Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERNANDO MONTEIRO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE | ||
Data do Acordão: | 05/13/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COVILHÃ - 1º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART.234 CIRE, 824 CPC | ||
Sumário: | 1.- A exclusão prevista no art.239º, nº3, alínea b), (i), do Código da Insolvência tem como limite mínimo, em regra, o equivalente à remuneração mínima garantida e como limite máximo o equivalente ao triplo do salário mínimo nacional, só excedível em casos excepcionais, devidamente fundamentados. 2.- O sacrifício financeiro dos credores legitima proporcional sacrifício do insolvente. 3.- O sustento minimamente digno do insolvente não se concretiza no que o mesmo diz precisar para o seu sustento mas no que é necessário, num plano de normalidade e razoabilidade, para esse sustento mínimo. 4.- O encargo com uma pensão de alimentos deve ser avaliado em concreto. 5.- Entende-se adequada e equilibrada a fixação do valor equivalente a um salário mínimo para o insolvente como o razoavelmente necessário para o seu sustento minimamente digno, cujo rendimento mensal monta a esse valor, estando ele obrigado a pagar uma pensão de alimentos a uma filha, no valor de 150€ mensais. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
O insolvente L (…) recorreu da decisão proferida nos termos do art.239º, nº3, do Código da Insolvência e que excluiu do seu rendimento disponível um montante equivalente ao valor do salário mínimo nacional, apresentando as seguintes conclusões: 1) Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto despacho judicial de exoneração do passivo restante e nomeação de fiduciário, na parte em que fixou como sustento minimamente digno do ora apelante um salário mínimo nacional excluindo os subsídios de férias e de natal (rendimento disponível). 2) Efetivamente o que tribunal “ a quo” fixou com sustento mínimo para o insolvente foi a quantia de € 335,00 pois ao rendimento mensal atual do devedor há que abater a prestação de alimentos de € 150,00 que o insolvente paga à sua filha menor. Cfr artigo 245º nº 2 alínea a) do CIRE. 3) Tendo o tribunal “a quo” estribado o critério do “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”, no parâmetro do salário mínimo nacional o valor correspondente a este devia ficar, integralmente, liberto não se incluindo no valor do salário mínimo, como rendimento minimamente digno, do apelante, o valor da pensão de alimentos pago à filha menor. 4) O critério do salário mínimo nacional não foi erigido pelo legislador do CIRE como decisivo para a fixação do sustento mínimo do devedor e agregado familiar, mas, isso sim, um juízo de ponderação equitativa em face das circunstâncias singulares e concretas do caso aferido pelo conhecimento da “lei” da vida e sobretudo pelo respeito da dignidade humana. 5) No caso sub iudice, sempre com o devido respeito, a decisão em crise revela iniquidade e desconhecimento dos custos reais mínimos indispensáveis às necessidades básicas e elementares da dignidade humana. 6) Em face do quadro de vida e de despesas do insolvente é adequado e proporcional que lhe seja fixado um valor, de sustento minimamente digno, equivalente a um salário mínimo e meio nacional ou, no limite, que seja protegido, da dação aos credores, a sua remuneração mensal atual, isto é, a quantia de 503,57 € (que inclui os duodécimos de subsídio de natal e férias). 7) O douto despacho recorrido, sempre com o devido respeito, violou, por deficiente interpretação, o artigo 239º nº 3 alínea i) do CIRE. * Não foram apresentadas contra-alegações. * A questão a resolver é a de saber qual é para o caso concreto o “sustento minimamente digno” do insolvente, conforme previsto no art. 239º, nº3, b), (i), do Código da Insolvência. * Os factos provados, embora não destacados na sentença recorrida como tal, são os seguintes: O requerente trabalha por conta de outrem e aufere o salário mensal de €485; recebe atualmente a quantia mensal de 503,57€, por incluir os duodécimos dos subsídios de férias e de natal. Tem uma filha menor, a quem paga uma pensão de alimentos no valor mensal de 150€. (Esta pensão não está certificada neste recurso em separado mas como tal foi considerada pelo tribunal recorrido.) Tem despesas normais de alimentação, consumos mensais de água, luz e gás. (O recorrente refere um total de despesas que o tribunal recorrido não fixou provado, num valor concreto, tendo admitido apenas aquelas “despesas normais”.) Aditados por nós: O passivo do recorrente ascende a cerca de um milhão de euros. O recorrente foi sócio trabalhador de uma sociedade também declarada insolvente. O recorrente tinha rendimentos prediais e 3 imóveis. * A exoneração do passivo restante, conforme o preâmbulo do Código da Insolvência, "conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica." Este instituto assenta num difícil equilíbrio entre dar a estes as condições necessárias para reiniciarem a sua vida em termos patrimoniais e acautelar os legítimos interesses dos credores em verem os seus créditos satisfeitos. O art.239º do Código da Insolvência estatui para a decisão judicial determinar, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, designado período da cessão, que o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a fiduciário escolhido pelo tribunal. E o seu nº3 dispõe que integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor com exclusão: a)(…); b) Do que seja razoavelmente necessário para: (i) O sustento minimamente digno do devedor e seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; (…) (iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou momento posterior a requerimento do devedor. Considera-se como limite máximo do sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar três vezes o salário mínimo nacional. Este valor só poderá ser excedido em casos excepcionais, com decisão fundamentada do juiz. O legislador não fixou expressa e objectivamente o limite mínimo. Porém, tendo em conta o disposto no art.824º, nº 2, do Código de Processo Civil e o decidido nos Acórdãos do Tribunal Constitucional nº177/2002 e 96/2004, na defesa da unidade e certeza do sistema jurídico, aquele deverá, em regra, corresponder à remuneração mínima garantida. A ideia de sustento minimamente digno implicará que o devedor abdique de hábitos de consumo que não são compatíveis com a situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações que caracteriza a insolvência. Também o limite superior referido, relativamente baixo, aponta para uma necessária redução de despesas. Entre os interesses legítimos, conflituantes, do credor na satisfação do seu crédito e o do devedor a manter um rendimento que lhe permita viver com dignidade mínima (arts.1º e 59º, nº1, a), da Constituição), o critério legal dá acolhimento à ideia de que ao sacrifício financeiro dos credores terá de corresponder o sacrifício do insolvente, através da compressão das suas despesas. (Ver, entre outros, também para a ponderação dos valores concretos, os acórdãos desta Relação, nos processos nº3244/11.6TJCBR-F.C1, 1906/10.4T2AVR-B.C1, 2786/10.5TBVIS-D.C1, 1908/11.3TBFIG-B.C1 e 131/11.1T2AVR-D.C1, em www.dgsi.pt.) No caso, importa ainda considerar que a exoneração do passivo restante não abrange o crédito por alimentos da filha do insolvente (art.245º, nº2, a), do Código da Insolvência). Quer isto dizer, face à particular natureza do interesse do seu titular, que o crédito da filha menor está sempre assegurado, possibilitando a redução a 335€ do valor que o insolvente , perante a decisão recorrida, pode gerir para suportar outras suas despesas. Não se conhecem os termos em que a pensão de alimentos foi fixada. A pensão referida é uma despesa do insolvente, embora com particular natureza, não sendo passível de contenção. Ela pode ser considerada nos termos do art.239º, nº3, b), (iii), já citado, e de acordo com as circunstâncias concretas. Assegurado o salário mínimo e apesar daquela despesa especial, o insolvente ainda se coloca dentro do que possa ser entendido como um limite de vida condigna. Nos termos do disposto no art. 824º do Código de Processo Civil, são impenhoráveis 2/3 dos salários auferidos pelo executado, sendo que essa impenhorabilidade tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outros rendimentos, e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional. (Sublinhado nosso.) O Supremo Tribunal já considerou que, “estando em causa a realização coerciva do direito a prestação alimentar no confronto de filho menor, o referencial do rendimento intangível, - como forma de assegurar o limiar de subsistência do obrigado , titular de subsídio de desemprego, operando um balanceamento adequado entre o mínimo de existência constitucionalmente garantido quanto ao progenitor, vinculado a um dever fundamental de prestação de alimentos ao seu filho menor, e o próprio direito à dignidade e sobrevivência do filho - é o rendimento social de inserção – e não o montante do salário mínimo nacional”. (Acórdão de 6.5.2010, no processo 503-D/1996.G1.S1, com referências de decisões do Tribunal Constitucional, em www.dgsi.pt.) O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 306/2005, julgou inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, com referência aos n.ºs 1 e 3 do artigo 63.º da Constituição, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 189.º da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, interpretada no sentido de permitir a dedução, para satisfação de prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão social de invalidez do progenitor que prive este do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais – e considerou que o referencial de isenção de penhorabilidade não devia ser o critério do salário mínimo nacional mas o critério do rendimento social de inserção. Ora, vivendo o Apelante com os € 485, e não fosse insolvente, sempre poderia ser executado a pagar a pensão de alimentos porque ficaria no limite de uma vida condigna, que é o que está em causa. Por outro lado, não podemos ignorar que milhares de portugueses auferem o salário mínimo nacional, muitos deles com família constituída; existem numerosas famílias a viver de rendimento inferior a esse valor, como o denominado rendimento social de inserção; e são muitos os reformados/pensionistas com reformas/pensões não superiores a € 275/mensais. No outro prato da balança está um conjunto de créditos num valor de cerca de um milhão de euros. Considerando então que o Apelante tem agora como único rendimento o salário mensal de € 485 e que a pensão de alimentos da filha foi fixada no valor de € 150, de acordo com o enquadramento jurídico feito e limites referidos, mostra-se adequado e equilibrado o valor equivalente a um salário mínimo, como foi decidido. Foi ainda considerado que os subsídios de férias e de Natal não são necessários para o sustento minimamente condigno do Apelante, pelo que têm de ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência. (Citou-se o acórdão da R.Guimarães, de 14.2.2013, no processo 3267/12.8TBGMR-C.G1, no sítio digital já referido.) Entendemos que não é errada esta posição, servindo tais subsídios, no caso concreto, a satisfazer, de algum modo, os interesses dos credores, sendo também certo que aquela pensão de alimentos paga-se apenas 12 meses no ano. * Decisão. Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida. Custas pelo apelante. Coimbra, 2014-5-13
Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator) Luís Filipe Dias Cravo Maria José Guerra |