Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1664/16.9T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: CADUCIDADE DO CCT.
DIREITOS ADQUIRIDOS PELO TRABALHADOR.
PRINCÍPIO DA IGUALDADE NA PRESTAÇÃO DO TRABALHO.
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
FALTA DE PAGAMENTO PONTUAL DO VENCIMENTO.
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DO TRABALHO DE C. BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO - SECÇÃO SOCIAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Legislação Nacional: ARTº 394º, NºS 1, 2, AL. A), 3, AL. C), 4 E 5, E 351º, Nº 3, AMBOS DO CT/2009
Sumário:
: I – A lei manda que após a caducidade da CCT se mantenham os efeitos já produzidos nos contratos de trabalho, ou seja que à data da cessação da vigência do CCT estejam já reunidos os pressupostos de atribuição ao trabalhador dos respetivos direitos para que estes se mantenham posteriormente à data em que ocorra a caducidade do CCT.
II – Apenas há violação do princípio da igualdade nesta vertente se o trabalho prestado pelo trabalhador discriminado for igual ao dos demais trabalhadores, não só quanto à natureza (tendo em conta a sua dificuldade, penosidade e perigosidade), mas também em termos de quantidade (duração e intensidade) e qualidade (de acordo com as exigências, conhecimentos, prática e capacidade).
III – A justa causa de resolução deve ser apreciada (artº 394º, nº 4 do CT) nos termos do nº 3 do artº 351º do CT, isto é, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre este e o empregador e às demais circunstâncias relevantes.
IV – O empregador dispõe de vários tipos de sanções (intermédias) para censurar um determinado comportamento ilícito do trabalhador, ao passo que o trabalhador lesado por um comportamento ilícito do empregador não dispõe de formas alternativas à resolução para reagir, cabendo-lhe, apenas, a opção entre fazer cessar unilateralmente ou não o contrato de trabalho.
V – Por isso mesmo, face a esta disparidade de meios de reação colocados à disposição do empregador e do trabalhador, o conceito de justa causa para efeitos de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador deve ser objecto de uma interpretação menos rigorosa que aquele que se deve dispensar a esse mesmo conceito no âmbito da cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador e por despedimento com fundamento em comportamento culposo do trabalhador.
VI – A falta de pagamento ou a falta de pagamento pontual não culposo, embora possa constituir justa causa de resolução do contrato de trabalho, não confere direito a indemnização ao trabalhador.
VII – Quando a mora no pagamento do vencimento ao trabalhador se prolonga por mais de 60 dias, o incumprimento presume-se culposo (nº 5 do artº 394º CT), presunção esta que assume a caraterística de jure et de jure.
VIII – Se a mora nesse pagamento não atingir os sessenta dias o incumprimento presume-se culposo juris tantum face ao disposto no artº 799º do C. Civil, ou seja, é permitido ao empregador devedor elidir a presunção, provando o contrário.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – A… instaurou a presente acção de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra R…, pedindo que:
- Se declare que a A. se despediu validamente com justa causa, sendo lícitos os argumentos invocados na notificação que remeteu ao R.;
- Se condene o R. a pagar a autora a quantia de 14.896,42€, correspondente aos créditos laborais reclamados e indemnização por antiguidade, deduzidos dos valores referidos em 19º e 20º da p.i.
- Se condene o R. a pagar à A. a quantia de 5000€ a título de danos morais;
- Se condene o R. em custas e demais encargos com o processo.
Para tanto alegou, em síntese, tal como consta da sentença recorrida, ter celebrado com o R… réu, em 01.09.2012, um contrato de trabalho, a termo certo e tempo parcial, que veio a cessar por sua iniciativa em 21 de Junho de 2016, com fundamento em justa causa.
Mais alegou que no ano lectivo de 2015/2016 o referido contrato não foi reduzido a escrito, pelo que se deve considerar como contrato de trabalho a tempo completo, reclamando por isso as diferenças salariais verificadas, num total de 1.143,67€. Reclama ainda, também a título de diferenças salariais, a quantia de 12.305,61€, já que segundo alega, tendo obtido o grau de mestre, em 1 de Outubro de 2015 deveria ré ter procedido à sua reclassificação na tabela Salarial.
Pede ainda a autora que seja reconhecido que resolveu o contrato de trabalho com justa causa, invocando para o efeito, quer a falta de pagamento das referidas diferenças salariais, quer a falta de pagamento pontual da retribuição, quer ainda a violação das suas garantias legais, já que, segundo também alega, a ré permitiu falta de urbanidade entre colegas, assédio moral, maus tratos, perseguições, entre outras.
Pede por isso que a ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade no valor de 5.469,16€ e uma indemnização por danos morais no montante de 5.000€.
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Na audiência de partes não se logrou a composição amigável do litígio pelo que se ordenou a notificação do réu para contestar, o que este fez, impugnando a generalidade da factualidade alegada na petição inicial e pugnando pela improcedência da acção.
Alegou, em síntese, tal como também consta da sentença impugnada, que o referido contrato de trabalho se renovou automaticamente, sendo que em qualquer caso nunca o mesmo poderia ser considerado como contrato a templo completo, já que a autora acumulava 9,5 horas noutra escola. Mais alegou não ser devida a reclassificação salarial pretendida pela autora, desde logo por se mostrar caduco o CCT que a previa, mas também por a autora a ela não ter direito, na medida em que não certificou a sua antiguidade, nem essa antiguidade lhe permitia o acesso ao nível salarial pretendido. Sustenta ainda o réu que sempre pagou as retribuições pontualmente e pelos valores correctos, negando que alguma vez tenha permitido falta de urbanidade entre colegas, assédio moral, maus tratos, perseguições, ou outros, sempre dizendo que a resolução do contrato por parte da autora ocorrida em 21.06.2016 tendo por base episódios supostamente ocorridos em Outubro / Novembro de 2015, foi intempestiva.
Conclui por isso pela improcedência dos fundamentos invocados como justa causa de despedimento e das diferenças salariais reclamadas, pedindo a condenação da autora como litigante de má fé.
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Respondeu a autora alegando que o contrato de trabalho não se renovou automaticamente por ser nulo, já que no contrato em questão não consta referência às circunstâncias concretas integradoras do motivo que justificou a celebração de um contrato de trabalha a termo certo. Mais sustenta que os fatos invocados para resolver o contrato são factos continuados ao longo do tempo, pelo que relevam os últimos fatos praticados (no caso em Junho de 2016), não podendo verificar-se a caducidade invocada, reiterando por isso os pedidos deduzidos em sede de petição inicial.
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II – Findos os articulados, não se realizou a audiência preliminar, afirmou-se a validade e regularidade da instância, foi identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova tendo no prosseguimento dos autos sido, a final, proferida sentença cujo dispositivo se transcreve:
“Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condeno o réu R… a pagar à autora A… a quantia de 4.649,19€ Sendo € 3.542.25 a título de diferenças salariais referentes ao nível remuneratório K7 (por a autora ter direito a um horário lectivo completo de 22 horas semanais); € 727,86 a título de proporcionais de férias não gozadas e subsídio de férias e € 379,08 a título de créditos salariais derivados da execução do contrato. a título de diferenças salariais derivadas da execução do contrato de trabalho objecto dos autos, absolvendo o réu do demais peticionado.”.
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III – Inconformada veio a autora apelar, alegando e concluindo:
(…)
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Contra alegou a ré, concluindo:
(…)
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O Exmº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação do julgado.
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IV – A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
(…)
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V - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, as questões a decidir podem equacionar-se do seguinte modo:
1. Alteração da matéria de facto.
2. Reclassificação salarial.
3. I/licitude da resolução contratual.
4. Danos não patrimoniais.

Da alteração da matéria de facto:
(…)

Da reclassificação salarial;
As partes aceitam que à data da celebração do contrato de trabalho vigorava a CCT celebrada entre a AEEP e a FENPROF, publicada no BTE n.º 30, de 15.08.2011.
Pretende a autora, com base na tabela salarial que integra o anexo V do referido CCT, a sua reclassificação salarial, reclamando a título de diferenças salariais 13.305,61€, alegando para o efeito que, após 1 de Outubro de 2015, o réu continuou a pagar-lhe o vencimento pelo nível K7, quando o devia fazer pelo nível A8, já que entretanto tinha alcançado a sua profissionalização.
Sucede que em 13 de Maio de 2015, cessou a vigência de tal CCT por caducidade – Cfr. aviso publicado no BTE n.º 40 de 29.10.2015 Do qual se destaca o seguinte excerto: O contrato colectivo entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo - AEEP e a Federação Nacional dos Professores - FENPROF e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, e alterações subsequentes publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 10, de 15 de Março de 2008, n.º 13, de 8 de Abril de 2009, e n.º 30, de 15 de agosto de 2011, cessou a sua vigência no âmbito da AEEP e da FENPROF, por caducidade, em 13 de Maio de 2015, nos termos dos números 3 e 4 do artigo 501.º do Código do Trabalho, na redacção aprovada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro”.
O CCT em causa não previa expressamente os efeitos decorrentes da sua caducidade. Foi denunciado pela AEEP, a FENPROF não aceitou o acordo de revisão e decorreram os prazos de sobrevigência..
Sustenta por isso o réu que estando as tabelas salariais aplicáveis previstas no referido CCT, com a caducidade do mesmo, terão de se manter as remunerações até aí aplicadas, improcedendo por isso, e desde logo, o pedido de requalificação salarial deduzido pela autora.
Já a autora sustenta que após a caducidade do CCT e até entrada em vigor de um novo CCT, mantêm-se os efeitos já produzidos, no que respeita a retribuição, categoria e sua definição.
A 1ª instância na base do nº 8 do artigo 501º do Código do Trabalho, na redacção que lhe foi dada pelo 55/2014, de 25 de Agosto que dispõe que Após a caducidade e até à entrada em vigor de outra convenção ou decisão arbitral, mantêm-se os efeitos acordados pelas partes ou, na sua falta, os já produzidos pela convenção nos contratos de trabalho no que respeita a retribuição do trabalhador, categoria e respectiva definição, duração do tempo de trabalho e regimes de protecção social cujos benefícios sejam substitutivos dos assegurados pelo regime geral de segurança social ou com protocolo de substituição do Serviço Nacional de Saúde.”, decidiu a questão do seguinte modo: “verificando-se a caducidade da convenção, esta deixa de produzir os seus efeitos: a partir de então e até à celebração de nova convenção a relação de trabalho passa a reger-se pelo acordado pelas partes; não havendo esse acordo, mantêm-se os efeitos produzidos pela convenção no que respeita a determinadas matérias, concretamente mantêm-se os direitos relativos à retribuição, categoria, tempos de trabalho e benefícios sociais que a convenção caducada concedia aos trabalhadores, passando a reger-se quanto ao restante pelo regime geral do Código do Trabalho. Porém, saliente-se, por virtude da caducidade da convenção o trabalhador que estava por ela abrangido não perde os direitos que decorriam do contrato de trabalho que celebrou (assim como os que lhe são reconhecidos pela lei, incluindo, naturalmente, a lei fundamental).
Mas poderá a reclassificação salarial da autora enquadrar-se nos efeitos produzidos pela convenção no que respeita a determinadas matérias, concretamente aos direitos relativos à retribuição e categoria?
A resposta a tal questão passará, segundo cremos, pela distinção entre direitos subjectivos e expectativas, tal como defendido por Menezes Cordeiro (in “Dos Conflitos Temporais de Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho”, AAVV, Estudos em Memória do professor Doutor João de Castro Mendes, Lex, Lisboa, pág. 470):
- Em relação aos direitos subjectivos, quer os reconhecidos por decisões judiciais, quer os já formados e exercidos (ex. retribuição do trabalho suplementar já prestado e, portanto, devido e pago), quer os formados mas não exercidos (ex. pagamento do trabalho suplementar já prestado mas ainda não pago), não parece haver dúvidas de que a extinção da convenção não afecta tais posições jurídicas;
- No que toca às expectativas, é preciso atender:
- às expectativas automáticas, que se transformam em direitos subjectivos pelo mero decurso do tempo, como por exemplo acontece com a promoção automática;
- e às expectativas simples, que dependem de actos de terceiros (ex. promoção em virtude do bom serviço).
Quanto a estas últimas (expectativas simples), uma vez que o ordenamento jurídico não lhes confere qualquer meio de defesa, serão já afectadas pela extinção da convenção. Isto porque, neste caso, os trabalhadores não são titulares de um determinado bem jurídico, mas apenas tinham a susceptibilidade de, verificados certos pressupostos, vir a sê-lo, sendo uma dos pressupostos, precisamente, o da manutenção da fonte do direito, sem a qual naturalmente esse direito subjectivo não pode nascer.
Ora, é este precisamente, segundo se crê, o caso da autora, que à data da caducidade da CCT não era titular de qualquer direito subjetivo (de reclassificação salarial), cuja aquisição sempre dependeria da obtenção do grau académico de mestre (dependendo por isso de um ato de terceiro, não actuando automaticamente com o decurso do tempo), apenas tendo por isso a autora a expectativa simples de, um dia, verificados certos pressupostos, vir a ser titular desse direito subjectivo. E assim sendo, entende-se que a referida expectativa simples de reclassificação salarial foi afectada pela extinção da convenção.
Note-se que que, mesmo que se entendesse que a fonte do direito (o CCT invocado) se mantivesse válido e aplicável, daí não decorreria, ainda assim, a procedência da pretensão da autora, na medida em que a sua reclassificação salarial para o nível pretendido (A8), sempre dependeria, para além da obtenção do grau de mestre, da antiguidade da autora (pelo menos 4 anos), que no caso, e conforme resulta da certificação obtida nos autos (cfr. fls. 110 e seguintes), não era suficiente para o efeito.
Improcede por isso o pedido feito a este respeito, não tendo a autora o direito, como pretendia, de ser paga pela Tabela Salarial A8, nenhumas diferenças salariais lhe sendo devidas a este respeito – o que se decide”.
A este enquadramento contrapõe a autora a seguinte argumentação: “(…) na verdade o CCT caducou contudo mantêm-se e se mantém em vigor os direitos derivados do CCT para efeitos salariais, entre outros, nos quais se inclui a reclassificação salarial, caso contrário estaríamos face a um enriquecimento sem causa da entidade patronal à custa do trabalhador, e a uma violação do princípio da igualdade, pagando a entidade patronal o mesmo salário a trabalhadores com qualificações profissionais distintas.
Neste sentido o Ac RE de 28/06/2017 proc. nº851/16.4T8PTM.E1, in www.dgsi.pt. (…)
A reclassificação salarial não é afectada com a caducidade do CCT, uma vez que os direitos relativos à retribuição nos quais se insere, necessariamente, a reclassificação salariais estão contidos nos direitos que se mantêm mesmo após a caducidade do CCT, caso contrário as progressões de carreira estariam postas em causa caso não fosse obtido novo acordo entre as partes contratantes, o que até a data ainda não ocorreu entre a Fenprof e a AEEEP.
Aliás, a própria R. mesmo após a caducidade do CCT reclassificou e efectuou progressão de carreiras a outros trabalhadores tomando por base o CCT acima referido, pois durante o ano lectivo de 2015/2016 a docente Cristina Brito progrediu na sua carreira profissional, pretendendo a R. tratar situações iguais de modo desigual e violar o princípio constitucional da igualdade.
Assim, conclui-se que a A. deve ser paga pela tabela salarial A8, com todas as legais consequências.
Por outro lado, decidiu o tribunal “a quo” que “mesmo que se entendesse que a fonte do direito (o CCT invocado) se mantivesse válido e aplicável, daí não decorreria, ainda assim, a procedência da pretensão da autora, na medida em que a sua reclassificação salarial para o nível pretendido (A8), sempre dependeria, para além da obtenção do grau de mestre, da antiguidade da autora (pelo menos 4 anos), que no caso, e conforme resulta da certificação obtida nos autos (cfr. fls. 110 e seguintes), não era suficiente para o efeito.”
Analisando a certificação de trabalho da A. verifica-se que em 2011/2012 leccionou na Escola de Artes SAMP e nos anos de 2012 a 2016 leccionou na escola da recorrida.
Para efeitos de aplicação da tabela salarial para além da qualificação tem a ver com anos de serviço, exigindo-se para o nível A8 04 anos de serviço.
Em Setembro de 2015 a A. tinha precisamente quatro anos de serviço como professora, não interessando se os prestou na mesma entidade patronal.
Assim, por estas razões, também, se conclui que a A. deve ser paga pela tabela salarial A8, com todas as legais consequências”.
Apreciando:
De acordo com o CCT em questão, na redacção introduzida pela alteração publicada no BTE nº 30 de 15.08.2011, o nível salarial A/8 destina-se a remunerar os professores licenciados e profissionalizados com pelo menos 4 anos de serviço A partir dos oito anos de serviço o nível passa a ser o A/7.
Está provado que o CCT em causa cessou a sua vigência em 13 de Maio de 2015.
A sua aplicação à relação laboral em questão depende da verificação dos pressupostos a que alude o nº 6 do artº 501º do CT acima transcrito.
A lei manda que após a caducidade da convenção se mantenham os efeitos já produzidos nos contratos de trabalho, ou seja, que à data da cessação da vigência do CCT estejam já reunidos os pressupostos da atribuição ao trabalhador dos respectivos direitos para que estes se mantenham posteriormente à data em que ocorreu a caducidade do CCT.
E bem se entende que assim seja.
Basta, ressalvando o academismo, atentar no seguinte exemplo: suponhamos que a atribuição de determinado nível salarial exige que o trabalhador possua determinadas habilitações escolares e que essas habilitações apenas são conseguidas ou adquiridas pelo trabalhador 10, 15 ou até 20 anos após a data da caducidade da convenção.
Pensamos que neste caso ninguém se atreverá a defender que a trabalhadora a partir da data em que obteve aquelas habilitações passará a auferir de acordo com o nível salarial previsto num IRCT que havia caducado há tanto tempo.
Por isso é que a Pofª Maria do Rosário Palma Ramalho in Tratado de Direito do Trabalho, Parte III, Situações Laborais Colectivas, 2012, p.327 e 328 chama a atenção para que “a referência do artº 501º nº 6 aos “efeitos […] já produzidos pela convenção nos contratos de trabalho…”, (...) deve ser interpretada com cautelas, justificando-se duas prevenções.
Por um lado, resulta claramente da lei que estão aqui em causa efeitos presentes ou pretéritos e não efeitos futuros. Assim, por exemplo, o trabalhador tem direito de manter a retribuição que auferia ao tempo da cessação da convenção, porque esse efeito já estava previsto no seu contrato de trabalho, mas não tem direito ao aumento anual dessa retribuição previsto da convenção para o ano subsequente à respectiva cessação.
Por outro lado, a expressão “efeitos”, é de reportar tanto a situações jurídicas activas como a situações jurídicas passivas (...).”
No caso em análise, para além do mais, os 4 anos de serviço apenas se terão completado, de acordo com a autora, em Setembro de 2015; e daí o pedido de reclassificação a partir de 1 de Outubro desse ano.
Assim, à data da cessação do CCT por caducidade, ainda não estavam reunidos todos os pressupostos de reclassificação da autora no nível A/8 pelo que, nesta parte, deve ser mantida a decisão proferida em 1ª instância na medida em que é inaplicável regime do nº 6 do artº 501º do CT.
É verdade que “Durante o ano lectivo de 2015/2016 a docente Cristina Brito progrediu na sua carreira profissional(facto aditado por esta Relação).
Mas este facto, isoladamente, não justifica ou pode atribuir à autora o direito a reclassificação.
Este facto poderia ser visto como uma forma de discriminação de tratamento da autora em confronto com o tratamento dado a uma sua colega, o que teoricamente poderia configurar a violação do princípio da igualdade na sua vertente “a trabalho igual salário igual”.
Ora, apenas haverá violação do princípio da igualdade nesta sua vertente se o trabalho prestado pelo trabalhador discriminado for igual ao dos restantes trabalhadores, não só quanto à natureza (tendo em conta a sua dificuldade, penosidade e perigosidade), mas também em termos de quantidade (duração e intensidade) e qualidade (de acordo com as exigências, conhecimentos, prática e capacidade).
E a matéria de facto é manifestamente insuficiente para se aferir sobre a violação do referido princípio.
Acresce, por outro lado, que não é de descartar a hipótese desta trabalhadora ter sido reclassificada antes de ocorrer a caducidade do CCT por os respectivos pressupostos de reclassificação se terem verificado também em data anterior.

Da i/licitude da resolução contratual:
A autora resolveu o seu contrato de trabalho com os seguintes fundamentos:
(i) Falta de reclassificação salarial.
(ii) Falta e atraso no pagamento das retribuições devidas.
(iii) Violação culposa das garantias legais ou convencionais.
Comece-se por relembrar que a justa causa de resolução deve ser apreciada (v. art. 394.º n.º 4) nos termos do n.º 3 do art. 351.º do CT, isto é, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre este e o empregador e às demais circunstâncias relevantes.
Há ainda que chamar a atenção para a circunstância do empregador dispor de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento ilícito do trabalhador, ao passo que o trabalhador lesado por um comportamento ilícito do empregador não dispõe de formas alternativas à resolução para reagir, cabendo-lhe, apenas, a opção entre fazer cessar unilateralmente ou não o contrato de trabalho.
Por isso mesmo, face a esta disparidade de meios de reacção colocados à disposição do empregador e do trabalhador, o conceito de justa causa para efeitos de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador deve ser objecto de uma interpretação menos rigorosa que aquele que deve dispensar-se a esse mesmo conceito no âmbito da cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador e por despedimento com fundamento em comportamento culposo do trabalhador.
O conceito de justa causa deve ser apreciado de modo diferente nas situações de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com invocação de justa causa e de despedimento pelo empregador com igual invocação, pois na primeira dessas situações, ao contrário do que sucede nas segundas, não é necessário que a infracção do empregador torne prática e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho, bastando que seja grave e torne inexigível para o trabalhador a manutenção do seu contrato de trabalho (V. Ac. da Relação de Lisboa de 20/3/2013, proferido no âmbito do processo 174/11.5TTCLD.L1, consultável em CJ “on line” Refª 6738/2013).
Como refere José Eusébio Almeida “… a compreensão de justa causa de resolução (…) indica-nos um conceito de inexigibilidade, bem mais do que um de gravidade e de culpa, sem prejuízo de, tantas vezes, estes estarem ínsitos no primeiro ou serem – mormente a culpa – expressamente exigidos nos exemplos típicos (…)”, razão pela qual “… em rigor, não faz inteiro sentido remetermos para a cláusula relativa à justa causa do despedimento.” – cfr. A cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, pags. 557/558.
Passando a analisar de per si cada um dos fundamentos de resolução acima enunciados, diremos.
a) Relativamente à reclassificação nada há a dizer ou a adiantar porquanto como acima se demonstrou a autora não tem direito a qualquer reclassificação.
b) No que se refere ao atraso de pagamento da retribuição, entendemos ser de referir que falta de pagamento pontual da retribuição constitui motivo de resolução contratual por parte do trabalhador.
Todavia, apenas a falta culposa dá direito ao pagamento de uma indemnização (artº 394º nº 1 e 2 alínea a) e nº 3 al. c) do CT).
A falta de pagamento ou a falta de pagamento pontual não culposo, embora possa constituir justa causa de resolução, não confere direito à indemnização.
Quando a mora no pagamento se prolonga por mais de 60 dias, o incumprimento presume-se culposo (nº 5 do dito normativo), presunção esta que assume a característica de jure et de jure de acordo com acórdão desta Relação 923/11.TTLRA.C1, subscrito pelo ora relator como 1º adjunto, para o qual se remete para uma melhor fundamentação e que tem vindo a ser seguido por esta Relação, consultável em www.dgsi.pt/jtrc.
Neste sentido também se pronuncia Joana Vasconcelos em anotação ao artigo 394º in Cód. do Trabalho Anotado, 8ª edição – 2009 de Pedro Romano Martinez e outros, págª 1019 e 1020.
Se a mora não atingir os sessenta dias o incumprimento presume-se culposo juris tantum face ao disposto no artº 799º do C. Civil, ou seja, é permitido à empregadora devedora elidir a presunção, provando o contrário.
No caso comprovou-se que o R. nunca pagou o salário à A. no final do mês respectivo, além de que os valores pagos nunca eram iguais de um mês para o outro, sem que esta entendesse o motivo de tal situação e sempre que questionava tal facto na secretaria respondiam-lhe que era o que tinha direito (facto 10).
Embora os valores pagos variassem de mês para mês não está provado que esses montantes pagos não fossem os correctos ou os efectivamente devidos.
O que se provou foi que havia atrasos no pagamento dos salários mensais.
Contudo, desconhece-se, por não quantificado, o tempo de duração desses atrasos, sendo que era à autora que incumbia provar a duração desse tempo (da mora) de forma a que, provando-se a base da presunção, pudesse vir a beneficiar da presunção inilidível de culpa no não cumprimento atempado da respectiva obrigação de pagamento.
Seja como for, esses atrasos têm de se considerar culposos na medida em que a ré não logrou elidir a presunção de culpa resultante do disposto no artº 799º do Cód. Civil.
Como fundamento de resolução invocado na respectiva comunicação, consta também a falta de pagamento de diferenças salariais.
O tribunal a quo entendeu, sem qualquer tipo de impugnação nesta parte, que era de “reconhecer à autora o direito a perceber a remuneração correspondente a um horário completo (de 22 horas semanais) ao longo do período compreendido entre 1 de Setembro de 2016 Haverá lapso na referência ao ano de 2016 quando se quererá ter escrito 2015. e 22 de Junho de 2016, ascendendo o valor da diferença salarial mensal a 363,93€”.
Ou seja para além da falta de pagamento pontual, ocorreu também a falta de pagamento de parte da retribuição no montante referido.
À semelhança do que acontece com os atrasos no pagamento da retribuição também esta falta de pagamento, que se prolongou por 9 meses e 22 dias, deve considerar-se culposa, quer por se verificar a mora para além dos 60 dias a contar da data do vencimento da maior parte dos salários Vencimento que, à míngua de outros elementos, se deverá entender como ocorrendo no final de acda mês (artº278º nº 1 do CT). quer por falta de elisão por parte do réu da presunção de culpa que sobre si impende.
Resta, pois, saber se esses atrasos tornaram inexigível a continuação da relação laboral, o que se fará depois de analisar o último dos fundamentos em que a autora assentou a justa causa resolução contratual pois os fundamentos desta resolução devem ser analisados conjuntamente e não cada um per si.
c) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador.
Alega a autora, a este respeito, que a ré permitiu falta de urbanidade entre colegas, assédio moral, maus tratos, perseguições, entre outros comportamentos.
Com interesse para esta temática provou-se a seguinte matéria: “a autora envolveu-se numa discussão com um funcionário da secretaria, sendo que o R… réu, após ter tido conhecimento destes fatos, se recusou a “mediar” o conflito assim surgido entre a autora e este trabalhador” e “entre Novembro de 201 e até Junho de 2016, os funcionários da secretaria não lhe dirigiam palavra; as salas de aulas onde a A. iria leccionar estavam sempre fechadas obrigando-a a deslocar-se à secretaria, local onde a tratavam de modo antipático, sem a cumprimentarem, o que ocorria com conhecimento da entidade patronal”.
Independentemente de se saber se para se verificar o assédio é necessário estar presente o objectivo de afectar a vítima ou se basta que este resultado seja efeito do comportamento adoptado pelo assediante, podemos desde já adiantar que a matéria provada, e estando o assédio moral para além de situações de mero mau relacionamento, não implica a verificação por parte do réu de um comportamento real e manifestamente humilhante, vexatório e atentatório da dignidade da autora trabalhadora, gerador de um ambiente de trabalho degradante, intimidativo ou desestabilizador, passível de exercer pressão moral sobre a trabalhadora no sentido da obtenção de um resultado ilícito ou pelo menos eticamente reprovável.
Como se lê no sumário do Acórdão do STJ de 03.12.2014, disponível em www.dgsi.pt, citado na sentença recorrida: “I - O assédio moral implica comportamentos real e manifestamente humilhantes, vexatórios e atentatórios da dignidade do trabalhador, aos quais estão em regra associados mais dois elementos: certa duração; e determinadas consequências. II - De acordo com o disposto no art. 29.º, n.º 1, do CT, no assédio não tem de estar presente o “objectivo” de afectar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adoptado pelo “assediante”. III - Apesar de o legislador ter (deste modo) prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento, o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável”.
Ou como se lê no sumário do Acórdão da Relação de Évora de 13.07.2017, disponível em www.dgsi.pt, também citado na sentença recorrida: “(…) 4. O assédio moral caracteriza-se pelo carácter repetitivo dos comportamentos, pela permanência de um clima de hostilidade, e pelas consequências na saúde física e psíquica da vítima e sobre o seu emprego. 5. Em função da motivação da conduta, ocorrem duas modalidades de assédio moral: o assédio emocional/psicológico, em regra dirigido à obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (animus nocendi); e o assédio estratégico, que se reconduz a uma técnica perversa de gestão, dirigida a objectivos estratégicos definidos, utilizada como meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa e, por outro lado, como instrumento de alteração das relações de poder no local de trabalho ou para implementar determinados padrões de cultura empresarial e/ou de disciplina”.
Ora, no caso que nos ocupa, não vemos onde radique a obrigação do empregador em mediar o conflito gerado entre a autora e o funcionário da secretaria. Aliás desconhece-se em absoluto as razões da discussão, sendo até plausível que a mesma tenha acontecido por razões pessoais ou particulares, alheias ao serviço.
Por outro lado, desconhece-se também em absoluto quais as razões das salas de aula estavam sempre fechadas. Razões de segurança? Outras razões? Não sabemos.
Acresce que a empregadora não é obrigada a impor aos seus trabalhadores que cumprimentem ou dirijam palavra aos seus colegas ou que estes sejam simpáticos.
É verdade que a entidade deve fomentar o bom relacionamento entre os seus trabalhadores; mas se o não fomentar não quer dizer que haja uma atitude de assédio, longe disso.
Portanto, não violou a ré qualquer de garantia legal ou convencional do trabalhador que possa sustentar a justa causa de resolução.
Aqui chegados, cumpre saber se a falta de pagamento e o atraso no pagamento da retribuição, únicas causas que, das invocadas, poderão fundamentar a justa causa de resolução, tornaram inexigível a continuação do vínculo laboral:
A sentença entendeu que não, aduzindo a seguinte argumentação “…desde logo porque a relação laboral entre as partes se iniciou no ano de 2012 e a autora até muito perto da resolução do contrato não tinha reclamado da data em que os vencimentos lhe eram pagos, aceitando a prática do R… réu a este respeito, e gerindo por certo os seus rendimentos de acordo com essa prática. Mas também porque, como resultou da matéria de fato considerada provada, a autora lecionava noutra escola, pelo que a remuneração que recebia do R… réu não era a sua única fonte de rendimentos.
Donde, e na esteira dos considerandos acima tecidos, entende-se que os referidos atrasos no pagamento da retribuição não conduziram a uma inexigibilidade da manutenção da relação contratual, pelo que não se reconhece à autora o direito a resolver o contrato de trabalho com justa causa com tal fundamento.
Impõe-se ainda apreciar, como fundamento da resolução do contrato de trabalho por parte da autora, a falta de pagamento das diferenças salariais entre o salário auferido pela autora e o que auferiria a tempo completo – que também foi invocado pela autora na carta de resolução enviada à ré.
Ora, a este respeito, chegou-se já à conclusão, nos termos acima melhor explanados, que é de reconhecer à autora o direito a perceber a remuneração correspondente a um horário completo (de 22 horas semanais) ao longo do período compreendido entre 1 de Setembro de 2016 e 22 de Junho de 2016, ascendendo o valor da diferença salarial mensal a 363,93€.
Ora, retomando o que acima se disse acerca da inexigibilidade da manutenção da relação contratual, entende-se que também a falta de pagamento das diferenças salariais reclamadas não confere à autora o direito de resolver justificadamente o contrato, isto porque, até à data da resolução do contrato a autora nunca tal tinha reclamado (apenas reclamando na carta junta a fls. 16 verso e 17 o pagamento de 16 horas semanais, por não ter acordado qualquer redução do horário).
Acompanhando aqui o decidido no acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Março de 2016, disponível em www.dgis.pt, proferido em processo que correu termos neste juízo, embora se aceite que a trabalhadora tivesse direito a receber as diferenças salariais reclamadas, o certo é que a mesma sempre foi recebendo quantias que lhe permitiam gerir a sua vida e satisfazer as suas necessidades e não obstante o descontentamento por não lhe ser pago tudo aquilo a que tinha direito, o certo é que nunca reclamou qualquer pagamento a este título até à data da resolução do contrato.
Por conseguinte, entende-se que o concreto incumprimento contratual por parte do empregador, no que respeita às diferenças salariais em causa, não foi de tal forma grave que tenha tornado impossível a manutenção da relação laboral, não se reconhecendo por isso à autora o direito a resolver o contrato de trabalho com justa causa com tal fundamento”.
Concordamos com a sentença quando nela se afirma que a autora, pelo menos tacitamente, aceitava que o seu salário não fosse pago pontualmente.
Contudo, esta prática era reiterada ou persistente na medida em que nunca a ré pagou o salário no final do mês respectivo.
Era como se essa prática estivesse instituída na ré; e, note-se, estamos a falar do salário base e não de um qualquer complemento salarial.
Por outro lado, durante quase dez meses esteve a A. sem receber o equivalente a quase metade do seu salário. Recorde-se que recebia mensalmente € 779, 85, tendo deixado de receber durante aquele período o total de € 3.542,25, quantia esta com relevância em qualquer economia familiar.
Perante os factos provados, não podemos deixar de considerar que os incumprimentos em causa assumem uma gravidade que, no nosso entender, tornou inexigível a subsistência da relação laboral.
Estamos perante um incumprimento reiterado, que perdurou durante 9 meses e 22 dias, traduzido no não pagamento de parte do valor mensal (€ 363,93) do salário base no total de € 3.542,25.
Como se escreveu no Ac. desta Relação de 24.09.15, procº 355/14.0TTCBR.C1 [Relator: Ramalho Pinto], que reflecte a posição que esta Relação de forma uniforme tem vindo a seguir na matéria “… a permanência do incumprimento salarial é um das formas mais graves de incumprimento no contrato de trabalho, atendendo à dependência, na esmagadora maioria dos casos, para a sobrevivência do trabalhador, dos rendimentos de trabalho.
A retribuição ou salário representa para o trabalhador o seu principal senão mesmo único meio de subsistência, bem como do seu agregado familiar, sem o qual, a maior parte das vezes, não pode ter uma existência condigna. “O salário, se é certo que se não confunde com o direito à vida, traduz-se, porém, numa das suas mais significativas exigências, podendo dizer-se que constitui uma necessidade vital do trabalhador e respectiva família”, escreveu o Prof. Jorge Leite, citado no Ac. da Rel. de Lisboa de 3/10/2007 (…), disponível em www.dgsi.pt.
Na verdade, o salário ou retribuição do trabalho assume uma importância tal do ponto de vista económico e social para o trabalhador que mereceu da parte do legislador uma especial protecção, atribuindo-lhe não só a dignidade de direito fundamental (artº 59º, nº 1, al. a), da C.R.P.), como também pela circunstância de não ter deixado de criar para o próprio Estado a obrigação de o assegurar (artº 59º, nº 2, da C.R.P.).
A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 (aprovada sob a forma de resolução da Assembleia Geral) lhe reconhece o estatuto de Direito do Homem, ao consignar no respectivo artº 23º, nº 3, que “Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana (…)”.
Como se afirma no Ac. desta Relação proferido no processo 468/13.5TTVIS.C1 (Relator Azevedo Mendes), “considerando a natureza alimentícia do salário, essencial para a organização das necessidades mais básicas do trabalhador, a falta culposa e consecutiva do pagamento desse número de salários é excessiva e não pode deixar de considerar-se grave e apta a tornar imediatamente impossível a continuação do vínculo laboral. Os factos revelam uma situação crónica de remunerações em atraso. Um trabalhador não pode estar sujeito de forma persistente ao não recebimento pontual das remunerações de trabalho. A persistência no incumprimento é apta a causar danos sérios à segurança da sua subsistência e a uma vida digna”.
No caso em apreciação, como já dissemos, estamos perante um incumprimento reiterado, que perdurou durante 9 meses e 22 dias, traduzido no não pagamento de parte do valor mensal (€ 363,93) do salário base no total de € 3.542,25 a que acresce uma situação crónica de não pagamento atempado da retribuição.
É certo que a autora leccionava noutra escola, pelo que a remuneração que recebia do réu não seria a sua única fonte de rendimentos.
Mas não sendo a única fonte de rendimentos, desconhece-se que valor auferia ao serviço da outra escola.
Seja como for, não se pode olvidar que, culposamente a ré não pagava atempadamente os salários e que o não pagamento mensal, também culposo, de € 363,93 tem necessariamente de ter uma forte influência na situação económica da autora considerando o valor que recebia (€ 779, 85).
Daí que, salvo melhor opinião, a continuação da relação de trabalho se tenha tornado inexigível para a autora, pelo que tinha esta fundamento para resolver com justa causa o contrato de trabalho.
Na sentença é chamado à colação o decidido por esta Relação no Ac. de 10.03.16 procº 250/13.0TTCTB.C1 em cujo sumário elaborado pela Relatora Paula do Paço. Adjuntos: Ramalho Pinto e Azevedo Mendes se lê que : “o não pagamento da retribuição relativa à cláusula 74ª/7 nos montantes legais do integral subsídio de férias e do trabalho suplementar prestado em dias de descanso, durante cerca de 3 anos e oito meses, sem reclamação do trabalhador e sem estar em causa a sobrevivência ou satisfação das necessidades do trabalhador e do seu agregado familiar, não torna impossível a manutenção da relação laboral, pelo que não se verifica justa causa de resolução do contrato de trabalho, com fundamento na omissão de pagamento de tais créditos”.
Foi com base no decidido neste aresto que a 1ª instância decidiu pela não verificação da inexigibilidade da relação laboral.
Ora, no caso deste acórdão, encontra-se em causa não a falta de pagamento do salário base mas de um complemento salarial (a conhecidíssima Clª 74ª) que embora faça parte da retribuição não constitui o seu cerne.
Por outro lado, não está apenas em causa nos presentes autos a falta de pagamento mas também uma crónica falta de pagamento pontual da retribuição.
Neste quadro, como dissemos, entendemos que a continuação da relação de trabalho se tornou inexigível para a autora
Estabelecida a existência de justa causa para a resolução do contrato por parte da Autora, há que fixar a indemnização correspondente.
Dispõe o artº 396º do CT, nos seus nºs 1 e 2:
“1 – Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
2 – No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente”.
Estamos perante o não pagamento pontual de 44 salários e perante a falta de pagamento de 9 salários no montante devido (menos € 363,93/mês), sendo culposa, em ambas a situações, a conduta da apelada. A ilicitude do comportamento da Ré deve considerar-se dentro de um nível médio, não diminuto; e o valor da retribuição, à data da resolução (€ 1143,77 Salário devido por um horário completo de 22 horas semanais.), equivale, também com referência a essa data a dois SMN.
Assim sendo, parece-nos adequado fixar a indemnização em 30 dias de retribuição por cada ano/fracção de antiguidade.
Como a autora foi admitida ao serviço da ré em 01.09.12, cessando o contrato de trabalho em 21.06.2016, para efeitos do cálculo da indemnização por resolução lícita há que considerar a antiguidade de 3 anos, 8 meses e 21 dias.
A indemnização ascende, assim, a € 4.260,51.

Dos danos não patrimoniais:
A propósito desta questão provou-se que muito custou à A. ter de se despedir de um trabalho que a realizava profissionalmente e como pessoa; a A. foi acometida por insónias e regulares dores de cabeça desse Outubro de 2015, face à atitude dos colegas e à passividade da R. a que se acrescenta a apreensão e angústia pelas dificuldades futuras no mercado de trabalho que provocam preocupação na A., face aos inúmeros encargos familiares, nomeadamente com empréstimos bancários, seguros, carros, alimentação”.(factos 17 a 19)
Como se sabe para que haja lugar à reparação por danos não patrimoniais é necessário entre outros, que esses danos tenham origem ou tenham sido provocados por uma conduta ilícita e culposa do lesante.
A autora atribui a verificação dos alegados danos não patrimoniais por si sofridos à atitude dos colegas e à passividade da ré.
Ora, como vimos, esta atitude e esta passividade não comportam qualquer ilicitude nem são passíveis de censura jurídica.
Daí que sempre inexistiria obrigação de indemnizar decorrente da eventual verificação de danos que pudessem resultar dessa conduta ou comportamento.
Para além disso, a autora não atribui a verificação dos danos à falta ou ao atraso no pagamento da retribuição.
Por último, acresce, conforme se refere na sentença que “as preocupações e angústias sentidas pela autora, são os sentimentos que se verificam em situações idênticas, não indo para além do que acontece em situações similares, não sendo por isso bastantes para fundamentar uma condenação em indemnização por danos não patrimoniais”.
Ou seja, não são danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, por isso, não são indemnizáveis conforme decidiu a 1ª instância.
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VI Termos em que se acorda em julgar a apelação parcialmente procedente em função do que se de decide:
a) Ter a autora resolvido licitamente o seu contrato de trabalho, indo o réu condenado a pagar à autora a quantia de € 4.260,51 (quatro mil duzentos e sessenta euro e cinquenta e um cêntimos) a título de indemnização.
b) Manter, no mais, a sentença impugnada.
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Custas a cargo da recorrente e do recorrido em partes iguais.
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Coimbra, 12 de Abril de 2018
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(Joaquim José Felizardo Paiva)
(Jorge Manuel da Silva Loureiro)
(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)