Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
931/13.8TBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: INABILITAÇÃO
ADMINISTRAÇÃO DO PATRIMÓNIO
CURADOR
AUDIÇÃO
CONSELHO DE FAMÍLIA
Data do Acordão: 02/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - LOUSÃ - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 143 Nº 2, 154º, Nº 2 E 156º DO CC
Sumário: Havendo lugar à constituição do conselho de família, nos termos do art. 154º, nº 2, do CC., em virtude de a administração do património do inabilitado ficar entregue, no todo ou em parte, ao curador, e não sendo possível deferir a curatela nos termos do nº 1 do art. 143º do CC (aplicável à inabilitação por força do disposto no art. 156º), o tribunal, antes de designar o curador, terá que ouvir o conselho de família sobre essa questão, como determina o nº 2 do citado art. 143º.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... , residente em (...) , Miranda do Corvo, veio instaurar a presente acção pedindo que seja decretada a inabilitação por anomalia psíquica de seu irmão, B... , residente no Lar Dr. x(...) , sito em Rua (...) , Miranda do Corvo, pedindo que seja nomeada para exercer a curatela e indicando para integrar o conselho de família os sobrinhos do inabilitado, C... e D... .

Na impossibilidade de proceder à citação do Requerido – em virtude de o mesmo não estar em condições de a receber – foi nomeado como curador ad litem o Director técnico do Lar Dr. x(...) .

O Requerido veio apresentar contestação, pedindo, designadamente, que seja indeferida a pretensão de nomeação das pessoas indicadas na petição inicial para exercerem as funções de curador e membros do conselho de família e que, em alternativa, seja nomeado como curador o Presidente do Conselho de Administração do Lar onde reside – o Sr. K... – e como membros do conselho de família E... (funcionária do Lar) e uma outra pessoa idónea a indicar pelo Tribunal.

Os autos prosseguiram os seus trâmites normais, na sequência dos quais veio a ser proferida sentença que decretou a inabilitação do Requerido, nomeando como curador o Presidente do Conselho de Administração do Lar Dr. x(...) – o Sr. K... – a cuja autorização ficarão sujeitos os actos de disposição de bens entre vivos que venham a ser praticados pelo inabilitado, e bem assim a administração do seu património em tudo o que vá para além dos actos correntes da sua vida do dia a dia, nomeando como subcuradora C.... e determinando que o conselho de família será constituído pelo Ministério Publico, pelo curador, pela subcuradora e por D... .

Inconformada com essa decisão, a Requerente veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1 - Vem o presente recurso de apelação interposto da Sentença proferida no âmbito dos presentes Autos, na parte em que nomeou como curador ao Inabilitado o Presidente do Conselho de Administração do Lar Dr. x(...) , o K... .

2 - Em primeiro lugar, cumpre realçar, que foi dado como provado nos Factos Provados (Vide ponto 1) e 2)) na Sentença Recorrida, designadamente o seguinte:

“ 1- O Requerido é Solteiro, não tem descendentes, e nasceu a 06/05/1942 (tendo actualmente 73 anos de idade), na freguesia de (...) , concelho de Miranda do Corvo, tendo sido registado como filho de (...) e (...) .

2 - A Requerente é viúva, nasceu a 23/03/1938, na freguesia de (...) , concelho de Miranda do Corvo, tendo sido registada como filha de (...) e (...) , sendo por conseguinte irmã (diga-se única irmã) do Requerido.”

3 - Na Petição Inicial, a aqui Recorrente requereu, desde logo, e in fine, que a CURATELA fosse exercida pela única irmã do Requerido (a própria Requerente), e para integrar o CONSELHO DE FAMILIA indicou C... (sobrinha do Inabilitado) e D... (Sobrinho do Inabilitado).

4 - O Tribunal “a quo” nomeou como curador ao Inabilitado o Presidente de Administração do Lar Dr. x(...) , o K... e, para integrar o Conselho de Família, além do MP, o mesmo Curador, a Subcuradora C... (Sobrinha) e o Vogal D... (Sobrinho).

5 - O único argumento utilizado para o Tribunal recorrido nomear como Curador o Presidente do Conselho de Administração do Lar e não a Irmã do Inabilitado (ou outro) foi, tão só, o circunstancialismo do Requerido/Inabilitado se encontrar institucionalizado no Lar há cerca de 10 anos, o que nos parece, salvo o devido respeito, uma parca fundamentação para um desígnio tão importante e uma matéria tão sensível.

6 - Acresce que, o Tribunal “a quo” busca conforto, do ponto de vista do Direito, no disposto no artigo 1962º do CC.

7 - Parece-nos que a norma supra vertida, pese embora o previsto no artigo 156º do CC, não é aplicável à inabilitação mas tão só ao regime da Interdição, havendo um erro na determinação da norma aplicável.

8 - Com efeito, não podemos ser alheios que no caso da Inabilitação, a mesma não é tão grave de modo a justificar-se a interdição, mas somente são assim considerados aqueles que, pelas circunstâncias que resultam da Lei, “…se mostrem incapazes de reger convenientemente o seu património” (cfr. artigo 152º do CC).

9 - Por outro lado, estão sujeitas a Interdição aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes, totalmente, de governar suas pessoas e mesmo os seus bens (Vide artigo 138º do CC). E esta incapacidade total de governar as suas próprias pessoas e bens, quanto a nós e ao contrário do caso da Inabilitação, é que faz que, no caso do artigo 139º do CC sejam aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regulam a incapacidade por menoridade e fixam os meios a suprir o poder paternal.

10 - Mas mesmo que mesmo assim não se entenda, e atento o clausurado do artigo 1962º do CC, a verdade é que no caso em apreço o Inabilitado “não está confiado à assistência pública”, uma vez que está tão só no Lar (Lar Dr. x(...) ) há cerca de 10 anos, como estão a maioria dos idosos do nosso país, e ainda que com problemas de saúde; não está abandonado; tem família (que o visitam)…

Igualmente o Tribunal “a quo” não esgrime as razões pelas quais eventualmente, e nesta esteira, a Requerente/Irmã não está em condições de exercer a Curatela (!).

11 - Acontece-se que a ordem de preferência para a nomeação de Curador ao inabilitado, o QUE O TRIBUNAL NEM CONSIDEROU OU ATENDEU DO PONTO DE VISTA DO DIREITO, encontra-se expressamente definida no artigo 143º, por via do artigo 156º do mesmo diploma legal.

12 - In casu, calcorreando as várias alíneas do nº 1 do artigo 143º do CC, concluímos que inexiste qualquer familiar do Inabilitado que aí se integre, uma vez que a parente mais próxima do Inabilitado é a própria Requerente/Recorrente (irmã), pelo que, terá aplicação no caso em apreço o disposto no nº 2 do artigo supra referido.

13 - Sucede que, o Tribunal “a quo”, mesmo aqui não considerou tal preceito, pois designou o Curador sem ouvir o Conselho de Família, tal como impõe o nº 2 do artigo 143º do CC, violando, na nossa perspectiva tal preceito.

14 - Mais, o artigo 143º do CC tem implícita, ou quiçá bem explícita, a ideia, que deve ser dada preferência para exercer o cargo em causa um familiar, e sendo a Recorrente a familiar mais próxima do Inabilitado, deverá ser a mesma a nomeada como Curadora (assim pugnamos).

15 - Efectivamente, os Tribunais, cremos, devem dar preferência para exercer a Tutela/Curatela a um familiar vivo, pois caso não assim aconteça (como sucede in casu) levará a um progressivo afastamento entre o Inabilitado/Interdito e a sua família, e consequente perda de laços familiares, o que não vai de encontro ao INTERESSE DO PRÓPRIO INABILITADO/INTERDITO.

16 - Ademais, além do interesse do próprio inabilitado (como se aduziu), é imperioso, para efeitos da nomeação em causa, atender-se a uma eficaz protecção do seu património e ao restabelecimento possível do equilíbrio da sua situação pessoal.

17 - No caso em presença, não podemos ser alheios igualmente do que se deu como PROVADO NOS PONTOS 11) e 12) DOS FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA RECORRIDA.

18 - Decompondo, desde o início do ano de 2013 foram levantados da conta do Requerido/Inabilitado mais de € 5.000,00 para custear mensalidades do Lar, e, em Outubro de 2013, foram resgatados (por parte do Requerido, acompanhado por funcionárias do Lar) certificados de aforro que o Inabilitado tinha no valor global de €10.057,52.

19 - Apesar do Inabilitado ter sido considerado incapaz de reger o seu património PELO MENOS desde 08/07/2014, não sendo possível fixar uma data concreta provável de inicio da incapacidade, A VERDADE É QUE atento o quadro de deterioração mental progressiva do Inabilitado (Cfr. Relatórios Periciais juntos aos Autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos) muito se desconfia, ou crê-se verdadeiramente, que no ano de 2013 o Inabilitado, atento o seu quadro demencional, já não dispunha de suficiente capacidade para reger convenientemente o seu património.

20 - Não cremos que seja a melhor opção (e quando realmente existem outras opções) nomear como Curador para administrar o património do Inabilitado alguém - pessoa ou instituição, que, por outra via, beneficia directamente do dito património, como claramente sucede no caso em presença, uma vez que o Lar onde se encontra o Inabilitado aufere directamente as mensalidades devidas pela “institucionalização”.

21 - Pelo que, também por aqui, estamos convictos, e até considerando o que avulta dos presentes Autos, que o interesse do Inabilitado e a protecção pessoal do seu património não se encontra garantida pela nomeação em causa, e que se discorda frontalmente, pugnando-se que deverá ser nomeado como Curador a Irmã do Inabilitado, ora Recorrente.

22 – Normas jurídicas nomeadamente violadas pela decisão recorrida: 1962º do CC, 143º, nº 2, in fine, do CC; 901º, nº 1 do CPC.

Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em sua consequência, deve ficar prejudicada e ser dada sem efeito a nomeação como Curador ao Inabilitado o Presidente do Conselho de Administração do Lar Dr. x(...) , o K... , porquanto a sua nomeação não foi precedida de audição ao Conselho de Família, tal como impunha o caso concreto e o artigo 143º, nº 2, in fine, do CC, e 901º, nº 1, in fine, do CPC, devendo ser ordenado que se proceda em conformidade.

Caso assim não se entenda, deve sempre revogar-se a decisão (Sentença) recorrida, na medida do presente Recurso, devendo ser nomeada como Curador ao Inabilitado a Irmã do mesmo, ora Recorrente.

O Requerido apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1. A interpretação defendida pela Recorrente de que o disposto no artigo 139º não é aplicável à inabilitação por remissão do art.º 156º, viola as regras da hermenêutica juridica, máxime, o disposto no nº 2 do art.º 9º do CC, pelo que não existiu por parte do Tribunal a quo qualquer erro na determinação na norma aplicável;

2. O Inabilitado está há cerca de dez anos confiado aos cuidados do Lar Dr. x(...) , por a família direta que o vigiava depois da morte dos pais – a aqui Recorrente – o ter institucionalizado após queda, pese embora nesse tempo ele ter bastante autonomia física e mental;

3. Desde então que a Recorrente e a filha o visitaram raramente e, mais recentemente, quando após violarem a correspondência que lhe era dirigida pelo IGCP, verificaram que ele tinha resgatado certificados de aforro em 2013, altura em que os responsáveis pelo Lar tomaram conhecimento da sua existência.

4. Este facto revela à saciedade que o interesse da irmã e sobrinha é eminentemente material, razão pela qual o Inabilitado, por iniciativa própria e já instruído pelos seus pais, é o único titular de contas bancárias e aplicações financeiras, obviando assim, no seu dizer, que elas se apossassem dos seus bens (o que elas queriam eram lulas, elas queriam apanhar-mo todo” – cfr. suas declarações de fls. 71);

5. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o Tribunal fundamentou a nomeação do curador em razões ponderosas (nº 2 do art.º 143º do CC): a sua familiar mais direta – a irmã e recorrente – tem 77 anos e demitiu-se de cuidar do irmão há cerca de dez anos, o desejo do próprio e as próprias conclusões do relatório pericial.

6. No caso da curatela, o Tribunal não tem, ao contrário do que sucede com a tutela, de convocar o Conselho de Família para indicar o Curador (cfr. nº 2 do art.º 143º do CC), porquanto existe uma norma específica que regula esta concreta matéria (art.º 154º), logo não há lugar à aplicação do regime supletivo, como dispõe o art.º 156º do CC, pelo que a interpretação que a Recorrente faz neste particular viola o previsto no art.º 9º do CC;

7. Também não colhe o argumento da Recorrente segundo o qual o interesse patrimonial e a criação e reforço de laços familiares, justificam que a curatela seja exercida pela irmã e recorrente, pois não corresponder à realidade factual tal como vai descrita, por um lado, e depois não está demonstrada a bondade de tais intenções, ao contrário, da prova produzida demonstra-se o contrário.

8. Acresce que a atividade do Curador terá de ser sufragada pelo Conselho de Família, do qual fazem parte dois sobrinhos do requerido, pelo que o seu interesse patrimonial, mesmo o imobiliário ainda indiviso, estará sempre assegurado.

Nestes termos e demais de direito deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se, antes de designar o curador, o tribunal estava obrigado a ouvir o conselho de família sobre essa questão, nos termos do art. 143º, nº 2, do Código Civil;

• Saber se deve ser a Requerente (única irmã do Inabilitado) a desempenhar as funções de curador ou se, ao invés, se deve manter a decisão recorrida que nomeou para o exercício dessas funções o Presidente do Conselho de Administração do Lar onde reside o Inabilitado.


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III.

Na 1ª instância, considerou-se provada a seguinte matéria de facto:

1) O Requerido é solteiro, não tem descendentes, e nasceu a 06/05/1942 (tendo actualmente 73 anos de idade), na freguesia de (...) , concelho de Miranda do Corvo, tendo sido registado como filho de (...) e (...) .

2) A Requerente é viúva, nasceu a 23/03/1938, na freguesia de (...) , concelho de Miranda do Corvo, tendo sido registada como filha de (...) e (...) , sendo por conseguinte irmã (diga-se única irmã) do Requerido.

3) O Requerido é reformado por invalidez, auferindo uma pensão social de invalidez no montante mensal global de €385,19.

4) O Requerido há cerca de 10 anos que se encontra institucionalizado no Lar Dr. x(...) , nele residindo, sito em (...) Miranda do Corvo.

5) Foi diagnosticada ao Requerido desde tenra idade epilepsia.

6) O Requerido actualmente tem dificuldades em falar (fala muito arrastada).

7) O Requerido sabe escrever e ler, ainda que com dificuldades, em consideração também das dificuldades de visão que tem.

8) O Requerido tem, hoje em dia, dificuldades em vestir-se e movimentar-se por si próprio, sendo sempre coadjuvado pelas funcionárias do Lar, delas dependendo nas suas tarefas do dia-a-dia.

9) O Requerido alimenta-se sozinho.

10) O Requerido é herdeiro de património Imobiliário, ainda indiviso.

11) Desde o início do ano de 2013 foi levantado mais de €5.000,00) da conta à ordem nº (...) (Banco (...) ), do Requerido, para custear o diferencial das mensalidades do Lar onde se encontra a viver a partir do ano de 2012.

12) Em 01/10/2013, o Requerido tinha igualmente na sua Conta Aforro nº (...) , Certificados de Aforro série B no valor global de €10.057,52, sendo que, neste decurso, e acompanhado por funcionárias do Lar onde se encontra, deslocou-se aos CTT de Mirando Corvo, e veio a solicitar o resgate de todo o valor que detinha em certificados de aforro.

13) Fê-lo para uma conta bancária de que é o único titular.

14) Sempre que é necessário que o Requerido pague a mensalidade devida pela sua institucionalização no Lar, é sempre acompanhado junto do banco por funcionárias do Lar, a fim de levantar/transferir o correspondente dinheiro da sua conta bancária.

15) Os pais do requerido foram donos de uma mercearia localizada em (...) , Miranda do Corvo, na qual o Requerido sempre muito ajudou no exercício do negócio.

16) O Requerido tem apresentado um quadro de deterioração mental patológica, com uma deterioração que se vem agravando, pelo menos, desde 08 de Julho de 2014.

17) O requerido evidencia ambliopia e Epilepsia, e uma demência englobável na rubrica F03-Demência-da 10ª Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde da Organização Mundial de Saúde (CID-10).

18) Este contexto psico-orgânico tem um carácter crónico e irreversível, incapacitando-o de reger convenientemente o seu património, pelo menos, desde 8 de Julho de 2014.


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IV.

Tendo sido declarada a inibição do Requerido, B... , o presente recurso incide apenas sobre a decisão que nomeou, como curador, o Presidente do Conselho de Administração do Lar onde aquele reside – o Sr. K... – sustentando a Apelante que deverá ser ela (irmã do inabilitado) a exercer essas funções e sustentando, além do mais, que o Tribunal recorrido nem sequer atendeu ao disposto no art. 143º, nº 2, do CC, que lhe impunha a audição prévia do Conselho de Família.

Analisemos, antes de mais, a segunda questão, até porque a sua eventual procedência tornará, para já, inútil a apreciação da primeira.

Como decorre do disposto no art. 143º do Código Civil – aplicável à inabilitação por força do disposto no art. 156º do mesmo diploma – a curatela será deferida aos familiares ali indicados e pela ordem aí estabelecida, dispondo o nº 2 que “Quando não seja possível ou razões ponderosas desaconselhem o deferimento da tutela nos termos do número anterior, cabe ao tribunal designar tutor, ouvido o conselho de família”, disposição que, como vimos, é igualmente aplicável à inabilitação e à nomeação de curador.

No caso em análise, não era possível o deferimento da curatela nos termos do nº 1 da citada disposição legal, porquanto o Requerido/Inabilitado é solteiro, não tem descendentes e, ao que supomos (embora tal não conste da matéria de facto) e tendo em conta a sua idade (73 anos), também não terá pais (sendo que, ainda que os tivesse, certamente não estariam, por força da sua idade, em condições de desempenhar aquele cargo).

Assim, e como determina o nº 2, da norma citada, caberia ao tribunal designar o curador.

Mas, segundo ali se preceitua, o tribunal, com vista à nomeação de curador, deverá ouvir o conselho de família.

Sustenta, no entanto, o Apelado que tal disposição não é aplicável à inabilitação, porquanto, para este caso, existe norma específica (o art. 154º, nº 2, do CC).

Dispõe o citado art. 154º, no seu nº 1, que “A administração do património do inabilitado pode ser entregue, no todo ou em parte, ao curador”, determinando o seu nº 2, que “Neste caso, haverá lugar à constituição do conselho de família e designação do vogal que, como subcurador exerça as funções que na tutela cabem ao protutor”.

Resulta, portanto, desta norma que, nas situações de inabilitação, apenas há lugar à constituição do conselho de família quando a administração do património do inabilitado seja entregue, no todo ou em parte, a um curador, o mesmo não acontecendo quando a administração do património continue confiada ao próprio inabilitado.

Mas, salvo o devido respeito, esta norma não afasta, pelo menos em todas as situações, a aplicação do art. 143º, nº2.

Com efeito, o citado art. 154º, nº 2, apenas visa determinar as situações em que, por força dos efeitos mais amplos da inabilitação (com a entrega da administração do património a um curador), se justifica a nomeação de um conselho de família com o objectivo de vigiar a actuação do curador; tal norma não visa, no entanto, regular, quais as concretas atribuições desse conselho de família, quando ele deva existir, situação que é regulada por outras normas.

Significa isso, portanto, que, havendo lugar à constituição do conselho de família, nos termos do art. 154º, esse conselho de família terá as atribuições que a lei lhe confere e, portanto, também deverá ser ouvido sobre a nomeação de curador nos casos em que a lei o impõe, como acontece na situação prevista no art. 143º, nº 2. E não se compreenderia que assim não fosse, já que, se a lei exige a constituição de um conselho de família para vigiar a actuação do curador nos casos em que este deva administrar (no todo ou em parte) o património do inabilitado, mal se compreenderia que não tivesse também a oportunidade de ser ouvido sobre a pessoa que se encontrará em melhores condições para exercer essas funções.

Ora, no caso em análise, havia lugar à constituição do conselho de família, nos termos da norma supra citada, uma vez que a administração do património do inabilitado foi entregue, em parte, ao curador (conselho de família que, aliás, foi, efectivamente, constituído pela sentença recorrida que designou o subcurador e o vogal) e, havendo lugar à constituição do conselho de família e não sendo possível deferir a curatela nos termos do nº 1 do art.143º, deveria esse conselho ter sido ouvido sobre a designação do curador, como impõe o art. 143º, nº 2.

Impõe-se, portanto, revogar a decisão, na parte em que nomeou curador ao inabilitado, devendo ser convocado o conselho de família para ser ouvido sobre essa questão – cfr. arts. 156º e 143º, nº 2, do CC e 901º, nº 1, do CPC – e importando esclarecer que, ao contrário do que se referiu na sentença recorrida (certamente por lapso), o curador não integra o conselho de família; como decorre do disposto no disposto no art. 1951º do CC, o conselho de família é constituído apenas pelo agente do Ministério Público (que preside) e por dois vogais (um dos quais será designado como subcurador – cfr. art.154º, nº 2, do CC).

E, face à procedência desta questão, fica prejudicada a segunda questão que havia sido suscitada no recurso.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

Havendo lugar à constituição do conselho de família, nos termos do art. 154º, nº 2, do CC., em virtude de a administração do património do inabilitado ficar entregue, no todo ou em parte, ao curador, e não sendo possível deferir a curatela nos termos do nº 1 do art. 143º do CC (aplicável à inabilitação por força do disposto no art. 156º), o tribunal, antes de designar o curador, terá que ouvir o conselho de família sobre essa questão, como determina o nº 2 do citado art. 143º.


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V.
Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, na parte em que nomeou curador ao inabilitado, determinando-se que, nos termos dos arts. 156º e 143º, nº 2, do CC e 901º, nº 1, do CPC e tendo em vista a nomeação do curador, seja convocado o conselho de família para que se pronuncie sobre essa questão.
Custas a cargo do Apelado, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique.

Maria Catarina Gonçalves (Relatora)

Nunes Ribeiro

Helder Almeida