Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
83/09.8T3ALB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: FUNDAMENTO DE FACTO
SENTENÇA
DEPOIMENTO DE PARTE
ACÇÃO CÍVEL
CASO JULGADO
PROCESSO PENAL
Data do Acordão: 12/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA (JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE ALBERGARIA-A-VELHA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 355.º, 356.º E 357.º, DO CPP
Sumário: I - Os fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial, razão pela qual nunca podem ser transpostos da acção cível para o processo penal.

II - O depoimento de parte prestado, em julgamento, no domínio de acção cível, por que não se enquadra em nenhuma das excepções do art. 356.º do CPP, e estando também afastada, obviamente, a aplicabilidade do art. 357.º do mesmo diploma, não pode ser considerado e valorado no âmbito de processo de natureza penal.

III - Entendimento contrário afrontaria os princípios basilares norteadores do processo penal, como sejam o da imediação e o do contraditório, na dimensão do direito à confrontação das fontes da prova, de efectiva inquirição cruzada - contra inquirição.

Decisão Texto Integral: Acordam, os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1 - Em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o Ministério Público acusou:
A... , filha de (...) e (...), natural da freguesia da Branca, Albergaria-a-Velha, nascida a 22/3/53, casada, doméstica, residente na Rua (...), Branca;
B... , filho de (...) e de (...), natural de Oliveira de Azeméis, nascido a 4/7/1946, casado, reformado, residente na Rua (...), Branca;
C... , filho de B... e de A..., natural de França, nascido a 5/5/1972, solteiro, serralheiro mecânico e civil;
D... , filha de B... e de A..., natural de França, nascida a 6/4/1976, casada, auxiliar de acção educativa, residente na Rua (...), Branca;
E... , filho de (...)e de (...), natural da freguesia da Branca, concelho de Albergaria-a-Velha, nascido a 10/5/1974, casado, mecânico, residente na Rua (...), Albergaria-a-Nova;
Imputando-lhes:
- aos arguidos B... e A... a prática, em co-autoria e em concurso real, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), por referência ao art.º 202º, al. a), todos do Código Penal, em co-autoria com os arguidos C..., D... e E...; de um crime de falsificação de documento, p. e p pelos art.º 256º, n.º 1, al. a) e 3, em co-autoria com os demais arguidos, e um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art.º 227º-A, n.º 1, todos do Código Penal.
- aos arguidos C..., D... e E... a prática, em co-autoria, e em concurso real, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), por referência ao art.º 202º, al. a), todos do Código Penal, em co-autoria com os arguidos B... e A...; de um crime de falsificação de documento, p. e p pelos art.º 256º, n.º 1, al. a) e 3, em co-autoria com os demais arguidos, e um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art.º 227º-A, n.º 1, todos do Código Penal.
2 - A assistente, F....deduziu contra os arguidos, pedido de indemnização civil, no qual pede a condenação daqueles a pagarem-lhe, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, as quantias de, respectivamente, de € 24.734,37 e € 900,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
3 - Após realização da audiência de julgamento, foi proferido Sentença que decidiu da forma que, a seguir se transcreve:
«Face ao exposto, o Tribunal julga a acusação totalmente improcedente e, em consequência, absolve:
A) a arguida A..., da prática, em co-autoria e em concurso real, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), por referência ao art.º 202º, al. a), todos do Código Penal, em co-autoria com os arguidos C..., D... e E..., de um crime de falsificação de documento, p. e p pelos art.º 256º, n.º 1, al. a) e 3, em co-autoria com os demais arguidos, e de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art.º 227º-A, n.º 1, todos do Código Penal.
B) o arguido B..., da prática, em co-autoria e em concurso real, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), por referência ao art.º 202º, al. a), todos do Código Penal, em co-autoria com os arguidos C..., D... e E..., de um crime de falsificação de documento, p. e p pelos art.º 256º, n.º 1, al. a) e 3, em co-autoria com os demais arguidos, e de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art.º 227º-A, n.º 1, todos do Código Penal.
C) o arguido C..., da prática, em co-autoria, e em concurso real, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), por referência ao art.º 202º, al. a), todos do Código Penal, em co-autoria com os arguidos B... e A..., de um crime de falsificação de documento, p. e p pelos art.º 256º, n.º 1, al. a) e 3, em co-autoria com os demais arguidos, e de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art.º 227º-A, n.º 1, todos do Código Penal.
D) a arguida D..., da prática, em co-autoria, e em concurso real, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), por referência ao art.º 202º, al. a), todos do Código Penal, em co-autoria com os arguidos B... e A..., de um crime de falsificação de documento, p. e p pelos art.º 256º, n.º 1, al. a) e 3, em co-autoria com os demais arguidos, e de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art.º 227º-A, n.º 1, todos do Código Penal.
E) o arguido E..., da prática, em co-autoria, e em concurso real, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), por referência ao art.º 202º, al. a), todos do Código Penal, em co-autoria com os arguidos B... e A..., de um crime de falsificação de documento, p. e p pelos art.º 256º, n.º 1, al. a) e 3, em co-autoria com os demais arguidos, e de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art.º 227º-A, n.º 1, todos do Código Penal.
*
Condeno ainda a assistente no pagamento das custas e respectivos encargos nos termos dos art.ºs 515º, n.º 1, al. a) e 518º do Código de Processo Penal e art.ºs 8º, 16º e 24º do Reg. das Custas Processuais, e cuja taxa de justiça se fixa em 3 UCs.
*
 Julgo totalmente improcedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante F..., e absolvo os arguidos/demandados do pedido.
Custas cíveis a cargo da assistente/demandante, nos termos do art.º 446º do CPC».
3 - Inconformada esta decisão, dela interpõe Recurso, a Assistente, F..., sintetizando as suas alegações, nas seguintes conclusões:
. A Assistente considera que os pontos a); c); d); e); f); g); h); i); j); l) e m) dos factos dados como não provados foram incorrectamente julgados, havendo erro na apreciação da prova.
2ª. Quanto aos pontos a) e c) dos factos dados como não provados, deveriam os mesmos ter sido dados como provados com base na prova documental, desde logo, a sentença proferida pelo 2º Juízo do Tribunal de Albergaria-a-Velha, no âmbito do processo ordinário nº. 774/04.0TBALB (fls. 427 a 435), onde consta que os ali autores alegaram na petição inicial que detêm um crédito sobre os Réus A... e B... no valor de €24.734,37 e que tais Réus (aqui Arguidos) alienaram todo o património imobiliário, doando-o aos seus filhos, de modo a tornarem impossível a cobrança daquele crédito. Os Réus na contestação (fls. 968 e ss.) sustentaram que a doação visou ressarcir os donatários ( C... e D...) pelos pagamentos que estes fizeram aos vários credores do casal doador ( B... e A...) e a final foi proferida sentença a qual deu como provado, entre outras coisas, que os Autores instauraram contra os Réus ( B... e A...), em 20/10/1999, acção pedindo que estes fossem condenados no pagamento da quantia de Esc. 3.690.000$00, bem como dos juros de mora desde a citação até integral pagamento; no decurso desta acção, mais concretamente em 09/01/2002, os Réus celebraram escritura de doação em que doaram aos filhos C... e D..., com reserva do direito de usufruto, e estes declararam aceitar a doação, do prédio misto sito no Vale de Égua, Mundo Novo, freguesia da Branca, concelho de Albergaria-a-Velha, composto de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, logradouro, quintal e pinhal, inscrito na matriz urbana sob o nº. (...) e na matriz rústica sob o art. (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob o número 05542 e a escritura de doação teve como único propósito salvaguardar o prédio supra identificado de qualquer penhora e venda em processo de execução, e assim prejudicar o pagamento do crédito dos autores sobre os primeiros Réus ( B... e A...).
3ª. Com base nesta sentença transitada em julgado (nomeadamente os pontos 1, 2, 3 e 7 dos factos dados como provados) e na ata de audiência de julgamento de 21/03/2006 (fls. 121 a 124 dos autos – nomeadamente a assentada do Réu G..., marido da Arguida D..., que confessa que a escritura de doação teve como propósito garantir que os Arguidos B... e A... não ficassem sem casa e sem o terreno, por causa das dívidas que tinham), deveria o Tribunal “a quo” ter extraído a conclusão de que a doação foi um negócio acordado entre os Réus ( G..., B..., A..., C... e D...) com o intuito de impossibilitar o credor de obter a satisfação do seu crédito. Ou seja, os Arguidos B..., A..., D... e C... verdadeiramente não queriam celebrar uma doação, apenas evitar um mal que se avizinhava, a condenação no pagamento da quantia peticionada contra o Arguido B... e A....
4ª. O facto de os Arguidos B... e A... reservarem o direito de usufruto sobre o prédio doado, não pode ser encarado como estranho para quem tem a intenção de eximir-se do cumprimento das suas obrigações pecuniárias, isto porque as regras de experiência comum, ensinam-nos que quando o doador não tem efectivamente vontade em fazer uma doação ou tem receio do futuro e, sendo o mesmo prudente e precavido, reserva para si o direito ao usufruto sobre o prédio doado, isto para evitar que após a doação o donatário possa impedir o doador de ocupar o imóvel, gozando-o de forma plena e exclusiva. Para além disso, também é do senso comum que é extremamente difícil ou até mesmo impossível a venda do usufruto (e tenha-se em conta, no nosso caso, que os usufrutuários não são pessoas no início da juventude, pois o Arguido B... nasceu em 04/07/1976 – 66 anos e a Arguida A... nasceu em 22/03/1953 – 59 anos). Daí que, como decorre dos autos (fls. 475 e 476) o usufruto foi efectivamente penhorado em 16/11/2004, todavia até à presente data (Janeiro de 2013) não foi conseguida a venda do mesmo. E esta situação pelos Arguidos B... e A..., face à experiência de vida que têm e ao facto de à data da doação (09/01/2002) estarem a ser acompanhados por Advogado (no âmbito da Acção 774/04.0TBALB), era espectável. Ou seja, o facto de reservarem para si o direito de usufruto, o qual podia ser penhorado, mas com grande certeza, na prática nada significaria, pois a venda do usufruto é de difícil concretização.
5ª. Para além da prova documental, o Tribunal “a quo” podia e devia atender à prova testemunhal, nomeadamente as declarações da Assistente F..., a quem foi atribuída credibilidade e cujas declarações se encontram gravadas, através do sistema digital conforme acta da audiência de Julgamento de 25/10/2012, com início a 00:00:01 a 00:27:28 (10:55:10 a 11:22:38) e demonstrou conhecimento directo dos factos, corroborou a prova documental junta aos autos e referiu as consequências psicológicas para aquela e para o seu falecido marido, em virtude dos factos em discussão, referiu de forma clara e credível que no decurso da Acção judicial, na qual reclamava-se o pagamento de um determinado montante, os ali Réus e aqui Arguidos A... e B... doaram aos filhos C... e D... a sua casa de habitação. 
6ª. Assim, tendo em conta a prova documental e testemunhal supra referida, outra devia ter sido a decisão e, por conseguinte devia o Tribunal “a quo” ter considerado que existe prova bastante nos Autos para dar como provado que de facto não realizaram qualquer doação, pretendendo apenas que o H... e F...não conseguissem obter a cobrança do crédito que alegavam ter” e para dar como provado que  “Que num anexo ao requerimento executivo, o arguido E... tivesse nomeado à penhora o prédio objecto da simulada doação, que deu origem à acção de impugnação pauliana, onde aquele tinha sido testemunha” (pontos a) e c) dos factos dados como não provados).
7ª. Quanto aos pontos d), e), f), g) a m) dos factos dados como não provados, consideramos que o Tribunal “a quo” não apreciou devidamente a prova documental existente nos autos, que permite tirar conclusões importantes. O Arguido E... foi testemunha no processo de impugnação pauliana nº. 774/04.0TBALB (fls. 120), prestando depoimento como testemunha no dia 21/03/2006; no decurso da sua inquirição, isto é, em momento posterior à data da alegada emissão da letra no montante de €12.550,00, constante de fls. 462 dos Autos (5/01/2006) e anterior data de vencimento da mesma (05/07/2006), o Arguido E... ao contrário das demais testemunhas arroladas pelos Arguidos, não refere que emprestou dinheiro aos Arguidos. Ora, a ser verdade a existência de um mútuo de €12.550,00 por parte do Arguido E... aos demais Arguidos, dívida essa titulada por uma letra com data de emissão 5 de Janeiro de 2006, seria segundo as regras de experiência comum normal, que o Arguido E..., como as demais testemunhas inquiridas, aquando da sua inquirição referisse, que havia emprestado dinheiro aos Arguidos, o qual ainda não havia sido devolvido e não que prestasse um depoimento vago, superficial, sem conhecimento concreto das dívidas existentes e da situação económica dos mesmos.
8ª. Não concordamos com o raciocínio do Tribunal “a quo”, que considera que sendo a data de emissão da letra anterior à prolação da sentença de 1ª instância da acção pauliana, isso permite concluir que aquando da sua subscrição os seus intervenientes desconheciam o desfecho da mesma. Ora tal raciocínio parte de premissas erradas. Em que prova se baseia o Tribunal “a quo” para concluir que a letra foi efectivamente subscrita em 5/01/2006? Apenas por constar da letra tal data? Não nos parece correcto.
9ª. Não nos oferece dúvidas que esta alegada dívida foi criada para a circunstância após ser proferida a sentença de 1ª Instância da Acção de Impugnação Pauliana, a qual foi proferida a 30/05/2006 (fls. 435 e facto dado como provado no ponto 10) e notificada às partes em 6/07/2006 (facto dado como provado no ponto 11), sendo que todos os Arguidos sabiam que corria a acção de impugnação pauliana que tinha declarado a doação realizada pelos Arguidos A... e B... ineficaz em relação a H... e F..., por sentença proferida em 30 de Maio de 2006 (facto dado como provado no ponto 18). Em 29/07/2006, o Arguido E... diligenciou pela outorga de procuração forense à ilustre mandatária I... e em 31/07/2006, a mandatária do Arguido E... dá entrada no Tribunal do requerimento executivo (facto dado como provado no ponto 12), onde indica à penhora apenas o prédio misto sito no Mundo Novo, Branca, Albergaria-a-Velha, prédio esse em causa na Acção de Impugnação Pauliana (fls. 128 a 130). Em 7/09/2006 os Arguidos A..., B..., D... e C... e o Réu G..., apresentaram as suas alegações do recurso (fls. 439), posteriormente e face a um despacho proferido na Acção de Impugnação Pauliana que julgou improcedente a nulidade arguida pelos aqui Arguidos e consequentemente, indeferiu a repetição do julgamento, os Arguidos A..., B..., D... e C... e o Réu G..., interpuseram recurso de agravo (fls. 441).
10ª. Se é verdade que numa primeira fase, nomeadamente de 04/10/2006 até 13/08/2007, o Arguido E... não procedia ao pagamento das provisões à então Solicitadora de Execução, tal não sucede numa segunda fase que se situa a partir de 13/08/2007 (data em que é penhorado a favor do Arguido E..., no âmbito do processo 744/09.3TBALB, o prédio indicado à penhora e em discussão na Acção de impugnação Pauliana como era sobejamente sabido pelo Arguido E... (fls. 152 e 153). Mas este interregno numa primeira fase da execução do Arguido E... tem a nosso ver uma explicação, a qual se prende com o facto da sentença da Acção de Impugnação Pauliana ter sido proferida em 30/05/2006, a qual foi notificada às partes em 06/07/2006, em 31/07/2006 o Arguido E... dá entrada ao requerimento executivo, sucede porem que os Arguidos B..., A..., D... e C... apresentaram alegações em 07/09/2006, reagindo por isso à sentença de 1ª instância e o processo fica a aguardar que seja proferido Acórdão apenas em 13/11/2007 (pelo Tribunal da Relação de Coimbra de fls.437 a 459 e corresponde ao facto dado como provado no ponto 11), isto é, mais de um ano. Ou seja, todos os arguidos sabiam que tinham bastante tempo até que o Acórdão do Tribunal da Relação fosse proferido, o que efectivamente veio a suceder e se de facto o mesmo julgasse procedente o recurso interposto pelos Arguidos isso implicaria a desnecessidade de manter a dívida fictícia e de proceder à venda do imóvel penhorado.
11ª. Mas se atendermos à segunda fase de tal execução, verificamos a celeridade, pois escassos dias depois de proferido o Acórdão (13/11/2007), mais precisamente em 19/11/2007, o Arguido E... requereu no âmbito da sua execução, a venda do bem penhorado por negociação particular, se não houvesse oposição dos demais Arguidos, o que não se verificou (fls. 154 e facto dado como provado no ponto 14) – faça-se aqui um parêntesis para referir que tal procedimento não corresponde à normal tramitação do processo executivo, por força do art. 904º do Código de Processo Civil, dado que a situação em causa não preenchia qualquer alínea de tal normativo legal o que, aliado às regras de experiência comum e à situação em concreto, permite, salvo melhor opinião, depreender a urgência na realização da venda por parte do Arguido E..., pois o mesmo já era conhecedor do teor do Acórdão da Relação, o qual julgou improcedente o recurso de agravo e o recurso de apelação dos demais Arguidos.
12ª. Em 13/12/2007, a ilustre mandatária do Arguido E... requer à Sr. Solicitadora de Execução a adjudicação para o seu constituinte do imóvel penhorado pelo valor de €30.000,00 (valor este muito inferior ao valor real do imóvel -€100.000,00, mesmo considerando o ónus de usufruto) com dispensa do depósito do preço e pede que tal adjudicação seja realizada “com a maior brevidade possível” (fls. 155 e 156). Se a Execução correspondesse à verdade, assentando numa dívida real, seria normal que os Arguidos A..., B..., C... e D... reagissem ao valor da venda do imóvel penhorado, o que não aconteceu.
13ª. Em 8/04/2008, foi realizada a diligência de abertura de propostas no âmbito da execução nº. 744/06.3TBALB, em que é Exequente o Arguido E... (fls. 883). No seguimento de tal diligência, o Arguido E..., em 15/04/2008 envia um fax para o Tribunal, no âmbito de tal execução, no qual refere, entre outras coisas, que face à adjudicação para si do imóvel penhorado pelo montante de €30.000,00, requer a dispensa do depósito de montante superior a €17.450,00. Para além disso, o Arguido E... refere em tal fax que: “logo após a diligência do dia 08 de Abril de 2008, foi confrontado pelos executados, que alegando dificuldades financeiras, teriam urgência em recepcionar aquele apontado diferencial, e lhe solicitaram se seria possível a entrega directa e imediata e urgente de tal montante” e “que se digne autorizar o exequente a entrega do referido montante directamente aos executados, sem prejuízo das custas da Solicitadora de Execução. Protestando o exequente documentar nos autos e de seguida tal pagamento, montante directamente aos executados” (fls. 158 e 159) e espantosamente no dia seguinte, isto é, em 16/04/2008, de forma sincronizada (e não mera coincidência), surgem os Arguidos C... e D... a juntar aos autos, o requerimento de fls. 160, no qual referem que em face da adjudicação ao Arguido E... da casa precisarão de lugar alternativo onde possam viver, carecendo de meios financeiros para o efeito. Referem ainda que sempre ali viveram e que dada a urgência em procurar alternativas para a sua residência solicitaram ao Arguido E... que lhes fizesse a entrega directa do montante devido de €17.450,00, o qual aceitou.
14ª. Não atendeu o Tribunal “a quo” ao facto da Arguida D..., desde pelo menos Outubro de 2004 viver com o marido e o filho em Nobrijo, Branca (situação que se mantém inalterada pelo menos até 25/10/2012 – fls. 822) e não com os pais e o irmão, isto é, A..., B... e C... na casa que foi alvo da doação, a qual situa-se no Mundo Novo, Branca (veja-se o requerimento de protecção jurídica junto pela mesma no processo nº. 774/04.0TBALB – fls. 986 a 989 dos presentes autos). Logo, não corresponde à verdade que a Arguida vivesse naquela casa e que em face da adjudicação tivesse necessidade de arranjar uma nova casa para morar. Quanto ao Arguido C..., o mesmo conforme decorre das declarações prestadas na audiência de julgamento (ata de audiência de julgamento de 25/10/2012 – fls. 820 a 822), sempre viveu com os pais ( A... e B...) na casa em questão. Assim, fácil é de concluir que os Arguidos D..., C..., A... e B... mancomunados com o Arguido E... procuraram arranjar uma razão falsa que permitisse que o alegado pagamento (que nunca existiu) fosse feito directamente, sem passar pela Agente de Execução.
15ª. E não se entenda, como fez o Tribunal “a quo” que a adjudicação do imóvel penhorado (nua propriedade) ao Arguido E... não altera a posição processual da Assistente, pelo facto desta manter o direito de usufruto sobre tal bem, pois altera drasticamente, dado que se não tivesse ocorrido esta adjudicação fictícia, a Assistente tinha direito a ver restituído tal imóvel, na medida do necessário para a cobrança total do seu crédito, isto é, podia-o vender para ser paga do montante em que os Arguidos A... e B... foram condenados por sentença transitada em julgado (fls. 488 a 519).
16ª.Embora seja verdade que para além do usufruto os Arguidos têm outros bens, nomeadamente ¼ indiviso de um prédio urbano destinado a habitação, com quintal sito em Lações de Baixo, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 2462, da freguesia de Oliveira de Azeméis e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº. 3046, cuja oferta maior foi no valor de €1.125,00 (fls. 860 verso e fls. 958) e 2 Veículos automóveis vendidos por €50,00 (fls. 963 e 964 e fls. 965 e 966), não são os mesmos suficientes para solver o crédito que a Assistente detêm.
17ª. Para além de toda esta vasta prova documental, deveria o Tribunal “a quo” ter atendido à prova testemunhal, nomeadamente às declarações da Assistente F..., cujas declarações se encontram gravadas, através do sistema digital conforme acta da audiência de Julgamento de 25/10/2012, com início a 00:00:01 a 00:27:28 (10:55:10 a 11:22:38) que de forma clara, coerente e espontânea referiu que a alegada dívida entre os Arguidos foi inventada, pois na data da audiência de julgamento (21/03/2006) o E..., o qual é primo dos Arguidos B... e A..., referiu que os Arguidos B..., A..., C... e D... não lhe deviam dinheiro (tenhamos em atenção que a letra tem como data de emissão 5 de Janeiro de 2006 e vencimento em 5 de Julho de 2006, logo a haver algum empréstimo, aquando da audiência de julgamento o E... referiria tal facto, como aconteceu com as demais testemunhas que referiram que emprestaram dinheiro) e a inquirição da testemunha J...., cujas declarações se encontram gravadas, através do sistema digital conforme acta da audiência de Julgamento de 25/10/2012, com início a 00:00:01 a 01:10:28 (11:23:49 a 11:34:17), a qual referiu que por viver na mesma freguesia dos Arguidos, manifesta uma certeza – para si o que os Arguidos fizeram foi uma falcatrua - “foge daqui, foge dali” para não pagarem à Assistente, pois a casa onde os mesmos habitam é vista, por todos, como sendo deles.
18ª. Se esta análise tivesse sido feita com base nas regras de experiência comum, facilmente podia o Tribunal “a quo” concluir que há prova nos autos que permite dar como provados os pontos  d); e); f); g); h); i); j); l) e m) dos factos dados como não provados.
19ª. Apreciada na globalidade a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, e fazendo apelo às regras da experiência comum e aos critérios da lógica e da normalidade da vida, dela resulta que o tribunal “a quo” violou as regras da experiência comum e da lógica na apreciação que fez das provas (testemunhal e documental) – erro notório na apreciação da prova – art. 410º nº. 2 alínea c) do Código de Processo Penal, logo a 2ª. Instância pode alterar o decidido pelo Tribunal “a quo” (1ª. Instância), pois as provas indicadas anteriormente impõem decisão diversa da proferida (art. 412º nº. 3 alínea b) do Código de Processo Penal).
20ª. Da prova produzida, resulta evidente que os Arguidos praticaram os actos que lhe são imputados na acusação pública e, portanto, incorreram nos crimes de que vêm acusados, tendo causado à Assistente danos patrimoniais e danos não patrimoniais graves, e por tal motivo deveria ter sido fixada uma indemnização a favor da Assistente/Demandante. Ao decidir nos termos constantes da Sentença em recurso, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artºs. 127º do Código de Processo Penal, 217º nº. 1 e 218º nº. 2 al. a) do Código Penal, por referência ao art. 202º al. a) todos do Código Penal, art. 256º nº. 1 al. a) e nº. 3 do Código Penal, 227º-A nº. 1 do Código Penal e art. 496º nº. 1 do Código Civil.
4 – A arguida A... respondeu à Motivação de Recurso, como consta a fls. 1208 a 1225,  pugnando pela sua improcedência.
5 – De igual modo, o Digno Procurador Adjunto, junto do  Juízo de Instância Criminal de Albergaria-A-Velha da Comarca do Baixo Vouga, na Resposta de fls. 1 162 a 1170, defende a manutenção da sentença recorrida.   
6 - O Digno Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, no parecer de fls. 1251 e 1252, conclui, também, pela improcedência do Recurso.
7 - Admitido o recurso na forma e com o efeito devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – MATÉRIA A DECIDIR
Sabido que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões sintetizadas pela Recorrente nas suas Conclusões, são duas as questões a decidir:
- Saber se a sentença enferma de erro notório na apreciação da prova, para efeitos do disposto no art. 410º, nº2, al. c) do Código de Processo Penal;
- Alteração da matéria de facto


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida elaborou a Fundamentação de Facto da seguinte forma:
Factos provados
1) Em 20 de Outubro de 1999, H... e a esposa, F..., L.... e a esposa, M... , propuseram uma acção no Tribunal Judicial de Albergaria-a-Velha, contra os arguidos A... e B..., reclamando o pagamento da quantia de 3.690.000$00 (três milhões, seiscentos e noventa mil escudos), bem como os juros que se viessem a vencer, à taxa legal supletiva, contados desde a citação até integral pagamento do pedido.
2) No decurso da referida acção, em 9 de Janeiro de 2002, os arguidos B..., A..., C... e D... deslocaram-se ao Cartório Notarial de Albergaria-a-Velha, onde os dois primeiros arguidos declararam: “Que doam, por conta da legítima e com reserva para si do direito de usufruto, aos segundos outorgantes, seus filhos, um prédio misto, situado no Vale de Égua – Mundo Novo, freguesia da Branca, deste concelho de Albergaria-a-Velha, composto de casa de habitação de rés do chão e primeiro andar, logradouro, quintal e pinhal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (...) e na matriz predial rústica sob o artigo (...), com o valor patrimonial global de € 2838,25, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob o número cinco mil quinhentos e quarenta e dois, da freguesia da Branca, cujo direito de propriedade está registado a favor do doador marido pela inscrição G-Um. Que atribuem a esta doação o valor de cinquenta mil euros. Disseram o segundo e a terceira outorgantes que aceitam esta doação.”
3) Os arguidos B..., A..., C... e D... assinaram a escritura de doação como se de uma verdadeira doação se tratasse e como se de facto os arguidos A... e B... doassem aos arguidos C... e D... o referido prédio.
4) Em 26 de Abril de 2002 foi proferida sentença no referido processo, ao qual foi atribuído o n.º 293/99 e que correu termos no 1º Juízo daquele Tribunal, tendo os arguidos A... e B... sido condenados a pagar a H..., F..., L...e M... a quantia de 16.808,24 (dezasseis mil, oitocentos e oito euros e vinte e quatro cêntimos), acrescida dos juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal para as obrigações civis.
5) Tal sentença foi objecto de recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, que manteve a sentença proferida na 1ª instância, por acórdão de 25 de Fevereiro de 2003, e depois de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual negou provimento ao mesmo, por acórdão de 14 de Dezembro de 2003.
6) Uma vez que os arguidos A... e B... não procederam ao pagamento dos montantes em que haviam sido condenados, H..., F..., L...e M... instauraram no Tribunal Judicial de Albergaria-a-Velha, em 23 de Janeiro de 2004, uma acção executiva para pagamento de quantia certa, a que foi atribuído o n.º 293-A/99, ascendendo a quantia peticionada a € 24.734,37 (vinte e quatro mil euros, setecentos e trinta e quatro euros e trinta e sete cêntimos).
7) No decurso da referida acção, H..., F..., L...e M... tomaram conhecimento da alegada doação, supra referida, pelo que intentaram no Tribunal Judicial de Albergaria-a-Velha acção de impugnação pauliana, contra os arguidos A..., B..., C... e D... e o marido desta última, G..., a qual foi distribuída ao 2º Juízo do referido Tribunal, sendo lhe atribuído o n.º 774/04.0 TBALB.
8) Nessa acção, H..., F..., L...e L.... e a esposa, M... , pediam que os arguidos C... e D... fossem condenados a restituir à esfera de direitos dos aí réus A... e B... o referido prédio, na medida do necessário à satisfação do crédito dos aí autores, de modo a estes poderem executar tal direito.
9) No dia 21 de Março de 2006 realizou-se a audiência de julgamento, no âmbito da referida acção de impugnação pauliana, tendo sido ouvido, na qualidade de testemunha, o arguido E....
10) Na sentença proferida naqueles autos, em 30 de Maio de 2006, foi declarada ineficaz em relação a H..., F..., L...e M... a referida doação, reconhecendo-se àqueles o direito à restituição do prédio em questão, na medida do necessário para a cobrança total do seu crédito, bem como o direito a praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei e o direito a executar esse mesmo bem no património dos aí réus.
11) Tal sentença, notificada às partes em 6 Julho de 2006, foi objecto de recurso de agravo e apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 13 de Novembro de 2007, manteve a decisão e sentença proferida na 1ª instância.
12) Em 31 de Julho de 2006, já após a prolação da sentença em 1ª instância na referida acção de impugnação pauliana, o arguido E... propôs uma execução no Tribunal Judicial de Albergaria-a-Velha, a qual foi distribuída ao 1º Juízo, tendo-lhe sido atribuído o n.º 744/06.3 TBALB.
No respectivo requerimento executivo o arguido E... pedia o pagamento, por parte dos arguidos C..., D..., B... e A..., do montante de € 12.550,00 (doze mil, quinhentos e cinquenta euros), decorrente de um alegado contrato de mútuo, titulado através de letra emitida a 5 de Janeiro de 2006, com vencimento no dia 5 de Julho de 2006, sendo sacados os arguidos C... e D... e avalistas os arguidos B... e A....
Num anexo ao requerimento executivo, o arguido E... nomeou à penhora o prédio objecto da doação, que deu origem à acção de impugnação pauliana, onde aquele tinha sido testemunha.
13) Os arguidos C..., D..., B... e A..., executados na referida acção, foram citados para deduzirem oposição, sendo que as citações foram assinadas pela arguida A..., e nada vieram dizer.
14) Penhorado o prédio e registada tal penhora, o arguido E... veio, em 19 de Novembro de 2007, requerer a sua venda por negociação particular, se não houvesse oposição dos executados, que não se verificou.
Nessa altura, o arguido E... apresentou uma proposta de compra do referido prédio, pelo preço de € 30.000,00 (trinta mil euros).
15) Tal prédio foi sujeito a avaliação no âmbito do processo de execução n.º 293-A/1999, aí lhe tendo sido atribuído o valor de € 100.000,00 (cem mil euros).
16) Em 15 de Abril de 2008, o arguido E... deu entrada de um requerimento na acção executiva, pedindo a dispensa do depósito do preço, na parte relativa ao seu crédito, dizia que os aí executados, logo após a adjudicação de 8 de Abril de 2008, lhe tinham vindo pedir que lhes entregasse de imediato e directamente, sem depósito à ordem dos autos, o diferencial do preço não contido na quantia exequenda, invocando dificuldades financeiras, requerimento esse que os arguidos C... e D... reiteraram e que foi deferido.
17) Depois da venda realizada no referido processo de execução, os arguidos B... e A... continuaram a dispor do referido prédio, aí habitando.
18) Todos os arguidos sabiam que corria termos uma acção de impugnação pauliana que tinha declarado a doação realizada pelos arguidos A... e B... ineficaz em relação a H... e F..., por sentença proferida em 30 de Maio de 2006 e confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
19) O referido prédio foi avaliado em € 100.000,00 (cem mil euros), em 17/5/2006, no âmbito da execução n.º 293-A/1999, que correu os seus termos neste Tribunal.
20) Apesar do valor de tal prédio, os arguidos C..., D..., B... e A... não se opuseram à execução, nem à penhora promovida pelo arguido E..., para pagamento de uma quantia de € 12.550,00 (doze mil, quinhentos e cinquenta euros).
21) Os arguidos A..., B..., D... e E... não possuem antecedentes criminais.
22) O arguido C... foi condenado, em 28/4/2011, no Proc. n.º 112/11.5 GCETR, que correu os seus termos no Juízo de Instância Criminal de Estarreja, pela prática, em 8/3/2011, do crime de condenação de veículo em estado de embriaguez, numa pena de multa.
23) A arguida A... é casada com o arguido B...; é doméstica, sendo o seu marido reformado, auferindo € 150,00 mensais de pensão; tem 2 filhos maiores de idade, e ambos têm como habilitações literárias a 4ª classe.
24) O arguido C... é serralheiro mecânico, na W..., Lda., onde aufere € 625,00 mensais; é solteiro; vive com os seus pais; tem como habilitações literárias o 7º ano de escolaridade.
25) A arguida D... é auxiliar de acção educativa para a K..., auferindo € 485,00 mensais; é casada, sendo o seu marido torneiro mecânico na firma Ye, auferindo € 600,00 mensais; tem 1 filho com 16 anos de idade; vive em casa emprestada, de forma gratuita; tem como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade.
26) O arguido E... encontra-se reformado, auferindo € 600,00 mensais de pensão; é casado, sendo a sua esposa doméstica; vive em casa própria; tem 1 filho maior de idade; tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade.
27) A assistente F...sente-se triste e cansada por não conseguir obter o montante a que tem direito»

Factos Não provados
Não se provaram os factos seguintes
a) Que os arguidos B..., A..., C... e D... tivessem assinado a escritura de doação como se de uma verdadeira doação se tratasse e como se de facto os arguidos A... e B... doassem aos arguidos C... e D... o referido prédio, quando de facto não realizaram qualquer doação, pretendendo apenas que o H... e F...não conseguissem obter a cobrança do crédito que alegavam ter, mas apenas o que consta da factualidade dada como provada em 3).
b) Que no dia 21 de Março de 2006 se tenha realizado a audiência de julgamento, no âmbito da referida acção de impugnação pauliana, tendo sido ouvido, na qualidade de testemunha, o arguido E..., e que este tenha revelado plenos conhecimentos sobre a matéria em discussão, mas apenas o que consta da factualidade dada como provada em 9).
c) Que num anexo ao requerimento executivo, o arguido E... tivesse nomeado à penhora o prédio objecto da simulada doação, que deu origem à acção de impugnação pauliana, onde aquele tinha sido testemunha, mas apenas o que consta da factualidade dada como provada em 12).
d) Que, após todos os arguidos terem conhecimento do Acórdão da Relação que confirmava a decisão proferida em 1ª instância, no âmbito da acção de impugnação pauliana, de comum acordo diligenciaram para que o referido prédio fosse transmitido ao arguido E... da forma mais célere possível.
e) Que todos os arguidos soubessem que corria termos uma acção de impugnação pauliana que tinha declarado a doação realizada pelos arguidos A... e B... ineficaz em relação a H... e F..., por sentença proferida em 30 de Maio de 2006 e confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra e, não obstante tal conhecimento, em comunhão de esforços e vontades, tivessem criado uma dívida fictícia para conseguirem alcançar os seus intentos, designadamente impossibilitar a cobrança do crédito do H... e da F... e assim causar-lhes prejuízo patrimonial, mas apenas o que consta da factualidade dada como provada em 18).
f) Que o arguido E... tivesse actuado em comunhão de esforços e vontades com os restantes arguidos, tendo utilizado uma acção judicial para todos conseguirem os seus intentos e, assim, retirarem do património dos arguidos A... e B... o referido prédio, avaliado em € 100.000,00 (cem mil euros), mas apenas o que consta da factualidade como provada em 19).
g) Que os arguidos tivessem agido todos em comunhão de esforços e vontades, com a intenção de obterem para si enriquecimento a que não tinham direito, pretendendo causar um prejuízo patrimonial a H..., F..., L...e M..., o que veio a ocorrer, no montante global de, pelo menos, € 24.734,37 (vinte e quatro mil, setecentos e trinta e quatro euros e trinta e sete cêntimos), referente ao valor em dívida.
h) Que para tal os arguidos tivessem elaborado a referida letra, tendo perfeito conhecimento de que tinham feito declarações sem qualquer conteúdo real, assim abalando a fé pública que anda associada a tal documento.
i) Que ao agirem da forma como agiram, tivessem querido os arguidos pôr em crise a fidedignidade dos documentos públicos, bem sabendo que, com a sua actuação prejudicaram quer os interesses do H... e F..., quer do próprio Estado, agindo sempre com o intuito de obter benefício ilegítimo, em proveito próprio.
j) Que o arguido E..., em comunhão de esforços e vontades com os restantes arguidos, ao intentar uma acção executiva e aí nomeando à penhora o prédio identificado, tivesse levado o Tribunal a efectuar uma venda e adjudicação sem qualquer conteúdo real, visando unicamente causar prejuízo a H... e F..., como de facto se verificou.
l) Que todos os arguidos tivessem agido com o propósito, concretizado, de impedir a execução de um crédito que sabiam existir a favor do H... e F..., tendo sido realizados negócios jurídicos sem qualquer conteúdo real.
m) Que todos os arguidos tivessem agido sempre de forma voluntária e consciente, com o intuito de prejudicarem o H... e a F..., no montante não pago, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal».

Motivação da Convicção
Sobre os Factos Provados
«Os arguidos no uso do seu direito ao silêncio não prestaram declarações acerca da factualidade que lhes é imputada.
O Tribunal formou a sua convicção com base na certidão de fls. 254 a 281, fls. 291 a 296, 304 a 330, 419 a 482, 487 a 519, 888 a 946, 953 a 966, 1007 a 1029 e documentos de fls. 24 a 169, 297 a 299, 860 a 887 e 968 a 991, bem como nas declarações da assistente F..., bem como da testemunha L..., na parte em que demonstraram conhecimento directo dos factos, ou seja, no essencial a corroborar os elementos que constam dos presentes autos em suporte documental e quais as consequências psicológicas para aquela e para o seu marido, entretanto falecido, de toda a situação em causa e sendo certo que declarou desconhecer se os arguidos teriam outras dívidas depois de 2002, bem como não soube precisar qual o valor do usufruto que os arguidos A... e B... reservaram para si aquando da propalada doação.
No mais, os depoimentos das testemunhas J.... e O... apenas foram atendidos na parte em que declararam que os arguidos sempre viveram na casa em causa nos presentes autos, continuando, presentemente, a viver, julgando que aquela lhes pertence, não demonstrando qualquer outro conhecimento directo da factualidade que é imputada aos arguidos, pelo que não se levantou qualquer engulho à credibilidade do declarado e face à objectividade e consistência do seu discurso.
O depoimento da testemunha B... , filho da assistente, não foi atendido pelos motivos que se passam a expor.
Primeiramente, referiu que os conhecimentos que tem para transmitir ao Tribunal advêm do que lhe foi comunicado pelos seus pais e pelo advogado.
Por outro lado, demonstrou um conhecimento a todos os títulos notável acerca do que se terá passado numa audiência de discussão e julgamento que remonta ao ano de 2006, recordando-se de quantas testemunhas estavam arroladas por cada uma das partes, tendo estado presente na assistência dessa audiência, do princípio ao fim, e em que se discutia o pagamento de umas quantias, designadamente rendas em atraso dos aviários que os réus exploravam e uma doação de uma casa aos filhos.
Mais acrescentou que apenas assistiu a essa audiência, lembrando-se, inclusivamente, do que terá dito o ora arguido E... nesse julgamento, na qualidade de testemunha, mas não se recorda de outros depoimentos.
Ora, se é certo que, de forma conveniente e interessadamente, a aludida testemunha se recorde do que o E... terá dito, não é crível, segundo juízos de normalidade que uma pessoa apenas se recorde do que ouviu dizer a uma testemunha, tendo o julgamento decorrido há mais de 6 anos. Por outro, nem sequer a testemunha B... é rigoroso naquilo que ouviu o arguido E... dizer, descrevendo depoimento deste de uma forma demasiado genérica, não sabendo concretizar e explicar quem é que não devia dinheiro ao E..., nem sequer explicando a que propósito é que este declarou tal factualidade.
Mais a mais, é contraditório nos seus termos quando a referida testemunha afirma que já tinha ouvido falar do Sr. E... noutros processos, através dos seus pais, mas até essa data este não tinha tido ainda a qualidade de testemunha noutros autos.
Finalmente, e de forma a abalar inexoravelmente a credibilidade do seu depoimento, de acordo com o documento de fls. 1042 a referida testemunha estaria a trabalhar na Conservatória do Registo Automóvel de Braga no dia em que ocorreu a audiência de discussão e julgamento que diz ter assistido do princípio ao fim, pelo que, pelos motivos supra expostos, o seu depoimento não foi atendido.
Igualmente se atendeu às declarações dos arguidos para esclarecimento das suas condições pessoais, sociais e económicas.
O Tribunal valorou também os Certificados de Registo Criminal dos arguidos junto a estes autos, cf. fls. 808 a 814».

Sobre os  Factos Não Provados
«No que concerne com a al. a) resultou da ausência de prova nesse sentido na medida em que não ficou demonstrado que os referidos contraentes não pretendiam celebrar esse negócio.
Com efeito, o facto de a assistente ter obtido procedência na acção de impugnação pauliana que intentou contra os arguidos intervenientes nessa doação não se traduz na demonstração, sem mais, que estes quisessem simular um negócio e que este não correspondesse à vontade real dos contraentes.
Com efeito, os pressupostos e consequências de um negócio simulado são bem diversas dos requisitos e consequências da impugnação pauliana.
Por outro lado, transmutar, sem mais, a realidade dada como provada na acção n.º 774/04.0 TBALB, que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Aveiro, designadamente no ponto 7º, a fls. 430, encontra-se processualmente vedado ao Tribunal, na medida em que as regras processuais vigentes em sede de processo civil são manifestamente diversas do processo penal, não se encontrando, obviamente, o Tribunal impedido de atender à referida certidão, valorando-a em conjunto com toda a prova produzida.
Mas mesmo que assim não fosse, a conclusão vertida no aludido ponto 7 não equivale, nem se reconduz, ao vertido na al. a), pelo que, na falta de outros elementos que, devidamente conjugados, corroborassem tal asserção o Tribunal deu como não provada tal factualidade.
Por outro lado, refira-se que contraria as mais elementares regras da experiência comum que se os arguidos B... e A... se pretendessem eximir ao cumprimento integral das suas obrigações pecuniárias reservassem o usufruto no aludido prédio, sendo este passível de, em sede executiva, ser penhorado, como já foi na acção executiva n.º 293/99-A, e vendido para cobrança coerciva das suas dívidas.  
Já no que tange com a al. b) o teor da resposta à matéria de facto em sede de 1ª instância, a sentença aí proferida, bem como o acórdão da Relação de Coimbra, inculcam exactamente o contrário, ou seja, que a aludida testemunha tinha um conhecimento genérico, vago e superficial da matéria em questão.
No que se refere à al. c) dão-se por reproduzidas as considerações tecidas acerca da al. a) e que fundamentaram a não demonstração de tal factualidade.
 Relativamente às al.s d) a f) cumpre referir que não se produziu qualquer prova acerca da alegada dívida fictícia e sendo certo que a data da emissão da referida letra é anterior à prolação da sentença em 1ª instância da acção pauliana, o que inculca que aquando da sua subscrição os seus intervenientes desconheciam o desfecho da mesma.
Por outro lado, as certidões e documentos valorados nos moldes supra expostos, extrai-se exactamente o oposto quanto à celeridade que os arguidos pretendiam imprimir à execução que o arguido E... intentou, e de forma a ser transmitido para este o imóvel em causa.
Com efeito, resulta, mormente de fls. 864 a 870, que a execução n.º 774/06.3 TBALB, e em que era exequente o arguido E..., esteve “parada” desde 4/6/2006 até 20/9/2007 por falta de pagamento da respectiva provisão à solicitadora de execução, a fim de esta proceder à competente penhora, tendo mesmo sido proferido um despacho nos termos do art.º 285º do CPC, e sendo certo que a abertura de propostas apenas ocorreu em 8/4/2008.
Mais a mais, efectivamente o imóvel em causa foi avaliado em € 100.000,00 mas tal avaliação ocorreu na execução n.º 293-A/1999, em 17/5/2006, cf. fls. 481, e apenas foi adjudicada a nua propriedade  ao arguido E... na medida em que o usufruto de que beneficiam os arguidos A... e B... já se encontrava penhorado à ordem daquela execução, o que necessariamente acarreta uma diminuição do preço, vide fls. 885.
Diga-se, igualmente, que a adjudicação ao arguido E..., nos moldes em que foi realizada, não alterou a posição processual que assistente mantinha nessa data uma vez que, conforme referido supra, “apenas” foi transmitida a nua propriedade, conservando esta a penhora realizada em devido tempo do direito de usufruto que os arguidos B... e A... beneficiavam e cuja venda ainda não se concretizou por motivos alheios aos arguidos.
Finalmente, resulta dos autos, maxime fls. 860, 861, 862, 863, 915 a 917, 933, 934, 935 e 944 que os arguidos, para além do usufruto que se encontra penhorado nos moldes já referidos, possuíam outros bens que poderiam solver o crédito que a assistente pretende cobrar coercivamente na execução n.º 293-A/1999, e que ainda não logrou tal desiderato quiçá, e em parte, devido aos agentes processuais desses autos.
 Consequentemente, e na sequência do exposto, as al.s g) a m) não resultaram demonstradas por ausência de prova nesse sentido».


IV – O OBJECTO DO RECURSO

1 – Erro notório na apreciação da prova
Afirma o Recorrente que, apreciada a decisão proferida pelo tribunal recorrido, e fazendo apelo às regras da experiência comum e aos critérios da lógica e normalidade da vida, dela resulta que existe erro notório na apreciação das provas, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 410, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal.
Confunde o Recorrente, na conclusão 19ª, o que deve entender-se por  errada valoração dos meios de prova (erro de julgamento), com erro notório na apreciação da prova previsto no art. 410º, nº 2 al. c) do Código de Processo Penal.
Dispõe o artigo 410, nº 2, do Código de Processo Penal([1]) que, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Erro de julgamento, por incorrecta valoração da prova, e erro notório na apreciação da prova são realidades diferentes.
«O erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada, nos termos em que o foi; o erro notório na apreciação da prova, para além de ser ostensivo, prescinde da análise da prova produzida, para se ater tão-somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, o que significa impossibilidade de recurso a outros elementos, ainda que constantes no processo ([2])».
A este propósito, decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 2011 – visualizado no site www.dgsi.pt (local onde poderá ser encontrada a jurisprudência que, de futuro de cite sem outra indicação) que:
« No recurso da matéria de facto, haverá que ter por objectivo o passo que se deu, da prova produzida aos factos dados por assentes, e/ou o passo que se deu, destes, à decisão. O recorrente poderá insurgir-se contra o modo como teve lugar um ou ambos os momentos deste trânsito: desde logo, impugnando a própria matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no nº 3 do art. 412.º do CPP. Foi o caso.
 Ou, então, invocando um dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, o que o recorrente também fez.
 Em qualquer das hipóteses, haverá que ter em conta que uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário o acontecimento histórico sobre que incidiu a decisão recorrida, e outra, ter por objecto do recurso o modo como essa decisão se desenvolveu. No primeiro caso, haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) à data dispuseram. Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Porque uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova, e outra é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.
Ora, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal que não interessam ao caso), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.
Serve para dizer, que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado».
No caso dos autos, não temos dúvidas, que a Assistente, ao impugnar a matéria de facto, da forma como o faz, pretende, arguir, não o erro notório da apreciação da prova, mas antes, erro de julgamento na valoração dos meios de prova produzidos em audiência.
Tal resulta claramente, da última parta de conclusão 19ª, onde se lê que a segunda instância pode alterar o decidido pelo tribunal a quo, dado que «as provas indicadas impõem decisão diversa».
De qualquer forma, sempre se dirá, que o texto da sentença recorrida, não manifesta qualquer erro notório na apreciação da prova, para efeitos do disposto no art. 410º, nº 2, al. c) citados.

2 Alteração de matéria de facto
A Recorrente recorre da decisão sobre os pontos de facto constantes das alíneas a), c), d), f), g), h), i), j), l) e m), com as formalidades previstas no art. 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.
Nada obsta, pois, à apreciação do mérito do recurso, ou seja, saber se as ilações que o tribunal recorrido retirou da prova produzida estão correctamente laboradas, dentro dos limites do princípio da livre apreciação da prova.

2. 1Sobre o teor das alíneas a) e c):
Neste particular, afirma o Recorrente que para além da matéria que consta no ponto de facto nº 3 ([3]), também se apurou que:
- Os arguidos não realizaram, na realidade, qualquer doação, apenas pretenderam que a Assistente e o falecido marido não conseguissem obter a cobrança do crédito que alegavam ter [(al. a)].
- O arguido E..., na execução que instaurou contra os filhos da Assistente, nomeou à penhora o prédio que foi objecto da simulada doação (al. c)].
O Fundamento essencial deste seu entendimento assenta na prova documental, nas regras da experiência comum e na prova testemunhal.
a) A prova documental
Os documentos reportados no Recurso correspondem a certidões de actos processuais praticados na acção de impugnação pauliana nº 774/04.0TBALB, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de Albergaria-A-Velha e que teve como finalidade, apurar se os aqui arguidos, B... e A..., alienaram todo o seu património, doando-o aos seus filhos, de forma a tornarem impossível a satisfação do crédito da Assistente e do falecido marido.
Dois actos processuais se destacam: a sentença transitada em julgado e a acta de julgamento.
Na primeira, decidiu-se que ([4]):
«julgar procedente por provada a acção e, em consequência, considerar impugnado o acto consubstanciado na doação, julgando a mesma ineficaz relativamente aos Autores e reconheceu aos mesmos o direito à restituição desse prédio, na medida do necessário para a cobrança total do seu crédito, bem como o direito a praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei e o direito a executar esses mesmos bens no património dos Réus»
Com base, entre outros, na seguinte factualidade:
- Os Autores instauraram contra os Réus ( B... e A...), em 20/10/1999, acção pedindo que estes fossem condenados no pagamento da quantia de Esc. 3.690.000$00, bem como dos juros de mora desde a citação até integral pagamento;
- No decurso desta acção, mais concretamente em 09/01/2002, os Réus celebraram escritura de doação em que doaram aos filhos C... e D..., com reserva do direito de usufruto, e estes declararam aceitar a doação, do prédio misto sito no Vale de Égua, Mundo Novo, freguesia da Branca, concelho de Albergaria-a-Velha, composto de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, logradouro, quintal e pinhal, inscrito na matriz urbana sob o nº. (...) e na matriz rústica sob o art. (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob o número 05542;
- A escritura de doação teve como único propósito salvaguardar o prédio nela descrito de qualquer penhora e venda em processo de execução, e assim prejudicar o pagamento do crédito dos autores sobre os primeiros Réus ( B... e A...).
Já, a acta da audiência de julgamento de 21 de Março de 2006, realizado no âmbito do processo 774/04.0TBAL, reproduz o depoimento de parte de G... (marido da arguida D...), no qual confessou, que a escritura de doação teve como propósito garantir que os seus sogros não ficassem sem a casa e o terreno, por causa das dívidas que tinham (fls. 121).
Daqui, extrai a Assistente, que o tribunal recorrido deveria, com fundamento naqueles documentos, ter concluído que:
Naqueles autos, provou-se que o negócio que foi acordado entre os Réus, não existiu de facto e, teve, única e exclusivamente, o intuito de impossibilitar o credor de obter a satisfação do seu crédito. Como se apurou, que os arguidos não quiseram, verdadeiramente, celebrar uma doação, mas apenas evitar um mal que se avizinhava: a condenação no pagamento da quantia peticionada contra os arguidos, B... e A.... 
Em suma, defende a possibilidade de trazer para esta acção alguns dos factos provados que foram dados como assentes na sentença civil e bem assim os meios de prova nela produzidos.
Apreciando, pois, cada um destes argumentos:
Transposição para a acção penal dos factos julgados provados na acção cível.
            As provas, em processo penal, não obstante, terem merecido por parte do legislador uma atenção especial, regulando-as de forma rigorosa, são, nos termos do art. 127º, salvo disposição em contrário, apreciadas, segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Nisto se traduz, grosso modo, o princípio da livre apreciação e valoração das provas ([5]).
Um dos casos em que a avaliação da prova obedece a critérios de vinculação respeita ao valor probatório dos documentos([6] ) autênticos e autenticados.
A este propósito, dispõe o art. 169º, que se consideram provados os factos materiais de documento autêntico([7]) ou autenticado, enquanto a autenticidade ou  veracidade do conteúdo não forem fundadamente postas em causa ([8]).
É certo que a sentença proferida num processo judicial, como foi a da acção de impugnação pauliana, tem força probatória plena. Porém, o tribunal só terá de aceitar «as comprovações que caibam no âmbito do caso julgado([9])».
Ora, a nosso ver e salvo melhor opinião, in casu, os fundamentos de facto não estão abrangidos pelo valor do caso julgado.
Os ordenamentos jurídicos - penal e civil – não contêm normas disciplinadoras da eficácia, em acção penal, das sentenças proferidas em acções cíveis.
Já, o mesmo não sucede quanto aos efeitos e eficácia da sentença penal condenatória e absolutória nas acções civis, que têm previsão expressa nos art.s 674º A e 674º B, do Código de Processo Civil e art. 84º do Código de Processo Penal.  
Os dois primeiros casos não tratam «directamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes. A presunção estabelecida difere das presunções stricto sensu, na medida em que a ilação imposta ao juiz cível resulta do juízo de apuramento dos factos por um acto jurisdicional com trânsito em julgado. Não está, porém, em causa, a eficácia do caso julgado (ao contrário do que a defeituosa inserção dos artigos que regulam a matéria podia levar a supor), mas a eficácia probatória da sentença penal([10])» .
Já o segundo (o art. 84º) atribui à sentença penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil, eficácia de caso julgado, nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis.
Não existe, pois, qualquer normativo, seja por via da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, seja por via da eficácia probatória da sentença, que permita transpor para o processo penal, algum dos factos que foram considerados provados na acção cível.
E, nem se diga, como faz, a recorrente, que tal facto se insere numa sentença transitada em julgado, dado que, mesmo a admitir-se, em alguma hipótese particular, que o caso julgado civil tem alguma eficácia no processo penal, ainda, assim, o âmbito daquele não se estenderia à decisão sobre a matéria de facto.
Sobre o alcance do caso julgado, recorrendo - na falta de disposição legal especial no Código de Processo Penal (com excepção do já citado art. 84º e em certa medida do art. 7º nº 2)([11]) - ao Código de Processo Civil, dita o art. 673º deste diploma.
« A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)».
 A este propósito, ensina Manuel de Andrade([12]):
«O caso julgado só se destina a evitar uma contradição prática das decisões, e não já a sua colisão teórica ou lógica.
(…)
O caso julgado só se forma sobre a decisão contida na sentença. O que adquire a força e autonomia de caso julgado é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou (direitos materiais) litigados pelas partes e à concessão ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direitos. Não a motivação da sentença:  as razões que determinaram o juiz, as soluções por ela dadas aos vários problemas que teve de resolver até chegar àquela conclusão final (pontos ou questões prejudiciais)».
Neste sentido, também se pronunciou, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo nº 05B691, em 5 de Maio de 2004.
Também, Antunes Varela, Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, no Manual de Processo Civil, 1985, pág. 711, espelham ideia de que, não estendendo a força do caso julgado os fundamentos da sentença, «os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente, cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de se extrair dele outras consequências, além dos contidos na decisão final».
Os fundamentos de facto não adquirem, assim, valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial, razão pela qual não podem ser transpostos da acção cível para o processo penal, por efeito do trânsito em julgado da sentença.
Acresce que, ressalta da estrutura processual penal vigente que o facto nº 7, dado como assente na acção cível, não poderia, a coberto do caso julgado, ser transferido para o processo penal. A tal obstam os princípios estruturadores do processo penal.
O principio da legalidade consagrado no art. 2º - segundo o qual a aplicação das penas ou medidas de segurança criminais só podem ter lugar em conformidade com as disposições do código de processo penal - impõe que os factos constitutivos  da responsabilidade criminal, sejam julgados, na acção penal, de acordo com as regras  Código de Processo Penal.
Só através deste, é possível aplicar uma daquelas sanções criminais (nulla poena sine judicio).
“A sanção só se opera através e dentro do processo. Esta regra, como facilmente se intui, não pode ter nem excepções, sob pena de violação do preceito constitucional e com ela o desmoronar da própria estrutura do direito criminal que passaria a constituir um instrumento livremente disponível e permissivo a todos os abusos. Representa, pois, uma garantia geral o exercício dos direitos, contendo os do estado nos seus verdadeiros limites e rodeando os particulares da adequada protecção.
(…)
Há, pois – como refere Germano Marques da Silva - «uma relação de instrumentalidade necessária entre o direito penal e o processo penal e isso os distingue da conexão também existente entre os demais ramos de direito e os respectivos processos, nestes em regra o processo  tem carácter eventual, pois que o direito se realiza, as mais das vezes, espontaneamente, por vontade ou anuência dos interessados, enquanto o crime só pode ser reconhecido juridicamente e as penas ou medida de segurança aplicadas através do processo penal.” ([13]).
Acresce que, segundo o princípio da suficiência do processo penal (art. 7º),  é, na acção penal que podem e devem ser apreciadas todas as questões (incluindo as do foro cível) ([14]).
Donde, é para nós, manifesto que, o caso julgado da sentença proferida na acção de impugnação pauliana, não abrange a decisão sobre a matéria de facto, maxime o ponto provado sobre o nº 7.
Transpor para esta acção, os factos provados naqueloutra acção civil, constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que, como acabamos de expor, não tem.
Daí que, a não existir, nesta acção penal, outro meio de prova daquela factualidade, não pode o mesmo ser tido como assente.

Valoração, nesta acção, do depoimento de parte prestado na acção cível:
Com consta da acta de audiência de discussão e julgamento realizado na acção civil, G... prestou, enquanto parte naquele processo, depoimento, no qual afirmou que a escritura de doação teve como propósito garantir que os seus sogros não ficassem sem a casa e o terreno, por causa das dívidas que tinham.
Por via disso, pretende a recorrente que se valore, neste processo penal, aquele acto processual, enquanto prova documental, não obstante, o depoente não ter tido qualquer intervenção nestes autos: não foi submetido a julgamento como arguido, não foi indicado como testemunha, nem, de qualquer forma, prestou alguma declaração. 
O mesmo é dizer que se pretende valorar como meio probatório documental, as declarações e depoimentos que foram prestados no decurso da audiência de julgamento, realizada no âmbito de um processo civil.
Vejamos
Desde logo, porque, como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra datado de 3 de Julho de 2013 – Relatora: Maria José Nogueira:
«Independentemente da abrangência do conceito de documento vertido no art. 164º do CPP, à luz do qual assume essa natureza «a declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer meio técnico, nos termos da lei penal» afigura-se-nos redundar um tal entendimento numa fraude aos princípios que regem na matéria.     
Em boa verdade, levado às últimas consequências, dada a amplitude do conceito, estava encontrada a forma de subverter a disciplina do art. 355º, 356º e 357º do CPP, o que não sendo defensável no caso de declarações e depoimentos prestados no âmbito destes autos, também não o será quando os mesmos são transportados de outro processo, no qual nem sequer o arguido coincide».
Citando Paulo Pinto de Albuquerque, continua o mesmo aresto:
«O artigo 356.º não distingue entre as declarações prestadas no processo em que são lidas e as declarações prestadas em outro processo. Portanto, nada obsta à junção aos autos de certidão de prova testemunhal prestada noutro processo, à imagem do que prevê o artigo 238.º do CPP italiano. Assim, é permitida a leitura de depoimento prestado noutro processo se:
a. as declarações da testemunha ou do declarante tiverem sido prestadas para memória futura ou na audiência de julgamento e o arguido (do processo onde as declarações sejam lidas) tiver tido oportunidade de intervir na produção da prova no outro processo na qualidade de arguido;
b. se a prova produzida no outro processo for irrepetível (por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira de depor da testemunha ou declarante) e tiver sido produzida perante o MP ou o juiz no outro processo;
c. se o MP, o arguido e o assistente estiverem de acordo na leitura do depoimento da testemunha ou declarante prestado no outro processo, diante do juiz, do MP ou do órgão de polícia criminal;
d. em nenhuma outra circunstância é admissível a leitura de depoimento de testemunha ou declarante prestado noutro processo, mesmo que esse depoimento tenha sido posteriormente invocado na fundamentação da sentença transitada em julgado no outro processo».
Vale isto para dizer, que o depoimento de parte que foi prestado pelo marido da arguida D... na dita acção cível, só poderia, aqui, ser considerado, se enquadrado numa das excepções do art. 356º, afastada que está, a aplicabilidade do art. 357º, dado que não assume, neste processo, a qualidade de arguido. Ou seja, só poderiam ser reproduzidas ou visualizadas em julgamento - nos termos no nº 4 do primeiro preceito citado, que permite a reprodução ou leitura das declarações prestadas perante autoridade judiciária se os declarantes não tiverem podido comparecer por falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira, designadamente se, esgotadas as diligências para apurar o seu paradeiro, não tiver sido possível a sua notificação para o comparecimento.
Não estando demonstrada nos autos nenhuma das situações excepcionais acabadas de citar -  impedimento de comparecer em audiência por «falecimento, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade duradoira» - está vedado ao tribunal valorar o depoimento de parte prestado por G... na acção civil.
O contrário, afrontaria os princípios basilares norteadores do processo penal, como sejam, o da imediação - toda a prova deve, em regra, ser produzida em audiência - e o do contraditório - com assento constitucional, no art. 32º nº 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa - na «dimensão do direito à confrontação das fontes da prova, de efectiva inquirição cruzada – contra inquirição([15]).»
Como violaria o direito conferido ao marido da arguida, D..., em recusar a prestação de declarações em audiência, nos termos do art. 134º, nº 1, al. a).
Se, G... não teve qualquer intervenção neste processo, seja como arguido, testemunha ou qualquer outra qualidade e se, não demonstram os autos, que tenha falecido,  sofre de anomalia psíquica ou esteve impossibilitado de comparecer na audiência, pode afirmar-se que, para efeitos probatórios desta acção penal, tudo se passa, como se o depoimento de parte prestado na acção cível não existisse, não, podendo, por via disso, ser, aqui, valorado, sob pena de violação dos princípios estruturantes do processo penal.
Não podia, pois, o tribunal a quo valorar o depoimento de parte por ele prestado na audiência de julgamento do processo de impugnação pauliana.
Em suma
Não vislumbramos possibilidade legal de, sem outros meios de prova, se poder extrair da sentença cível e bem assim da acta de julgamento, a veracidade dos factos dados como não provados na alínea a) da sentença.
Neste particular, bem andou o juiz a quo quando decidiu que «o facto da assistente ter obtido procedência da acção de impugnação pauliana que intentou contra os arguidos intervenientes nessa doação, não se traduz na demonstração, sem mais, que estes quiseram simular um negócio e que este não corresponde à vontade real dos declarantes».
Por último e no que à matéria que a Recorrente designa como facto, na al. c), sempre se dirá que, neste caso particular, não poderá ser objecto de prova, porquanto a expressão que se pretende ter como facto – objecto da simulada doação – traduz um conceito normativo e não uma realidade da vida - um facto material e concreto que possa ser demonstrado através de um meio de prova. Se a doação do prédio dado à penhora pelo arguido E..., foi simulada ou não há-de resultar do enquadramento jurídico de factos, neste caso, os já provados nos pontos nºs 2, 3, 4,  10 e do facto não provado da alínea a).

b) As regras da experiência comum
Extrai, ainda, o Recorrente, que se o juiz a quo conjugasse o teor da sentença cível transitada em julgado e o depoimento de parte de G..., com as regras da experiência comum, haveria de concluir que os factos apontados nas al. a) e c) da sentença se encontravam provados, não só pelo valor que atribui à prova documental, mas também, porque, segundo as regras da experiência, se pode extrair que a constituição do usufruto sobre o bem doado revela a intenção de não celebrar, na realidade uma doação.
É sabido, que, as presunções - ilações que a lei (presunções legais) ou o julgador (presunções judiciais) retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349º do Código Civil) -  são um meio de prova permitido por lei, podendo, por isso, ser produzido, em processo penal - art. 125º - e, dele se socorrer o julgador para formar a sua convicção para julgar como provado ou não provado, determinado facto que servirá, posteriormente para fundamentar a solução de direito, sendo admitidas as presunções judiciais, nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art. 351º do Código Civil).
As presunções, como ensina João de Matos Antunes Varela e Fernando Andrade Pires de Lima, em Código Civil Anotado, volume I, 3ª edição, pág. 310, «podem ser legais, se estabelecidas pela lei, ou judiciais, simples ou de experiência, quando assentam, no simples raciocínio de quem julga.
Estas últimas inspiram-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana».
«As presunções simples ou naturais (…) são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto conhecido para um facto desconhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto (cf.. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, 333 e segs.) ([16])».
As provas, em processo penal, são, como se afirma no art. 127º, apreciados segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, salvo quando a lei dispuser diferentemente.
A este propósito, decidiu, assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo nº 86/08.0GBPRD.P1.S1, em 27-05-2010:
 « Encontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser directa e imediatamente percepcionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça.
Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “… as provas que não foram proibidas pela lei” (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC)
As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado, usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objecto de prova)».
O julgador pode, assim, à luz das regras da experiência comum e da sua livre convicção, dentro de certos limites, extrair de factos conhecidos, outros factos que, por se manifestarem evidentes e/ou como razoáveis, os considera provados.
Ter em conta as regras da experiência comum, mais não significa do que  analisar, se um homem médio e razoável, colocado naquelas circunstâncias, concluiria, necessária, directa e logicamente -  sem recurso a outras suposições – que a ilação só poderia ser aquela ou que seria impossível ser de outra maneira, afirmando-se, sem qualquer sombra de dúvida, um facto real e concreto.
A consequência retirada do facto desconhecido não pode, de modo algum, colidir com o princípio in dúbio pro reo, também este fundante do processo penal.
A este propósito, lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.1.2004:
«Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser «graves, precisas e concordantes». «São graves, quando as relações do facto desconhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência de outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar (cf.. Carlos Maluf, “As presunções na Teoria da Prova” in “Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, volume LXXIX, página 207».
Ora, não se podendo valorar a prova documental, com o alcance pretendido pela assistente, nos termos supra expostos, dificilmente se poderá retirar dos factos conhecidos, que os arguidos não realizaram, na realidade, uma doação, e que a outorga da escritura apenas visou impedir a cobrança do crédito por parte da assistente.
É que, do encadeamento dos factos que se conhecem, no que respeita às condições em que foi realizada a escritura de doação, não se pode inferir com certeza e segurança, que os arguidos, na verdade, nunca celebraram o negócio titulado pela escritura de doação, nem que tinha o objectivo de impedir a cobrança do crédito da assistente.
Note-se que a própria Recorrente, para sustentar as suas afirmações, recorre, várias e repetidas vezes, a suposições e conjecturas que não têm tradução na factualidade conhecida, como acontece, por exemplo, na que faz sobre a constituição do usufruto.
Neste tocante, diz a Recorrente, que, da constituição do usufruto – facto conhecido – se pode deduzir que:
  «quando o doador não tem efectivamente vontade em fazer uma doação ou tem receio do futuro e, sendo o mesmo prudente e precavido, reserva para si o direito ao usufruto sobre o bem doado, isto para evitar que, após a doação, o donatário possa impedir o doador de ocupar o imóvel, gozando-o de forma plena e exclusiva».
Ora, da constituição de um usufruto, nas circunstâncias que foram apuradas nos autos (e só a estas, repete-se se podem atender), podem razoavelmente, retirarem-se outras ilações, como a que formulou o tribunal recorrido.
Não vislumbramos razão, para não poder, também, concluir que, reservando os doadores para si o direito ao usufruto, sabem que tal direito pode vir a ser, em acção executiva, penhorado – como efectivamente o foi na acção executiva instaurada pela  aqui Recorrente contra os arguidos B... e A... – e posteriormente vendido para cobrança coerciva das dividas.
E, ainda que, neste caso concreto, fosse verdade, como afirma a Assistente,  que a venda do usufruto se mostra impossível ou muito mais difícil do que a venda da propriedade do imóvel, o que é certo, é que os factos subjacentes à impossibilidade ou dificuldade de venda, não constam da acusação, não podendo, por isso, ser valorados como factos conhecidos de onde se pode retirar a intenção dos quatro primeiros arguidos na não realização da doação.
Por último, diga-se, que a lei processual civil, prevendo a dificuldade de venda dos bens penhorados, concede ao exequente, meios processuais, para que possa ser dado outro destino – que não a venda - ao direito de usufruto penhorado.
Ou seja, mesmo conjugando os documentos existentes nos autos com as regras da experiência comum, não se pode concluir pela prova do facto referido na ditas al. a) da sentença.

c) As declarações da Assistente
Alega, ainda a Recorrente que as declarações da Assistente são de molde considerar como provados aqueles factos.
Depois de ouvirmos todos os depoimentos prestados em audiência, especialmente, o da Assistente, concluímos nos exactos termos do julgador da primeira instância.
Acrescentaremos, tão só, que das declarações prestadas pela assistente, resulta claro que os factos materiais e concretos que relata traduzem o desencadeamento processual das diversas acções judiciais, com base no qual formula a sua própria convicção, nada mais acrescentando ao que se encontra documentado nos autos e que foi dado como provado.
Tal acontece quando afirma que «puseram a acção em tribunal por rendas em atraso, tendo sido condenados a pagar-lhe uma quantia. Depois de recorrerem até ao supremo e foi-lhe dada razão», dando a entender que a sua razão de ciência residia nos documentos juntos aos autos.
Mais adiante, mostra a Assistente alguma estranheza pelo facto dos arguidos B... e A..., terem doado a sua casa de habitação aos filhos com a reserva de usufruto, dando a entender que, por via da constituição do usufruto, se poderia concluir que, na realidade os arguidos não tinham celebrado qualquer negócio de doação, posição, aliás, que assume neste Recurso e sobre a qual já nos pronunciámos. 
Nestas circunstâncias, concluímos que inexistiu prova bastante para que se pudessem ter como certos os factos constantes das alíneas a) e c), devendo, por isso, manter-se como não provados.

2.2 – Sobre os  pontos de facto não provados mencionados nas alíneas d), e) ,f) e g) a m) da sentença

2.2.1 Enquadramento da questão
Defende a Recorrente que, a prova documental junta aos autos, conjugada com as regras da experiência, permite retirar conclusões importantes.
Não duvidamos que, de todos os actos processuais que se praticaram nas acções civis – a de reconhecimento do crédito à assistente, a de impugnação pauliana, e a de execução – se podem retirar conclusões muito importantes e até mesmo interessantes.
Porém, para o caso, apenas interessa verificar se a prova documental, conjugada com as regras da experiência comum e com a prova testemunhal, permitem concluir, pela prova dos factos que a Recorrente pretende ver como provados.
Esmiuçadas as conclusões 7ª a 18ª do Recurso e a matéria constante em d) a m) - expurgadas de conceitos de direito e conclusões ou juízo de valor – temos a considerar os seguintes factos que foram dados como não provados:
- Após todos os arguidos terem conhecimento do Acórdão da Relação que confirmava a decisão proferida em 1ª instância, no âmbito da acção de impugnação pauliana, de comum acordo, diligenciaram para que o referido prédio fosse transmitido ao arguido E... da forma mais célere possível [al. d)].
- Todos os arguidos, à data em que foi assinada a letra dada à execução pelo arguido E..., conheciam já o resultado da sentença proferida, em 30 de Maio de 2006, na acção de impugnação pauliana;
- Não obstante tal conhecimento, em comunhão de esforços e vontades, criaram os arguidos uma dívida fictícia para conseguirem alcançar os seus intentos, designadamente impossibilitar a cobrança do crédito do H... e da F... e assim causar-lhes prejuízo patrimonial.
- O arguido E... actuou em comunhão de esforços e vontades com os restantes arguidos, tendo utilizado a acção executiva para todos conseguirem os seus intentos e, assim, retirarem do património dos arguidos A... e B... o prédio penhorado.
- Os arguidos agiram todos em comunhão de esforços e vontades para causarem um prejuízo patrimonial a H..., F..., L...e M..., o que veio a ocorrer, no montante global de, pelo menos, € 24.734,37 (vinte e quatro mil, setecentos e trinta e quatro euros e trinta e sete cêntimos).
- Para tal, os arguidos elaboraram a referida letra, tendo perfeito conhecimento de que tinham feito declarações sem qualquer conteúdo real.
- Ao agirem da forma como agiram, quiseram os arguidos pôr em crise a fidedignidade dos documentos públicos, bem sabendo que, com a sua actuação prejudicaram quer os interesses do H... e F..., quer do próprio Estado, agindo sempre com o intuito de obter benefício ilegítimo, em proveito próprio.
- O arguido E..., em comunhão de esforços e vontades com os restantes arguidos, ao intentar uma acção executiva e aí nomeando à penhora o prédio identificado, levou o Tribunal a efectuar uma venda e adjudicação sem qualquer conteúdo real, visando unicamente causar prejuízo a H... e F..., como de facto se verificou.
- Todos os arguidos agiram com o propósito, concretizado, de impedir a execução de um crédito que sabiam existir a favor do H... e F..., tendo sido realizados negócios jurídicos sem qualquer conteúdo real.
- Todos os arguidos agiram sempre de forma voluntária e consciente, com o intuito de prejudicarem o H... e a F..., no montante não pago, bem sabendo que todas as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Diz a Impugnante, que o juiz a quo não valorou devidamente a prova documental existente, pois da análise dos documentos existentes nos autos, conjugados com as regras da experiência comum e com os depoimentos testemunhais, hão-de ter-se por provados os factos acabados de enunciar.

2.2.2Os meios de prova
a) Declarações orais: Assistente e Testemunhas
A este respeito, adiante-se, desde já, que a audição a que procedemos dos testemunhos produzidos na audiência de julgamento, serviu, tão só, para criar em nós a convicção do acerto da decisão que, neste particular, foi proferida na primeira instância – nenhuma das testemunhas mostrou conhecimento directo daqueles factos.
A Assistente, ao longo do seu depoimento, quando afirma que os negócios celebrados pelos arguidos foram feitos para a prejudicar, funda o seu saber, nos juízos valorativos, que formulou sobre a conduta dos arguidos ao longo da pendência das acções judiciais que instaurou contra os dois primeiros – a de reconhecimento do seu crédito e a impugnação pauliana – especialmente, a acção executiva instaurada pelo arguido E... com base numa letra subscrita pelos arguidos D... e C....
No seu depoimento, a Assistente, se, de um lado, não faz qualquer menção às circunstâncias que rodearam a doação e a instauração da acção executiva, de outro, inculca a ideia que apenas sabe, de uma forma genérica e vaga, o que consta nos ditos processos judiciais. Veja-se, que quando se lhe pergunta se os negócios foram feitos para a prejudicar, responde que sim, porque se «nos tribunais foi dito que eles tinham uma divida para pagar, se foi provado que eles fizeram esta panelinha toda. Para mim foi uma panelinha para não me pagar».
Por seu turno, a testemunha J..., também ela, não relata factos que tenha observado. Transmite o que ouviu dizer - que não pagavam o que deviam, que fizeram falcatruas -  e esclarece que as falcatruas  eram constituídas pelas circunstâncias de dizerem que a casa não era deles, não obstante  continuam lá a morar.
Os depoimentos testemunhais não elucidam nada mais para além do que consta nos documentos juntos aos autos, o que faz com que a prova produzida assente, essencialmente, na prova documental e regras da experiência comum, que apreciaremos, de seguida.

b) Documentos e regras de experiência comum
Damos por reproduzidos os considerandos que acima já tecemos sobre o que se deve entender acerca da valoração da prova documental consubstanciada em certidões de actos processuais retirados de um outro processo civil.
Concretizando e apreciando, agora, cada uma das razões pelas quais a Assistente discorda do julgador da primeira instância, e que a seguir se elencam:
1)  Em 21 de Março de 2006, o arguido E... foi testemunha no processo de impugnação pauliana, não tendo referido, nas suas declarações, ao contrário de outras testemunhas inquiridas, que tinha emprestado aos arguidos qualquer quantia em dinheiro.
A letra que titula o montante da divida de 12 550,00€  foi emitida em 5 de Janeiro de 2006, vencendo-se em 5 de Julho de 2006
Desta factualidade retira a Assistente: A divida não existe, pois caso contrário, o arguido E... tê-la-ia mencionado no testemunho que prestou na audiência de julgamento da acção cível.
Os princípios basilares que enformam todo processo penal – alguns dos quais já enunciámos - proíbem a utilização das declarações que o arguido prestou, como testemunha, naqueloutro processo de natureza civil, nomeadamente, o direito do arguido ao silêncio, sem que este silêncio o desfavoreça.
Só em dois casos, afirma, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, pág. 881, «a lei Portuguesa admite a leitura de depoimento de arguido prestado antes da audiência. A norma do art. 357º, nº 1 é excepcional, pois contraria o princípio da imediação (…) Por isso, não admite aplicação analógica. Podem ser lidas, visualizadas e ouvidas as declarações anteriormente prestadas pelo arguido diante da entidade policial, do órgão de polícia criminal, da autoridade de polícia criminal, do MP ou do juiz se o arguido o solicitar. Nada obsta a que o arguido solicite a leitura de declarações por si prestadas num processo separado, mas se o arguido recusar prestar declarações na audiência não podem ser lidas as declarações que ele prestou em processo separado, tenham-no sido na qualidade de testemunha ou de arguido»

A admitir-se a utilização neste processo, das declarações prestadas pelo arguido, na qualidade de testemunha, no outro processo civil, estaríamos, como já foi notado em alguma jurisprudência, a deixar entrar pela janela, o que não coube pela porta.
Não se podendo utilizar, neste caso, as declarações que o arguido E... prestou, como testemunha, no âmbito do processo civil, encontram-se prejudicadas as demais conclusões que a Assistente delas retirou.

2) O facto de constar na letra, a data de 5 de Janeiro de 2006, por isso anterior, à prolação da sentença de impugnação pauliana, diz a Assistente, que não significa que, aquando da subscrição da letra, os seus intervenientes desconheciam o desfecho da mesma.
Pois não. Mas também não quer dizer o contrário: Que os arguidos, quando emitiram a letra, já conheciam o teor daquela sentença.
Muito menos pode significar, por si só e sem apoio de outro meio de prova, que a data que consta na letra não corresponde ao momento em que foi assinada pelos arguidos.
Ora, ouvida a prova testemunhal gravada, designadamente, a da Assistente e de J..., constatamos que, em momento algum mostram ter conhecimento das circunstâncias em que a dita letra terá sido assinada.
À falta de outros meios probatórios, não se pode concluir, que a data que consta na letra não corresponde à data em que foi assinada, nem que os arguidos tinham conhecimento da sentença quando a assinaram.
   
3) Não existem dúvidas que a alegada dívida foi criada para a circunstância de vir a ser julgada procedente a impugnação pauliana, conclui a Assistente.
Quanto a nós, após ouvirmos a prova produzida e analisados os documentos juntos aos autos, ficámos com dúvidas se a letra foi ou não emitida para a eventualidade da procedência da acção cível.

4) A segunda fase da execução, posterior à prolação do Acórdão do Tribunal da Relação, correu com grande celeridade.
Daqui resulta, afirma a Recorrente, que o arguido E... já conhecia o teor do Acórdão do Tribunal da Relação.
Também, aqui, não lhe assiste razão, porquanto não está demonstrado nos autos – por nenhum meio de prova – nem o Recorrente conseguiu atestar o contrário, mesmo com o recurso às regras da experiência comum, que «os arguidos, conhecedores do teor da sentença de impugnação, e com a interposição do recurso para o Tribunal da Relação, (…)sabiam  que (…) tinham bastante tempo até ser proferido Acórdão na Relação, e se, de facto, o recurso fosse julgado improcedente tal implicaria a desnecessidade de manter a divida fictícia e de proceder à venda do imóvel penhorado».
Não se mostra, assim, possível, sem o apoio de outro ou outros meios de prova, deduzir que o arguido, E..., tinha conhecimento do teor do acórdão da relação, dada a rapidez como foi processada a venda.
E, se irregularidades houve na acção executiva que causam estranheza à Recorrente, não é este o local, o tempo, nem o meio próprio para as apreciar.
Inexistindo outros meios de prova que demonstrem que o arguido E... tinha conhecimento do teor do Acórdão daquele Tribunal Superior, não se pode julgar este facto como provado.

5) O arguido E... requer a adjudicação do imóvel penhorado pelo preço de 30 000,00€ (valor este inferior ao real – 100 000€) com dispensa do depósito do preço e pede que tal adjudicação seja realizada o mais breve possível.
Os arguidos não reagiram ao valor da venda do imóvel.
Se a execução correspondesse à verdade, assentando numa divida real, seria normal que os arguidos reagissem ao valor da venda do imóvel o que não aconteceu.
Com isto, pretende a Recorrente que se infira da ausência de oposição por parte dos arguidos ao valor da venda, que a execução foi forjada entre os arguidos.
Contudo, se, de um lado, se pode entender como normal, a conduta daqueles executados que reagem contra o valor da venda do bem penhorado por um valor inferior ao da avaliação, de outro, não se pode depreender, segundo a razoabilidade da vida, que se o executado não o fizer é porque a dívida não existe.
Por isso, desconhecendo-se os verdadeiros motivos pelos quais os arguidos não se pronunciaram sobre valor da adjudicação do imóvel, e, podendo ter ocorrido vários factores que a justificaram, também, aqui, sem outro meio de prova, não se pode extrair que, da ausência de oposição por parte dos arguidos ao valor da venda, que a execução foi forjada entre eles.

6) O arguido E... entregou, em 15 de Abril de 2008, no processo executivo, um requerimento onde afirmava que «confrontado pelos executados que, alegando dificuldades financeiras, teriam urgência em recepcionar o diferencial entre a quantia exequenda e o preço da adjudicação do imóvel, requerendo autorização para entregar directamente aos executados o diferencial entre a quantia exequenda e o valor da adjudicação, no valor de 17 450,00€» (fls. 159).
No dia seguinte, os arguidos D... e C..., requereram, na mesma acção executiva, que lhes fosse entregue directamente o remanescente entre a quantia exequenda e o valor da adjudicação do imóvel.
Estes pedidos, deferidos por despacho judicial, foram justificados pelos arguidos, em gravíssimas dificuldades financeiras, necessidade de encontrar residência alternativa para morar, já que, até àquela data sempre tinham morado na casa adjudicada.
Como a arguida D..., segundo afirma a Recorrente, não residia na casa dos pais, à data da formulação daqueles requerimentos, pretende que, daqui se conclua que os arguidos D..., C..., A... e B... mancomunados com o arguido E... procuraram arranjar uma razão falsa que permitisse que o alegado pagamento (que nunca existiu) fosse feito directamente, sem passar pela Agente de Execução.
Ora, mesmo que se admita que a arguida D... não residia, em 16.04.2008, na casa adjudicada ao arguido E... (o que não está demonstrado, nem foi julgado, em primeira instância), e que, por isso, seja falsa tal alegação, daí não se pode retirar que os demais motivos invocados – dificuldades financeiras e necessidade de morada alternativa – são, também, eles falsos. Muito menos, se pode inferir, sem recurso a outro meio de prova, que a divida nunca existiu e que os arguidos acordaram em arranjar motivos falsos para conseguir que o pagamento da quantia de 17 450,00€ lhes fosse entregue directamente, sem passar, pela agente de execução.
Inexistindo outros meios de prova, a única conclusão que se pode retirar é que, de acordo com as regras probatórias do processo penal, não se conseguiu apurar, qual a intenção dos arguidos no que concerne à instauração da acção executiva, não podendo, assim, ser julgada como provada.

Por todo o exposto, bem andou o juiz a quo, em julgar não provados os factos impugnados pela Recorrente, mantendo-se inalterada a matéria de facto.

3 – Perante esta decisão, encontram-se prejudicadas, as demais questões suscitadas pela Assistente.


V – DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação,  em julgar não provido o recurso.
Custas pela Assistente que se fixam em 4 UCS (art.s 515º, nº 1, al. b) e 518º, nº 1).
Coimbra,  10 de Dezembro de 2013

Alcina da Costa Ribeiro - Relatora
Cacilda Sena

[1] Diploma a que, de ora em diante, nos referiremos sem indicação do contrário. 
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 15 de Julho de 2004, processo nº 2150/04-5ª citado por Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 15ª Edição, página 828.
[3] Com  o seguinte teor: «Os arguidos B..., A..., C... e D..., assinaram a escritura de doação como se de uma verdadeira doação se tratasse e, como se de facto os arguidos A... e B... doassem aos arguidos C... e D... o referido prédio».
[4] Cf. fls. 427 a 438
[5] Que se distingue dos meios de prova proibidos: todos aqueles que a lei consubstancie como tal (art. 126º).
[6] Documento, para efeitos de processo penal, corresponde à declaração, sinal, ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal – art. 164º.
[7] A noção de documento autêntico é dada pelo art. 363º, nº 2 do Código Civil.
[8] Os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador: art. 371º, nº 1, in fine e 377º do Código Civil.
[9] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º volume, 1974, pág. 210
[10] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e B..., in Código de Processo Civil Anotado, volume 2º , 2001, página 691 e 692.
[11] Cf. art. 4º.
[12] Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 317.
[13] Manuel Simas Santos, Manuel Leal Henriques e David Borges Pinho, in Código de Processo Penal, 1º volume, 1996, página 79 e 80
[14] Cf. o nº 2 do art. 7º, que se pode configurar como uma excepção a este princípio.
[15] Aresto desta Relação, datado de 3 de Julho de 2013 e já citado na nota anterior.
[16] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 2004.