Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
757/10.0T2AVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
MAIORIA DE VOTOS
Data do Acordão: 10/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DO COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 250.º, N.º 3 E 251.º, N.º 1, F) DO CSC
Sumário: 1. Dentro da regra da maioria absoluta (a prevista no CSC), para uma proposta de deliberação passar, terá de ser aprovada por um número de votos validamente expressos que exceda a expressão aritmética de metade.

2. A maioria dos votos emitidos exigida pelo art. 250.º, n.º 3 do CSC é independente dum qualquer quórum (constitutivo), de tal modo que é inteiramente possível uma deliberação ser tomada por um único sócio, titular de uma pequena quota, ressalvados todos os outros pressupostos da validade da deliberação.

3. Estando um sócio – com 11,65% do capital social - impedido de votar, ex vi art. 251.º, n.º 1, f) do CSC – por haver conflito de interesses tratando-se de deliberar sobre a própria destituição – a deliberação que o destitui da gerência com os votos favoráveis de 50% do capital social, corresponde a mais de 50% dos votos emitidos na assembleia.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., casada, economista, residente em ..., intentou a presente providência cautelar de suspensão de deliberação social, contra B..., com sede em ..., pedindo seja determinada a suspensão da deliberação, tomada na assembleia geral extraordinária da requerida, realizada no dia 13 de Março de 2010, de destituição da requerente da gerência com fundamento em justa causa[1].

Alegou, para tal, que, convocada tal assembleia geral e iniciados os trabalhos, foram impedidos de votar a requerente (com uma quota representativa de 11,65% do capital social), por estar em situação de conflito com a sociedade, e o sócio C... em representação da sócia D... , cabeça de casal da herança aberta por óbito de E...de que faz parte a quota social da requerida representativa de 16,67% do capital desta; tendo a deliberação que a destitui de gerente sido votada favoravelmente por sócios representativos de 50% do capital da requerida (e votada contra pelos restantes 2 sócios, representativos de 21,68% do capital da requerida). E concluiu que a deliberação é contrária à lei por não ter sido aprovada pela maioria do capital da requerida, sendo por isso anulável nos termos do art. 58°, n° 1 do CSC.

Alegou, ainda, um conjunto de factos reveladores, a seu ver, do “dano apreciável” que a execução da deliberação lhe pode causar.

Devidamente citada, a requerida contestou, defendendo a legalidade da deliberação social colocada em crise e dizendo que a requerente não alegou factos demonstrativos de “dano apreciável” em relação à sociedade.

Entendendo-se que era, sem mais, possível conhecer do mérito, proferiu-se sentença[2] em que se julgou “improcedente a presente providência cautelar, indeferindo-se a requerida suspensão da deliberação social”.

Inconformada com tal decisão, interpôs a requerente recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que decrete o procedimento cautelar de suspensão da deliberação social.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1 - A gerente ora destituída fora nomeada para o cargo através do pacto social.

2 - A deliberação em crise foi tomada com os seguintes votos:

a) 50% do capital social da firma Recorrida a favor e 21,68% do capital social da mesma contra considerando todo o capital social;

b) 69,75% do capital social a favor e 30,25% do mesmo contra, considerando os votos representados e admitidos a votar como a universalidade de capital social;

c) 50% do capital social a favor da saída da gerente e 37,35% contra, considerando ilegítimo o impedimento do sócio C...representar a quota indivisa por óbito de E...e admitindo que o seu sentido de voto seria idêntico ao do correspondente à quota da qual é titular;

d) 57,24% dos votos representados a favor da deliberação e 42,75% contra, considerando ilegítimo o impedimento do sócio C...representar a quota indivisa por óbito de E...e admitindo que o seu sentido de voto seria idêntico ao do correspondente à quota da qual é titular.

3 - Em nenhum dos cenários foi a deliberação tomada por maioria qualificada (conforme entendimento do Acórdão de 9 de Novembro de 1977).

4 - Aliás, entende a Recorrente que, carecendo a deliberação de pelo menos maioria simples do capital social da firma, não se logrou na Assembleia Geral Extraordinária de 13 de Março de 2010, obter tal maioria.

5 - A gerente destituída não é detentora de uma fasquia tal do capital social da Recorrida significativa ao ponto de se entender, como na sentença recorrida, que, além de não poder votar (impedimento que se tem como legítimo), dever-se-á proceder como se a percentagem do capital social de que é detentora não fizesse sequer parte da firma para efeitos de obtenção de maioria do capital, considerando como capital social total a percentagem de 88,35%.

6 - A decisão proferida foi-o contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, atento o teor do Acórdão de 9 de Novembro de 1977.

7 - São avultados os prejuízos inerentes à execução da deliberação social em crise, quer os já causados na esfera jurídica da Recorrente (já expostos), quer os que advirão para a Recorrida se se vier a entender que a destituição está desprovida de justa causa, além das já potenciadas por atrasos e incumprimentos fiscais.

A requerida respondeu, terminando a sua contra-alegação sustentando, em síntese, que não ocorreu qualquer erro de julgamento, devendo a decisão ser mantida na íntegra.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*


III – Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos com relevo para a apreciação do recurso[3][4]:
A) A requerida – firma B... – tem por objecto a fabricação e venda de artigos de alumínio e de metais ferrosos, ou quaisquer outros negócios em que os sócios acordem e sejam permitidos por lei.
B) O capital social, em 26/11/2001, era de 299.278,74 € e achava-se representado por 6 quotas iguais de valor nominal de 49.979,79 €, pertencendo cada uma a cada sócio.
C) A gerência da sociedade pertencia, em 26/11/2001, a todos os sócios, nomeados gerentes; e para que ela se considerasse validamente obrigada, activa ou passivamente em quaisquer actos ou contratos, eram sempre necessárias as assinaturas de 2 deles, uma das quais obrigatoriamente será a dos gerentes E..., I... ou A... e outra também obrigatoriamente a dos gerentes F..., G... ou H....
D) Por convocatória datada de 26/02/2010 foi designado o dia 13/03/2010, pelas 15 horas, para realização de uma Assembleia Geral extraordinária da sociedade requerida, constando da respectiva ordem de trabalhos, como ponto único, a apreciação, discussão e votação de uma proposta de destituição com justa causa da gerente A....
E) No dia e hora designados, compareceram os sócios:
 - J... , por si e como representante de L... , co-titulares de uma quota com o valor nominal de 175,00 €, correspondente a 0,06% do capital social.
 - G..., titular de uma quota com o valor nominal de 49.879,79 €, correspondente a 16,67 % do capital social.
 - H..., titular de uma quota com o valor nominal de 49.704,79 €, correspondente a 16,61 % do capital social.
 - I..., titular de uma quota com o valor nominal de 19.879,79 €, correspondente a 6,64 % do capital social.
 - M... , titular de uma quota com o valor nominal de 15.000,00 €, correspondente a 5,01 % do capital social.
 - N... , titular de uma quota com o valor nominal de 15.000,00 €, correspondente a 5,01 % do capital social.
A..., titular de uma quota no valor nominal de 34.879,79 €, correspondente a 11,65% do capital social,
C..., titular de uma quota com o valor nominal de 15.000,00 €, correspondente a 5,01 % do capital social.
O... , em representação comum dos contitulares duma quota com o valor nominal de 49.879,79 €, correspondente a 16,67 % do capital social.
F) Antes de iniciados os trabalhos, o sócio C... exibiu uma procuração outorgada por D..., na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de E..., na qual esta conferia poderes para representar a restante quota no valor de 49.879,79 €, correspondentes a 16,67 € do capital social.
G) Tendo sido vedado ao sócio C... representar tal quota.
H) Tal representação – agora vedada – já havia sido permitida em anterior Assembleia Geral (de 13/02/2010).
I) Iniciados os trabalhos, a requerente não foi admitida a votar, tendo sido admitidos a votar os restantes sócios referidos em E), cujas quotas perfaziam um total de 71,68 % do capital social.
J) Expostas as razões apresentadas para a destituição, votaram a favor da destituição os seguintes sócios:
- J..., por si e como representante de L...;
 - G...;
 - H...;
 - I...;
 - M...;
 - N...; e
A...;
Representativos de 50,00 % do capital social.
E votaram contra a destituição os sócios:
C...; e
O...;
Representativos de 21,68% do capital social.
K) Tendo a requerida, em face de tal votação, considerado ter sido tomada a deliberação positiva de destituição de gerente da requerente.

*

III – Fundamentação de Direito

A apelação, delimitada pelas conclusões da alegação da requerente/apelante (art. 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do CPC), circunscreve-se, no essencial, à questão de saber se, em face da votação dos sócios, a proposta apresentada à assembleia foi efectivamente aprovada e se, por via disso, se formou a deliberação positiva de destituição da requerente/apelante de gerente da R/apelada.

Movendo-nos numa providência cautelar de suspensão de deliberações sociais:

O fumus boni iuris, pressuposto natural de qualquer providência cautelar, traduz-se, no caso, na probabilidade de haver sido tomada uma deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato (cfr. resulta quer do art. 396.º, n.º 1, quer do art. 397.º, n.º 2, ambos do CPC); o mesmo é dizer, na probabilidade de verificação, em relação à deliberação tomada, dum vício de nulidade, anulabilidade, ineficácia ou inexistência jurídica.

E, quanto ao periculum in mora, exige a lei a verificação, em termos de probabilidade, do perigo de ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida (cfr. 396.º, n.º 1, parte final, do CPC).

Tendo isto presente, a sentença recorrida entendeu não estar verificado o atinente fumus boni iuris e, em consequência, indeferiu a providência.

E entendeu assim por a deliberação, como foi considerada tomada, não padecer ou incorrer, em termos de probabilidade, em qualquer violação da lei.

É indiscutivelmente assim.

Diz-se na conclusão 1.ª que “a gerente ora destituída fora nomeada para o cargo através do pacto social”.

Não é de todo claro onde se quer chegar e o que se pretende dizer com tal conclusão; admitimos, todavia, em face da anterior alegação, que se está a aludir e a invocar a existência dum direito especial à gerência.

Sendo assim, cumpre começar por referir que não foi esta a linha da alegação factual e da argumentação jurídica do requerimento inicial; nada foi alegado donde se pudesse extrair tal direito especial e, existindo este, o caminho da argumentação jurídica, contra a deliberação, até deveria ser algo diferente.

De acordo com a “titularidade”, é costume distinguir entre os direitos gerais e os direitos especiais; sendo “gerais” os que pertencem em regra a todos os sócios da mesma sociedade; e sendo “especiais” os direitos atribuídos no contrato social a certos sócios, conferindo-lhes uma posição privilegiada que não pode em princípio ser suprimida ou limitada sem o consentimento dos respectivos titulares[5].

É nesta contexto e dialéctica – de que os arts. 21.º e 24.º do CSC são exemplos – que se fala no “direito especial à gerência”, que existe, por exemplo, quando uma cláusula do estatuto social estabelece que um sócio tem o direito de ser gerente por toda a sua vida, ou enquanto for sócio, ou enquanto durar a sociedade, ou que só poderá ser destituído da gerência havendo justa causa.

Direito especial este a que é indispensável a designação/nomeação como gerente no contrato de sociedade, uma vez que os direitos especiais têm de ser consagrados no contrato de sociedade (art. 24.º, n.º 1)[6]; designação que, porém, para conferir um direito especial à gerência, tem que ter um conteúdo concludente (tem que exprimir uma tal vontade dos sócios).

Efectivamente – é hoje pacífico quer na doutrina quer na jurisprudência – a simples designação de gerentes no contrato de sociedade não significa a atribuição dum direito especial à gerência[7]; devendo antes entender-se que a designação de gerentes no contrato social é um modo alternativo à eleição posterior por deliberação dos sócios (art. 252.º, n.º 2)[8].

Em síntese, havendo dúvida na interpretação da cláusula contratual, deve, como critério “por defeito” – se a cláusula disser apenas “direito à gerência” – ser negado o direito especial.

Expostos os termos em que, em tese, pode haver um direito especial à gerência – sabendo-se apenas[9] que, em 26/11/2001[10], os estatutos da sociedade, conferiam a gerência a todos os sócios[11] – é de todo evidente que a deliberação de destituição de gerente da A/apelante não estava sujeita ao regime de inderrogabilidade estabelecido pelos artigos 24.º, n.º 5, e 257.º, n.º 3, do CSC; não padecendo assim tal deliberação, de destituição, do vício da ineficácia (como seria o caso – art. 55.º do CSC).

É que, acrescenta-se – e daí o termos dito que a argumentação jurídica do requerimento inicial não está em linha (não “bate certo”) com uma invocação consistente dum direito especial à gerência – existindo um direito especial à gerência “podem (apenas) os sócios deliberar que a sociedade requeira a suspensão e destituição judicial do gerente por justa causa” – cfr. art. 257.º, n.º 3, do CSC.

Isto é, encurtando razões, se existisse mesmo um direito especial à gerência, a requerente/apelante teria ficado pela “rama” do vício imputado à deliberação; a questão não era de “falta de votos” para a deliberação, mas sim, mais grave, de supressão dum direito sem o consentimento do próprio titular (em violação do referidos art. 24,º, n.º 5, e 257.º, n.º 3, do CSC).

Com o que fica demonstrada quer a inexistência do direito especial quer a “distância” a que, nos autos, sempre se esteve da substância dum direito especial à gerência.

Esclarecido este ponto prévio, entremos na essência da apelação – e dos autos – isto é, na questão de saber se, em face da votação dos sócios, a proposta apresentada à assembleia foi efectivamente aprovada e se, por via disso, se formou a deliberação positiva de destituição da requerente/apelante de gerente da requerida/apelada.

Também aqui não compreendemos, mais uma vez com o devido respeito, a posição jurídica tomada pela requerente/apelante.

A questão é relativamente simples e só pode ter a solução que a sentença recorrida lhe deu.

Todavia, sendo simples, não dispensa o domínio de alguns conceitos e, acima de tudo, exige que não haja “confusão” de conceitos.

E nesta matéria/questão há 2 conceitos – “Quórum” e “Maioria” – que à partida têm que ser tomados em conta, para que tudo se torne fácil e evidente.

Entende-se por “quórum” o mínimo de presenças e representações válidas exigido para que um corpo colegial possa instaurar um qualquer processo deliberativo.

Significa a “maioria” o quantum de votos necessários à aprovação duma deliberação.

Isto dito, estabelecida tal distinção, é preciso aclarar, no caso que estivermos a analisar, seja ele qual for, se a lei coloca ou não exigências de “quórum”[12].

Questão que, nas sociedades por quotas, é de resposta bastante simples e linear.

Efectivamente, apesar do disposto no art. 248.º, n.º 1, do CSC – que manda aplicar às assembleias gerais das sociedades por quotas o disposto nas assembleias gerais das anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para as sociedade por quotas – o art. 383.º do CSC não é aplicável às sociedades por quotas, para as quais, portanto, só haverá quórum quando tenha sido estabelecido no pacto social[13].

Significa o que se acaba de dizer que, no caso sob apreciação, estamos apenas e só perante uma questão de “Maioria”, com o sentido acabado de referir.

E – é a pergunta seguinte – quando é que há “Maioria”?

A regra geral para a deliberação dos sócios contenta-se, para as questões correntes, com a maioria dos votos. Mas, que maioria?

A lei utiliza expressões como “maioria simples”, “maioria qualificada”, “maioria relativa” ou “maioria absoluta” e, não havendo um conteúdo legalmente definido para elas, pode gerar-se alguma confusão.

É seguro, esclarecendo, que a dicotomia “maioria absoluta” / “maioria relativa” se reporta à situação de votação simultânea de várias propostas e à necessidade de ser obtida, para o vencimento ser feito, a maioria dos votos emitidos ou apenas um número superior ao dos votos obtidos pelas outras propostas.

Razão pela qual as necessidades de precisão e de uniformidade de conceitos se colocam quando a lei utiliza expressões como “maioria” ou “maioria simples”[14].

O legislador de 1901 dizia no art. 39.º da L. S. Quotas que “as deliberações dos sócios serão tomadas à pluralidade de votos”; o art. 151.º § 1.º do C. Comercial dizia, em relação às sociedades em nome colectivo, que “as deliberações da sociedade serão tomadas à pluralidade de votos”; e, em face de tais preceitos pregressos, a maioria dos autores interpretavam tais textos como exprimindo a exigência de maioria absoluta.

Actualmente, para a sociedade em nome colectivo, estabelece-se que, quando a lei ou o contrato não dispuserem de modo diverso, “as deliberações serão adoptadas por maioria simples dos votos expressos” (art. 189.º, n.º 2, do CSC); para a sociedade por quotas e também “salvo disposição diversa da lei ou do contrato, afirma-se que se consideram adoptadas por maioria dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções” (art. 250.º, n.º 3, do CSC); e para a sociedade anónima, igualmente salvo diversa disposição da lei ou do contrato, declara formadas as respectivas deliberações “por maioria dos votos emitidos, não se contando as abstenções” (art. 386.º, n.º 1, do CSC), acrescentando-se, na deliberação sobre a designação dos titulares dos órgãos sociais ou de revisores ou sociedades de revisores oficiais de contas, se houver várias propostas, “que fará vencimento aquela que tiver maior número de votos” (art. 386.º, n.º 2 CSC) e, ainda, que, na assembleia reunida em segunda convocação, “ deliberação sobre algum dos assuntos aí referidos, pode ser adoptada pela maioria dos votos emitidos”(art. 386.º, n.º 4, CSC).

Isto é, o actual CSC tanto fala da maioria dos votos emitidos, como fala de maioria simples dos votos expressos.

Não obstante, é hoje pacífico[15] que o nosso CSC tem em vista, com tais expressões, a maioria absoluta; ao aludir à maioria dos votos expressos ou à maioria dos votos emitidos, não se contando as abstenções, aponta claramente para a maioria absoluta, pois, em rigor, só com esta se poderá formar uma efectiva maioria aritmética dentro dos votos emitidos e expressos[16].

Quer isto dizer que, dentro desta regra da maioria absoluta, para uma proposta de deliberação passar, terá de ser aprovada por um número de votos validamente expressos que exceda a expressão aritmética de metade[17].

Significa tudo o que se acaba de dizer que o art. 250.º, n.º 3, do CSC[18] exprime que a maioria se computa quanto aos votos emitidos e esclarece que as abstenções não se consideram votos emitidos.

Votos emitidos que, é certo, podem coincidir com os votos correspondentes ao capital social, mas que quando isso não acontece – quando o capital social não está todo presente na assembleia – não é a partir da percentagem do capital que se estabelece e fixa a percentagem dos votos emitidos.

Em síntese, a maioria dos votos emitidos exigida pelo art. 250.º, n.º 3, é independente dum qualquer quórum (constitutivo) que, repete-se, o CSC não exige; de tal modo que é inteiramente possível uma deliberação ser tomada por um único sócio, titular de uma pequena quota, ressalvados evidentemente todos os outros pressupostos da validade da deliberação[19].

Aqui chegados, revertendo ao caso dos autos, podemos afirmar e concluir que – estando a requerente/apelante impedida de votar, ex vi art. 251.º, n.º 1, f) do CSC, em que se diz que há conflito de interesses quando se trata de deliberar sobre a própria destituição, por justa causa, da gerência – a deliberação que a destituiu da gerência com os votos favoráveis de 50% do capital social corresponde, seguramente, por muito diminuta que fosse a quota da requerente/apelante (e até não era, uma vez que representa 11,65% do capital social), a mais de 50% dos votos emitidos na assembleia[20].

Por conseguinte, foi tal deliberação – que a destituiu da gerência – tomada pelos votos necessários à sua aprovação, não padecendo assim da ilegalidade invocada pela requerente/apelante.

Acrescenta-se ainda que – embora a requerente/apelante aluda ao direito à indemnização correspondente à destituição sem justa causa[21] e assim invoque, implicitamente, a ausência da justa causa referida na proposta e aceite na deliberação – não é colocado em crise o seu impedimento de voto e/ou não é com o ilícito impedimento à emissão do seu próprio voto[22] que constrói a ausência de maioria na deliberação da sua destituição.

É justamente também por isto que, na lógica desta providência cautelar, ainda que não se viesse a provar a justa causa de destituição, tal deliberação positiva se teria que manter válida e de pé.

Efectivamente, a destituição sem justa causa é um facto lícito[23] – a lei atribui às sociedades o direito potestativo de destituir gerentes (que não podem ter a expectativa de que não serão destituídos se observarem os respectivos deveres) – sendo apenas gerador de responsabilidades se a destituição causar prejuízos ao gerente destituído; isto é, o gerente destituído sem justa causa – destituído ao abrigo do princípio da livre destituibilidade dos gerentes – tem direito tão só a ser indemnizado (cfr. art. 257.º, n.º 7, CSC)[24], o que, pelo “avesso”, significa que a sociedade pode destituir o gerente sem provar causa justificativa e assim extinguir a relação entre ambos existente, mas não pode deixar de o indemnizar quando não se prove que ele tenha dado causa à destituição.

Mas – é o que aqui e agora releva – sem fumus boni iuris, sem a probabilidade de haver sido tomada uma deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato, não há periculum in mora que cumpra acautelar.

Improcede pois “in totum” o que a requerente/apelante invocou e concluiu na sua alegação recursiva[25], o que determina o naufrágio da apelação e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola qualquer uma das disposições indicadas.

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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela requerente/apelante.


Barateiro Martins (Relator)
Arlindo Oliveira
Emídio Santos


[1] Efectivamente, como se diz na sentença recorrida, sem censura da recorrente, o segmento “ (…) excluída de sócia...” constante do pedido final da petição inicial corresponde por certo a lapso de escrita.
[2] Sem que previamente se haja dado cumprimento, como era devido, ao disposto no art. 168.º, n.º 5, do CSC, e no art. 15.º, n.º 5, do C. Reg. Comercial; isto é, a sentença foi proferida sem estar documentalmente comprovado o pedido de registo da providência na competente conservatória.
[3] Assim se suprindo a nulidade da sentença recorrida, consistente na completa ausência de fundamentação de facto – não se especificam quaisquer factos considerados provados, como o impõem o art. 659.º, n.º 2, e o art. 668.º, n.º 1, b), ambos do CPC.
[4] Factos que resultam, no essencial, do acordo das partes (o que é insuficiente, bem o sabemos, mas que, em face do desfecho do recurso, “esquecemos”), uma vez que não foi junta – ou solicitada a junção – qualquer certidão da C. R. Comercial respeitante aos factos, ao caso relevantes, do contrato de sociedade da requerida.

[5] A inderrogabilidade do direito especial cede perante regra legal ou estipulação contratual expressa em contrário; sendo o art. 257.º, n.º 3, justamente um caso de regra legal em contrário.

[6] Sem cláusula estatutária os direitos especiais não existem, ou, dizendo de outro modo, são ineficazes em relação à sociedade

[7] Assim como não significa um direito especial à gerência a cláusula do contrato de sociedade segundo a qual esta ficará obrigada pela assinatura de apenas um dos vários sócios-gerentes.

[8] Enfim, a simples designação no contrato, mesmo nominal, não cria o direito; tal designação suscita o problema, mas não o resolve.
[9] E pelo labor probatório da requerida, uma vez que a requerente não curou de provar, pelo meio próprio ou por qualquer outro, o que a tal propósito consta do contrato de sociedade.
[10] O que significa que, em rigor, até nem sabemos o que diz ou dizia, em Março de 2010, o contrato de sociedade.
[11] E que obrigavam a sociedade, activa ou passivamente, com as assinaturas de 2 deles, uma das quais obrigatoriamente a dos gerentes E..., I... ou A... e outra também obrigatoriamente a dos gerentes F..., G...ou H....

[12] Não valendo a pena introduzir complexidade e distinguir as exigências do quórum deliberativo das do quórum constitutivo; podendo em todo o caso dizer-se que é quórum constitutivo o mínimo de presenças (ou representações) para que se possa deliberar, em geral; e que é quorum deliberativo o número de presenças (ou representações) necessário para que, mesmo que todos votem no mesmo sentido, a concreta deliberação que venha a ser votada possa ser aprovada, segundo a especial maioria para ela exigida.
[13] Cfr. neste sentido, v. g. Raul Ventura, Sociedade por quotas, 1989, II, p. 199 – que claramente refere que só haverá quórum constitutivo quando tenha sido estabelecido no pacto social.

[14] Uma vez que uma “maioria simples” tanto pode ser uma “maioria absoluta” como uma “maioria relativa”.

[15] Cfr. Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 4.ª ed. pág. 404; e Raul Ventura, Sociedade por Quotas, Vol. II, pág. 228/229.

[16] É a própria excepção – constante do referido art. 386.º, n.º 2, do CSC que, pela sua expressão formal, terá em vista a maioria relativa – que confirma tal regra da maioria absoluta.

[17] Não atingindo esse quantum, a proposta ter-se-á naturalmente como rejeitada; a votação terá então conduzido a uma deliberação negativa, o que também sucederá em caso de empate na votação.

[18] Art. 250.º n.º 3, do C. Soc. Comerciais em que se diz que “ Salvo disposição diversa da lei ou do contrato, as deliberações consideram-se tomadas se obtiverem a maioria dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções.”

[19] Tudo isto, sublinha-se, como regra.

O contrato de sociedade pode, efectivamente, fixar um quorum (constitutivo) para a reunião das assembleias da concreta sociedade por quotas, mas este não influi senão indirectamente na maioria dos votos necessários; na verdade, se o quórum não estiver reunido a assembleia não pode funcionar e não chega a haver votação e maiorias; se o quórum se forma e a assembleia funciona, aplica-se às votações a regra geral.

Mais, a expressão “salvo disposição diversa da lei ou do contrato”, constante do art. 250.º, n.º 3, do CSC., também significa, por ex., que o contrato pode exigir, relativamente aos votos emitidos, uma percentagem superior à maioria simples, isto é, exigir uma maioria qualificada ou até a unanimidade; que o contrato pode reportar o cômputo da maioria não aos votos emitidos, mas sim aos votos correspondentes ao capital social; que a deliberação só se considere tomada se obtiver o voto de certo sócio (haverá como que um direito de veto), etc.

Em todo o caso – é o que importa salientar – é na regra que, nos autos e no recurso, nos movemos

Nada foi alegado, em termos de contrato de sociedade, que fuja à regra (para sermos exactos, repete-se, nem o actual contrato de sociedade temos junto aos autos).

[20] Em relação a votos emitidos representativos de 88,35% do capital social, a maioria nos votos emitidos atinge-se a partir dos votos emitidos representativos de 44,176% do capital social; logo, 50% dos votos emitidos representativos do capital social é, claramente, a maioria absoluta dos votos emitidos. Mais, ainda que a Assembleia não tenha andado bem ao vedar ao sócio C... a representação da quota referida em F) dos factos provados, sempre a deliberação superará a “prova da resistência” da maioria (isto é, a maioria absoluta dos votos emitidos a favor da destituição mantém-se mesmo considerando como desfavorável o voto da quota referida em F) dos factos provados).
[21] Alude expressamente ao disposto no art. 257.º, n.º 7, do CSC.
[22] Ilicitude que decorreria da ausência de justa causa na destituição.
[23] Uma coisa é a licitude da destituição sem justa causa, outra, diversa, a eventual ilicitude do impedimento, uma vez que este (o impedimento) só é lícito quando a destituição seja por justa causa.

[24] E cfr. arts 403.º, n.º 5, e 430.º, n.º 2, para as sociedades anónimas.

[25] Quanto à conclusão 6.ª – a propósito da “decisão proferida ser contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, atento o teor do Acórdão de 9 de Novembro de 1977” – lembra-se, em 1.º lugar, a actual “caducidade” de tal “Assento” (uma vez que “tirado” no âmbito de legislação já revogada) e, em 2.º lugar, que tal “Assento” vai no mesmo sentido do que se acaba de sustentar no presente acórdão, isto é, diz exactamente o contrário do que a apelante pretende extrair dele (já agora, em 9/11/77, o “Assento” disse que “o gerente duma sociedade por quotas nomeado no pacto social pode ser destituído por maioria simples dos votos correspondentes ao capital social, desde que a nomeação não implique concessão de um direito especial”).