Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
666/14.4T2AVR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ENCERRAMENTO
CRÉDITO
IMPUGNAÇÃO
DECISÃO JUDICIAL
RECURSO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 06/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA, AVEIRO – JUÍZO DO COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 17º-D E 17ºG DO CIRE
Sumário: O encerramento do PER por inexistência de acordo para a aprovação de plano de recuperação não determina extinção da instância por inutilidade superveniente da lide dos recursos entretanto interpostos da decisão judicial que versou sobre os créditos impugnados.
Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            “A... , L.da”, já identificada nos autos, veio efectuar a comunicação de que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 3, al.s a) e b), do CIRE, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 16/2012, de 20/4, pretendia dar início às negociações conducentes à sua recuperação através do procedimento especial de revitalização, de que emanam os presentes autos de recurso em separado.

            No decurso de tais autos de processo especial de revitalização, foram apresentadas diversas reclamações de créditos, entre as quais, a aqui junta a fl.s 131 e seg.s, deduzida por “B... , SA”, também, já identificada nos autos, no montante de 260.477,76 €, proveniente de alegados fornecimentos de produtos, que qualifica como crédito comum, a que acresce a quantia de 26.052,53 €, respeitante a juros de mora, que classifica como crédito subordinado, requerendo o reconhecimento e graduação de ambos no lugar que lhes competir.

            Findo o prazo para a apresentação da reclamação de créditos, o Administrador Judicial Provisório apresentou a lista provisória de créditos (aqui junta a fl.s 166 e 167), na qual reconheceu o crédito reclamado pela B..., nos montantes e natureza por esta referidos.

            A requerente (cf. fl.s 170 e 171), veio impugnar a referida lista provisória de créditos, alegando, no que a estes autos importa, que o crédito da B..., se encontra em fase de contencioso judicial, não existindo ainda uma decisão sobre os respectivos processos, pelo que devem ser reconhecidos como comuns sob condição, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do CIRE, em função do que formula o pedido de reformulação da lista de créditos apresentada pelo Administrador Judicial, em termos de tais créditos serem reconhecidos como comuns sob condição.

            Sobre tal reclamação versou o despacho aqui junto de fl.s 181 a 182 v.º, datado de 13 de Janeiro de 2014, no qual se considerou que “… a lista de créditos no âmbito do PER tem como única e exclusiva finalidade permitir a identificação dos credores com direito a voto bem como o número de votos que a cada um corresponde em sede de votação do Plano de Recuperação, e no que se consubstancia o objecto dos presentes autos (pretendida aprovação do Plano de Recuperação). Para além da dita funcionalidade, não cabe no objecto dos presentes autos a apreciação e composição definitiva do litígio que subsista relativamente a cada crédito (entre o titular que a ele se arroga e o devedor ou entre credores), e o que bem resulta do facto de, contrariamente ao que sucede no âmbito do processo de insolvência, a lista de créditos provisória se converter em lista de créditos definitiva sem intermediação de qualquer ato/decisão judicial, pois que aquela lista não é objeto de uma qualquer sentença homologatória. A apreciação judicial – que o legislador pretendeu “sumaríssima” –, das impugnações à lista de créditos provisória, enquadra-se assim no dito contexto formal e teleológico da lei, no caso do PER.”.

            Em função do que ali se concluiu:

“Julgo parcialmente procedente a impugnação deduzida pela devedora e, consequentemente, com excepção do crédito do C..., que na execução que instaurou contra a devedora não foi por esta impugnado, os supra indicados créditos serão considerados como créditos sob condição nos termos do art. 50.º do CIRE e para efeitos de votação.

            Agilizando os presentes autos e os atos neles pressupostos praticar pelos credores (exercício do direito de voto) e pelo sr. administrador judicial provisório (consideração dos mesmos de acordo com o que consta da lista de credores definitiva), na ausência de elementos para os fixar de forma distinta, desde já se concede número de voto aos créditos ora qualificados sob condição pela totalidade do crédito constante da lista de credores junta pelo sr. administrador judicial provisório (cfr.art. 73.º, n.º 2 do CIRE).”.

            Notificados desta decisão, dela interpuseram recurso a requerente e a B..., visando a 1.ª a revogação do 2.ª segmento da sua parte conclusiva e a B..., a revogação da mesma, na parte em que considerou o seu crédito como condicional, defendendo a sua qualificação como comum e não condicional.

           

            No prosseguimento da tramitação destes recursos, em 14 de Março de 2014, aqui junto a fl.s 189, foi proferido o seguinte despacho:

            “Req. 04.03 (fl.s 374 e s.):

            Na sequência da declarada impossibilidade de os credores alcançarem acordo para a recuperação da aqui recorrente, declaro encerrado o presente processo especial de revitalização.

            Publique (art. 17.º-G, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

            Notifique o sr. administrador judicial para cumprimento do art. 17.º - G, n.º 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”.

            Após o que, em 17 de Março de 2014, foi proferida a decisão aqui recorrida e que se passa a transcrever (fl.s 97):

          “Considerando que a lista de créditos no âmbito do PER tem como única e exclusiva finalidade permitir a identificação dos credores com direito de voto bem como o número de votos que a cada um corresponde em sede de votação do Plano de Recuperação, e ao que se circunscreve o objeto do dito procedimento (exclusivamente para aprovação de Plano de Recuperação), e que, por isso, não cabe no objeto dos presentes autos a apreciação e composição definitiva do litígio que subsista relativamente a cada crédito (entre o titular que a ele se arroga e o devedor ou entre credores) - e o que bem resulta do facto de, contrariamente ao que sucede no âmbito do processo de insolvência, a lista de créditos provisória se converter em lista de créditos definitiva sem intermediação de qualquer ato/decisão judicial, pois que aquela lista não é objeto de uma qualquer sentença homologatória – e na sequência do encerramento do processo sem aprovação de plano de recuperação, declaro extinta a instância dos presentes autos de recurso por inutilidade superveniente da lide.

Custas a cargo de cada um dos recorrentes.”.

            Inconformada com esta decisão, interpôs recurso a reclamante B..., o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 125), finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

A. Nos presentes autos, foi proferido, pelo Tribunal a quo, despacho, identificado com a referência 21506524, que declarou extinta a instância destes autos de recurso por inutilidade superveniente da lide.

B. Ao proferir tal despacho o Tribunal a quo laborou em erro – dizemo-lo com o devido respeito –, pelo que o mesmo deve ser revogado.

C. A decisão ora recorrida, que declarou extinta a instância dos presentes autos de recurso, colide com a pretensão vertida pela Apelante no recurso por si interposto em 3 de Fevereiro de 2014.

D. O Tribunal a quo errou ao considerar que, em face do encerramento do processo sem aprovação do plano de recuperação, os presentes autos de recurso deveriam ser extintos por inutilidade superveniente da lide.

E. Em primeiro lugar, andou mal o Tribunal a quo ao declarar encerrado o processo, antes sequer que o Administrador Judicial Provisório tivesse emitido a comunicação prevista no artigo 17.º-G, n.ºs 1, 3, e 4, do CIRE, quando é sabido que, se a devedora estiver insolvente, os autos de revitalização se convertem em processo de insolvência (artigo 17.º-G, n.º 7, do CIRE) – tanto que a ora Apelante, em consonância, interpôs, igualmente, recurso da decisão do Tribunal a quo que declarou encerrado o processo especial de revitalização.

F. Em segundo lugar, porquanto, no caso dos autos, não se está perante uma situação de inutilidade superveniente da lide.

G. Uma análise do regime estatuído no artigo 17.º-G, n.º 7, do CIRE, permite que se conclua que os autos de recurso que o Tribunal a quo decidiu extinguir, não são inúteis, sendo antes essenciais para a definição da natureza do crédito da Apelante.

H. Sendo a devedora revitalizanda declarada insolvente, e havendo lista definitiva de créditos, os credores cujos créditos constem dessa mesma lista, não poderão reclamar o seu crédito no âmbito da insolvência, por a decisão sobre o reconhecimento (ou não) do seu crédito ser definitiva.

I. É o que sucederá, por exemplo, se a instância dos aludidos autos de recurso for declarada extinta, o que sempre acontecerá caso os autos de revitalização sejam declarados encerrados.

J. Tal circunstância prejudica a posição da Apelante, no âmbito do processo de insolvência da devedora.

K. Efectivamente, sendo extinta a instância dos autos do recurso interposto pela Apelante em 3 de Fevereiro de 2014, esta corre o risco de o seu crédito se cristalizar como condicional, com as nefastas consequências que se conhecem, nomeadamente para efeitos de votação no âmbito do processo de insolvência – artigo 73.º do CIRE, de onde resulta que, no limite, aos créditos condicionais pode não ser atribuído qualquer direito de voto.

L. Ao proferir a decisão recorrida, o Tribunal a quo violou as normas prescritas nos artigos 17.º-G, n.º 7, do CIRE e 641.º, n.º 1, do CPC.

M. Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida, e substituindo-se a mesma por outra que, nos termos do disposto no artigo 641.º, n.º 1, do CPC, admita o recurso interposto pela Apelante, em 3 de Fevereiro de 2014, e ordene a subida deste para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Termina, peticionando a procedência do seu recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que admita o recurso que anteriormente interpôs.

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Conforme certidão de fl.s 130 e seg.s, maxime, fl.s 190 a 192, como decorre da cópia da sentença aí junta, em 03 de Abril de 2014 (14 h e 30 m), foi declarada a insolvência da requerente do PER, a acima identificada “ A..., L.da”, na sequência de requerimento nesse sentido formulado pelo Sr. Administrador Judicial, em cumprimento do disposto no artigo 17.º-G, n.º 4 do CIRE.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado no artigo 635.º, n.º 4, do nCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se se verifica uma situação de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

            A matéria de facto a ter em conta para a apreciação e decisão desta questão é a que consta do relatório que antecede.

Se se verifica uma situação de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Como resulta do que se deixou dito no relatório que antecede e da posição assumida pela recorrente, a questão em apreço reconduz-se em saber se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, dos presentes autos de recurso, prejudica a posição desta no futuro processo de insolvência por, a assim ser, a decisão que versou sobre o seu crédito, qualificando-o como condicional, se tornar definitiva, por estar impedida de apresentar nova reclamação dos seus créditos.

Efectivamente, como consequência de decisão que declarou encerrado o PER, por impossibilidade de os credores alcançarem acordo para a recuperação da requerente, foi declarada a extinção da instância dos recursos, entretanto, interpostos, por inutilidade superveniente da lide, com o fundamento exposto no despacho de fl.s 97, ou seja:

- a lista de credores no âmbito do PER tem como única finalidade permitir a identificação dos credores com direito a voto, bem como ao número de votos que a cada um corresponde e;

- por isso, não cabe no PER a apreciação e composição definitiva do litígio que subsista relativamente a cada crédito.

Assim, importa averiguar se da referida decisão de extinção da instância dos recursos, por inutilidade superveniente da lide, resulta alguma consequência para a ora recorrente, designadamente, se a mesma fica impedida, no âmbito do processo de insolvência que se seguiu ao PER, em virtude do encerramento deste por inexistência de acordo para a aprovação de plano negocial, de poder discutir a natureza do seu crédito, face ao disposto no art.º 17.º-G, n.os 1, 4 e 7, do CIRE, na redacção que lhe foi dada pela Lei 16/2012, de 20 de Abril.

Pensamos que não é despiciendo para a resolução desta questão que se faça uma breve análise do instituto do processo especial de revitalização e fins que lhe estão subjacentes.

Esta figura foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo artigo 3.º da referida Lei 16/2012, de 20/4, nascida já em plena vigência do designado regime excepcional de ajuda financeira externa, com todas as condicionantes que de tal situação emergem.

Como resulta do artigo 17.º-A do CIRE, designadamente o seu n.º 1, o procedimento ora em apreço, tem em vista permitir ao devedor que se encontre numa situação de sérias dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito (definição dada pelo seu artigo 17.º-B) ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

Apenas se exigindo (artigo 17.º-C) para que se inicie tal procedimento de revitalização uma manifestação de vontade, nesse sentido, por parte dos devedores e de, pelo menos, um dos seus credores.

Após o que, cf. artigos 17.º-C, n.º 3 e 17.º D, n.os 1 e 2, incumbe ao devedor comunicar ao tribunal que pretende dar início ás aludidas negociações, devendo o Juiz competente nomear, de imediato, o administrador provisório.

Logo que notificado desta decisão, o devedor tem de comunicar, de imediato, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração inicial, que deu início a negociações com vista á sua revitalização, convidando-os a nelas participarem e prestando as demais informações aí referidas.

Acrescentando-se no n.º 2 do artigo 17.º-D, que qualquer credor tem o prazo de 20 dias contados da publicação no Citius do despacho a que se refere o n.º 3 do artigo 17.º-C, para reclamar os seus créditos, devendo-as remeter ao administrador provisório, que, no prazo de 5 dias, elabora uma lista provisória de créditos.

Lista, esta, que, conforme n,º 3 do artigo 17.º-D, é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de 5 dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.

Não sendo a mesma impugnada, a referida lista provisória converte-se de imediato em definitiva – cf. n.º 4 do artigo 17.º-D.

De igual modo, se torna definitiva a lista provisória se existindo impugnações, as mesmas forem decididas por decisão judicial transitada em julgado, em conjunto com os créditos que não tenham sido alvo de impugnação.

Referindo-se, por último, no seu n.º 5, que findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

De igual forma e, no caso de conclusão da negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do credor, rege o disposto no artigo 17.º-F, em termos de celeridade no processamento de tal pretensão, designadamente quanto ao prazo em que o Juiz o deve apreciar, a fim de o homologar ou recusar.

Efectivamente, nos termos do n.º 5 deste preceito, impõe-se ao Juiz que o aprecie nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, o que constitui um desvio ao estatuído no artigo 214.º do CIRE.

Ou seja, das normas a que ora nos referimos resultam, desde logo, duas ideias base que enformam e conformam a figura em causa, e a primeira é a de que as negociações a estabelecer com os credores estão subjacentes aos procedimentos e condições nelas descritos.

E, em segundo lugar, trata-se de procedimento sujeito a prazos muito curtos, atenta a sua natureza de processo com carácter urgente, como resulta do disposto no artigo 17.º-A, n.º 3, o que tem consequências directas no seu não cumprimento, designadamente, a nível da sua conclusão com ou sem aprovação do plano, como resulta dos artigos 17.º-F e 17.º-G.

Designadamente, em caso de conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação, dispõe o n.º 1 deste último preceito que caso não seja possível alcançar acordo, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, pelos meios aí previstos.

Acrescentando-se nos n.os 3 e 4, deste artigo 17.º-G que estando o devedor já em situação de insolvência, o encerramento do processo acarreta a insolvência do devedor, competindo ao administrador judicial emitir parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerê-la.

Por último, de ter em linha de conta o que estabelece o n.º 7 deste preceito, de acordo com o qual:

“Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na al. j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º-D.”.

Esta diferente finalidade e natureza do processo de revitalização (é esta a epígrafe do artigo 17.º-A) justifica, a nosso ver, alguns desvios ao regime regra do processo de insolvência (ele, também, já, classificado de urgente), no sentido de o tornar ainda mais célere, pelo que alguns dos procedimentos regra do processo de insolvência aqui não têm aplicação, atenta a especial e diferente tramitação prevista quanto ao PER.

Um dos aspectos que reflecte a especificidade do PER radica, precisamente, na obrigatoriedade de o Administrador Judicial emitir o aludido parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, neste caso, requerer a insolvência do devedor, sendo o PER apenso ao processo de insolvência, cf. n.º 4 do artigo 17.º-G, do CIRE.

E havendo lista definitiva de créditos reclamados, nos termos do n.º 7 deste preceito, acima já transcrito, e sendo o PER convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no seu n.º 4, a reclamação de créditos destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados no PER.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE, Anotado, 2.ª edição, Quid Juris, 2013, a pág.s 181 e 182, o n.º 7 do preceito em referência deve ser entendido como mero dispositivo de economia processual, uma vez que no PER não há lugar a graduação de créditos, atenta a finalidade deste: aprovação e homologação de um plano de recuperação – e só no processo de insolvência é que se procede à hierarquização/graduação da totalidade dos créditos, tendo em conta quer os que constem da lista definitiva em sede de PER quer os demais reclamados e apurados no âmbito do processo de insolvência.

No entanto, como decorre dos n.os 3 e 4, do artigo 17º-D, o certo é que a lista provisória não impugnada converte-se em definitiva, com as consequências previstas no n.º 7 do artigo 17.º-G, a nível da reclamação de créditos na insolvência, acima já referidas.

Como referem os autores e ob. cit., a pág. 181:

“Assim, quando a lista provisória de créditos elaborada e apresentada pelo administrador não é objecto de impugnação no prazo legal, ela converte-se em lista definitiva. Mas, se algum crédito for impugnado, a decisão judicial que venha a ser proferida sobre o dissenso, uma vez transitada em julgado, resolve o litígio e o que dela resultar, conjugado com a panóplia de créditos que não tenha sido objecto de controvérsia, formará a lista definitiva.

Note-se que a lei poderia ter optado por dispensar a nova reclamação de créditos, em sede de processo de insolvência, com relação a todos os que, tendo sido reclamados no âmbito do processo de revitalização, não foram aí alvo de impugnação. Mas não o faz, reivindicando a existência de lista definitiva como requisito para a dispensa.”.

O mesmo é o defendido por Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, in PER, Comentários aos artigos 17.º-A a 17.º-I do CIRE, Coimbra Editora, Março de 2014, quando a pág.s 170 e 171, ali referem que o n.º 7 do artigo 17.º- G só se refere aos casos em que exista lista definitiva de créditos reclamados, os quais, assim, se consideram reclamados no processo de insolvência.

Acrescentando que em qualquer outro caso, terão os credores de reclamar os seus créditos numa eventual insolvência, como, por exemplo, o caso em que o credor viu o seu crédito impugnado e o PER for encerrado antes de o tribunal decidir a impugnação.

Ora, no caso dos autos, a declaração de insolvência da requerente do PER resultou do malogro das negociações com vista à aprovação de plano de recuperação e já havia lista definitiva de créditos, uma vez que alguns não foram impugnados e, quanto aos impugnados, já tinham sido alvo de decisão judicial que as (impugnações) apreciou (a decisão de 13 de Janeiro de 2014, junta a fl.s 181 e 182), pelo que tem aplicação o disposto no n.º 7 do artigo 17.º-G do CIRE, que, assim, impede a ora recorrente de apresentar nova reclamação de créditos no processo de insolvência.

Pretende a ora recorrente que o seu crédito seja como considerado como crédito comum e não como crédito à condição.

Se lhe for vedado, como é, apresentar nova reclamação de créditos no processo de insolvência, fica a mesma, a manter-se a decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, impedida de discutir a natureza do seu crédito, dado que no PER já foi proferida decisão que considera o crédito em causa como condicional, decisão, esta, que a manter-se a decisão recorrida, transita em julgado.

Do que decorre não estarmos em presença de uma situação que justifique a declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, em face do interesse, legítimo, que a recorrente tem em ver o seu crédito reconhecido, se se verificarem os pressupostos para tal (e de que ora não nos incumbe conhecer, dado que o objecto do presente recurso se prende, apenas e tão só, com a questão da extinção da instância com os invocados fundamentos), de forma incondicional.

E a única forma que tem de o poder fazer – dado estar impedida de apresentar nova reclamação de créditos no processo de insolvência, como acima exposto – é que a sua pretensão seja apreciada no âmbito do PER, para o que interpôs o competente recurso.

O que acarreta a procedência do presente recurso, não podendo manter-se a decisão recorrida.

Pelo que, procede o recurso.

            Nestes termos se decide:       

            Julgar procedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, em consequência do que fica sem efeito a declaração de extinção da instância consubstanciada na decisão, aqui junta, a fl.s 97, devendo os autos prosseguir em conformidade, para apreciação do recurso que incidiu sobre a decisão aqui junta a fl.s 181 e 182.

Custas pela recorrida.

            Coimbra, 24 de Junho de 2014.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emídio Francisco Santos

Catarina Gonçalves