar os trabalhos entre as 5h30m/6h30m, consoante fosse verão ou inverno, terminando a jornada de trabalho pelas 22h00m, sem direito a tempos de repouso, feriados ou dias festivos, mediante a atribuição de escassa alimentação e muito precárias condições de habitabilidade.

6. O quarto referido em 11. dos factos provados era onde os assistentes para além de dormirem, também residiam.

7. O local onde os arguidos colocaram MM e NN a residir não tinha qualquer isolamento contra o frio, nem as mínimas condições de higiene.

8. Os arguidos sujeitavam MM e NN a precárias e degradantes condições de saúde física e psíquica, alojamento, higiene e segurança.

9. Quando MM e NN regressavam molhados pela chuva e com frio, não tinham possibilidade sequer de se enxugar e aquecer.

10. Ao longo de todo o período de tempo em que MM e NN trabalharam para os arguidos, quando aqueles não executavam os trabalhos que lhes estavam atribuídos da forma pretendida pelos arguidos, estes intimidavam-nos e atemorizavam-nos, exigindo que trabalhassem mais e melhor, deixando MM e NN sem qualquer capacidade de reagirem.

11. MM e NN não se insurgiam, mais frequentemente contra com as descritas condições de vida e laborais, por temerem ser agredidos física e verbalmente por parte dos arguidos, como efetivamente foram por inúmeras vezes, ou ver a sua situação de vida ainda mais prejudicada.

12. Para concretizar os seus intentos, durante o período de tempo em que os assistentes viveram e sua casa, os arguidos retiveram os documentos pessoais de MM e NN, entre os quais os respetivos bilhetes de identidade/cartão de cidadão, com o propósito de evitar que se ausentassem.

13. MM combinou com os arguidos um ordenado de €200,00 (duzentos euros) por mês e descontos para a Caixa Geral de Aposentações.

14. MM recebeu o ordenado de € 200 do primeiro mês.

15. Em data não concretamente apurada, mas no decurso do mês de maio de 2016, MM chateou-se com o arguido BB, tendo-lhe pedido satisfações sobre o pagamento dos ordenados que lhe devia, como o havia feito em circunstâncias anteriores, tendo o BB respondido, como respondeu nas noutras ocasiões, que era o MM quem lhe devia doze anos de renda de casa e de gastos com alimentação.

16. O arguido AA actuou nos termos descritos em 16. dos factos provados, apenas aparentando estar a ajudar o MM.

17. MM nunca viu qualquer documento relacionado com a sua conta bancária, à qual nunca teve acesso, bem assim nunca teve qualquer conhecimento do desfecho do pedido de atribuição da reforma em França.

18. O arguido AA apropriou-se e fez suas as quantias referidas em 18. dos factos provados, em prejuízo do assistente MM.

19. O referido em 20 dos factos provados acontecia por o assistente MM temer ser agredido física e verbalmente por parte dos arguidos, como efetivamente foi por inúmeras vezes, ou ver a sua situação de vida ainda mais prejudicada.

20. MM aguentou viver nas condições descritas até ser hospitalizado no dia 5 de dezembro de 2016.

21. Os arguidos, em comunhão de esforços e identidade de fins, em execução de plano previamente delineado entre ambos, agiram consciente e livremente:

i. com intenções concretizadas de recrutar, aliciar, acolher e alojar MM e NN para os sujeitarem a trabalhos excessivos e não pagos;

ii. com intenções concretizadas de, para atingirem o referido propósito, ludibriar MM e NN através de erro em que ardilosamente os induziram, mediante promessas de integração num posto de trabalho remunerado, com regalias sociais, alimentação e em alojamento condignos, promessas que sabiam, antecipada e deliberadamente, que não iriam cumprir;

iii. aproveitando-se das débeis condições psíquicas e inexistente suporte familiar de MM e NN, razões pelas quais foram MM e NN seduzidos e aceitaram as propostas de trabalho dos arguidos; os quais retiveram os documentos de identificação, e outros, de MM e NN para que as mesmos não se ausentassem, sujeitando-os, efetivamente, a mais de 11 anos de trabalhos excessivos e em condições laborais e de vida degradantes, assim obtendo enriquecimento ilegítimo na mesma medida que causaram prejuízo patrimonial para MM e NN.

22. Mais agiram os arguidos, em comunhão de esforços e identidade de fins, em execução de plano previamente delineado entre ambos, reiterada, delibera e persistentemente ao longo de mais de onze anos, aproveitando-se de especial vulnerabilidade dos assistentes, sem qualquer respeito pela dignidade que merece qualquer ser humano, com intenções concretizadas de as reduzir à condição de meras coisas, objetos ou animais de sua pertença, ou seja, subjugaram-nos a uma completa relação de domínio imposto por meio de violência física e psíquica, receio, medo, inquietação, com abuso de autoridade derivada de ascendente económico e em função do trabalho, não tendo MM e NN qualquer poder de decisão sobre o modo e tempo da prestação do trabalho, apenas fornecendo os cuidados estritamente essenciais à sobrevivência necessária à continuidade o desempenho da atividade laboral.

23. Foram MM e NN constrangidos, deliberadamente pelos arguidos, a trabalhar e a viver sem o mínimo de condições de habitabilidade, higiene, saúde física e psíquica, privacidade, alimentação e trabalho, sobrecarregando-os com trabalhos excessivos, sendo maltratados física e psicologicamente pelos arguidos, por forma a subjugá-los inteiramente à sua vontade e caprichos, privando-os de toda e qualquer liberdade, nomeadamente liberdade física de movimentos, liberdade de decisão e liberdade de ação, reduzindo-os a “coisa sua” e a um estado de sujeição total, tratando-os como seres destituídos de dignidade humana.

24. Com a conduta descrita revelam os arguidos não possuir qualquer respeito para com MM e NN, enquanto pessoas e seres humanos, violando os mais elementares princípios e deveres da vida humana, bem assim da vida em sociedade.

25. Causaram, pois, as referidas condutas assumidas pelos arguidos danos irreparáveis na personalidade e na integridade física e psíquica de MM e NN.

26. Bem sabiam, os arguidos, serem as condutas que assumiram proibidas e puníveis por lei penal.

27. Agiu o arguido AA consciente e livremente, fazendo integrar no seu património o montante total de €1.330,95, à revelia do destinatário de tal pensão de reforma, bem sabendo o arguido AA que tal quantia não lhe era destinada nem lhe pertencia e que, ao atuar da forma descrita, agiu contra a vontade do seu legítimo proprietário.

28. Para o efeito, o arguido AA, por meio de meio ardiloso e aproveitando-se do facto dele não saber ler nem escrever, convenceu o MM de que trataria das burocracias necessárias e à revelia daquele, da mesma se fez co-titular, com a intenção concretizada de, mediante engano a que induziu o MM, se apropriar, como se apropriou, da pensão de reforma deste.

29. Bem sabia, o arguido AA, ser a conduta que assumiu proibida e punível por lei penal”.

*

Factos Não Provados:

- A absolvição do Autor adveio de se haver comprovado que não praticou os crimes de que era acusado. (artigo 10º da petição inicial)

- Tal resultou claramente da prova, que não suscitou dúvidas, não se estando, perante uma absolvição com base no princípio in dubio pro reo. (artigo 11º da petição inicial)

- “até à sua detenção”. (artigo 17º da petição inicial)

- Após tal conhecimento passou a ser motivo de conversa e comentários com teor negativo e depreciativo, factor de que teve conhecimento e lhe acarretaram forte sentimento de desgosto. (artigo 19º da petição inicial)

- Situação que foi mais intensa durante o período da privação da liberdade, mas que se manteve após ela, e ainda hoje afecta a sua imagem social no referido meio. (artigo 20º da petição inicial)

- “teve que procurar apoio psicológico (…), junto da psicóloga Dr.ª OO. (artigo 23º da petição inicial)

- 252. (artigo 29º da petição inicial)

- 145. (artigo 30º da petição inicial)

- Sendo o prejuízo daí decorrente de 16.050,00 euros, pois que cada animal tinha o valor de, pelo menos, 150,00 euros. (artigo 31º da petição inicial)

- E tal aconteceu apesar de o Autor ter sido forçado, (artigo 32º da petição inicial)

- que não gastaria se tivesse liberdade para pessoalmente fazer tais trabalhos. (artigo 33º da petição inicial)

- não foi suficiente (…) não tendo o Autor conseguido contratar mais pessoas – e daí as perdas de animais referidas. (artigo 34º da petição inicial)

- A aludida insuficiência no manejo do rebanho, pela impossibilidade em que se encontravam o Autor e seu pai, levou também à perda de 35 borregos (18 machos e 17 fêmeas) dos nascidos durante o período da privação da liberdade, perda essa resultante da acção de predadores. (artigo 35º da petição inicial)

- prejuízo sofrido é de 2.960,00 euros. (artigo 36º da petição inicial)

-A perda das 107 ovelhas e, bem assim, a insuficiente actividade agrícola no ano de 2019 resultante da impossibilidade de levar a cabo a normal exploração. (artigo 37º da petição inicial)

- viu-se impedido de colher/enfardar tais produtos. (artigo 39º da petição inicial)

- Em tal actividade gastou 791,00 euros, pagos ao referido LL pelo enfardamento de 113 rolos, à razão de 7,00 euros por rolo. (artigo 40º da petição inicial)

- Uma vez que não teve possibilidade de enfardar o feno (actividade que é habitualmente feita por si, comas suas alfaias), não só não conseguiu vender qualquer feno nesse ano, como ainda teve que comprar 1.500 fardos, a 3,00 euros /cada, para fazer face às necessidades do seu rebanho e de seu pai, como custo total de 4.500,00 euros. (artigo 41º da petição inicial)

- Sendo o seu prejuízo de 2.250,00 euros, correspondente à parte (metade) que destinou ao seu gado. (artigo 42º da petição inicial)

- Vendendo, em média, 5.000 fardos por ano, ao preço médio de 3.,00 euros /cada, deixando, pois, de realizar, em 2019, 15.000,00 euros, sendo o seu lucro cessante de 10.000,00 euros, já que o custo de produção é de 1/3 do valor de cada fardo. (artigo 44º da petição inicial). (artigo 44º da petição inicial)

- Ainda, e no ano de 2019, a situação em que se encontrava impediu-o de produzir batata para venda e de colher e vender as suas castanhas. (artigo 45º da petição inicial)

- Produz e vende, em média, 10.000 kg de batata, por ano, ao preço de 0,30 euros /kg, deixando de realizar 3.000,00 euros. (artigo 46º da petição inicial)

- Tendo o lucro cessante de 1.500,00 euros, deduzidos os custos de produção (cerca de ½ do valor de venda). (artigo 47º da petição inicial)

- Quanto à castanha, colhe, em média, 2.000 kg por ano sendo o valor de venda de 2,30 euros /kg deixou de realizar 4.600,00 euros. (artigo 48º da petição inicial)

- Considerando os custos de produção de ¼ desse valor, o seu lucro cessante foi de 3.450,00 euros. (artigo 49º da petição inicial)

- Dado ser frequente a ocorrência de partos múltiplos, cada ovelha pare, em média, 1,20 crias, o rebanho deixou de produzir – considerando apenas o ano imediatamente seguinte – 128 borregos que seriam vendidos ao preço médio de 85,00 euros cada, deixando, consequentemente o Autor de ganhar 10.880,00 euros. (artigo 51º da petição inicial)

*

O demais alegado pelas partes nos articulados que não constam dos factos provados ou não provados, contêm factos irrelevantes ou repetidos, matéria conclusiva ou meramente de direito.

                                                                                         ***                      

  3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que as questões a decidir consistem em saber:

A)- Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada

B)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que decida conceder provimento á pretensão do recorrente.

               Tendo presente que são duas as questões a decidir, por uma questão de método iremos analisar cada uma das situações.

               Assim, analisaremos em primeiro lugar a questão de saber se a matéria de facto deve ser alterada e após a questão de saber se a sentença recorrida deve ser revogada, e substituída por acórdão que dê procedência á pretensão da recorrente.

               Assim,

                                                                          *

A)- Saber se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada

Segundo o recorrente o Tribunal “a quo” errou de facto, pelo que, apreciou mal os factos provados vertidos nos pontos n.ºs 41, 53, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63 e 64.

Os pontos de facto provados nos n.ºs 41, 58, 59 e 60, que dizem respeito à situação relativa ao acompanhamento do rebanho de ovinos do A., durante o período da privação de liberdade, dir-se-á que, e desde logo, o ponto 58 está em clara contradição com o fixado no ponto 24, pois que aqui se diz (o que é verdade) que uma pessoa só não é suficiente para garantir o cabal manejo do gado.

O ponto 59.º dos factos provados também esta mal apreciado, pois não se provou que entidades terceiras (Veterinário Municipal e DGV) tivessem auxiliado o A. no manejo regular do seu rebanho.

Também a afirmação constante do ponto 53 é incorrecta, pois não é legalmente exigível aos produtores de ovinos a comunicação dos nascimentos ou desaparecimentos de animais; tal só é exigível aos produtores de bovinos, como resulta do disposto no nº 4, do art.º 7.º, do Dec-Lei nº 142/2006, Já as movimentações de ovinos, de e para a exploração, são de comunicação obrigatória, nos termos do nº 3 do citado artº 7, mas tal só ocorre quando se verifica a compra ou venda de animais, o que não teve lugar, no que ao A. concerne, durante o ano em esteve privado da liberdade.

Quanto aos pontos 56 e 57 dos factos provados, afigura-se-nos de pouco ou nenhum relevo para o presente processo, pois se trata de cotações médias, apenas para a semana de 14 a 20 de Dezembro de 2020, (cfr. artsº 56º e 57º da contestação) sendo certo que, sendo médias, delas não se pode extrair o valor mínimo ou máximo dos animais e, ainda, não permite saber quais os valores dos ovinos (por referência aos perdidos pelo A) durante todo o período em que esteve privado da liberdade.

 No concernente aos pontos 61 a 64, são inaceitáveis as afirmações deles constantes, pois, e como adiante melhor se explanará quando se abordar a questão relativa à litigância de má fé, não foi deduzida pretensão sem fundamento nem, consciente e deliberadamente, se alteraram ou omitiram factos.

Assim, e em síntese, deverão os factos referidos (41, 53, e 56 a 64) ser suprimidos da epígrafe factos provados; bem como os constantes nos pontos 33 e 37 os quais, como adiante se verá, resultam de uma interpretação incorrecta da douta sentença proferida no Processo nº 266/16...., bem como do Acórdão que a confirma.

Refere também o recorrente que os factos não provados, devem passar a provados, como resulta do depoimento das testemunhas DD; HH; PP; QQ e BB.

Esclarece-se que, por questão de funcionalidade, dado que os itens relativos aos factos não provados não se encontram, na decisão de que se recorre, devidamente numerados, nos iremos referir a eles em função da ordem porque estão elencados (da 1ª à 26ª posição).

Assim, e relativamente ao facto referido em 9º lugar, que versa sobre o valor de cada animal em falta, diremos que será, por ovelha adulta de “100, 150, 200, euros; se for com borregos é mais. Se estiver parida é mais” segundo a testemunha HH; Já a testemunha PP diz que “as borregas podem ir até 150 euros”, Por seu tuno a testemunha BB questionada sobre o valor das ovelhas no período temporal a que nos reportamos disse: “na altura era à volta de 100, 110 (euros) as fêmeas e os machos a 80,70, variava”; mais esclareceu que as ovelhas que faltaram no rebanho do A. eram “todas fêmeas. Por acaso não faltou macho nenhum”.

Assim, consequentemente, e neste ponto deverá ter-se como provado que: o prejuízo decorrente da perda de ovelhas do A. ascendeu a 9.500,00 €, pois cada animal tinha então o valor de, pelo menos 100,00 €; (considerando que, efectivamente, faltaram 95 animais e não 107, como por lapso aritmético se indicou no artº 30º da petição).

Relativamente aos factos não provados – item 13º - com referência à perda de borregos a testemunha BB, questionada sobre se terão desaparecido ou morrido borregos no período em questão, referiu: “sim, terão morrido borregos e ovelhas; `a volta de fêmeas e machos, borregos para aí 35; 36.

Por isso e neste ponto deverá ter-se como provado que: morreram 35 borregos.

Relativamente à alegada impossibilidade de colher/enfardar a sua produção de feno e cereal, o A. alegou que teve de contratar os serviços de um conhecido (LL) para tal e ainda teve de comprar feno para fazer face às suas necessidades.

Sobre este assunto versam os itens 16º, 17º e 18º da epígrafe sobre que nos debruçamos.

Ora, segundo o depoimento de DD que, perguntada sobre se o A. enfardava aveia e feno para os animais e o fez no ano da privação da liberdade, esclareceu: “ele não o fez, mas mandou outra pessoa… um rapaz lá de ...… chamado LL”.

Mais disse que esse LL não chegou a enfardar tudo; esclareceu ainda que os anos normais o A. “enfardava muito feno; ficava com uma pare para ele e vendia o que era a mais; para aí 4 mil ou 5 ou 6 (fardos) sendo, segundo a mesma testemunha o preço de venda de 2, 5 a 3 euros cada fardo. Por seu turno a testemunha QQ esclareceu que o A. costuma ter feno: “para dar e vender e naquele ano admirei-me. Ele pediu-me socorro, entre aspas, a mim, porque não tinha conseguido fazer as colheitas”.

Inquirido sobre a razão disso, referiu: “Eu ouvi dizer que ele estava com pulseira electrónica. Não conseguia sair de casa”. Segundo a mesma testemunha, o A. comprou-lhe 600 fardos… “eu só lhe consegui desenrascar 600 fardos. Ele até queria comprar mais”. A testemunha esclareceu que lhe vendeu a 3 euros cada fardo.

Assim, e relativamente a esta questão, deverá dar-se por provado que: No ano de 2019 o A. não pôde, devido à sua situação, colher/enfardar o cereal e o feno, tendo para tal contratado os serviços de um individuo conhecido por LL, de ..., que colheu e enfardou parte da produção.

E que: teve ainda de comprar fardos, nomeadamente a QQ que lhe vendeu 600 a 3,00 € por unidade, não tendo o A. vendido qualquer fardo ao invés do que sucedeu nos anos anteriores, em que enfardava o necessário para o consumo da sua exploração e ainda vendia o remanescente.

Quanto aos itens 21º e 22º da mesma epigrafe, o no concernente à produção de batata e castanha, resulta do depoimento da testemunha DD que o A., no ano em questão: “Não semeou. Não semeou nada. Nem cereais.” e que “também a castanha não pôde colher”.

Esclarecendo que: “vendia batatas em toneladas”… “castanha não era tanta assim, mas ainda eram bastantes sacas”.

Segundo esta testemunha o preço de venda da castanha situava-se entre 2,00 € e 2,50 € por quilo e a batata era vendida 0,25 € a 0,30 € o quilo; no mesmo sentido vão os  depoimentos de HH e BB.

Em consequência, tais itens deverão ser dados como provados no sentido de que: No ano de 2019 a situação em que o A. se encontrava impediu-o de produzir bata para venda e de colher e vender as suas castanhas.

E ainda que: Em média o A. produz e vende algumas toneladas de batata e bastantes sacas de castanhas.

Finalmente, e no que respeita ao último item (26º) ficou claro que cada ovelha pare, geralmente, duas crias, como se alcança do depoimento de BB que esclareceu: “… cada ovelha pare 2 a 3 vezes em 2 anos. Na prática, em 2 anos pare 3 vezes… a maior parte que agora a gente temos é tudo a 2 borregos. Porque se a ovelha não trouxer 2 borregos a gente tenta vender, abatê-la para a carne”.

Esclareceu ainda, a mesma testemunha que os borregos macho eram então vendidos a 70 euros e as fêmeas a 100 euros.

Consequentemente terá de haver-se como provada a factualidade constante do referido item.

Quanto aos demais factos, alegados na petição e de que se considerou não ter sido feita prova suficiente deverá ser aplicado aqui o comando do artº 609º, nº 2, do C. P. Civil, uma vez demonstrada a existência da obrigação de indemnizar, ordenando-se a liquidação em execução de sentença.

Tal como, de resto, foi decidido no Acórdão dessa Relação de Coimbra, proferido em 10/10/2017, no Processo nº 228/15...., a cuja argumentação e decisão aderimos integralmente.

                                                           *

Na resposta o recorrido sobre tal matéria refere.

Quanto aos factos provados:

O facto dado como provado em 41.º foi confessado pelo Autor, em depoimento de parte, mal se compreendendo agora que o mesmo não deveria ser dado como provado

Relativamente aos factos dados como provados em 58, 59 e 60, no que diz respeito ao acompanhamento pelo A. do seu rebanho de ovinos, os mesmos resulta, essencialmente da prova documental, extraída do processo n.º 266/16.... e junta com a contestação, de onde se pode verificar o momento a partir do qual foram requeridas autorizações para o desempenho de actividades de pastoreio pelo A, as diferentes autorizações que foram sendo concedidas, quer ao A. quer ao seu pai.

Tal factualidade resulta provada, desde logo:

a) Do teor da fundamentação do Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 266/16...., no âmbito do qual se extrai que o ali arguido BB

declarou “que, apesar do Sr. MM dar uma ajuda, se não estivesse, o próprio

arguido faria o trabalho, o que aliás tem acontecido desde que saíram, não tendo

desde então contratado ninguém, acrescentando que mesmo depois deste

processo, com a autorização de duas horas para ele e duas para o filho,

conseguem tratar de tudo”.

b) Do requerimento datado de 17 de Junho de 2019 (de fls. 98/verso a 99/verso) entregue pelo Autor e pelo pai, BB, no processo comum colectivo n.º 266/16...., e do despacho que se lhe seguiu, de fls. 100, extrai-se que ali foi requerido e indeferida a autorização especial de ausências para desenvolvimento da actividade laboral, mas que os arguidos podiam, por si ou por interpostas pessoas, contratar pessoal habilitado para tratar dos animais, bem como para efectuar a colheita das forragens, palha de centeio e aveia. Aí se verifica ainda ter sido determinado comunicar “ao veterinário municipal, com cópia do requerimento fls. 781 e 782, para melhor compreensão, que os arguidos, proprietários de vários animais, encontram-se sujeitos à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, para os fins tidos por convenientes, mormente adopção de medidas necessárias e urgentes para assegurar o bem-estar e protecção dos animais durante o tempo em que vigorar a medida de coação, como doutamente promovido.”

c) Do documento de fls. Fls. 101, datado de 10 de Julho de 2019 e subscrito pelo Médico Veterinário Municipal de ..., resulta que este se deslocou às

explorações de BB e AA, no dia 28 de

Junho de 2019, pelas 14.00 horas, verificado que os animais, cerca de 400, se

encontravam divididos em dois rebanhos, um com fêmeas paridas de fresco e

outras próximas a parir, em número de aproximadamente 60, pastavam sozinhas

numa propriedade vedada junto ao ovil, onde recolhiam durante a noite; que o

outro rebanho, de cerca de 350 ovinos, estavam “acarradas” numa zona da serra

entre ... e ... e seriam apascentadas nessa zona, tendo um pastor

que as acompanhar durante os períodos da manhã cedo, à tarde e noite; verificou

que os animais se encontravam em boas condições corporais; ainda não tinham

sido tosquiados, o que já deveria ter acontecido para evitar problemas de saúde

aos animais, e que, segundo informação do único responsável pelo maneio dos

animais, não aconteceu por falta de pessoal; verificou ainda que no Ovil, não

existia forragem armazenada, sendo os animais alimentados com o que

pastavam; verificou ser pouco pessoal para o maneio de todo o efectivo e só

possível mantê-lo porque era final da Primavera e ainda existia alimento no

campo; manifestou concordância com o exposto pelos arguidos e que a curto

médio prazo, a não serem tomadas medidas, os rebanhos podem ficar ao

abandono ou entrarem numa situação de défice alimentar com consequências

graves para a saúde e bem-estar; informa que a Câmara Municipal não tem

condições para tomar quaisquer medidas para assegurar o bem-estar e a

protecção dos animais, mas apenas adoptar o controlo sistemático das condições

dos animais com visitas periódicas e que as possibilidades e medidas a adoptar

serão: alteração das medidas de coacção de forma a que os arguidos possam

tomar conta do rebanho; os proprietários decidem-se rapidamente pela venda

dos animais; ou o tribunal deve decidir pela venda compulsiva ou abate

compulsivo dos animais. Informou ainda que a necessidade de atenção permanente e a execução das diversas tarefas que envolvem o maneio destes rebanhos exige 3 a 4 pessoas com conhecimento e experiência de agropecuária.

d) Do documento de fls. 102 a 106 e do despacho de fls. 106 a 146, de onde se extrai que, na sequência de novo requerimento formulado pelo Autor e o seu pai a 12 de Julho de 2019, em que se requer autorização para, procederem à tosquia nos dias 16 e 17, entre as 7 e as 19 horas e para procederem ao maneio do rebanho todos os dias entre as 7 e as 10 horas e entre as 17 e as 19 horas; foi autorizado que os arguidos se deslocassem à propriedade denominada ..., entre as 07h00 e as 19h00, nos dias 16 e 17 de Julho, bem como nos dias 18 e 23 de Julho, entre as 07h00 e as 19h00 aos locais referidos e indeferida a autorização para procederem ao maneio dos animais todos os dias entre as 07h00 e as 10h00 e entre as 17h00 e as 19h00;

e) Do documento de fls. 108, em que se requer, a 5 de Setembro de 2019

autorização para se deslocarem ao ovil, no dia 19 de Setembro, entre as 9 e as

12.30 horas e as 14 às 16 horas, tendo, sobre esse requerimento incidido o

despacho junto a fls. 109/verso, deferindo-se o requerido.

f) Do documento de fls. 110 a 111, em que se requer e é concedida autorização para se deslocarem ao ovil, diariamente, 2 horas por dia entre a 8 e as 10 horas e entre as 18 e as 20 horas, porque têm contratado assalariados rurais que asseguram minimamente o manejo do rebanho, mas desde o dia anterior ao do requerimento que não conseguem contratar porque as pessoas se deslocaram para as vindimas.

De tais documentos verifica-se, tal como foi dado com provado em 58, que a medida de coacção imposta no processo n.º 266/16.... não impediu o Autor de assegurar, por si ou através de terceiros, os cuidados considerados adequados a salvaguardar o bem-estar dos animais.

Mais se anota que daquela prova documental é possível extrair que, não obstante a medida de coacção implementada naquele processo n.º 266/16...., foram sendo concedidas ao Autor autorizações para proceder ao cuidado dos animais, desde Julho de 2019 e que, a partir de 13 de Setembro de 2019, todos os pedidos de autorizações formulados pelo Autor foram deferidos, nos exactos termos requeridos (tal como dado como provado em 60).

Tais factos encontram-se ainda suportados nas declarações prestadas pelas testemunhas CC, que afiançou que “andou com o gado do Autor e do seu pai”, e que foi o irmão do Autor, o HH, que o foi ensinar onde devia andar com o gado, tendo depois sido arranjado um outro rapaz para andar com o gado.

Também a testemunha DD, mãe do Autor, adiantou que foram poucas as pessoas que ajudaram e que fizeram o que puderam; relativamente ao rapaz que foi contratado, KK, terá trabalhado cerca de 3 meses seguidos e depois, em Agosto, fazia alguns dias – mas não conseguiu tratar do rebanho sozinho.

A testemunha HH, irmão do Autor, esclareceu que chegou a ajudar o pai e o irmão com o rebanho, tendo pedido uns dias de férias no trabalho,

Referiu que a testemunha CC andou com os animais cerca de 2 semanas; a seguir cotnrataram outro senhor – RR – que deu algum apoio e a família ia tentando ajudar no que podia, nomeadamente um cunhado e um tio; depois contrataram o KK, que trabalhou durante uns meses, mas que não tinha grande zelo pelo rebanho porque nem sempre tomava melhor conta do rebanho.

Do mesmo modo, a testemunha FF disse ter feito vedações para terem os animais em Março de 2019 e ainda ter ajudado com o rebanho.

A testemunha BB confirmou ainda que o filho contratou um rapaz, o KK, que antes já tinha trabalhado na sua exploração.

Assim, não vislumbramos que prova permitiria solução diversa relativamente aos factos dados como provados, sendo inequívoco que a medida de coacção aplicada ao Autor naquele processo limitou a sua liberdade, mas não o impediu de manter alguma da sua actividade agrícola e pecuária, nos termos em que foi dado como provado.

Não se verifica qualquer contradição, conforme invocado, entre os factos dados como provados em 58 e 24, sendo evidente, conforme resulta da prova descrita, que uma pessoa não é suficiente para garantir o cabal manejo do gado (aliás conforme é referido no documento de fls. Fls. 101, datado de 10 de Julho de 2019 e subscrito pelo Médico Veterinário Municipal de ...), o que não significa que não tenha sido possível às diversas pessoas que foram sendo contratadas pelo Autor, juntamente com os seus familiares e amigos que foram provendo por ajuda bem como com as diversas autorizações que foram sendo concedidas ao Autor e ao seu pai, vir a assegurar os cuidados considerados adequados a salvaguardar o bem-estar dos animais. (tal como resulta da prova documental e testemunhal).

Ao contrário do que sustenta o Autor, a prova evidencia que, para além da pessoa contratada para assegurar o regular manejo do gado, houve outras pessoas que foram auxiliando naquela actividade (cfr. declarações prestadas pela testemunha HH), incluindo o próprio Autor e o seu pai, desde Julho de 2019.

Aliás, conforme se começou por invocar, e resulta do teor da fundamentação do Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 266/16.... foi o próprio BB que declarou naquele processo “que, apesar do Sr. MM dar uma ajuda, se não estivesse, o próprio arguido faria o trabalho, o que aliás tem acontecido desde que saíram, não tendo desde então contratado ninguém, acrescentando que mesmo depois deste processo, com a autorização de duas horas para ele e duas para o filho, conseguem tratar de tudo”.

Quanto ao facto dado como provado em 59, ao contrário do que é alegado pelo recorrente, o Tribunal considerou demonstrado que os cuidados aos animais “foram também garantidos por entidades terceiras (Veterinário Municipal e DGV), a quem o Tribunal comunicou o estatuto processual do Autor e a necessidade de salvaguardar aquele rebanho”.

Não foi dado como provado que o Veterinário Municipal ou a DGV manejaram os animais, mas que estas instituições se asseguraram que os animais se encontravam em boas condições de saúde e que os cuidados aos animais se encontram a ser prestados – tal como resulta do documento de fls. 101, datado de 10 de Julho de 2019 e subscrito pelo Médico Veterinário Municipal de ... e do despacho que determinou a comunicação à DGV, motivo pelo qual não se verifica a invocada contradição.

No que concerne ao facto dado como provado em 53, o recorrente alega que não é legalmente exigível aos produtores de ovinos a comunicação de nascimentos ou desaparecimento de animais ovinos e bovinos.
No entanto, o art. 7.º n.º 4 do DL n.º 142/2006 é claro e estabelece que:

“Os detentores de bovinos, ovinos e caprinos são obrigados a comunicar à base de dados informatizada, através da plataforma didigital, os  desaparecimentos e mortes não comunicadas ao SIRCA e datas dessas  corrências, bem como, no caso dos bovinos, as mortes não recolhidas pelo SIRCA e a data dessas ocorrências”.

Por sua vez, o art. 8.º n.º 2 e 3 do mesmo diploma legal estabelece que:

“Os detentores de animais das espécies bovina, ovina e caprina são obrigados a comunicar ao SNIRA a morte de qualquer animal ocorrida na exploração, no centro de agrupamento ou no transporte para outra exploração no prazo máximo de doze horas a contar da ocorrência, para que seja promovida de imediato a recolha do cadáver. A recolha dos cadáveres dos animais referidos no número anterior é efectuada no âmbito do SIRCA, cujas regras de funcionamento são fixadas por despacho do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas”.

Assim, os desaparecimentos e mortes destes animais terão necessariamente que ser comunicadas pelos detentores dos animais, estando o sistema de recolha de cadáveres de animais previsto no art. 5.º e ss. do DL n.º 33/2017, de 23 de Março, inexistindo qualquer erro ou incorrecção na factualidade dada como provada em 53.

No que concerne aos factos dados como provados em 56 e 57, estes resultam de valores médios de cotações de mercado relativos à venda de borregos e ovelhas, que são estabelecidos e fixados regularmente pelo sistema de informação de mercados agrícolas, sendo dados objectivos com relevância para aferição dos valores dos prejuízos invocados pelo Autor, caso os mesmos fossem comprovados, o que não se verificou.

Na verdade, o Autor limitou-se a apresentar prova testemunhal no que concerne ao valor dos animais que comercializava, não tendo sequer junto aos autos um único recibo que permitisse corroborar que vendia os animais ao preço que alega.

Nestes termos, afigura-se-nos relevantes os factos dados como provados em 56 e 57, sendo dados objectivos que permitem infirmar a alegação do Autor no que concerne ao valor dos animais cujo decesso alega, mas não comprova, factos esses que vieram a ser dados como não provados (art. 31.º e 36.º da petição inicial).

O recorrente alega ainda, na sua motivação de recurso, que os factos provados em 61 a 64 foram incorretamente julgados sustentando que não foi deduzida pretensão sem fundamento nem consciente e deliberadamente se alteraram ou omitiram os factos.

Neste conspecto reitera-se que o Autor sustenta a causa de pedir na incapacidade de prestar cuidados aos animais, durante todo o período em que foi sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, que lhe provocaram prejuízos.

Nessa alegação, o autor alterou conscientemente a verdade dos factos; omitiu factos relevantes para a boa decisão da causa; deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, bem sabendo que não lhe assistia razão da sua pretensão contra o Estado, conforme melhor explanaremos na análise da questão suscitada pelo recorrente quanto à litigância de má fé.

O Autor invoca ainda que os factos dados como provados nos pontos 33 e 37 resultam de uma interpretação incorrecta do Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 266/16...., o que não se verifica.

Relativamente à factualidade dada como não provada, inexistem dúvidas que não foi produzida qualquer prova em audiência de julgamento relativamente à inocência do Autor da prática dos factos que lhe foram imputados no PCC n.º 266/16.....

Também não oferece dúvidas que, ao contrário do que sustenta o recorrente, a não prova dos factos não é sinónimo de prova de que o arguido não foi agente do crime (tal como estabelece o art. 255.º do C. P. Penal) e o que decorre da leitura da decisão proferida naquele Acórdão n.º 266/16.... é, simplesmente, a falta de prova dos factos que eram imputados ao ali arguido.

Isto porque os factos daquele processo foram dados como não provados devido à ausência de prova da sua verificação, e não por se ter provado que o A. não os praticou.

Daí que a circunstância do ali arguido ter sido absolvido da prática do crime não permite tirar a ilação de que este não praticou os factos que lhe eram imputados, apenas que estes não foram provados, e consequentemente não pode concluir-se pela sua “inocência”.

Nestes termos, e conforme melhor explicitaremos infra, não se vislumbra

qualquer erro de julgamento quanto aos factos dados como provados em 33 e 37.

                                                                       *

Factos não provados:

Relativamente à factualidade dada como não provada, invoca o recorrente que a mesma deveria ser dada como provada e, para tanto, transcreve, na sua motivação de recurso, as declarações prestadas em audiência de julgamento pelas testemunhas por DD, HH, FF, PP, QQ e BB, sem que aponte em que medida é que tais depoimentos impunham

decisão diversa pelo Tribunal.

Com efeito, tais depoimentos foram valorados pelo Tribunal, que concluiu que os mesmos não permitiam dar como não provada aquela factualidade invocada pelo Autor.

2.1) Quanto ao valor e morte de animais:

Não há dúvida que, conforme invoca o Autor na sua motivação de recurso, as testemunhas ouvidas em Tribunal declararam que o valor dos animais (borregos e ovelhas) se situa, na sua opinião, entre os 70 e 200 euros.

No entanto, aqueles depoimentos prestados pelas testemunhas não lograram

convencer o Tribunal quanto ao valor dos prejuízos invocados, tanto mais que o Autor podia e devida ter junto aos autos documentos demonstrativos do preço a que vendia aqueles animais.

Com efeito, não tendo o Autor junto aos autos qualquer documento que

permitisse demonstrar que habitualmente lograva vender os animais que produzia a preço superior ao preço médio a que são cotados os animais (conforme dado como provado em 56 e 57), o que podia fazer simplesmente através da junção de facturas e recibos da comercialização daqueles animais em anos anteriores ou posteriores, como poderia o Tribunal cingir-se às declarações prestadas por estas testemunhas (familiares e

amigos do Autor) para dar como provado o montante alegado na petição inicial?

Tão pouco poderia o Tribunal extrair daquelas declarações um preço médio de €100,00, conforme se invoca agora em sede de motivação de recurso.

As testemunhas inquiridas não foram sequer credíveis quanto à alegada morte de animais, nenhuma das testemunhas ouvidas fez qualquer menção ao número de animais que poderia ter morrido, nem à causa daquela morte, nenhuma das testemunhas ouvidas logrou esclarecer a omissão de comunicação das mortes ao sistema de registo de animais.

De facto, ainda que as testemunhas tenham referenciado a morte de animais, não é credível que tal não fosse minimamente registado (sendo a comunicação das mortes, desaparecimentos, abates e nascimentos obrigatória e da responsabilidade do proprietário) e que não existisse qualquer controlo por parte do Autor ou do seu pai, relativamente ao efectivo animal ou aos nascimentos, dado que estes, apesar de sujeitos a medidas de coacção privativas de liberdade, lograram contratar pessoal que assumisse a tarefa de pastorear e cuidar do rebanho e mantiveram, a partir de Julho de 2019, autorizações de ausência da residência para realização da sua actividade laboral.

Assim, se não há dúvidas quanto aos factos dados como provados em 20 e 21 quanto à redução do efectivo presente no rebanho do Autor, entre o momento anterior à detenção e posterior à sua libertação.

No entanto, a prova produzida em audiência de julgamento não permitiu

esclarecer o motivo pelo qual ocorreu tal diferença, nem associar essa diferença a mortes provocadas por falta de cuidados do rebanho.

A prova produzida não permitiu esclarecer porque motivo morreram ou

desapareceram os animais pertencentes ao Autor, se é que tal aconteceu, ou se aquelas mortes ou desaparecimentos tiveram qualquer relação com o estatuto processual a que o ora Autor se encontrava sujeito.

Conforme resulta das declarações prestadas pela testemunha GG, médico veterinário que se deslocou à exploração do Autor, em Julho de 2019, mas que já conhecia aquele rebanho, os animais encontravam-se bem tratados, nos exactos termos que fez constar no documento de fls. 101, após aquela data foram sendo concedidas autorizações para cuidar dos animais ao Autor e ao seu pai, e o Autor não efectuou qualquer comunicação de desaparecimento ou morte de animais, conforme se lhe impunha.

Por outro lado, as declarações prestadas pelas testemunhas nesta sede

encontram-se em contradição com aquilo que foi declarado no âmbito do  processo n.º 266/16...., sendo evidente a capacidade de BB adequar o seu depoimento ao que lhe convém – enquanto arguido declarou que as autorizações de duas horas que lhe foi concedidas bastavam para cuidar dos animais, vindo agora sustentar que a medida de coacção afinal implicou a morte de animais.

O próprio Autor formulou requerimentos que juntou àquele processo n.º

266/16.... em que declara que o "gado tem sobrevivido graças a cuidados primários de amigos e familiares têm prestado" (doc. 1 junto com a contestação) e que “têm contratado assalariados rurais que assegurem minimamente o manejo de tal rebanho" (doc. 6 junto com a contestação), para agora afirmar a sua morte...

Por outro lado, importa reter que o Autor apenas requereu autorização ao Tribunal para desempenhar a sua actividade laboral em 17 de Junho de 2019 e, nessa data, já invocava a morte de 72 animais, nada mais se referindo a mortes de animais após essa data e, de acordo com a informação do veterinário municipal, estes apresentavam-se em boas condições gerais, apesar de necessitarem de tosquia.

A prova produzida em audiência de julgamento não permitiu concluir porque

motivo morreram ou desapareceram os animais pertencentes ao Autor, se é que tal aconteceu, ou se aquelas mortes ou desaparecimentos tiveram qualquer relação com o estatuto processual a que o ora Autor se encontrava sujeito.

O Autor não comprova igualmente o valor patrimonial dos animais, já que se bastou apenas com a declaração das testemunhas, familiares do Autor, e com interesse, ainda que indirecto, na causa, e relativamente às quais o Tribunal não conferiu credibilidade, olvidando que existem cotações, publicadas, relativamente ao valor dos animais, que varia consoante as suas características particulares e, bem assim, que o invocado valor apenas poderia ser comprovado através de documentos (designadamente facturas de compra/venda de animais semelhantes), o que não ocorreu.

2.2) Quanto à impossibilidade de colher e enfardar a produção de feno e

cereal/de plantar batatas e colher castanhas:

Não há igualmente dúvida que, conforme invoca o Autor na sua motivação de recurso, as testemunhas ouvidas em Tribunal declararam que o Autor contratou o “LL” para colher e enfardar palha e que ainda foi necessário comprar feno para fazer face às necessidades.

Do mesmo modo, aquelas testemunhas também declararam que o Autor se viu impedido de plantar batatas ou colher castanhas.

No entanto, não tendo o Autor comprovado documentalmente, conforme se

impunha, qualquer pagamento a terceiros para a realização daquele trabalho, ou a aquisição de fardos para a alimentação de animais, tal como alegado não poderia o Tribunal dar como provados aqueles factos, apenas com base nos depoimentos daquelas testemunhas, com evidente comprometimento com a versão do Autor.

Tão pouco ficou demonstrado que o Autor não tivesse logrado colher e enfardar todo o feno e palha, que não tivesse plantado e colhido batatas ou apanhado castanhas (tendo sido adiantado pela testemunha HH que as castanhas tinham sido furtadas), não tendo sido efectuada qualquer prova de que o negócio em causa gerasse o lucro invocado pelo Autor.

Refira-se ainda que, após requerimentos concretizados a 12 de Julho de 2019 e 15 de Julho de 2019, o Autor e o seu pai foram autorizados a proceder à tosquia dos animais no ovil de ... e a deslocarem-se a diversas propriedades com o objectivo de cortar as suas culturas de grão, centeio e aveia, destinadas a alimentar os animais, entre as 07.00h e as 10.00h e as 1 7.00 e as 19.00h, exactamente como requerido por estes, nada tendo sido requerido quanto a plantação de batatas ou recolha de castanhas.

O Autor não logrou provar que não procedeu ao enfardamento de aveia, centeio e feno, à plantação e colheita de batatas e castanhas, porque motivo o não fez e qual a relação com a medida de coacção aplicada.

Tão pouco foi produzida qualquer prova, designadamente documental, de que o Autor se dedica ao comércio de fardos de aveia ou centeio, ou à produção de batata e castanhas, e de qual o montante anual que aufere com tal actividade.

E tal como resulta da fundamentação da decisão recorrida “o Autor podia e devia ter juntado aos autos documentos demonstrativos do decréscimo de actividade em relação aos anos anteriores, nomeadamente documentos contabilísticos ou extractos bancários, o que não fez”, não sendo suficiente para prova a mera prova testemunhal, que ademais se revelou implicada com a versão do arguido.

Por esse motivo não podia o Tribunal dar como provado que o Autor, no ano de 2019, não pôde colher e enfardar o cereal e o feno, que contratou um indivíduo para colher e enfardar parte da produção, ou que teve que comprar fardos, o que não acontecia nos anos anteriores, ou que tais factos possuíam qualquer relação com a medida de coacção aplicada.

Tal como não poderia considerar demonstrado que o Autor não produziu batata para venda e que não colheu castanhas, ou que tais factos possuíam qualquer relação com a medida de coacção aplicada.

2.3) Relativamente às crias que o rebanho deixou de produzir:

            Invoca o Autor, à míngua evidente de outra prova, que a prova do facto 26.º (da factualidade não provada) resulta das declarações da testemunha BB, que neste conspecto se limita a referir que o habitual é cada ovelha parir dois borregos.

O Autor não provou quantas ovelhas prenhas teria, quantas dessas desapareceram, quantas pariram, quais dessas não pariram, quantos animais deixaram de nascer, e porquê, ou o seu preço…

Aliás, de acordo com as declarações da testemunha DD, as ovelhas “paridas de poucos dias” e as crias eram guardadas em armazém, sendo esta que cuidava delas, na ausência do seu marido e filho.

Consequentemente, bem andou o Tribunal ao dar como não provado o facto 26.º.

Nestes termos, bem andou o Tribunal “a quo” ao dar como provados os factos 41.º, 53.º, 56.º, 57.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º, 62.º, 63º, 64.º, 33.º e 37º e não provados os factos não provados, nos termos em que o fez, devendo manter-se a decisão relativa à matéria de facto na íntegra.

                                                                                         *

            Sobre esta matéria (fundamentação da matéria de facto) refere a sentença recorrida.

O tribunal formou a sua convicção com base no acordo das partes nos articulados e conjugação e análise dos documentos juntos aos autos, tendo presentes as regras da experiência e da normalidade do acontecer.

Considerou, relativamente à factualidade objectiva alegada pelas partes, os documentos comprovativos de tal prova, sendo relevantes os seguintes:

- Fls. 9 a 81 – acórdão proferido em 19 de Dezembro de 2019 no processo n.º 266/16...., do Juízo Central Cível e Criminal – Juiz do Tribunal Judicial da comarca ..., que decidiu em:

«Absolver os arguidos BB e AA da prática em co-autoria material, e na forma consumada, de dois crimes de tráfico de pessoas, p. e p. pelo art.º 160º n.º 1 alíneas a) a e) e n.º 7 do Código Penal e dois crimes de escravidão, p. e p. pelo art.º 159º n.º 1, todos do Código Penal que lhes vinham imputados.

Absolver o arguido AA da prática em autoria material e na forma consumada de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art.º 205º n.º 1, ambos do Código Penal, que lhe vinha imputado».

*

«Julgar extinta a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com recurso a meios de vigilância electrónica aplicada aos arguidos BB e AA, determinando a sua imediata restituição à liberdade.”.

Os factos provados no acórdão, com relevo para a decisão a proferir nestes autos, são os seguintes:

1. Os arguidos, BB e de AA, pai e filho respetivamente, residem ambos no Largo ..., ... – ..., onde são proprietários de três casas e de um café que exploram, denominado “...”.

2. Os arguidos dedicam-se, para além da exploração do referido café, à agricultura e pecuária.

(…)

4. No ano de 2005, em primeiro lugar, MM e depois NN, foram para casa dos arguidos, tendo passado a trabalhar para os mesmos na sua exploração agropecuária.

5. Nessa altura, os assistentes MM e NN, encontravam-se em más condições socioeconómicas.

6. MM e NN trabalhavam para os arguidos, o primeiro apenas a guardar o rebanho; e o segundo também realizava certos trabalhos agrícolas, sem terem um horário pré-definido e sem o gozo de férias.

7. Os assistentes iniciavam o trabalho, em regra, no Verão, entre as 6h- 7 h da manhã e no Inverno cerca das 8h-9 h, e no final do dia regressavam a casa, no Verão, cerca das 21h e no Inverno cerca das 17h-18 h, tendo sempre um período de almoço que não era fixo, sendo que no Verão, entre as 10h-11 h e as 18 horas, não estavam com o rebanho e tinham, normalmente, esse período de descanso.

8. Os arguidos não procederam ao pagamento de quaisquer salários aos assistentes, nem procederam a descontos para qualquer sistema de proteção social.

9. Os arguidos davam aos assistentes dormida em sua casa, alimentação, roupa e suportavam as demais despesas dos assistentes.

10. MM e NN passaram a residir com os arguidos em casa destes, e a dormir num quarto existente numa das casas pertença dos arguidos, sita junto ao café que exploram.

11. O quarto onde dormiam MM e NN não tinha aquecimento e não tinha casa-de-banho.

12. Os assistentes MM e NN viveram em casa dos arguidos ao longo de mais de onze anos.

13. MM, nascido a .../.../1943 era analfabeto, não sabendo ler nem escrever e foi trabalhar para os arguidos, na respetiva exploração agropecuária, no dia 5 de fevereiro de 2005 e esteve a trabalhar para os arguidos durante 11 anos e 10 meses, dando-lhe estes alojamento, alimentação e vestuário e pagando as demais despesas, designadamente de higiene e barbeiro, um maço de tabaco por dia e, por vezes, alguns montantes, incertos, em dinheiro, nomeadamente €5, €10,00 ou € 20.

14. Os arguidos nunca efetuaram descontos para a Caixa Geral de Aposentações ou para qualquer outro sistema de proteção social.

15. Quando fez 65 anos, MM decidiu tratar de receber a reforma a que teria direito pelo tempo em que trabalhou em França, sendo que, para o efeito, foi necessário abrir uma conta bancária.

16. O arguido AA, no dia 16.9.2010, abriu uma conta bancária com o número  ...75 na instituição bancária Banco 1... em nome do MM, o qual nada assinou por não o saber fazer, co-titulada por este arguido.

17. Foi atribuída uma reforma pela congénere da segurança social francesa, ao MM e os documentos relativos à conta n.º  ...75, entre os quais as cadernetas e cartões de débito/crédito que permitiam a respetiva movimentação, foram entregues ao arguido AA.

18. Nessa conta bancária, pela congénere francesa da segurança social, foram depositados a favor do MM, a título de pensão de reforma, as seguintes quantias:

i. no dia 13.3.2014, no valor de €492,62;

ii. nos primeiros dias de cada mês, desde abril de 2014 a agosto de 2016, a quantia de €23,46;

iii. em 23.8.2016 a quantia de €61,31;

iv. nos primeiros dias de cada mês, desde setembro de 2016 a dezembro de 2016, a quantia de €24,17; num total de €1.330,95 (mil trezentos e trinta euros e noventa e cinco cêntimos).

19. O arguido AA procedeu ao levantamento dessas quantias, tendo ficado a referida conta bancária com o saldo a zero.

20. MM não pedia justificações ao arguido AA relativamente a esta conta e aos levantamentos efectuados na mesma.

21. O assistente MM foi hospitalizado no dia 5 de dezembro de 2016, sendo certo que todos os seus bens, nomeadamente roupas e documentos pessoais e bancários, entre eles o seu bilhete de identidade e a caderneta da respetiva conta bancária, continuaram, como já estavam, na casa dos arguidos.

22. Posteriormente, o MM foi encaminhado para um Lar, pela Segurança Social da ....

23. NN, nascido a .../.../1971, padece de debilidade mental ligeira e síndrome de dependência do álcool.

24. Na exploração agropecuária dos arguidos e a mando destes, por vezes, trabalhava com o tractor, com a motosserra, ou pastoreava gado, situação que se manteve durante cerca de 12 anos, até agosto de 2017.

25. Durante esse período de tempo, o NN não recebeu qualquer salário e nunca os arguidos efetuaram descontos, a favor do NN, para a Caixa Geral de Aposentações, ou para qualquer outro sistema de proteção social.

26. NN era retribuído pelos arguidos, com as refeições, alojamento, vestuário, pagamento das suas despesas de higiene, barbeiro, um maço de tabaco por dia e, por vezes alguns montantes, incertos, em dinheiro, nomeadamente €5, €10,00 ou € 20.”.

E, na motivação da matéria de facto, considerou-se, no acórdão, que:

“No caso dos autos, em face do que antecede, e perante a prova produzida nos termos supra expostos, livremente avaliada e apreciada, de acordo e segundo as regras da experiência, nenhuma dúvida subsistiu para o Tribunal no que respeita aos factos imputados aos arguidos que decidiu dar como provados e não provados, nos termos em que o fez.

Genericamente, diremos que, perante a prova que se produziu, da sua análise, nos termos que vimos de fazer, da sua conjugação e ponderação, também com recurso a critérios de razoabilidade, de lógica e de experiência comum, não foi possível dar como provados os factos que seriam relevantes para as imputações penais feitas aos arguidos.

Isto porque a prova produzida e, em particular, as próprias declarações dos assistentes, não foram de molde permitir que tal acontecesse.

Destarte, como também vimos, a restante prova testemunhal, mesmo aquela que foi arrolada pela acusação e indicada no despacho de pronúncia, em nada permitiu, pelo contrário, ter tais factos como provados.

Assim, no que respeita aos factos que não resultaram provados (que vinham imputados aos arguidos na pronúncia), tal ficou a dever-se à inexistência ou insuficiência da prova acerca dos mesmos produzida, pelos motivos que já decorrem também de tudo quanto afirmámos.

Uma nota para salientar que os arguidos trouxeram aos autos uma versão com, pelo menos aparente, coerência e consistência, para além de, no essencial, ter sido confirmada pela prova documental carreada para os autos e pela generalidade da prova testemunhal, incluindo a que se encontrava arrolada na acusação (indicada no despacho de pronúncia) e mesmo, nalguns aspectos, pelos assistentes.

No que a estes concerne, como já referimos quando nos reportámos às suas declarações, as mesmas foram, em muitos aspectos, incongruentes, desprovidas de lógica, rigor.

Todavia, relativamente a alguns dos factos que aos arguidos vinham imputados, acabaram por não os confirmar, nomeadamente no que respeita aos maus tratos, má alimentação, privação da liberdade, impossibilidade de escolha, medo e também quanto à factualidade que se prende com os seus documentos (pese embora, como também vimos, também em relação a estes aspectos, nem sempre foram coerentes, nomeadamente as declarações do assistente NN).

De todo o modo, não podemos deixar de referir que ficou bem claro, em face das declarações dos assistentes que, aquilo que os movia, e move, é o não pagamento por parte dos arguidos de um salário que, neste momento, entendem ser devido, chegando mesmo o assistente MM a dizer que é apenas isso e que não tem mais nada contra eles.

Mais uma breve nota, para referir que a prova necessária para se poderem ter por demonstrados os factos imputados aos arguidos, é aquela carreada para os autos (esta em termos documentais) e, em particular, a que se produz em julgamento.

Assim, analisada e conjugada toda a prova, entendeu o Tribunal que, efectivamente, este é um processo em que os factos imputados aos arguidos (de enorme gravidade), em nada coincidem, ou foram confirmados, pelo menos na sua maioria, pela prova carreada para os autos e produzida em julgamento.

Acresce que, não estamos aqui em sede de qualquer incumprimento contratual (maxime incumprimento de contrato de trabalho), mas em matéria de natureza criminal, sendo certo que não têm os arguidos o ónus de provar o que quer que seja, mas antes tal ónus recai sobre o Ministério Público (que, neste caso, concluiu, até, pela absolvição relativamente à prática do imputado crime de escravidão) e sobre os assistentes, sendo certo que, no caso em apreço, não lograram, de modo algum, fazer tal prova.

De igual modo, relativamente à matéria dos pedidos cíveis que também não resultaram provados, tal ficou a dever-se ao facto da prova acerca dos mesmos (e porque directamente relacionados com os factos que lhes vinham imputados em termos criminais) não ter sido, como vimos, certa, credível e consistente.”

- Fls. 81/verso e 82 – cópias de registos do sistema nacional de informação e registo animal – ovinos e caprinos – consultas -, datado de 17 de Março de 2022 – relativo ao período entre 1 de Janeiro e 31 de Janeiro de 2019, e entre 1 de Dezembro e 31 de Dezembro de 2019, relativos à exploração MC07Z, do Autor.

Da leitura dos registos, verifica-se e apenas se pode concluir que, relativamente à exploração do Autor, em 31.01.2019, era composta por 14 machos e 224 fêmeas ovinos e em 31.12.2019, por 6 machos e 137 fêmeas ovinos, não se podendo concluir da causa de redução do número de animais, nem se quer se, à data em que o Autor foi detido e sujeito à medida de coacção de OPHVE, ainda possuía 238 ovinos ou não.

- Fls. 82/verso a 83/verso – documentos intitulados de saída de caixa, n.º s 1 a 6, emitidos pelo Autor, como empresário agrícola, a KK, constando dos mesmos que “recebeu a quantia” de 700,00 euros no mês de Abril de 2019, 700,00 euros no mês de Maio de 2019, 700,00 euros, cem euros, 140,00 euros e 120 euros, por serviços prestados, jorna e agrícolas, datados dos meses de Maio a Setembro de 2019;

- Fls. 84 – carta remetida pelo IFAP ao Autor, relativa à decisão final proferida no processo 3110/20... – assunto: prémio por ovelha e cabra – campanha de 2019; relativo a controlo administrativo levado a cabo, tendo-se constatado uma situação de incumprimento da legislação aplicável ao regime de apoio associado “animais” para o sector da carne de ovino e caprino no ano de 2019, e ter sido indevidamente pago valor por ter sido detectada uma incorrecção de 71 animais elegíveis no prémio referido: quando a diferença verificada entre o número de animais declarados e o número de animais determinados e os casos de incumprimento não disserem respeito a mais de 3 animais, o montante da ajuda ou apoio é reduzido – porque não foi apresentada qualquer resposta ao ofício enviado ao Autor, e que se mantém a ocorrência que determinou a recuperação da quantia de 2.415,71 euros, determinou-se a reposição daquele montante considerado como indevidamente pago, que será compensada em futuros pagamentos, e, na falta ou insuficiência destes, seguir-se-á a instauração de processo de execução relativamente ao valor em dívida – mais consta da decisão que, no caso de pretender proceder de imediato à liquidação da quantia, pode utilizar uma das modalidades identificadas na decisão;

- Fls. 85 – Carta enviada pelo IFAP ao Autor, relativa à decisão final proferida no processo 1349/20... – assunto: PDR 2020 – Medida 9 – Manutenção de actividade agrícola em zonas desfavorecida – campanha de 2019; foi determinada a reposição da quantia de 209,98 euros, considerado como indevidamente recebido na campanha em causa; mais consta da decisão o modo de proceder à reposição voluntária e, no caso de não ser feita, se procederá a compensação e, na falta ou insuficiência, à execução fiscal sobre o montante que ficar em dívida.

- Fls. 98/verso a 99/verso – requerimento datado de 17 de Junho de 2019, entregue pelo Autor e pelo pai, BB, no processo comum colectivo n.º 266/16...., de seguinte teor:

“A Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro que regula a utilização de meios Técnicos de Controlo à Distância (Vigilância Electrónica), prevê no artigo 11º do seu articulado que sejam autorizadas saídas aos arguidos.

Neste seguimento, tem entendido a doutrina e a jurisprudência no sentido de atribuir aos arguidos/condenados autorização de ausências para que estes possam Trabalhar ou Estudar.

Com efeito dos autos resulta que os arguidos são empresários e trabalhadores por conta própria na medida em que são detentores de uma exploração de gado e de terenos agrícolas para o efeito.

Após aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, os arguidos contrataram um funcionário assalariado para colmatar a sua falta na exploração.

Contudo, tal funcionário por razões de saúde deixou de prestar serviços na Semana Transacta.

O gado tem sobrevivido graças a cuidados primários que amigos e familiares Têm prestado.

Verificando-se desde a data de aplicação da medida de coacção elevada mortandade face à inexistência de pessoal qualificado para cuidar dos animais recém- nascidos.

Estando neste momento em causa a continuidade da subsistência dos animais e daquela que é a actividade empresarial dos arguidos e do seu agregado familiar que está desprovido de outros rendimentos que os sustentem.

Com efeito necessitam os arguidos de autorização para ausência do local de vigilância de modo a poderem retomar algumas tarefas essenciais à manutenção da sua actividade laboral designadamente;

1- A colheita de forragens, palhas de centeio e aveia, que já deveriam estar colhidas, que servirão de alimento aos animais no inverno. Considerando também tais propriedades se não forem colhidas estão em risco inerente de incêndio, com maior incidência nas freguesias de ..., ... (...), ... e ..., onde existem casas residenciais e outros estabelecimentos:

- ..., junto casa Sr. SS – Freguesia ...;

- ..., junto casa Sr. TT e UU - Freguesia ...;

- ..., Frente ao Lar ... – Freguesia ...;

- ..., junto casa Sr. VV e WW – Freguesia ...;

- ..., junto armazém do Feno/campo futebol- Freguesia ...;

- ... junto estabulo ovelhas – Freguesia ...;

- ..., junto garagem trator Sr. XX e ...- Freguesia ...;

- ... junto á Sede Junta Freguesia ... – ...;

-... junto á casa YY e casa Sr. ZZ – ...; - Avenida ..., junto casa Sr. AAA e ...;

-..., junto armazém do feno- ...;

- ..., junto estrada nacional ...26 e oficina e stand venda automóvel ... – ...;

2- A necessidade de 2 horas para reparar a condicionadora de limpeza num torneiro de modo a reparar uma peça partida. Considerando que o torneiro mais próximo é na oficina do Sr. SS na freguesia ... cerca de 8 km.

3- Necessidade de cuidados diários ao rebanho que conforme supra referido tem actualmente com cerca de 400 ovelhas está a passar graves problemas em face da perda de excelentes animais geneticamente seleccionados á mais de 40 anos e inscritos no livro de raças autóctones da Raça Bordadeira da Serra da Estrela.

Animais que estão no pico alto de partos, nas últimas semanas de gestação. Tendo nos últimos 3 meses morrido 72 animais por falta de apoio nos partos e na respectiva amamentação que é necessária nos dias seguintes ao parto.

4- Face ao início do Verão é necessária a tosquia das ovelhas (retirar a Lã) das ovelhas sob pena de os animais estarem em constante sofrimento.

Meritíssima juíza, os trabalhos supra elencados têm necessariamente de ser feitos pelos arguidos BB, e AA, na medida em que são os únicos que conhecem as propriedades que necessitam de intervenção. Por sua vez a falta de mão-de-obra qualificada implica que sejam os arguidos a tosquiar as ovelhas, assim como o acompanhamento dos partos e amamentação das crias e do gado.

Termos em que se requer autorização especial de ausências para desenvolvimento da actividade laboral, em horário e regime adequado e compatível com a medida de coacção aplicada, a fixar doutamente por vossa excelência.”.

- Fls. 100 – Foi proferido despacho judicial em 26 de Junho de 2019 sobre o requerimento apresentado em 17 de Junho de 2019 no âmbito do processo comum colectivo n.º 266/16...., onde se decidiu, atendendo também ao que foi promovido pelo Ministério Público, “por ora” indeferir a autorização especial de ausências para desenvolvimento da actividade laboral, requerida pelos arguidos, e que os arguidos podiam, por si ou por interpostas pessoas, contratar pessoal habilitado para tratar dos animais, bem como para efectuar a colheita das forragens, palha de centeio e aveia.

Decidiu-se ainda manter os arguidos sujeitos, para além do TIR, às medidas de coacção de obrigação de permanência na habitação, com recurso a meios técnicos de controlo à distância e de proibição de contactar, por qualquer meio, por si ou por interposta pessoa, com as vítimas identificadas nos autos.

E determinou-se comunicar “ao veterinário municipal, com cópia do requerimento fls. 781 e 782, para melhor compreensão, que os arguidos, proprietários de vários animais, encontram-se sujeitos à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, para os fins tidos por convenientes, mormente adopção de medidas necessárias e urgentes para assegurar o bem-estar e protecção dos animais durante o tempo em que vigorar a medida de coação, como doutamente promovido.”.

- Fls. 101 – resposta prestada pelo Médico Veterinário Municipal de ..., datado de 10 de Julho de 2019, em que refere ter-se deslocado às explorações de BB e AA, no dia 28 de Junho de 2019, pelas 14.00 horas, verificado que os animais, cerca de 400, se encontravam divididos em dois rebanhos, um com fêmeas paridas de fresco e outras próximas a parir, em número de aproximadamente 60, pastavam sozinhas numa propriedade vedada junto ao ovil, onde recolhiam durante a noite; que o outro rebanho, de cerca de 350 ovinos, estavam “acarradas” numa zona da serra entre ... e ... e seriam apascentadas nessa zona, tendo um pastor que as acompanhar durante os períodos da manhã cedo, à tarde e noite; verificou que os animais se encontravam em boas condições corporais; ainda não tinham sido tosquiados, o que já deveria ter acontecido para evitar problemas de saúde aos animais, e que, segundo informação do único responsável pelo maneio dos animais, não aconteceu por falta de pessoal; verificou ainda que no Ovil, não existia forragem armazenada, sendo os animais alimentados com o que pastavam; verificou ser pouco pessoal para o maneio de todo o efectivo e só possível mantê-lo porque era final da Primavera e ainda existia alimento no campo; manifestou concordância com o exposto pelos arguidos e que a curto médio prazo, a não serem tomadas medidas, os rebanhos podem ficar ao abandono ou entrarem numa situação de défice alimentar com consequências graves para a saúde e bem-estar; informa que a Câmara Municipal não tem condições para tomar quaisquer medidas para assegurar o bem-estar e a protecção dos animais, mas apenas adoptar o controlo sistemático das condições dos animais com visitas periódicas e que as possibilidades e medidas a adoptar serão: alteração das medidas de coacção de forma a que os arguidos possam tomar conta do rebanho; os proprietários decidem-se rapidamente pela venda dos animais; ou o tribunal deve decidir pela venda compulsiva ou abate compulsivo dos animais.

Informou ainda que a necessidade de atenção permanente e a execução das diversas tarefas que envolvem o maneio destes rebanhos exige 3 a 4 pessoas com conhecimento e experiência de agropecuária.

- Fls. 102 a 106 – requerimento apresentado em 12 de Julho de 2019 pelo Autor AA no referido processo n.º 266/16....: pronuncia-se em relação à comunicação do Veterinário Municipal e refere-se à falta de mão-de-obra rural na área de residência dos arguidos e que apenas conseguiram a colaboração de um assalariado rural e que este tinha informado que ia deixar o trabalho por motivos familiares; que a insuficiência de mão-de-obra para acompanhar as ovelhas levou a que, nas últimas semanas tenham morrido 78 animais por falta de apoio nos partos e no acompanhamento da amamentação dos borregos nos primeiros dias e que o momento é o de maior “pico” nos partos; mais se refere à necessidade de tosquia e que são necessárias 5 pessoas, tendo conseguido a disponibilização de 3 para os dias 16 e 17, sendo necessário os arguidos colaborarem nessa actividade.

Requer autorização para, com o pai (o Autor), procederem à tosquia nos referidos dias, entre as 7 e as 19 horas e para procederem ao maneio do rebanho todos os dias entre as 7 e as 10 horas e entre as 17 e as 19 horas;

- Fls. 106/verso a 146 – despacho que incidiu sobre o requerimento apresentado em 12 de Julho de 2019 no âmbito do processo comum colectivo n.º 266/16...., proferido em 26 de Junho de 2019, tendo decidido: Atento o exposto, com cópia do requerimento do Sr. Veterinário Municipal de fls. 830/1, oficie a DGV, informando-se que, no âmbito dos presentes autos, os arguidos encontram-se sujeitos à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, pelo que não se podem deslocar às suas propriedades para tomar conta dos seus rebanhos e, nessa medida, deverá existir uma fiscalização periódica aos animais e, caso se torne necessário, deverão ser adoptadas medidas administrativas, nos termos do artigo 6.º -A do Decreto-Lei n.º 64/2000, de 22 de Abril, nomeadamente medidas de carácter higiosanitário e de maneio que se mostrem adequadas para corrigir a situação de perigo para os animais que se vier a apurar, designadamente alimentação, abeberamento, alojamento dos animais e, apenas, quando estas medidas não sejam suficientes para pôr termo ao seu sofrimento dos animais, o abate dos mesmos, como doutamente promovido.

Autorizo que os arguidos se desloquem à propriedade denominada ..., entre as 07h00 e as 19h00, nos dias 16 e 17 de Julho, bem como nos dias 18 e 23 de Julho, entre as 07h00 e as 19h00 aos locais referidos a fls. 836, devendo tal autorização ser monitorizada pela DGRSP.

No mais, indefere-se (autorização para procederem ao maneio dos animais todos os dias entre as 07h00 e as 10h00 e entre as 17h00 e as 19h00), na medida em que consubstancia uma alteração da medida da coacção aplicada aos arguidos, designadamente obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, sendo que, compulsados os autos, verifica-se que os mesmos não contêm elementos supervenientes que se traduzam numa atenuação das necessidades processuais de natureza cautelar.”.

- Fls. 108 – requerimento apresentado em 5 de Setembro de 2019 pelo Autor no processo comum colectivo n.º 266/16...., AA, em que requer autorização, bem como ao Autor, para se deslocarem ao ovil, no dia 19 de Setembro, entre as 9 e as 12.30 horas e as 14 às 16 horas, tendo, sobre esse requerimento incidido o despacho junto a fls. 109/verso: deferindo-se o requerido;

- Fls. 110 a 111 - requerimento apresentado pelo Autor no processo comum colectivo n.º 266/16....: autorização para se deslocarem ao ovil, diariamente, 2 horas por dia entre a 8 e as 10 horas e entre as 18 e as 20 horas, porque tem contratado assalariados rurais que assegurem minimamente o manejo do rebanho, mas desde o dia anterior ao do requerimento que não conseguem contratar porque as pessoas se deslocaram para as vindimas;

- Fls. 111/verso e 112 – despachos proferidos no âmbito do processo comum colectivo n.º 266/16...., nos dias 13 de Setembro de 2019, 8 de Outubro de 2019 e 30 de Setembro de 2019, autorizando o requerido pelos arguidos.

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Mais se considerou, para formar a convicção do tribunal:

No depoimento de parte do Autor AA, que confessou os artigos da contestação 24º, 28º, 30º a 34º, 40º e 41º e ainda o artigo 39º, neste caso com a ressalva de que não foi requerido pelo Autor que pretendesse dormir juntos dos animais para os proteger da ameaça dos ataques de lobos, cães selvagens e raposas.

Relativamente à inquirição das testemunhas indicadas pelo Autor, há a referir:

CC, 78 anos, pastor/agricultor;

Esclareceu que, a pedido do seu filho (a testemunha FF), em Março “deste ano”, durante cerca de 15 dias, andou com o gado do Autor e do pai do Autor; tentou ainda dizer que não contou as ovelhas (mas que seriam umas duzentas e cinquenta) e que estas tinham medo e fugiam da testemunha; e que quando guardava o gado na corte, mas com não conhecia o gado muitas ovelhas não entravam na corte, tendo desaparecido muitas ovelhas (umas 8 ou 9) e morrido/desaparecido muitos cordeiros (7 ou 8); os lobos também terão comido algumas ovelhas porque viu o cadáver de 2 ovelhas, o que comunicou ao pai do Autor;

Relativamente à data que referiu, disse, depois, que já não estava certo, tendo-se enganado no ano em que foi, mas também não se lembra em que ano foi, mas que terá sido na altura em que o pai e o Autor estavam obrigados a estarem em casa; e que foi o irmão do Autor, HH, que o foi ensinar onde devia andar com o gado;

Terão depois arranjado um rapaz para tratar do gado.

O filho da testemunha terá andado a fazer umas vedações para o autor e para o pai do autor.

DD, mãe do Autor.

Esclareceu que o Autor ficou muito perturbado, muito mal, porque estava habituado a fazer os seus trabalhos na rua, e ter que ficar fechado; triste, deprimido, abandonado, abatido– e as pessoas da terra não se aproximaram de casa, ninguém apareceu; ele era considerado por toda a gente, bom rapaz, educado – apenas tem vícios nas máquinas para poder trabalhar; não dormia, não comia e teve que ir ao médico de família e depois foi assistido na psiquiatria da ..., onde ainda anda a ser acompanhado;

Relativamente à morte de ovelhas referiu que foram poucas as pessoas que ajudaram e que fizeram o que puderam – as pessoas diziam que era impossível guardar o rebanho sem comunicação com elas, andavam sempre fugitivas – “fugiram algumas”

 do filho terão desaparecido 100 e tal ovelhas; da testemunha umas tantas e do marido 70 e tal; borregos, desapareceram cerca de 70 e tal ao filho; relativamente ao rapaz que foi contratado, KK, terá trabalhado cerca de 3 meses seguidos e depois, em Agosto, fazia alguns dias – mas não conseguiu tratar do rebanho sozinho, e quando guardava as ovelhas no parque, deixava-as e à noite dizia sempre que faltava algum borrego ou uma ovelha;

Confirmou que o filho enfardava todos os anos muito feno e a aveia e vendia o que era a mais (4 ou 5.000, sendo o preço de cada fardo de 2.50 ou 3 euros), mas no ano em causa nos autos pediu a um rapaz de ... para fazer esse trabalho (LL”), mas não terá enfardado tudo, segundo pensa – terá enfardado uma parte; o filho teve que comprar feno porque gastou o que tinha, mas não chegou;

No ano em causa nos autos não semeou batata e não colheu a castanha; vendia todos os anos o que era a mais: toneladas de batatas e bastantes sacas de castanhas; o kilo da batata a 25, 30 cêntimos e o da castanha a 2, 2,50 euros;

Esclareceu que guardam as borregas e vendem os machos, e que as ovelhas parem sempre 2 animais, 2 vezes por ano; que é necessário ajuda de pessoas para a apanha da batata; que o enfardamento do feno é a partir da primavera e a palha no meio do Verão – o filho não poderá ter enfardado tudo porque o tempo que lhe foi concedido era pouco; que o filho não contratou pessoas porque estava em casa …; confirmou que filho foi cortar algum feno e aveia que tinha por cortar, porque o LL” não teria cortado tudo;

Não sabe se o filho pediu para ir apanhar as castanhas.

HH, irmão do Autor.

Esclareceu que chegou a ajudar o pai e o irmão com o rebanho, tendo pedido uns dias de férias no trabalho – a partir de 19 de Março, durante cerca de 1 semana; e vinha quando podia, 1 a 2 fins-de-semana, por mês; 1 semana ou 2 no Verão; nas férias da Páscoa;

Mais esclareceu que mostrou à testemunha CC, onde deveriam andar os animais, tendo aquele trabalhado cerca de 2 semanas; a seguir cotrataram outro senhor – RR – que deu algum apoio e a família ia tentando ajudar no que podia, nomeadamente um cunhado e um tio; depois contrataram o KK, que trabalhou durante uns meses, mas que não tinha grande zelo pelo rebanho porque nem sempre tomava melhor conta do rebanho, não ia, deixava-os no sítio da cerca em vez de fazer o pastoreio normal e ia para o café (o que contavam à testemunha), mas o pai e o irmão da testemunha diziam que era difícil encontrar alguém; a testemunha não dizia nada ao referido trabalhador;

Que o irmão ficou mal, tem um olhar triste e vazio, foi difícil para ele, muito complicado e ainda não melhorou – antes não era assim; a mulher da testemunha é psicóloga (OO) e aconselhou o autor, tendo este ido ao médico de família e, posteriormente, acompanhado pela psiquiatria;

Relativamente à morte de animais, referiu que ovelhas e borregos morreram, desapareceram, o rebanho esteve mal em termos de saúde, carcaças ou só o pelo ou cabeça, na serra, mas não sabe um número exacto e que terá sido por ataques de lobos, animais; que tenha conhecimento não foram vendidas ovelhas naquele período; o valor das ovelhas varia de acordo com a qualidade do animal, sendo o valor médio de um borrego 80, 85 euros e a borrega 120 euros e as ovelhas 100, 150, 200 euros e as velhas 50 euros;

Quanto o feno e palha, o irmão terá cortado algum (não sabe se chegou a pedir a alguém para cortar) – terá comprado feno, porque as ovelhas acabaram por comer mais feno do que seria normal e as ovelhas andaram nos lameiros onde seria para cortar; o irmão costuma vender milhares de fardo de feno, o preço será de 3 euros o fardo; costuma produzir batata e castanha para vender – não produziu batata no ano em que foi detido e as castanhas não puderam ser apanhadas porque não tiveram tempo nem pessoas para as apanharem e não sabe se o irmão procurou pessoas para as apanhar e muitas não estavam para serem apanhadas porque alguém as apanhou; o preço do kilo seria de 2 euros a castanha e a batata 60 cêntimos;

Segundo ainda a testemunha, as ovelhas parem 1 ou 2 crias, 1 a 2 vezes por ano;

Não sabe se o irmão pediu autorização para semear batatas e apanhar castanhas e que terá pedido para embalar o feno, mas, neste caso, não terá sido concedida autorização.

FF, agricultor, esclareceu conhecer o Autor e o pai deste por lhes ter comprado uma ordenha, lhes ter feito vedações para terem os animais em Março de 2019 e ainda ter ajudado com o rebanho – por exemplo para “tirar” as ovelhas, tendo lá “posto” o pai durante 15 dias (testemunha CC); a seguir eles arranjaram outro senhor, que não terá sido muito bom para os animais, deixava os animais e ia para o café, o que lhe contavam em casa do Autor; alguns amigos do pai do Autor também falavam disso … não sabe quantas ovelhas morreram;

Esclareceu que o Autor estava preocupado com os animais, aflito, alterado, triste;

O Autor vendia acima de 1000 a 2000 fardos de feno e o preço do fardo seria de 3 euros; também produzia batata para vender, mas não sabe as quantidades, o normal de um agricultor é de 5 ou 10 toneladas; também produzia castanha. Sabe que o Autor terá comprado feno, segundo lhe contaram, porque não terão conseguido colher o feno;

PP, reformado do ramo da construção civil, amigo do Autor.

Referiu que fez parte da Junta de Freguesia ..., tal como o Autor – este foi-se “abaixo” com o processo – antes falavam melhor, havia mais convivência e agora já não é assim, é mais fechado e sente-se mais triste, injustiçado; no café falava-se da situação do Autor;

Testemunha que ainda falou sobre a necessidade de declarar a venda de animais, dar baixa de animais, nomeadamente, dizendo que desapareceu quando faz o inventário para o subsídio, mas nada sabe quanto a vendas, roubos, desaparecimentos ou ataques por animais;

Referiu que o autor colhe muito e vende muito feno, produzia e vendia muita batata;

Que o valor das ovelhas é entre 70 e 150 euros; e o borrego macho 70 a 100 euros e a borrega até 150 euros;

Relativamente à fiscalização dos animais, a declaração é em Janeiro e se não declarar as que morrerem, desaparecerem é só detectado nas fiscalizações, o que também se consegue fazer com a vacinação, que é anual;

QQ, amigo do Autor; esclareceu que lhe arranjou palha para os animais em Janeiro/Fevereiro de 2020, porque, segundo o Autor lhe disse, não teria conseguido fazer as colheitas dele; vendeu ao Autor 600 fardos, ao preço de 3 euros o fardo;

O Autor normalmente vendia fardos; também produzia batatas, forragens e alguma castanha.

BB, pai do Autor.

Esclareceu que o filho ficou marcado para a vida; foi ao médico de família e anda na psiquiatria na ...;

Mais referiu que houve perdas de animais, porque não é fácil de guardar um rebanho de 300 ou 400 animais; morreram por causa de falta de tratamento, se foram roubadas, se se perderam; o filho terá perdido cerca de 107/110; o valor de uma ovelha é de 70/80 euros (macho) e a fêmea a 100/110;

O filho contratou um rapaz, o KK, durante 3 ou 4 meses, e antes já tinha trabalhado lá;

Relativamente à perda de animais, as pessoas não diziam por causa da situação em que a testemunha e o filho e a testemunha estavam; ter-se-ão perdido 30 a 35 borregos; o valor do macho é de 70 euros e a fêmea de 100;

Quanto à forragem, o filho ficou com as propriedades, é o maquinista, fez poucos fardos e quem o fez foi o LL”; teve que comprar forragens porque os animais andavam menos no monte; terá comprado mais de 1.500 fardos, a 2.50 ou 3 euros o fardo; quando vendia, seriam entre 4000 a 6000 fardos por campanha; também produzia batata, mas no ano em causa nos autos não colheram as batatas e as castanhas foram para os javalis porque não as puderam colher;

Que uma ovelha pare 3 vezes em 2 anos; a maior parte pare 2 borregos e se parir menos normalmente vendem ou abatem para carne;

Do filho não faltou nenhum macho; o registo é feito no fim do ano quando as manifestam para o subsídio; em média, por ano, faltam 7 ou 8 ovelhas; 

Relativamente ao KK, referiu que deixava o rebanho na cerca e que ia para as aldeias, mas não era conhecimento da testemunha e do filho;

Por último, considerou-se o depoimento da testemunha indicada pela Ré,

GG, médico veterinário municipal em ..., que disse conhecer o Autor no âmbito da sua profissão e por ter sido responsável pelo OPP (Organização de Produtores Pecuários) até 2012.

Confirmou o relatório que fez juntar aos autos, explicando que os animais estavam bem tratados e que cuidados precisavam; já conhecia o rebanho, que tinha cerca de 200 animais – em Julho de 2019, não seriam tantos, mas não os contou, o número que fez constar refere-se aos três rebanhos da família do Autor;

Relativamente à identificação dos animais e declarações de registo, o bolo e o brinco – são identificados quando tem 4 ou 5 meses de idade e são registados na base de dados nacional – o produtor tem que registar a morte, venda, desaparecimento de animais; nas análises é feito o registo dos animais e se faltar algum tem que se apurar a causa;

Esclareceu que os pastores seriam o Autor e o pai e pessoas que eles contratavam; no dia em que fez o relatório estava com as ovelhas um tio do Autor;

Referiu-se ainda às medidas a adoptar, constantes do relatório.

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Da análise da prova produzida e que fundou a convicção do Tribunal, há que dizer, relativamente aos factos provados, que assim foram julgados com base na análise conjunta de toda a prova produzida, acabando por se recolherem da prova elementos coincidentes que permitiram concluir pela dinâmica dos factos nos termos provados e que resultou da conjugação dos factos articulados pelas partes com os documentos juntos aos autos.

Contrariamente ao alegado pelo Autor na petição inicial, basta a leitura do acórdão proferido no processo comum colectivo n.º 266/16...., junto aos autos, para se concluir que foi absolvido, não porque não praticou os factos de que foi pronunciado, mas antes, porque não se logrou provar aqueles factos.

Não se provou que era inocente, tendo antes beneficiado naquele processo do princípio do in dubio pro reo.

Impunha-se ao Autor demonstrar nos autos, em cumprimento do ónus da prova que lhe cabe, alegar factos e prová-los, que, sem quaisquer dúvidas, afastassem a possibilidade de poder ter praticado os factos de que foi pronunciado no processo referido – ser inocente, o que não fez.

Limitou-se a alegar, que foi declarado inocente no acórdão proferido nesta instância, facto que não corresponde à verdade, como resulta da leitura do acórdão, pois “no que respeita aos factos que não resultaram provados (que vinham imputados aos arguidos na pronúncia), tal ficou a dever-se à inexistência ou insuficiência da prova acerca dos mesmos produzida (…)”.

Não resulta daquele acórdão a absolvição do arguido, em razão de aí ter ficado demonstrado que o arguido (Autor nestes autos) não foi agente dos crimes que lhe eram imputados, a inocência do mesmo, contrariamente à versão apresentada pelo Autor.

Por outro lado, dos documentos junto e dos depoimentos prestados, os alegados danos patrimoniais e não patrimoniais (neste cas, em parte), ficaram por provar, e tal ónus competia ao Autor.

Não se acreditou nos depoimentos das testemunhas relativamente à alegada morte dos animais (cujo número, não souberam determinar em concreto, nem a “causa”) pois, por um lado, é obrigatória a comunicação das mortes, desaparecimentos, abates e nascimento, como bem sabe o Autor e por outro, a que propósito é que esconderiam do Autor e do seu pai, os desaparecimentos? A própria mãe do Autor, afirmou que a pessoa contratada, todos os dias dizia que tinha desaparecido uma ovelha ou um borrego.

Ainda que se pudesse aceitar, que algum cordeiro tenha falecido após o nascimento (e não se provou tal facto), não se acredita que o Autor e o seu pai, durante o período de tempo em que estiveram sujeitos à medida de coacção de OPHVE, não tivessem a preocupação de monitorizar, controlar, através de terceiro (seja algum familiar ou pessoas contratadas) os nascimentos e as mortes de ovelhas e cordeiros, ainda mais sendo beneficiários de subsídios do IFAP e sabendo que tinham que fazer aquelas comunicações.

Não é minimamente credível que um pastor, um dono de um rebanho, não controlasse quer o estado, necessidades do rebanho, nascimento, mortes e desaparecimentos. O Autor não esteve preso, afastado da sua casa, esteve sujeito à medida de coacção de OPHVE, sendo-lhe possível estar em contacto permanente com quem ia sendo contratado ou estivesse incumbido de tratar do rebanho.

E basta ler os requerimentos que foram juntos ao processo em que foi julgado, para também afastar a credibilidade de tais depoimentos.

De facto, apenas em 17 de Junho de 2019 é que requereu autorização para desempenhar a sua actividade profissional, em terem contratado um funcionário “para colmatar a sua falta na exploração” até à semana anterior àquele dia. E, talvez para dar força a tal pedido, referiu em tal requerimento que tinham “nos últimos 3 meses morrido 72 animais”, talvez para que o tribunal autorizasse mais rapidamente o requerido.

E, a partir de tal data e depois da informação do veterinário municipal, o Autor e o seu pai foram sendo autorizados a realizar a sua actividade, nos termos descritos, não tendo voltado a referir-se a mortes, desaparecimentos de animais.

E se o Autor não comunicou as mortes e desaparecimentos, é porque não se verificaram, ou, a verificarem-se, terá sido em número muito reduzido e em animais ainda não registados (mas também esse acontecimento, a ocorrer, se não provou).

Relativamente aos alegados sofrimentos do Autor, resultaram apenas nos termos julgados provados, porque os depoimentos das testemunhas são insuficientes, por si só, para concluir de modo diverso, nomeadamente, no que se refere a ter pedido ajuda psicológica (as conversas foram tidas com uma cunhada, que é psicóloga, mas no seio familiar e não naquela qualidade) e, relativamente, ao que se passou no meio onde vive, nenhuma testemunha referiu que a imagem do arguido tenha ficado prejudicada com a existência do processo em que foi sujeito à medida de coacção de OPHVE e julgado. Há que referir que é flagrante a omissão pelo Autor, na petição inicial, de factos essenciais e cujo desconhecimento não podia ignorar: omitiu autorizações que lhe foram sendo concedidas a partir de 17 de Junho de 2019, a fim de tratar do seu rebanho; as próprias afirmações e requerimentos que apresentou naquele processo, o saber da obrigatoriedade de comunicação de falta de animais, bem como procurar fazer crer que teve que ressarcir o IFAP por causa da alegada “perda das 107 ovelhas e, bem assim, a insuficiente actividade agrícola do ano de 2019 resultante da impossibilidade de levar a cabo a normal exploração”.

Por outro lado, no que respeita aos prejuízos patrimoniais alegados, não logrou o Autor provar a sua verificação: quer porque não juntou documentos que comprovem os pagamentos que alega que fez, nomeadamente ao “LL”, excepto ao mencionado trabalhador; nem sequer prova que não tenha semeado e colhido a batata, ceifado todo o feno e palha, apanhado as castanhas (e neste caso, a testemunha HH, irmão do Autor, até referiu que teriam sido furtadas) e muito menos prova, que vendesse as quantidades que alegou e que o lucro fosse o que mencionou – neste caso podia e devia ter juntado aos autos documentos demonstrativos do decréscimo de actividade em relação aos anos anteriores, nomeadamente escrita ou depósitos bancários, o que não fez. Nem juntou documentos demonstrativos do preço a que vendia as ovelhas e os borregos. Não é suficiente a mera prova testemunhal para julgar provados tais factos.

E o Autor nem sequer pediu autorização para apanhar as castanhas.

Não se acredita também, que não conseguisse contratar pessoas para fazer os trabalhos em causa (e não era a medida de coacção de OPHVE que o impediria de contactar amigos ou conhecidos para o efeito) – se o lucro é o que alega, decerto compensaria contratar mais pessoas para realizar trabalhos que estivesse impedido de fazer.

Também referir que o Autor bem sabia e sabe que não foi absolvido por ter sido considerado inocente, que não praticou os crimes de que tinha sido pronunciado, mas porque não se provaram os factos constantes na pronúncia, beneficiando do princípio do in dúbio pro reo.

Postura processual do arguido que se enquadra no instituto da litigância de má-fé, e que o tribunal não pode deixar de reprovar e agir em conformidade, o que se fará a final.

Por último, há que referir que foi proferida sentença e da mesma interposto recurso no âmbito da acção de processo comum n.º 960/21...., facto meu conhecimento no âmbito das minhas funções.

Quanto aos demais factos que não resultaram provados, tal aconteceu em virtude de a prova documental não ter sido suficiente e idónea para prova de tais factos, ou encontrarem-se os mesmos em contradição com os factos julgados provados, ou é matéria de direito alegada nos articulados”.

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Como se sabe, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova, o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição. 

É sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc. (cfr. Abrantes Geraldes in “Temas Prova, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (cfr. Abrantes Geraldes in “Temas de Prova”  II Vol. cit., p. 273).

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348).

Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Daí que conforme orientação jurisprudencial prevalecente o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.

Em conclusão: mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade, não descurando a vertente que a prova tem de ser analisada em conjunto.

É que o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.

Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou (cfr. cfr. Miguel Teixeira de Sousa obra citada, pág. 348).

Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas- v.g. por distracção-determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.

A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.

Cabe ainda referir que advogamos o defendido no Ac. desta Relação de 10/7/2018, proc.º n.º 1445/16.0T8FIG.C1, relatado por Luiz José Falcão de Magalhães, do qual somos 1.º adjunto, onde refere citando o Ac. da mesma relação de 4/4/2017, proc.º n.º 516/12.6TBPCV.C1), relatado por Jorge Arcanjo «… o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, embora exija uma avaliação da prova (e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico) deve, no entanto, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal ou por depoimento de parte é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e, na avaliação da respectiva credibilidade, tem que reconhecer que o tribunal a quo, está em melhor posição.

Por isso, se entende não bastar qualquer divergência de apreciação e valoração da prova, impondo-se a ocorrência de erro de julgamento ( cf., por ex., Ac STJ de 15/9/2010 ( proc. nº 241/05), de 1/7/2014 ( proc. nº 1825/09), em www dgsi.pt ), tanto mais que o nosso sistema é predominantemente de reponderação (…)».

Ao que acresce que o dever de fundamentação da decisão de facto, exige actualmente a indicação do processo lógico – racional que conduziu à formação da convicção do julgador, relativamente aos factos que considerou provados ou não provados, de acordo com o ónus de prova que incumbia a cada uma das partes, conforme dispõe, no que concerne à sentença, o artº 607º, nº 4 do CPC, segundo os diversos critérios legais e jurisprudenciais, tendo em conta que, na formação da convicção do julgador rege o princípio da livre apreciação das provas, excepto nos casos previstos no nº 5 do artº 607 do C.P.C.-aqueles para cuja prova seja exigida formalidade especial, os que só possam ser provados por documentos e os que estejam já provados por acordo, documento ou confissão das partes.

É este dever de fundamentação imprescindível a um processo equitativo e contraditório, salvaguardando as garantias das partes e possibilitando a sua cabal reacção, em caso de discordância em relação a esta convicção, bem como assegurando que o tribunal de recurso tem todos os elementos necessários para a apreensão e reapreciação da matéria fáctica.

Conforme referido por Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, págs. 296, 297,), “o dever de fundamentação introduzido pela reforma de 1961, reforçado em 1995 e agora transferido para a própria sentença que simultaneamente deve conter a enunciação dos factos provados e não provados e as respectivas implicações jurídicas “ exige que “se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos. É na motivação que agora devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e correspondentes factos instrumentais (…).

Por último, no que toca à possibilidade e limites da reapreciação da matéria de facto, não obstante se garantir um duplo grau de jurisdição, tem este de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.

De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.

Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.

                                                           *

Da audição da totalidade da prova resulta.

 AA, A. nos presentes autos ouvido em depoimento de parte.

Do seu depoimento resulta que confessou os factos vertidos nos artigos 24º, 28º, 30º a 34º, 40º e 41º, bem como o art.º 39.º, com exceção de que não foi requerido pelo Autor que pretendesse dormir juntos dos animais para os proteger da ameaça dos ataques de lobos, cães selvagens e raposas.

Como resulta da assentada aqui transcrita:

No decurso do depoimento de parte, nos termos do art.º 463.º do C. P. Civil, o Mm. º Juiz ordenou que fossem dados como confessados os seguintes artigos: 24º, 28º, 30º a 34º, 40º e 41º.

Quanto aos art.º s 36º e 38º, os mesmos são conclusivos.

No que concerne ao art.º 39º confessa, com a ressalva de que não foi requerido pelo Autor do processo que pretendesse dormir juntos dos animais para os proteger da ameaça dos ataques de lobos, cães selvagens e raposas.

O Autor não confessa os art.º s 42º a 45º.

A testemunha CC, refere ser pastor/agricultor.

Quanto aos factos refere:

Conhecer o A. à muito pouco tempo, que o conheceu nas feiras.

O seu filho pediu-lhe para dar uma ajuda ao AA na guarda do gado, isto quando ele e o pai (BB) não o podiam fazer, por não poderem sair de casa, por estarem detidos. Assim, em março, deste ano, ano da data do julgamento, sublinhado é nosso, durante cerca de 15 dias, andou com o gado do AA e do pai deste. Apesar de não ter contado as ovelhas, referiu que seriam cerca de duzentas e cinquenta, que eram fugitivas pois tenham medo. Foi o HH, irmão do AA, quem lhe foi ensinar onde deveria pastar com o gado, após ensinar-lhe veio-se embora.

Guardava o gado na corte, mas como não conhecia o gado muitas ovelhas não entravam na corte, tendo desaparecido muitas ovelhas (umas 8 ou 9 ovelhas adultas) e morrido/desaparecido muitos cordeiros (7 ou 8); as raposas levavam-nos, sendo que os lobos também terão comido algumas ovelhas porque viu o cadáver de 2 ovelhas, o que comunicou ao pai do Autor, (o BB).

Refere, ainda, que eles, referindo-se ao A. e seu pai, sublinhado é nosso, arranjaram um rapaz para tratar do gado.

Diz também que o seu filho andou a fazer vedações para o AA e seu pai.

A testemunha DD, mãe do Autor.

Refere que acompanhou o filho, quando este estava com pulseira eletrónica e por isso, não podia sair de casa. O filho, referindo-se ao AA, sublinhado é nosso, ficou muito perturbado, muito mal, porque estava habituado a fazer os seus trabalhos na rua, e ter que ficar fechado; sentiu-se sozinho, e abandonado, triste, deprimido, abatido– até porque as pessoas da terra não se aproximaram de casa, ninguém apareceu; ele era considerado por toda a gente, bom rapaz, educado – apenas tem vícios nas máquinas para poder trabalhar; não dormia, não comia e teve que ir ao médico de família e depois foi assistido na psiquiatria da ..., onde ainda anda a ser acompanhado;

Quanto às ovelhas refere que durante o período em que não podiam, refere-se ao marido e ao filho AA, sublinhado é nosso, sair de casa, não podiam tratar das ovelhas e por isso morreram algumas ovelhas e borregos. As pessoas diziam que era impossível guardar o rebanho sem comunicação com elas, andavam sempre fugitivas – ao filho terão desaparecido 100 e tal ovelhas; da testemunha umas tantas e do marido 70 e tal; também desapareceram borregos, cerca de 70 e tal ao filho.

Afirma que eles, referindo-se ao filho e ao marido, sublinhado é nosso, contrataram um rapaz (de nome KK), terá lá andado cerca de 3 meses seguidos e depois, em agosto, foi lá fazer alguns dias, porém, o KK conseguiu tratar do rebanho sozinho, e quando guardava as ovelhas no parque, deixava-as e à noite dizia sempre que faltava algum borrego ou uma ovelha.

Afirma, ainda, que o filho enfardava todos os anos muito feno e a aveia e vendia o que era a mais (4 ou 5.000, fardos, sendo o preço de cada fardo de 2.50 ou 3 euros), mas no ano, em que o filho não podia sair de casa, pediu a um rapaz de ... (conhecido por LL) para fazer esse trabalho, não tendo enfardado tudo, apenas terá enfardado uma parte, por isso, o feno não chegou para o gado e o filho teve comprar, acrescentado que o filho, como o rapaz não enfardou tudo, ainda lá andou a enfardar.

O filho também semeava batatas e colhia castanhas, no ano em que não podia sair de casa, não semeou batata e não colheu a castanha. Todos os anos vendia o que colhia a mais; toneladas de batatas e bastantes sacas de castanhas; o kilo da batata a 25, 30 cêntimos e o da castanha a 2, 2,50 euros;

Mais refere que guardam as borregas e vendem os machos, e que as ovelhas parem sempre 2 animais, 2 vezes por ano; que é necessário ajuda de pessoas para a apanha da batata; que o enfardamento do feno é a partir da primavera e a palha no meio do Verão – o filho não poderá ter enfardado tudo porque o tempo que lhe foi concedido era pouco; que o filho não contratou pessoas porque estava em casa; confirmou que filho foi cortar algum feno e aveia que tinha por cortar, porque o LL” não cortou tudo.

Não sabe se o filho pediu para ir apanhar as castanhas.

Afirma também que as pessoas diziam que o KK, por vezes, andava por lá de moto e que nunca contabilizou o número de animais, eles, referindo-se ao filho e ao marido, sublinhado é nosso, é que diziam.

Afirma ainda que as ovelhas “paridas de poucos dias” e as crias eram guardadas em armazém, sendo esta que cuidava delas, na ausência do seu marido e filho.

Testemunha HH, irmão do Autor.

Refere viver nas ..., onde se encontrava, quando o seu pai e o seu irmão ficaram em prisão domiciliária, dia 19 ou 20 de março.

Afirma que chegou a ajudar o pai e o irmão com o rebanho, tendo pedido uns dias de férias no trabalho – a partir de 19 de Março, durante cerca de 1 semana; a partir dai vinha quando podia, 1 a 2 fins-de-semana, por mês; 1 semana ou 2 no Verão; nas férias da Páscoa. O pai falou com o CC, testemunha anterior, sublinhado é nos, tendo-lhe ido mostrar onde deveriam andar os animais, tendo aquele trabalhado cerca de 2 semanas. Após cotrataram outro senhor – RR – que deu algum apoio e a família ia tentando ajudar no que podia, nomeadamente um cunhado e um tio; depois contrataram o KK, que trabalhou durante uns meses, mas que não tinha grande zelo pelo rebanho porque nem sempre tomava melhor conta do rebanho, não ia, deixava-os no sítio da cerca em vez de fazer o pastoreio normal e ia para o café (o que contavam à testemunha). Falou com o pai sobre a situação, mas o pai e o irmão diziam que era difícil encontrar alguém.

O irmão, em virtude de não poder sair de casa, ficou mal, tem um olhar triste e vazio, foi difícil para ele, muito complicado e ainda não melhorou. A sua mulher é psicóloga e aconselhou o autor, a ir ao médico de família, o que fez, e, posteriormente, passou a andar acompanhado pela psiquiatria.

No que concerne aos animais, refere que morreram ovelhas e borregos, outras desapareceram, estando o rebanho mal em termos de saúde, viu carcaças de animais, na serra, mas não sabe um número exacto e que terá sido por ataques de lobos.

 Ao que sabe naquele período foram vendidas ovelhas; o valor das ovelhas é variável de acordo com a qualidade do animal, sendo o valor médio de um borrego 80, 85 euros e a borrega 120 euros e as ovelhas 100, 150, 200 euros e as velhas 50 euros.

Refere saber que o irmão cortou algum feno e palha, não sabendo se pediu a alguém para cortar o restante. O irmão comprou feno, porque as ovelhas acabaram por comer mais feno do que seria normal e as ovelhas andaram nos lameiros onde seria para cortar; o irmão costuma vender milhares de fardo de feno, ao preço da ordem dos 3 euros o fardo; costuma produzir batata e castanha para vender. No ano em que esteve em casa, em virtude da pulseira eletrónica não produziu batata e não pode apanhar as castanhas, contudo, não sabe se o irmão procurou pessoas para as apanhar e muitas não estavam para serem apanhadas porque alguém as apanhou; o preço do kilo seria de 2 euros a castanha e a batata 60 cêntimos.

Perguntado se sabe se o irmão pediu autorização para semear as batatas e apanhar as castanhas refere não saber, terá pedido para apanhar o feno o que lhe foi negado.

Afirma ainda a testemunha, que as ovelhas parem 1 ou 2 crias, 1 a 2 vezes por ano.

Testemunha FF, refere ser agricultor.

Quanto aos factos afirma conhecer o AA e o pai deste por lhes ter comprado uma ordenha, lhes ter feito vedações para terem os animais em março de 2019 e ainda ter ajudado com o rebanho, tirando as ovelhas de um lado para outro.

Como era amigo do AA, pediu ao pai (a testemunha CC, já ouvida), para dar uma ajuda no rebanho, tendo o seu pai sido pastor durante 15 dias. Após, arranjaram outro senhor, que não terá sido muito bom para os animais, deixava os animais e ia para o café, o que lhe contavam em casa do Autor; alguns amigos do pai do Autor também falavam disso, designadamente nas feiras. Questionado sobre quantas ovelhas terão morrido, refere não saber quantas morreram, referindo, no entanto, que na altura o rebanho tinha mais de 300 ovelhas.

Afirma que o Autor estava preocupado com os animais, aflito, alterado e triste.

O Autor vendia acima de 1000 a 2000 fardos de feno, sendo o preço do fardo na ordem dos 3 euros; também produzia batata para vender, mas não sabe as quantidades, o normal de um agricultor é de 5 ou 10 toneladas; também produzia castanha. Sabe que o Autor terá comprado feno, segundo lhe contaram, porque não terão conseguido cortar o feno.

Afirma ter ido por 2 ou 3 vezes fazer vedações para o AA.

Testemunha PP, reformado do ramo da construção civil, amigo do Autor e que estava ali para defender o amigo.

Afirma que o AA estava com pulseira eletrónica e não podia sair de casa. Fez parte da parte da Junta de Freguesia ..., com o Autor. Este com o processo foi-se “abaixo”. Antes falavam melhor, havia mais convivência e agora já não é assim, é mais fechado e sente-se mais triste, injustiçado; no café falava-se da situação do Autor.

Quanto às ovelhas afirma da necessidade de ser declarada a sua venda, dar baixa de animais, nomeadamente, dizendo que desapareceu quando faz o inventário para o subsídio, mas nada sabe quanto a vendas, roubos, desaparecimentos ou ataques por animais.

Afirma também que o autor colhe muito e vende muito feno, produzia e vendia muita batata. O valor das ovelhas é entre 70 e 150 euros; e o borrego macho 70 a 100 euros e a borrega até 150 euros.

No que concerne à fiscalização dos animais, afirma que em Janeiro os animais têm de ser declarados, referindo as que morrerem, desaparecerem, a falta desta comunicação só é detetada nas fiscalizações, o que também se consegue fazer com a vacinação, que é anual.

Testemunha GG, refere ser médico veterinário municipal em ....

Quanto aos factos afirma conhecer o Autor no âmbito da sua profissão e por ter sido responsável pelo OPP (Organização de Produtores Pecuários) até 2012.

Confirmou o relatório que fez juntar aos autos, explicando que os animais estavam bem tratados e que cuidados precisavam, mas precisavam de ser tosquiados. Afirma já conhecer o rebanho, que tinha cerca de 200 animais, mas em Julho de 2019, era menor, mas não os contou, o número que fez constar refere-se aos três rebanhos da família do Autor (o rebanho do próprio A., do pai deste e da sua mãe).

Quanto à identificação dos animais, refere que a sua identificação e declarações de registo, o bolo e o brinco, são identificados quando tem 4 ou 5 meses de idade e são registados na base de dados nacional, o produtor tem que registar a morte, venda, desaparecimento de animais; nas análises é feito o registo dos animais e se faltar algum tem que se apurar a causa.

Quando ia à herdade do A. para se intentar dos animais os pastores eram o Autor e o pai e pessoas que eles contratavam, no dia em que fez o relatório estava com as ovelhas um tio do Autor.

Testemunha QQ, refere ser amigo do Autor.

Quanto aos factos afirma que em janeiro/fevereiro de 2020 vendeu 600 fardos de palha ao A. a 3 euros o fardo, porque, segundo este lhe disse, não teria conseguido fazer as colheitas da palha.

O Autor normalmente vendia fardos; também produzia batatas, forragens e alguma castanha.

Testemunha BB, pai do Autor.

Quanto aos factos refere que o filho ficou marcado para a vida; foi ao médico de família e anda na psiquiatria na ....

Quanto aos animais refere que houve perdas de animais, porque não é fácil guardar um rebanho de 300 ou 400 animais.

Mais afirma que alguns morreram por falta de tratamento, outros poderão ter sido roubadas e outros poderão ter-se. O filho terá perdido cerca de 107/110; o valor de uma ovelha é de 70/80 euros (macho) e a fêmea a 100/110.

O filho contratou um rapaz, o KK, durante 3 ou 4 meses, que antes já tinha trabalhado lá.

Quanto à perda de animais, devido à situação em que ele estava e o filho, com pulseira eletrónica, ter-se-ão perdido 30 a 35 borregos; o valor do macho é de 70 euros e a fêmea de 100.

Quanto à forragem, o filho ficou com as propriedades, é o maquinista, fez poucos fardos e quem o fez foi o LL”; teve que comprar forragens porque os animais andavam menos no monte; terá comprado mais de 1.500 fardos, a 2.50 ou 3 euros o fardo; quando, antes, vendia, na ordem dos 4000 a 6000 fardos por campanha; também produzia batata, mas no ano em causa, nos autos, não colheram as batatas e as castanhas foram para os javalis porque não as puderam colher.

Afirma que uma ovelha pare 3 vezes em 2 anos; a maior parte pare 2 borregos e se parir menos normalmente vendem ou abatem para carne.

Dos animais em falta, ao filho não faltou nenhum macho; o registo é feito no fim do ano quando as manifestam para o subsídio; em média, por ano, faltam 7 ou 8 ovelhas.

Afirma também que o KK deixava o rebanho na cerca e ia para as aldeias.

                                                                       *

            Aqui chegados, cabe verificar se assiste razão ao recorrente na alteração da matéria de facto pretendida.

Aqui chegados, cabe verificar se assiste razão ao recorrente na alteração da matéria de facto pretendida.

            Por uma questão de método, iremos analisar em primeiro lugar, a matéria de facto provada, que o recorrente pretende ver alterada, após a matéria de facto não provada, que o mesmo pretende ver alterada.

            Matéria de facto provada que o recorrente pretende ver alterada.

            Para facilitar a decisão desta questão, transcreveremos o teor do facto como provado em 1.ª instância.

            Assim,

            Facto 41.º

            Redação dada em 1.ª instância:

 “Por despacho de 26 de Junho de 2019, foi indeferida a autorização especial de ausências para desenvolvimento da actividade laboral requerida pelos ali arguidos e determinada a comunicação ao veterinário municipal para adopção das medidas necessárias e urgentes para assegurar o bem estar e protecção dos animais. durante o tempo que vigorasse a medida de coacção”. (artigo 26º da contestação)

Advoga o recorrente que tal facto deve ser suprido dos factos provados.

 Opinião oposta tem o recorrido.

Temos para nós, a razão estar do lado do recorrido.

Na verdade, da audição da prova resulta que o A., no seu depoimento de parte, confessou tal matéria (cfr. assentada da ata datada de 13/9/2022).

Assim, quanto a tal matéria não vemos razão para a alterar.

Facto 53.º

Redação dada em 1.ª instância:

“Entre as comunicações obrigatórias previstas encontra-se os nascimentos, desaparecimentos, todas as movimentações que ocorram para a exploração ou a partir desta, abates e mortes. (artigo 43º da contestação).

Segundo o recorrente a afirmação feita na resposta ao facto é incorreta, pois não é legalmente exigível aos produtores de ovinos a comunicação dos nascimentos ou desaparecimentos de animais; tal só é exigível aos produtores de bovinos, como resulta do disposto no nº 4, do art.º 7.º, do Dec-Lei nº 142/2006, já as movimentações de ovinos, de e para a exploração, são de comunicação obrigatória, nos termos do nº 3 do citado art.º 7, mas tal só ocorre quando se verifica a compra ou venda de animais, o que não teve lugar, no que ao A. concerne, durante o ano em esteve privado da liberdade.

Opinião oposta tem o recorrida que afirma, que no entanto, o art. 7.º n.º 4 do DL n.º 142/2006 é claro e estabelece que:

“Os detentores de bovinos, ovinos e caprinos são obrigados a comunicar à base de dados informatizada, através da plataforma didigital, os desaparecimentos e mortes não comunicadas ao SIRCA e datas dessas  corrências, bem como, no caso dos bovinos, as mortes não recolhidas pelo SIRCA e a data dessas ocorrências”.

Por sua vez, o art. 8.º n.º 2 e 3 do mesmo diploma legal estabelece que:

“Os detentores de animais das espécies bovina, ovina e caprina são obrigados a comunicar ao SNIRA a morte de qualquer animal ocorrida na exploração, no centro de agrupamento ou no transporte para outra exploração no prazo máximo de doze horas a contar da ocorrência, para que seja promovida de imediato a recolha do cadáver. A recolha dos cadáveres dos animais referidos no número anterior é efectuada no âmbito do SIRCA, cujas regras de funcionamento são fixadas por despacho do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas”.

Assim, os desaparecimentos e mortes destes animais terão necessariamente que ser comunicadas pelos detentores dos animais, estando o sistema de recolha de cadáveres de animais previsto no art. 5.º e ss. do DL n.º 33/2017, de 23 de Março, inexistindo qualquer erro ou incorrecção na factualidade dada como provada em 53.

Vejamos.

Operando à leitura dos artigos supra, a redação de tal facto passa a ter a redação, colocada a negrito e em etálico, no respetivo local.

Assim, eliminamos tal facto, o que será colocado a negrito e etálico no respetivo lugar.

Factos 56 e 57

Redação dos factos dada em 1.ª instância.

            Facto 56.

“A cotação dos borregos, reportado ao valor semanal entre 14 e 20 de Dezembro de 2020, é, consoante o peso inferior a 12 kg, entre 22 a 28 kg e superior a 28 kg, respectivamente, de 4,50 euros, 3,39 euros e 2,84 euros o kg;” (artigo 56º da contestação)

Facto 57

Enquanto a ovelha, se encontra cotada em valores, por unidade, entre 10 e 20 euros de espécie não determinada “refugo” e entre 50 e 70 euros de espécie “reprodutora”, Bordaleira Serra da Estrela”; (artigo 57º da contestação)

Segundo o recorrente tais factos têm pouca relevância para o processo em causa.

Opinião oposta tem o recorrido.

Vejamos.

Nesta questão, temos para nós, assistir razão ao recorrido.

Na verdade, para se aquilatar sobre os valores de cotação de venda de borregos e ovelhas, tais factos, podem ter a sua pertinência.

Assim, pelo exposto, tal matéria é mantida, nos seus termos.

Facto 58

Redação dada em 1.ª instância

A medida de coacção que lhe foi imposta no âmbito do processo n.º 266/l 6.4JAGRD não impediu o Autor de assegurar, por si ou através de terceiros, os cuidados considerados adequados a salvaguardar o bem-estar dos animais” (artigo 61º da contestação.

Refere o recorrente que tal ponto está em clara contradição com o fixado no ponto 24, pois que aqui se diz (o que é verdade) que uma pessoa só não é suficiente para garantir o cabal manejo do gado.

Opinião oposta tem o recorrido, e pugna pela manutenção do facto.

Vejamos.

Temos para nós não assistir razão ao recorrente nesta vertente, por um lado, porque resulta que o A. contratou pessoas para cuidarem dos animais, como resulta do depoimento das testemunhas CC, DD (mãe do A.), HH (irmão do A.), FF e BB (pai so A.). e por outro, porque ao A. foi deferido o seu pedido de poder sair de casa durante algumas horas de manhã e outras à tarde para cuidar dos animais.

Também não vemos qualquer contradição entre este facto e o facto provado 24, onde se refere que uma só pessoa não é suficiente para garantir o cabal manejo do gado. Pois, uma coisa é se uma pessoa é ou não suficiente para o manejo do gado e outra diferente, e não contraditória, é saber se o A. face à medida coativa ficou impedido de assegurar por si ou através de terceiros, os cuidados adequados a salvaguardar o bem-estar dos animais.

Assim, pelo exposto tal matéria é mantida.

Facto 59

Redação dada em 1.ª instância

“Que foram também garantidos por entidades terceiras (Veterinário Municipal e DGV), a quem o Tribunal comunicou o estatuto processual do Autor e a necessidade de salvaguardar aquele rebanho. (artigo 62º da contestação)

Refere o recorrente que tal facto foi mal apreciado, pois não se provou que entidades terceiras (Veterinário Municipal e DGV) tivessem auxiliado o A. no manejo regular do seu rebanho.

Opinião oposta tem o recorrido.

Vejamos.

Sobre esta matéria temos para nós assistir razão ao recorrido.

No facto não é referido que terceiras entidades guardavam o rebanho, o que se diz é que o Tribunal comunicou o estatuto processual do Autor e a necessidade de salvaguardar aquele rebanho.

A testemunha GG, médico veterinário municipal em ..., confirmou o relatório que fez juntar aos autos, explicando que os animais estavam bem tratados e que cuidados precisavam, referindo, designadamente que os mesmos precisavam de ser tosquiados.

Assim, nesta vertente não vemos assistir razão ao recorrente.

Facto 60

Redação dada em 1.ª instância.

Na impossibilidade do Autor e do seu pai, foi contratado pessoal para tratar dos animais, e o Autor pôde manter a prestação de alguns cuidados àqueles animais, desde Julho de 2019, e de forma ampla e nos exactos termos pretendidos pelo Autor a partir de 13 de Setembro de 2019, contrariamente ao que pretende fazer crer, bem sabendo o autor que nenhuma razão lhe assiste na pretensão que deduz contra o Réu Estado.

Atendendo ao referido aquando na análise do facto 59, não vemos assistir razão ao recorrente, desde logo, por o A. poder a prestação de alguns cuidados aos animais, por ter sido autorizado pelo Tribunal para o efeito.

Porém, iremos alterar a redação de tal facto, retirando do mesmo o segmento “contrariamente ao que pretende fazer crer, bem sabendo o autor que nenhuma razão lhe assiste na pretensão que deduz contra o Réu Estado”, por ser uma conclusão.

Desta forma a redação de tal facto, passará a ser a colocada no respetivo local a negrito e etálico.

Factos 61 a 64.

Redação dada em 1.ª instância.

“61. Alterando conscientemente a verdade dos factos. (artigo 64º da contestação)

62. Omitindo factos relevantes para a boa decisão da causa. (artigo 65º da contestação).

63. Deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, (artigo 66º da contestação)

64. Fazendo, um uso malicioso e abusivo, manifestamente reprovável, deste processo, com o fim de alcançar um objectivo ilegal. (artigo 67º da contestação)”

Segundo o recorrente os pontos 61 a 64, são inaceitáveis as afirmações deles constantes, pois, e como adiante melhor se explanará quando se abordar a questão relativa à litigância de má fé, não foi deduzida pretensão sem fundamento nem, consciente e deliberadamente, se alteraram ou omitiram factos.

Opinião oposta tem o recorrido que refere “o recorrente alega ainda, na sua motivação de recurso, que os factos provados em 61 a 64 foram incorretamente julgados sustentando que não foi deduzida pretensão sem fundamento nem consciente e deliberadamente se alteraram ou omitiram os factos.

Neste conspecto reitera-se que o Autor sustenta a causa de pedir na incapacidade de prestar cuidados aos animais, durante todo o período em que foi sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, que lhe provocaram prejuízos.

Nessa alegação, o autor alterou conscientemente a verdade dos factos; omitiu factos relevantes para a boa decisão da causa; deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, bem sabendo que não lhe assistia razão da sua pretensão contra o Estado, conforme melhor explanaremos na análise da questão suscitada pelo recorrente quanto à litigância de má fé.

Vejamos.

Nesta vertente assiste razão ao recorrente.

Na verdade, a matéria vertida nos pontos de facto 61 a 64 são conclusões, pelo que, se eliminam, o que será colocado a negrito e em etálico, no respetivo lugar.

Refere ainda o recorrente que os factos nos pontos 33 e 37, resultam de uma interpretação incorreta da douta sentença proferida no Processo nº 266/16.....

Opinião oposta tem o recorrido que refere “relativamente à factualidade dada como não provada, inexistem dúvidas que não foi produzida qualquer prova em audiência de julgamento relativamente à inocência do Autor da prática dos factos que lhe foram imputados no PCC n.º 266/16.....

Redação dada em 1.ª instância a tais factos:

Facto 33

“No âmbito do processo n.º 266/..., que correu termos no Juízo Cível e Criminal da comarca ... - J..., o Autor foi absolvido da prática dos crimes de que se encontrava acusado e pronunciado, mas não foi declarado inocente”.

Facto 37

37. Os factos foram dados como não provados devido à ausência de prova da sua verificação, e não por se ter provado que o Autor não os praticou. (artigo 19º da contestação”.

Vejamos.

No que concerne ao facto 33, temos para nós, que a parte final do mesmo, terá de ser eliminada, ou seja, será eliminada “mas não foi declarado inocente”, desde logo, por ser uma conclusão que terá de ser retirada de factos.

Assim, será colocado a negrito e a nova redação no local próprio a negrito e a etálico.

No tocante ao facto 37 é uma conclusão e como tal terá de ser eliminado, o que será colocado a negrito no respetivo local.

Visto o ponto referente à matéria de facto provada passemos à matéria não provada, que o recorrente tem por mal apreciada.

                                                                                   *

Questão da matéria não provada que o recorrente, pretende ver alterada.

Como nota preliminar diremos que o recorrente, por questão de funcionalidade, e, dado que os itens relativos aos factos não provados não se encontram, na decisão de que se recorre, devidamente numerados, irá referir-se a eles em função da ordem porque estão elencados (da 1ª à 26ª posição).

Assim,

Quanto ao referido em 9º lugar, e tendo por base o depoimento das testemunhas DD; HH; PP; QQ e BB, o mesmo deve passar a provado, com a seguinte redação:

“o prejuízo decorrente da perda de ovelhas do A. ascendeu a 9.500,00 €, pois cada animal tinha então o valor de, pelo menos 100,00 €; (considerando que, efectivamente, faltaram 95 animais e não 107, como por lapso aritmético se indicou no artº 30º da petição)”.

 Opinião oposta tem o recorrido.

Vejamos.

O facto não provado referido em 9.º lugar tem a seguinte redação:

“Sendo o prejuízo daí decorrente de 16.050,00 euros, pois que cada animal tinha o valor de, pelo menos, 150,00 euros. (artigo 31º da petição inicial).

Quanto ao valor dos animais referiram-se as testemunhas HH, irmão do A.; PP, que referiu estar ali para defender o amigo, e, e BB, pai do A.

Porém, muito embora se tenham referido a tal valor o Tribunal entendeu não lhes dar credibilidade.

            Temos para nós, nesta vertente estar bem.

            Na verdade, para além de serem pessoas amigas do A., pai e irmão, não deixa de ser estranho, não terem apresentado qualquer documento de venda de animais.

Certamente, terão vendido animais noutros anos, podendo assim, ter junto tais documentos o que é no mínimo estranho. Depois também é estranho a testemunha PP ter referido estar ali para defender o amigo.

Assim, nesta vertente não assiste razão ao recorrente.

O facto referido no item 13.º da matéria não provada tem a seguinte redação:

“A aludida insuficiência no manejo do rebanho, pela impossibilidade em que se encontravam o Autor e seu pai, levou também à perda de 35 borregos (18 machos e 17 fêmeas) dos nascidos durante o período da privação da liberdade, perda essa resultante da acção de predadores”. (artigo 35º da petição inicial)

Segundo o recorrente e tendo por base o referido pela testemunha BB, o tribunal terá de dar como provado: “morreram 35 borregos”.

Opinião oposta tem o recorrido.

Da audição da prova resulta que além da testemunha BB também as testemunhas CC e DD (mãe do A.) referem que desapareceram animais, tendo o CC referido que as raposas levavam-nos. Também a testemunha HH (irmão do A.) refere que desapareceram animais e que viu carcaças na serra.

Porém, a testemunha GG, médico veterinário municipal em ..., refere que os animais estavam bem tratados e que o produtor tem que registar a morte, venda, desaparecimento de animais; nas análises é feito o registo dos animais e se faltar algum tem que se apurar a causa.

Da conjugação destes depoimentos, temos para nós, não ser seguro a morte dos animais, desde logo, por não resultar ter havido qualquer participação, por um lado e por outro, os animais estarem bem de saúde.

Assim, na dúvida tal matéria tem de manter-se não provada, até por força do n.º 1, do art.º 342.º, do C.C., na medida que tinha de ser o A. a prova-la, não deixando dúvidas ao Tribunal, o que não aconteceu.

Pelo exposto e pelas razões expostas, nesta vertente não assiste razão ao recorrente.

Os factos referidos nos itens 16.º, 17.º e 18.º da matéria não provada têm a seguinte redação:

“16- viu-se impedido de colher/enfardar tais produtos. (artigo 39º da petição inicial).

17- Em tal actividade gastou 791,00 euros, pagos ao referido LL pelo enfardamento de 113 rolos, à razão de 7,00 euros por rolo. (artigo 40º da petição inicial)

18- Uma vez que não teve possibilidade de enfardar o feno (actividade que é habitualmente feita por si, comas suas alfaias), não só não conseguiu vender qualquer feno nesse ano, como ainda teve que comprar 1.500 fardos, a 3,00 euros /cada, para fazer face às necessidades do seu rebanho e de seu pai, como custo total de 4.500,00 euros”. (artigo 41º da petição inicial)

Segundo o recorrente e tendo por base os depoimentos de DD que, perguntada sobre se o A. enfardava aveia e feno para os animais e o fez no ano da privação da liberdade, esclareceu: “ele não o fez, mas mandou outra pessoa… um rapaz lá de ...… chamado LL”.  Mais disse que esse LL não chegou a enfardar tudo; esclareceu ainda que os anos normais o A. “enfardava muito feno; ficava com uma parte para ele e vendia o que era a mais; para aí 4 mil ou 5 ou 6 (fardos) sendo, segundo a mesma testemunha o preço de venda de 2, 5 a 3 euros cada fardo. Por seu turno a testemunha QQ esclareceu que o A. costuma ter feno: “para dar e vender e naquele ano admirei-me. Ele pediu-me socorro, entre aspas, a mim, porque não tinha conseguido fazer as colheitas”.

Inquirido sobre a razão disso, referiu: “Eu ouvi dizer que ele estava com pulseira electrónica. Não conseguia sair de casa”. Segundo a mesma testemunha, o A. comprou-lhe 600 fardos… “eu só lhe consegui desenrascar 600 fardos. Ele até queria comprar mais”. A testemunha esclareceu que lhe vendeu a 3 euros cada fardo.

Assim, e relativamente a esta questão, deverá dar-se por provado que: No ano de 2019 o A. não pôde, devido à sua situação, colher/enfardar o cereal e o feno, tendo para tal contratado os serviços de um individuo conhecido por LL, de ..., que colheu e enfardou parte da produção.

E que: teve ainda de comprar fardos, nomeadamente a QQ que lhe vendeu 600 a 3,00 € por unidade, não tendo o A. vendido qualquer fardo ao invés do que sucedeu nos anos anteriores, em que enfardava o necessário para o consumo da sua exploração e ainda vendia o remanescente.

Opinião oposta tem o recorrido

Vejamos.

Não restam dúvidas que as testemunhas DD (mãe do A.), HH (irmão do A.), FF, QQ e BB, afirmam que o A. cortava muito feno e vendia muito feno e naquele ano assim não foi e por isso teve necessidade de comprar.

Temos para nós, da conjugação da prova e da experiência comum que algumas dúvidas existem sobre tal matéria.

Em primeiro lugar a testemunha DD (mãe do A.) refere que o LL andou a cortar feno, não o cortou todo e por isso o seu filho andou lá a cortou feno. Por outro lado, a testemunha HH (irmão do A.) refere que o seu irmão aqui A. andou a cortar feno, não sabendo se contratou alguém para também o fazer. Depois a testemunha QQ refere que vendeu 600 fardos ao A.

O certo é que não foi junto sequer um documento referente à compra de fardos.

Assim, tendo por base, mais que não seja, por dúvida, tal matéria não pode ser alterada, improcedendo, nesta vertente a pretensão do recorrente.

Quanto aos itens 21º e 22º da mesma epigrafe, no que concernente à produção de batata e castanha, refere o recorrente que do depoimento da testemunha DD que o A., no ano em questão: “Não semeou. Não semeou nada. Nem cereais.” e que “também a castanha não pôde colher”.

Esclarecendo que: “vendia batatas em toneladas”… “castanha não era tanta assim, mas ainda eram bastantes sacas”.

Segundo esta testemunha o preço de venda da castanha situava-se entre 2,00 € e 2,50 € por quilo e a batata era vendida 0,25 € a 0,30 € o quilo; no mesmo sentido vão os  depoimentos de HH e BB.

Em consequência, tais itens deverão ser dados como provados no sentido de que: No ano de 2019 a situação em que o A. se encontrava impediu-o de produzir bata para venda e de colher e vender as suas castanhas.

E ainda que: Em média o A. produz e vende algumas toneladas de batata e bastantes sacas de castanhas.

Opinião oposta tem o recorrido.

A redação dada em 1.ª instância:

“-Ainda, e no ano de 2019, a situação em que se encontrava impediu-o de produzir batata para venda e de colher e vender as suas castanhas. (artigo 45º da petição inicial)

- Produz e vende, em média, 10.000 kg de batata, por ano, ao preço de 0,30 euros /kg, deixando de realizar 3.000,00 euros”. (artigo 46º da petição inicial).

Vejamos

A redação dada em 1.ª instância:

“-Ainda, e no ano de 2019, a situação em que se encontrava impediu-o de produzir batata para venda e de colher e vender as suas castanhas. (artigo 45º da petição inicial)

- Produz e vende, em média, 10.000 kg de batata, por ano, ao preço de 0,30 euros /kg, deixando de realizar 3.000,00 euros”. (artigo 46º da petição inicial).

Efetivamente as testemunhas referidas pelo recorrente referem tal matéria. Aliás, também a testemunha FF alude a tal matéria, referindo que apesar de não saber a quantidade produzida pelo A., um agricultor produz 5 ou 10 toneladas, sendo que também tinha muita castanha.

Também nesta matéria parece não assistir razão ao recorrente, desde logo, por não ser muito credível que se proceda à venda de batatas em grande quantidade sem qualquer fatura, poderia aceitar-se, venda sem qualquer fatura, se a venda fosse de alguns Kilos, mas o que foi referido foi a venda de muita batata, chegando mesmo a testemunha FF a referir que um agricultor produz 5 ou 10 toneladas de batatas.

Assim, pelo exposto também esta pretensão do recorrente não pode proceder.

Afirma ainda que o item (26º) ficou claro que cada ovelha pare, geralmente, duas crias, como se alcança do depoimento de BB que esclareceu: “… cada ovelha pare 2 a 3 vezes em 2 anos. Na prática, em 2 anos pare 3 vezes… a maior parte que agora a gente temos é tudo a 2 borregos. Porque se a ovelha não trouxer 2 borregos a gente tenta vender, abatê-la para a carne”.

Esclareceu ainda, a mesma testemunha que os borregos macho eram então vendidos a 70 euros e as fêmeas a 100 euros.

Consequentemente terá de haver-se como provada a factualidade constante do referido item.

Opinião oposta tem o recorrido.

Redação do citado item

“Dado ser frequente a ocorrência de partos múltiplos, cada ovelha pare, em média, 1,20 crias, o rebanho deixou de produzir – considerando apenas o ano imediatamente seguinte – 128 borregos que seriam vendidos ao preço médio de 85,00 euros cada, deixando, consequentemente o Autor de ganhar 10.880,00 euros. (artigo 51º da petição inicial)”

Vejamos.

Temos para nós, não assistir razão ao recorrente, por um lado por a testemunha BB (pai do A.) ter referido que o normal é cada ovelha parir dois borregos e aquelas que não parem dois borregos são abatidas para carne, não referindo quantas pariram ou quantas deixaram de parir, por outro lado, a testemunha DD (mãe do A.) refere as ovelhas “paridas de poucos dias” e as crias eram guardadas em armazém, sendo esta que cuidava delas, na ausência do seu marido e filho, também não referindo qualquer número de ovelhas que pariram ou deixaram de parir..

Ora, destes depoimentos, resulta com toda a clareza que nenhum deles referiu quantas ovelhas pariram, isto por um lado, e por outro não referiram quantos borregos o rebanho deixou de produzir.

                                                           *

Face a todo o exposto a pretensão do recorrente quanto ao recurso da matéria de facto fixada em 1.ª instância procede parcialmente, como supra referido, mantendo-se no mais como fixado em 1.ª instância.

                                                                                         *

            Por nos presentes autos estar em causa um pedido de indemnização, formulado pelo A. AA contra o Estado, em virtude de ter estado privado da liberdade, por prisão domiciliária com pulseira eletrónica, cabe apurar se a sua absolvição ficou a dever ao principio do in dúbio pro reo, como se entendeu na sentença recorrida ou não.

Assim, temos para nós, ser relevante para se averiguar dos pressupostos da obrigação de indemnização por parte do réu, Estado Português, para além dos factos dados como provados no processo crime n.º 266/16...., e transpostos para a sentença recorrida, também os factos dados como não provados.

Assim, nos termos dos art.ºs 662.º, 607.º, n.º 4, aplicável ex vi artigo 663.º, n.º 2, todos do CPC, este Tribunal, passa, ainda, a considerar como provado, os factos dados como não provados, naquele processo, desde logo, tendo por base o acórdão junto aos autos, com a P.I., factos que serão colocados a negrito e etálico, no local respetivo.

Aqui chegados passemos ao ponto seguinte.

                                                   *

B)- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que decida conceder provimento á pretensão do recorrente.

O recorrente quanto a tal pretensão, assenta, desde logo, a sua pretensão na alteração da matéria de facto, pretensão que obteve em parte.

Assim, a questão de direito terá por base, como não podia deixar de ser, a matéria fixada in supra.

São vários os pontos, colocados pelo recorrente, nesta sua pretensão, a saber:

i)- Se a ação deve proceder e operar-se à condenação do Estado Português;

ii)-Saber se o recorrente tem direito a ser indemnizado por danos patrimoniais e não patrimoniais;

iii)- Saber se existe lugar à condenação no que se liquidar em execução de sentença; e

iv)- Saber se deve ser absolvido da condenação de litigante de má fé.

Tendo presente que são vários os pontos em análise, por uma questão de método, iremos analisar cada um de per si.

Assim,

i)- Se a ação deve proceder e operar-se à condenação do Estado Português;

Como resulta do relatório que antecede, o autor pugna pela condenação do Estado Português a pagar-lhe uma indemnização pelo facto de ter estado privado da liberdade, durante 276 dias, durante os quais esteve sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica, vindo a ser absolvido no competente processo crime, sendo seu entendimento que se verificam os pressupostos previstos no artigo 225.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, porquanto demonstrou que não praticou o crime de que era acusado, que lhe era imputado.

Opinião oposta teve a sentença recorrida que considerou que no âmbito do processo crime “não se provou que (o autor) era inocente, tendo beneficiado naquele processo do principio do in dubio pro reo”e, consequentemente, considerou que o autor não provou que não tenha praticado os factos que tipificavam a respectiva qualificação como integrando a prática dos crimes de tráfico de pessoas e de escravidão, em função do que considerou inexistir a peticionada obrigação de indemnizar, por parte do Estado Português.

Será assim?

A respeito de tal matéria dispõe o artigo 225.º do CPP, na redacção aqui aplicável – a que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto – que:

“1 – Quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando:

(…)

c) Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente.”

Compulsando os itens 1.º a 29.º da matéria considerada como não provada, nos autos crime, Proc.º n.º 266/16...., relativamente à matéria constante da pronúncia – transcrita, por nós, no facto provado 65, em resultado de ter sido aditada, temos para nós, aliás, no sentido do já entendido, por esta Relação, no Ac.º n.º 960/21...., datado de 22/11/2022, relatado por Arlindo Oliveira, também tirado numa ação, que tinha por base o mesmo processo crime, que têm estes autos, Proc.º Crime n.º 266/16...., que ficou demonstrado que o arguido, aqui A.,  não cometeu os ilícitos que ali lhe eram imputados.

Na verdade, lendo e relendo o teor de tais itens, a conclusão a que se chega, é a de que os arguidos, não praticaram os factos ali descritos, e, sem os quais não se podem praticar os crimes de tráfico de pessoas e de escravidão que lhe eram imputados e, isto, independentemente da questão de os arguidos não terem pago às “vítimas” um salário certo e determinado, o que nada - como se refere no Acórdão desta Relação – tem que ver com a prática de tais crimes.

Trata-se de crimes de tráfico de pessoas e de escravidão, que aos arguidos eram imputados, relativamente aquelas pessoas e nas condições descritas na acusação e mantidas na pronúncia, pelo que, só se pode entender que os não praticaram, naquelas circunstâncias, o que, reitera-se, não se demonstrou, de todo.

Como se refere no Acórdão desta Relação, supra citado, “Não se trata, por exemplo, de um crime de furto em que, comprovadamente, a coisa foi furtada, ficando sem se saber quem foi o agente do crime e, designadamente, se foi o arguido que de tal crime foi acusado, situação em que por força do princípio do in dubio pro reo se imporia a absolvição do arguido.

Não é o que se passou in casu uma vez que não se demonstrou um, sequer, dos inúmeros factos que ao arguido eram imputados, com vista à obtenção da sua condenação, por tais crimes. Ao invés, nenhum deles se demonstrou.

E lida e relida a convicção/motivação do Tribunal para dar como provada e não provada a matéria de facto atinente, em lado nenhum se faz apelo ao princípio do in dubio pro reo”.

Ao invés, por exemplo, a fl.s 54 v.º do Acórdão (67 v.º dos autos), refere-se que “Antes ficou claro para o Tribunal que o assistente (…) ia dizendo coisas diferentes e, muitas delas sem qualquer credibilidade, visando imputar aos arguidos comportamentos que manifestamente não se provaram, nem foram confirmados, pelo contrário (sublinhado nosso), por qualquer outra prova”.

            E mais à frente, refere o Acórdão, proferido nos autos Crime citado e também no Acórdão desta Relação acima referido, segmento que se transcreve:

“Resulta, assim, de forma clara (sublinhado nosso) que o assistente não estava com a sua liberdade de movimentos, de forma alguma limitada, nem esteve em casa dos arguidos todos aqueles anos por qualquer imposição, ou por medo, dado que, repetimos, acabou por sair várias vezes e por regressar quando o queria fazer, como ele próprio reconheceu.

(…)

Questionado, referiu que a comer foi sempre bem tratado, que comia com os arguidos e a sua família”.

E a fl.s 65 (73 dos autos):

“Disse, ainda, que no Natal, sempre estava à mesa com os arguidos e a sua família e que também lhe davam prendas, o que não deixa de ser um importante indicador do tipo de relação que mantinham”.

E a fl.s 103 (92 dos autos):

“… não nos parecendo, pelo contrário, nem compatível com toda a prova produzida, dizer que os arguidos ficavam com os documentos do assistente para dessa forma o impedir de sair”.

(…)

Ficou demonstrado que os assistentes saiam quando queriam e chegaram mesmo, até o assistente BB, a estar um tempo ausente, a trabalhar para outra pessoa, pelo que não tem, em nosso entender, qualquer suporte probatório a factualidade imputada aos arguidos, relativamente a esta circunstância, ou seja, pretendendo que os documentos de identificação eram sempre guardados pelos arguidos, para assim os impedirem de sair, o que, também já o referimos, nem os próprios assistentes o confirmaram”.

Acresce que na fundamentação do Ac. Crime, proc.º 266/16...., se refere, o segmento que se transcreve:

Resulta, assim, de forma clara que o assistente não estava com a sua liberdade de movimentos, de alguma forma limitada, nem esteve em casa dos arguidos durante todos aqueles anos por qualquer imposição, ou por medo, dado que, repetimos, acabou por sair várias vezes e por regressar quando o queria fazer, como ele próprio reconheceu.

Aliás, disse mesmo, a este propósito, que foi embora, que se lembre, por três vezes e nunca ninguém o impediu ou proibiu, ia quando queria e voltou quando também quis.

Referiu que os arguidos não gostavam que ele fosse para o outro café, mas acabou por reconhecer que de vez em quando ia, sendo também manifesto que não tinha qualquer medo ou receio dos arguidos, pois se assim não fosse, não iria.

Questionado, referiu que a comer sempre foi bem tratado, que comia com os arguidos e a sua família.

Pese embora não tivesse dito de forma espontânea que alguma vez os arguidos o tivessem agredido ou mesmo ameaçado, tendo-lhe sido directamente perguntado, começou por dizer, sem qualquer objectividade ou rigor, que às vezes o arguido BB o queria agredir, começando a berrar com ele e aos insultos porque as ovelhas não iam fartas, acrescentando que não havia outra causa.

Já em relação ao arguido AA, começou por dizer que não o insultava, depois disse que sim e, questionado directamente acerca do teor dos insultos, apenas referiu que dizia, e citamos “não fazes isto, não fazes aquilo que já devia estar feito”, acrescentando mesmo “basicamente era isto e nada mais”.

Todavia, logo a seguir, e em total contradição, ia dizendo que “diziam caralhos e bogalhos”.

Assim, temos para nós, como já fora entendido no Acórdão desta Relação, supra citado, que ressalta a evidência que nenhuma dúvida (sublinhado nosso) subsistiu para o Tribunal no que respeita aos factos imputados aos arguidos que decidiu dar como provados e não provados, nos termos em que o fez”.

Em suma, resulta dos factos dados como provados e não provados no Acórdão criminal, supra citado, que, fora de toda a dúvida, os arguidos, onde se inclui, o aqui A., não praticaram os crimes que lhes eram imputados, por isso deles sendo absolvidos e não por apelo ao princípio do in dubio pro reo.

Assim, e face ao preceituado na al.ª c), do n.º 1, do art.º 225.º, do C.P.C., o recorrente tem direito a ser indemnizado.

Visto este ponto passemos ao seguinte.

                                                                       *

ii)-Saber se o recorrente tem direito a ser indemnizado por danos patrimoniais e não patrimoniais;

Vejamos em 1.º lugar os danos patrimoniais.

Como resulta da parte conclusiva do petitório do autor, este peticionou a quantia de 27.136,69 euros a titulo de danos patrimoniais; e 25.830,00 euros relativo a ganhos futuros não auferidos.

Em 1.ª instância não foi fixada nenhuma indemnização, por se considerar, como acima já referido, que não se verificavam os respectivos pressupostos, desde logo, por entender não haver lugar a qualquer indemnização.

Como já referimos no ponto anterior, ponto i), este Tribunal tem entendimento diverso do advogado em 1.ª instância e entende haver lugar a indemnização.

Sobre esta matéria determina o art.º 483.º, relativo à responsabilidade civil por actos ilícitos:

«1- aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

2- Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei»

São, assim, requisitos da responsabilidade civil extracontratual:

a) O facto;

b) A ilicitude;

c) A culpa;

d) O dano;

           e) O nexo de causalidade entre o facto e o dano.     

Aqui apenas seria discutível o dever de indemnizar, sendo certo que essa questão já foi apreciada e decidida afirmativamente, pelas razões supra.

Torna-se agora necessário averiguar qual o montante dos danos patrimoniais. Mas em relação a estes põe-se mesmo a questão de saber se são indemnizáveis.

Tendo presente os factos vertidos nos pontos de facto provados números 22 e 23, de onde resulta que o A. em virtude da medida coativa, contratou os serviços de KK para os trabalhos necessários ao manejo do rebanho (pastoreio, alimentação, limpeza de lojas de parqueamento, cuidados de saúde, etc…), tendo despendido a quantia de 2.460,00 euros.

Assim, nesta medida o A. tem de direito a ser ressarcido de tal montante.

Já quanto a ganhos futuros, não provou fosse o que fosse sobre tal matéria, como lhe cabia, face ao n.º 1, do art.º 342.º, do C.C., pelo que, nesta vertente improcede a pretensão do A., aqui recorrente, o mesmo se diga quanto aos outros danos patrimoniais, com exceção da do trabalho contrato al LL, matéria que será analisada à frente, aquando da análise, da condenação em liquidação de execução de sentença.

Face ao exposto, nesta vertente, a titulo de danos patrimoniais, condena-se o Estado Português a pagar ao A. a quantia de 2.460,00, montante que pagou ao KK.

            Vistos os danos patrimoniais, cabe apreciar os danos não patrimoniais.

                                                                       *

            Danos não patrimoniais.

Nos termos do artigo 496º do C. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, em montante a fixar equitativamente pelo tribunal, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º, ou seja, grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

Mesmo no domínio da responsabilidade extrajudicial discutiu-se na doutrina a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais. E isto porque havia quem defendesse que eles são insuscetíveis de reparação pecuniária, não havendo dinheiro capaz de reparar uma dor, uma injúria, a perda de um órgão importante do corpo humano ou a sua deformação. Além disso seria muito difícil, senão impossível, avaliar o valor desses danos.

Trata-se, contudo, de questão que, segundo cremos, está completamente ultrapassada, pois não tem qualquer razão de ser.

Procura-se, assim, com a indemnização pelos danos não patrimoniais, atenuar as consequências que para o lesado advêm da conduta do lesante. Ou como se defendeu no acórdão do STJ de 16.04.91, in BMJ 406-618, o artigo 496º do CC fixou-se definitivamente não numa concepção materialista da vida, mas num critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos que o ofensor lhe tenha provocado.

Por isso deve entender-se que com a avaliação de tais danos se pretende mais compensar do que indemnizar o mal causado pela lesão sofrida.

Nesta linha de pensamento escrevia o Prof. Vaz Serra na RLJ ano 113º-104: “a situação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto que não é um equivalente do dano, um valor que reponha a coisa no estado anterior à lesão, tratando-se então de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é susceptível de equivalente”.

Ou, como escreve Inocêncio Galvão Telles in “Direito das Obrigações”, pag. 297: “na impossibilidade de reparar directamente os danos pela sua natureza não patrimonial, procura-se repará-los indirectamente através de uma soma em dinheiro susceptível de proporcionar satisfações porventura de ordem espiritual, que representem um lenitivo, contrabalançando até certo ponto os males causados”.

Tem-se entendido, e com razão, que é muito difícil, senão impossível, calcular o montante exacto da compensação devida pelos danos morais.

Como dissemos, não se trata propriamente de indemnizar a vítima, mas antes de a tentar compensar, atenuando-se um mal já consumado.

É que o dinheiro pode proporcionar à pessoa lesada satisfações não só de carácter económico, mas também de carácter espiritual e até mesmo moral, que possa atenuar a dor e o sofrimento.

Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral” Vol. I, pág.. 502 diz que “a indemnização” por danos morais reveste uma natureza acentuadamente mista: “por um lado, visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado não lhe é estranha a ideia de reparar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.

É que se trata de prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património não é afectado: nem passa a valer menos nem deixa de valer mais. Há a ofensa de bens de carácter imaterial – desprovidos de conteúdo económico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro, tal como a integridade física, a saúde, a honra e a reputação (cfr. Galvão Telles ob. cit. pág. 296.

 Como vimos, a nossa lei aceita a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, mas apenas daqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito: o dano há-de ser de tal maneira grave que justifique a concessão ao lesado duma satisfação de ordem pecuniária (compensação), nos termos referidos. Ou, como se refere no citado acórdão do STJ de 15.06.93 (BMJ 428- 535), que revistam gravidade objectiva e acentuada, de modo a justificarem uma compensação de ordem pecuniária. “Só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral” (ac. STJ de 26.06.91- BMJ 408-538).

Não há qualquer dúvida de que os danos sofridos pelo autor, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, em montante a fixar equitativamente pelo tribunal.

Como se colhe do Acórdão do STJ, de 26/6/91, in BMJ 408 – 538, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, sem ater a personalidades de sensibilidade exacerbada e a apreciar em função da tutela do direito.

Por outro lado, como se refere, no Acórdão do STJ, de 07/06/2011, Processo 3042/06.9TBPNF.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj, importa verificar se os critérios seguidos na fixação desta indemnização, são passíveis de generalização para casos análogos, muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparadas, nomeadamente, tendo em vista as lesões sofridas, suas consequências e a idade das vítimas.

Ou, como se refere no Acórdão do mesmo Tribunal, de 26/01/2012, Processo n.º 220/2001-7.S1, disponível no mesmo sítio do anterior deve “ser tratado por igual o que merece igual tratamento”, para o que se deve atender aos valores que vêm sendo fixados como compensação pelos danos não patrimoniais e no qual se referem os que como tal foram concedidos em alguns Arestos de tal Tribunal.

Entendimento que o STJ vem mantendo, podendo ver-se, exemplificativamente e por último, o seu Acórdão de 21 de Abril de 2022, Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1, disponível no mesmo sítio dos anteriores e em que se refere que o recurso à equidade tem papel preponderante, devendo ter-se em conta as regras da experiência, tendo em vista a actividade levada a cabo pelo lesado, designadamente, a conexão entre as lesões sofridas pelo mesmo e as condicionantes/exigências próprias de tal actividade, bem com as sequelas das lesões e seus reflexos no desempenho da actividade profissional habitual do lesado, sem esquecer os seus rendimentos, idade, tempo de vida activa e esperança média de vida (e embora a maioria dos Arestos em causa se refiram a acidentes de viação, as conclusões extraídas, são, aqui, também, em parte, aplicáveis).

Na categoria dos danos não patrimoniais abarcam-se todas as sequelas que afectam a personalidade do lesado, designadamente, as dores físicas e psíquicas, perdas de capacidade, tanto a nível físico como psíquico, vexames, sentimento de inferioridade por afectação da imagem, a nível estético, a saúde e bem estar, tudo, como acima já referido, a aferir objectivamente.

Como se colhe do Acórdão do STJ, de 26/6/91, in BMJ 408 – 538, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, sem ater a personalidades de sensibilidade exacerbada e a apreciar em função da tutela do direito.

Por outro lado, como se refere, no Acórdão do STJ, de 07/06/2011, Processo 3042/06.9TBPNF.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj, importa verificar se os critérios seguidos na fixação desta indemnização, são passíveis de generalização para casos análogos, muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparadas, nomeadamente, tendo em vista as lesões sofridas, suas consequências e a idade das vítimas.

Ou, como se refere no Acórdão do mesmo Tribunal, de 26/01/2012, Processo n.º 220/2001-7.S1, disponível no mesmo sítio do anterior deve “ser tratado por igual o que merece igual tratamento”, para o que se deve atender aos valores que vêm sendo fixados como compensação pelos danos não patrimoniais e no qual se referem os que como tal foram concedidos em alguns Arestos de tal Tribunal.

Entendimento que o STJ vem mantendo, podendo ver-se, exemplificativamente e por último, o seu Acórdão de 21 de Abril de 2022, Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1, disponível no mesmo sítio dos anteriores e em que se refere que o recurso à equidade tem papel preponderante, devendo ter-se em conta as regras da experiência, tendo em vista a actividade levada a cabo pelo lesado, designadamente, a conexão entre as lesões sofridas pelo mesmo e as condicionantes/exigências próprias de tal actividade, bem com as sequelas das lesões e seus reflexos no desempenho da actividade profissional habitual do lesado, sem esquecer os seus rendimentos, idade, tempo de vida activa e esperança média de vida (e embora a maioria dos Arestos em causa se refiram a acidentes de viação, as conclusões extraídas, são, aqui, também, em parte, aplicáveis).

Na categoria dos danos não patrimoniais abarcam-se todas as sequelas que afectam a personalidade do lesado, designadamente, as dores físicas e psíquicas, perdas de capacidade, tanto a nível físico como psíquico, vexames, sentimento de inferioridade por afectação da imagem, a nível estético, a saúde e bem estar, tudo, como acima já referido, a aferir objectivamente.

Cotejando os factos apurados, no que a tal concerne, designadamente os que constam dos factos 7, 10 a 16 inclusive de onde resulta que o A. esteve privado da sua liberdade 276 dias, que em termos psicológicos e de auto-estima, a situação se revelou penosa, que sempre foi considerado pessoa séria, íntegra e honrada, na localidade onde reside e na região envolvente, nomeadamente nos concelhos ..., ... e ..., tendo chegado a integrar a Junta de Freguesia ..., que foi para si penosa e motivo de grande preocupação a forma como a situação afectou a sua actividade profissional, o que o levou a sofrer de um estado de grande ansiedade, perda de sono e depressão, que foi mais intensa durante o período de privação da liberdade, mas que deixou sequelas psicológicas que ainda hoje se fazem sentir, de tal modo que teve que procurar apoio clinico, numa primeira fase, junto do seu médico de família, Dr. II, do Centro de Saúde ..., e ainda, por indicação do referido médico, junto dos Serviços de Psiquiatria da U.L.S. da ..., onde vem sendo seguido e tratado pelo Dr. JJ.

Tendo em linha de conta os critérios legais aplicáveis e atentas as circunstâncias acima relatadas e que o direito à liberdade de movimentos é de primordial importância para o bem estar de qualquer pessoa (tanto que tem foros de protecção constitucional e qualquer cidadão só dela pode ser privado nos termos previstos no artigo 27.º, n.º 2 da CRP), bem como que não se trata de critérios rígidos nem de quantias pré-determinadas nem fixas, e até por comparação com outros casos e indemnizações atribuídas, designadamente, nos Acórdãos do STJ, de 11/10/11, Processo n.º 1269/03.6TBPMS.L1.S1 e no Processo n.º 336/14.tTBALM.L1.S2, disponíveis no respectivo sítio do Itij, julgamos ser equitativo e justo, atribuir ao autor, a este título, a quantia de 35.000,00€.

Assim, nesta vertente fixa-se a indemnização devida ao autor, a título de danos morais, na quantia de 35.000,00€, o que implica, no que se refere a esta questão, a procedência, parcial, do recurso.

            Visto este ponto passemos ao ponto seguinte.

                                                                                   *

iii)- Saber se existe lugar à condenação no que se liquidar em execução de sentença; e

Segundo o recorrente citado o Ac. desta Relação datado de 11/10/2017, proc.º n.º 228/15.9T8SEl.C1, relatado por Maria Catarina Gonçalves, deve haver condenação a indemnização, no que vier a ser liquidado em execução de sentença, por aplicação do art.º 609.º, n.º 2, do C.P.C.

Vejamos.

Em primeiro lugar, cabe referir, que advogamos o entendimento espelhado no acórdão citado, pelo que, com a devida vénia, transcrevemos tal segmento:

“Dispõe o citado art. 609º, nº 2, que “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.

Existiu, de facto, alguma jurisprudência que interpretava a aludida disposição legal (mais concretamente a norma do anterior CPC que lhe correspondia) nos termos em que ela foi interpretada pela 1ª instância, sustentando que apenas seria aplicável quando, no momento da sentença, ainda não fosse possível conhecer todos os factos necessários à liquidação da obrigação, não sendo, todavia, aplicável quando esses factos já haviam ocorrido e muito menos quando esses mesmos factos haviam sido alegados mas não provados. Veja-se, por exemplo, o Acórdão do STJ de 17/01/1995, Proferido no processo nº 085801, disponível em http://www.dgsi.pt., onde se diz que “O artigo 661, n. 2, do Código de Processo Civil apenas permite remeter a condenação para execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, entendendo-se, porém, essa falta de elementos não como a consequência do fracasso da prova na acção declarativa, mas apenas como consequência de ainda se não conhecerem, com exactidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda se não terem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências do facto ilícito no momento da propositura da acção declarativa”.

Pensamos, porém, poder afirmar que essa corrente jurisprudencial está ultrapassada, cfr. jurisprudência infra citada, não merecendo acolhimento na jurisprudência mais recente do STJ e não colhendo – pensamos nós – o necessário apoio na letra da lei e no pensamento legislativo.

Com efeito, nada na letra da lei nos induz a fazer tal interpretação (restritiva), uma vez que a previsão da norma em questão reporta-se à falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação sem fazer qualquer distinção entre as situações em que esses elementos não existem por ainda não terem ocorrido os factos que permitiriam fixar o objecto ou a quantidade da obrigação e as situações em que esses factos já ocorreram, já são conhecidos e até foram alegados, sucedendo apenas que não foram provados. Em qualquer uma dessas situações, o Tribunal – no momento em que profere a sentença – não dispõe desses elementos e, portanto, está impossibilitado de fixar o objecto ou a quantidade da prestação e, ao que nos parece, é apenas essa circunstância que está subjacente à norma em questão.

O que ali se pretende salvaguardar é a possibilidade de o tribunal proferir uma decisão condenatória, nas situações em que, apesar de se ter apurado a existência do direito e respectiva obrigação, não se determinou o objecto ou a quantidade dessa obrigação. Ou seja, o juiz apurou a efectiva existência de uma obrigação – sabendo, portanto, que o réu terá que ser condenado – mas não apurou qual é o concreto objecto ou a quantidade exacta dessa prestação – não podendo, por isso, determinar o objecto da condenação. Numa situação dessas, e como refere o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 71), “…nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução de sentença”.

Temos, portanto, como certo que tal disposição será aplicável a todos os casos em que o Tribunal, no momento em que profere a decisão, carece de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação, seja porque ainda não ocorreram os factos constitutivos da liquidação da obrigação, seja porque, apesar de esses factos já terem ocorrido e terem sido alegados, não foi feita a sua prova. Neste sentido se pronunciam José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª ed., pág. 682 e Alberto dos Reis, in Ob. cit., Vol. V, pág. 71 e Vol. I, 3ª ed., Reimpressão, pág. 615.

Em sentido coincidente, afirma Vaz Serra, in RLJ, Ano 114º , pág. 309 e 310 que “A aplicabilidade do nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil não depende de ter sido formulado um pedido genérico; mesmo que o autor tenha deduzido na acção um pedido de determinada importância indemnizatória, se o tribunal não puder averiguar o exacto valor dos danos, deve relegar a fixação da indemnização, na parte que não considerar ainda provada, para execução de sentença…”.

Nesse sentido se decidiu também no Acórdão do STJ de 22/09/2016, processo nº 681/14.8TVLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt., onde se lê que “O facto de o autor ter formulado na acção declarativa de condenação um pedido de indemnização líquido não impede o Tribunal de proferir sentença de condenação em quantia a liquidar posteriormente desde que os elementos de facto, embora revelando a existência de um dano patrimonial, se mostrem insuficientes para a sua quantificação”.

Também nesse sentido, decidiu o Acórdão do STJ de 08/11/2012, processo nº 37/05.3TBBRR.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt, onde se diz que “A norma constante do nº2 do art.661º do CPC, ao prever a possibilidade de condenação genérica, é aplicável aos casos em que o lesado optou pela formulação de pedido específico, liquidando logo o dano que entendia ter sofrido, considerando, porém, o julgador, a final, que, estando demonstrada a existência de um dano -. e, portanto, preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil invocada – subsistem dúvidas acerca do seu exacto valor pecuniário, não supríveis através do recurso a critérios ou juízos de equidade”.

Em idêntico sentido, considerou-se no Acórdão do STJ de 07/11/2006 processo nº 06A3623, disponível em http://www.dgsi.pt. que “O art. 661º, nº 2 do CPC tanto se aplica ao caso do autor ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico, como ao de ele ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação, razão pela qual a dedução inicial do pedido líquido não obsta a que a sentença condene em quantia a liquidar em execução de sentença”.

E ainda no mesmo sentido pode ver-se o Acórdão do STJ de 23/01/2007, processo nº 06A4001, disponível em http://www.dgsi.pt., onde se entendeu que “Mesmo que o autor tenha feito um pedido específico (não genérico), a sua quantificação poderá ser relegada para liquidação em execução de sentença, caso não se tenha apurado o montante na acção, desde que nesta se tenha comprovado a existência de danos”.

Concluímos, portanto, que, para efeito de aplicação da norma citada, é irrelevante que o autor tenha formulado um pedido líquido ou específico sem que tenha conseguido provar os factos que havia alegado e dos quais dependia a fixação ou quantificação do objecto da prestação; também essa situação se insere no âmbito de previsão da norma citada e, portanto, também nesse caso o tribunal deverá condenar no que vier a ser liquidado.

O que é absolutamente necessário é que se prove a existência da obrigação, uma vez que aquilo que pode ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo da citada disposição legal, não é a existência da obrigação – porque esta, constituindo um pressuposto necessário para que seja proferida uma decisão condenatória, tem que ser previamente demonstrada – mas sim e apenas o objecto ou a quantidade dessa obrigação.

Resta, portanto, saber se está provada a existência da obrigação que é invocada pela Apelante, o que, no caso, se reconduz a saber se está demonstrada a existência dos concretos danos que são invocados pela Apelante …”,

Atendendo à doutrina supra referida que advogamos, temos para nós, que em face da matéria de facto provada, temos como demonstrado que o A. aqui apelante, teve que recorrer aos serviços de um conhecido (o Sr. LL “da na”, de ...) para enfardar a aveia e o centeio que havia semeado antes da sua detenção (cfr. facto 27 provado), não tendo, contudo provado, que em tal actividade gastou 791,00 euros, pagos ao referido LL pelo enfardamento de 113 rolos, à razão de 7,00 euros por rolo. (cfr. item 18, dos factos não provados, item por nós contado).

Ora, desta matéria resulta que o A., aqui recorrente, provou o dano, que é um elemento constitutivo do direito à indemnização, constituindo um pressuposto necessário para que se possa afirmar a existência desse direito e correspondente obrigação e para que, em conformidade, possa ser proferida uma sentença condenatória no que respeita a essa obrigação.

O dano que o Apelante entende ter sofrido ficado demonstrado – ainda que tenha ficado por apurar o respectivo valor – correspondem ao preço pago pela contração.

Assim, e porque será possível apurar tal montante, relegamos o seu conhecimento para o que vier a ser apurado, na liquidação em execução de sentença, nos termos do n.º 2, do art.º 609.º, do C.P.C. e não o fixamos já, com base em critério de equidade, por se nos afigurar ser possível, em liquidação de execução de sentença fixar o mesmo.

Assim, face ao exposto, relega-se para liquidação de execução o montante que vier a ser apurado, como supra referido.

Quanto aos demais danos, fora do conhecido, no ponto i), referente aos danos patrimoniais, julga-se improcedente a pretensão do recorrente, por não ter provados os mesmos, como lhe competia nos termos do n.º 1, do art.º 342.º, do C.C.

Face ao exposto e pelas razões expostas relega-se, para liquidação de execução de sentença, o valor referente ao pagamento ao LL pelo corte e enfardamento do feno.

Visto este ponto passemos ao ponto seguinte.

                                                           *

iv)- Saber se deve ser absolvido da condenação de litigante de má fé.

Segundo o recorrente o Tribunal “a quo” errou de direito ao condená-lo como litigante de má fé.

Na verdade, refere que foi condenado como litigante de má fé, por se ter considerado, por um lado, que“dolosamente fez uso reprovável do processo, alterando a verdade do factos e omitindo factos relevantes para a decisão da causa”; e por outro, por ter “agido apenas com o propósito de conseguir locupletar-se à custa de um alegado direito de indemnização que bem sabe não lhe assistir”.

Sendo que, quanto ao direito à indemnização, o A. está convicto, face aos termos e fundamentos da sentença penal absolutória e à correta e constitucionalmente balizada interpretação da norma do artº 225º, nº 1, c) do C. P. Penal, que tal direito lhe assiste, pelo que é estulto afirmar-se que bem sabia o contrário!

Quanto à  alegadamente dolosa alteração e omissão da verdade factual dir-se-á que o A. elencou, consciente e convictamente , os factos que considerou relevantes oco0rridos consigo e com o seu património, em consequência da privação da liberdade que sofreu; nenhum dolo está subjacente a tal exposição, sendo que, a circunstância de alguns desses factos não terem sido provados não pode legitimar a condenação por má-fé processual.

Opinião oposta tem o recorrido, que refere, ter o Autor omitido na petição inicial, as diversas autorizações que lhe foram concedidas pelo Tribunal para proceder ao maneio dos animais e para trabalhos agrícolas, bem como a circunstância de tal permissão ter sido concedida de forma ampla e nos termos por este requeridos desde Setembro de 2019, sendo que, omitiu ainda que os detentores de animais ovinos estão obrigados à identificação, registo e circulação dos animais das espécies ovinas e caprinas, encontrando-se todos os dados relativos aos animais coligidos em bases de dados que integram o SlRNA, geridos pela Direcção-Geral de Veterinária e pelo Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, IP e que entre as comunicações obrigatórias, previstas encontra-se os nascimentos, desaparecimentos, todas as movimentações que ocorram para a exploração ou a partir desta, abates e mortes, como dado provado.

Apreciando.

Os comportamentos que a lei tipifica como integrando má fé são: a) dedução de pretensão ou oposição cuja fatal de fundamento, de facto ou de direito, a parte não devia ignorar, ou seja, a parte deve ponderar a razoabilidade da pretensão, evitando-a se não houver fundamento sério para a mesma; b) alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa, v.g., mentira da parte, negação de factos pessoais que se provam, apresentação de versão de acidente que a parte sabia ser falsa; c) omissão grave do dever de cooperação; d) instrumentalização manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com vista a impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (Artigo 542º, nº2 do Código de Processo Civil).

É a violação do dever de boa-fé processual, de forma dolosa ou gravemente negligente, que configura a litigância de má-fé nos termos do Artigo 542º. O dever de boa-fé processual surge consagrado como reflexo e corolário do princípio da cooperação, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por ação ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos. Em suma, é a violação do dever geral de probidade, consagrado no Artigo 8º do Código de Processo Civil, enquanto conduta ilícita, praticada de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má-fé.

A negligência grave deve ser entendida como «imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2001, Afonso de Melo, 01A3692.

Não deve confundir-se a litigância de má fé com: (i) a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; (ii) a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; (iii) discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou (iv) com a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer – cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2.3.2010, Maria José Simões, 6145/09. A simples circunstância de se dar como provada uma versão factual contrária à alegada pela outra parte, sobretudo quando tal prova se alicerça em depoimentos testemunhais que se confrontam com outros de sentido contrário, não é suficiente para fundar e fundamentar a condenação da parte que viu triunfar a versão da parte contrária, como litigante de má fé – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.5.2009, Álvaro Rodrigues, 09B0681.

Nos termos do tipo previsto no Artigo 542º, nº2, alínea a), litiga de má fé que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamentação não devia ignorar. A «parte atuará ilicitamente se souber ou se devia saber que a sua pretensão, quer atendendo aos aspetos de facto, integradores da potencial causa de pedir, quer atendendo aos efeitos que deles são retirados, através da formulação de um pedido, não é compatível com aquilo que o sistema dita.» - Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, p. 392. Basta que à parte seja exigível esse conhecimento, cabendo à parte indagar se a sua pretensão era fundamentada, no plano de facto e do direito, no caso concreto: «A parte pratica um ato desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quando à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável» (Op. Cit., p. 394), tanto relevando a negligência consciente como a negligência inconsciente. A exigibilidade do conhecimento quanto à falta de fundamentação constitui realidade diversa do conhecimento efetivo, sendo que a exigência deste “equivaleria a inviabilizar praticamente o funcionamento da regra» (Op. Cit., p. 393).Na síntese de Paula Costa e Silva, Op. Cit., p. 395,o parâmetro de aferição do dever de diligência da parte consubstancia-se assim: «A generalidade das pessoas ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado age como agiu a parte.»

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a densificar a litigância de má fé nestes termos:
          - « (…
) a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psicossociológico. / Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.5.2003, Quirino Soares, 03B3893);

-A defesa intransigente e reiterada pelo recorrente de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples expediente para protelar a decisão denegadora da razoabilidade da sua posição, pois de contrário, todo aquele que perde pode, só por isso, incorrer em condenação como litigante de má fé (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.4.2005, Araújo Barros, 05B3425);

-A sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correta interpretação da lei não implica por si só, em regra, a qualificação de litigância de má fé na espécie de lide dolosa ou temerária, porque não há um claro limite, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos, entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, inter alia porque, pela própria natureza das coisas, a certeza jurídica é meramente tendencial (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.12.2003, Salvador da Costa, 03B3909);

-A defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, do NCPC. Todavia, se não forem observados, por negligência ou culpa grave, os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má fé (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.1.2015, Fonseca Ramos, 36/12);

-A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.2.2015, Silva Salazar, 1120/11, de 10.12.2015, Clara Sottomayor, 551/06);

-Para que se consubstancie em litigância de má fé, a conduta processual da parte terá de ser qualificável como grave em termos de censurabilidade, o que reclamará sempre uma objetivação ou tradução em factos que não são uma simples convicção íntima do julgador (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2015, João Trindade, 969/03);

-Com a reforma do CPC de 1995, os pressupostos subjetivos da litigância de má fé alargaram-se, sendo que, quem atuar com negligência grosseira, pode ser condenado como litigante de má fé; não obstante, sempre deverá estar presente uma intenção maliciosa ou uma negligência, de tal modo grave, que justifique um elevado grau de reprovação ou censura e idêntica reação punitiva. Não integra tal previsão a atividade recursiva que, só por si, não revele rebeldia, teimosia, deturpação processual de não acatamento das decisões (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.2.2014, João Trindade, 1986/06);

-Hoje (art. 542.º do NCPC que corresponde ao mencionado art. 456.º do CPC/61), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.3.2014, Salazar Casanova, 1063/11);

-A condenação como litigante de má fé exige o dolo ou uma negligência grave, o que não se verifica quando estejamos perante a construção de uma tese errada (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.12.2014, Távora Victor, 728/09);

-Litiga de má fé a parte que, ao longo do processo, usa de argumentação ilógica e contrária à facticidade assente, e faz uma leitura do contrato discutido que não tem o mínimo apoio na expressão formal deste, assim deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, omitindo gravemente o seu dever de cooperação e fazendo do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o que logrou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.3.2008, Santos Bernardino, 3843/07).

Aplicando estes ensinamentos, que advogamos, ao caso em apreço, não vislumbramos que o A., aqui apelante, tenha litigado de má fé.

Na verdade, temos para nós, que a omissão dos factos referidos pelo recorrido, pudessem levar o A.  à condenação como litigante de má fé. Desde logo, por a omissão do deferimento, da saída para cuidar dos animais e a omissão que os detentores de animais ovinos estão obrigados à identificação, registo e circulação dos animais, fosse impeditivo dessa condenação, pois bataria o A. provar os factos que alegou, o que não fez, para ver o R. condenado a pagar-lhe indemnização, o que nada teria haver com a omissão dos factos referidos e omitidos, como refere o recorrido.

A defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542.º, citado.

Ou como bem se refere no Ac. desta Relação, supra citado, datado de 22/11/2022, segmento que se transcreve:

 “ tribunal não pode alicerçar um juízo sobre a má-fé no que se fez constar na motivação da decisão de facto (e, muito menos, na de direito); assim como não pode extrair um juízo de má-fé dum facto não provado, uma vez que, todos o sabemos, num processo, um facto não provado não é sinónimo da prova positiva do facto contrário.

Tendo isto presente, importa salientar que, contrariamente ao entendido na 1.ª instância, consideramos que se verificou uma privação da liberdade do autor em moldes que lhe permitem obter a peticionada indemnização, a esse título.

Por outro lado, o facto de não se terem provados os danos patrimoniais, dada a não demonstração dos respectivos factos, como acima referido, também, não acarreta a prova do seu contrário.

Assim, não se podendo daí concluir que o autor alterou a verdade de factos relevantes (essenciais, segundo o art. 5.º/1 do CPC) para a decisão de causa.

Pode/deve ser considerado litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver, designadamente, deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (cfr. art. 542.º/2/a) e b) do CPC).

Significa isto que a mera falta de razão – quer quando a parte não demonstra a sua versão factual quer ainda quando se demonstra a versão factual oposta – não é por si só suficiente para legitimar uma condenação como litigante de má-fé (em tal hipótese, a “sanção” está justamente na improcedência da sua pretensão ou oposição); sendo necessário, para poder ser proferida uma condenação como litigante de má-fé, que a oposição entre a versão alegada e a que resultou provada seja subjectivamente imputável ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração intencional ou, pelo menos, consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes exige a negligência grave, grosseira.

Inexistem, pois, face ao exposto, fundamentos para que o autor seja condenado como litigante de má fé.

Assim, face ao exposto, nesta vertente, procede esta questão do recurso.

                                                           ***

                                                      4. Decisão

Face ao exposto, decide-se por acórdão, julgar parcialmente o recurso, e por consequência:

a)- julgar parcialmente o recurso no que concerne à matéria de facto como supra referido;

b)- Julgar parcialmente o recurso no que concerne aos danos patrimoniais, condenando-se o R., ESTADO PORTUGUÊS,  a pagar ao A. a quantia de 2.460,00€

c)- Julgar parcialmente o recurso no que concerne aos danos não patrimoniais, condenando-se o R. a pagar ao A. a quantia de 35.000,00€.

d)- Julgar procedente, como supra referido, a pretensão do A. e condenar o R., no que se vier a liquidar em execução de sentença, como supra referido, tão só referente ao valor que teve de suportar ao LL pelo trabalho de enfardamento.

 e)- Julgar procedente e não condenar o A., aqui recorrente, como litigante de má fé; e

f)- No mais julgar o recurso improcedente.

Custas, em ambas as instâncias, na proporção dos respetivos vencimentos/sucumbência, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que foi concedido ao apelante e da isenção de que goza o réu, Estado Português, cf. artigo 4.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas Processuais.

Coimbra, 14/3/2023

Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Henrique Antunes (adjunto).