Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
104/07.9JBLSB-C.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
REJEIÇÃO DE RECURSO PELA RELAÇÃO
PRAZOS
Data do Acordão: 06/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE MANGUALDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 215º Nº 6 CPP
Sumário: A decisão de rejeição do recurso pelo Tribunal da Relação constitui decisão confirmatória da decisão do tribunal de 1ª instância nos termos e para efeitos do disposto no nº 6 do artigo 215º do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral: I.
Após audiência pública de discussão e julgamento, perante o tribunal colectivo, foi proferido acórdão no qual foi decidido, além do mais:
- condenar o arguido o arguido A..., como co-autor de: 10 crimes de burla qualificada na forma consumada; 9 crimes de extorsão na forma consumada; 8 crimes de extorsão na forma tentada; um crime de branqueamento de capitais na forma consumada; em cúmulo jurídico, na pena única de 17 anos de prisão.
Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso da mesma para o tribunal da relação.
No tribunal da relação o recurso foi rejeitado, por intempestivo.
O arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional em apreciação do qual o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional a norma da alínea c) do n.º1 do artigo 400º do CPP interpretada no sentido de não haver recurso para o STJ de acórdão da relação que, sem prévio contraditório, considera intempestivo o recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade.
Na decorrência e para cumprimento da decisão do TC, o recurso encontra-se de novo neste Tribunal da Relação não tendo ainda sido proferida decisão.
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Na pendência do recurso da decisão final, num dos despachos que reapreciou os pressupostos da prisão preventiva do arguido A... , o Mº Juiz decidiu, além do mais (cfr. despacho proferido a fls. 861-863 dos autos, certificado a fls. 409-4011 dos presentes autos de recurso, com subida em separado):
(…) Com vista à clarificação do limite da prisão preventiva importa, neste momento, apreciar e decidir se a decisão do Tribunal da Relação, que não admitiu o recurso do arguido A..., pode ser entendida como uma decisão de confirmação da sentença condenatória proferida em 1.ª instância e se tem a virtualidade de permitir o alargamento do prazo máximo da prisão preventiva nos termos previstos no n.º 6, do artigo 215.º, do Código de Processo Penal.
(…)
Com o devido respeito pela posição expressa a fls. 723 a 724, considera-se que a decisão de rejeição do recurso apresentado pelo arguido não corresponde à confirmação a que alude o n.º 6, do artigo 215.º, do Código de Processo Penal.
(…)
Por conseguinte, uma vez que não se mostra excedido o prazo máximo de prisão preventiva que, de acordo com os elementos dos autos, termina no dia 19 de agosto de 2012, determino que o arguido A... continue a aguardar os ulteriores termos do processo, nomeadamente o trânsito em julgado da decisão que não admitiu o recurso”.
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Inconformado com o aludido despacho, dele recorre o MºPº.
Na respectiva motivação, formula as seguintes CONCLUSÕES:
1- O art. 215°, 6 do C.P.P. dispõe: "No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em lª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada".
2- Mesmo nos casos em que o tribunal superior rejeita o recurso nos termos do art. 420° do C.P.P., entende-se que existe a "confirmação" a que alude o preceito normativo vindo de transladar. - Paulo Pinto de Albuquerque, "Comentário do Código de Processo Penal", 3a edição actualizada, Universidade Católica Portuguesa, anotação nº 18 ao art. 215°, p. 598, Cunha Rodrigues, in "Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal", Centro de Estudos Judiciários - Livraria Almedina - Coimbra, 1988, pags. 395 e 396, e Ac. do STJ de 26/05/2004, in CJ - Acórdãos do STJ ­ano XII, tomo II/2004, pags. 203 e 204.
3- A decisão sumária do Tribunal da Relação de Coimbra que, por extemporaneidade, rejeitou o recurso interposto pelo arguido A..., do douto acórdão condenatório de Ia instância que o condenou na pena de 17 anos de prisão, é uma decisão de confirmação desse acórdão condenatório proferido em 1ª instância, com a virtualidade, portanto, de permitir o alargamento do prazo máximo da prisão preventiva do arguido nos termos do nº 6 do arte 215º do C.P.P. .
4- Nesta conformidade, o prazo máximo de prisão preventiva do arguido é de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses, pelo que, tendo ele sido sujeito à medida de prisão preventiva em 19/06/2008, o aludido prazo máximo, depois de descontado o período de 4 meses de cumprimento de pena do Processo n.º 4472/08.7TDLBS, expirará em 19/04/2017.
5- Ao não entender assim, o douto despacho recorrido violou o disposto no art. 215º, 6 do C.P.P ..
6- Termos em que o douto despacho recorrido deverá ser revogado no segmento que assim não decidiu, e substituído por outro que, considerando que a decisão sumária do Tribunal da Relação de Coimbra que rejeitou o recurso interposto pelo arguido A..., do douto acórdão condenatório de 1ª instância que o condenou na pena de 17 anos de prisão, é uma decisão de confirmação desse mesmo acórdão condenatório, com a virtualidade, portanto, de permitir o alargamento do prazo máximo da prisão preventiva do arguido nos termos do n.º6 do art. 215º do CPP, fixe o prazo máximo de prisão preventiva do arguido em 8 (oito) anos e 6 (seis) meses.
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Respondeu o arguido manifestando a sua discordância com a motivação do recurso, sustentando a sua improcedência.
Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual manifesta a sua concordância com a motivação do recurso, pronunciando-se no sentido de que merece provimento.
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Corridos vistos, após conferência, cumpre decidir.
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II.
Recapitulemos os elementos dos autos com relevo para a decisão do recurso:
- O arguido/recorrente, A..., foi condenado, pelo Tribunal Colectivo da comarca de Mangualde, como co-autor de: 10 crimes de burla qualificada na forma consumada; 9 crimes de extorsão na forma consumada; 8 crimes de extorsão na forma tentada; um crime de branqueamento de capitais na forma consumada; em cúmulo jurídico, na pena única de 17 anos de prisão.
- Inconformado, recorreu do referido acórdão para o tribunal da relação.
- No Tribunal da Relação de Coimbra foi proferida decisão sumária de rejeição do recurso interposto pelo arguido A..., por extemporâneo (v. fls. 680 a 697).
- O arguido reclamou do aludido despacho para a conferência e, em 11-05-2011, foi proferido acórdão que julgou improcedente a reclamação (v. fls. 461 a 465).
- Inconformado o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse que não foi admitido (v. fls. 809 a 810).
- Apresentou reclamação para o Presidente do STJ, a qual foi julgada improcedente (v. fls. 815 a 820).
- Por fim interpôs recurso para o Tribunal Constitucional. No qual o Tribunal Constitucional decidiu (cfr. fls.413.423): - julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º1 da CRP, a norma da alínea c) do n.º1 do artigo 400º do CPP interpretada no sentido de não haver recurso para o STJ de acórdão da relação que, sem prévio contraditório, considera intempestivo o recurso, admitido em 1ª instância, de decisão que condena o arguido em pena igual ou superior a oito anos de prisão; - consequentemente, conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.
- Na sequência, por efeito e para cumprimento do decido pelo Tribunal Constitucional, o recurso encontra-se pendente neste Tribunal da Relação de Coimbra, para cumprimento da decisão do TC, não tendo sido ainda proferida decisão.
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III.
Está em causa, no presente recurso, decidir se a decisão do Tribunal da Relação que não admitiu o recurso do acórdão de 1ª instância interposto pelo arguido/recorrente A... pode ser entendida como uma decisão de confirmação da sentença condenatória proferida em 1ª instância, com a virtualidade de permitir o alargamento do prazo máximo da prisão preventiva nos termos previstos no nº 6 do artigo 215º do Código de Processo Penal.
Dispõe o citado preceito legal: No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.

Atendendo a que, no momento em que foi proferido o despacho recorrido, constava já dos autos a decisão do TC que determinou a reforma da decisão do tribunal da relação, com os fundamentos supra aludidos, a questão da aplicação, no caso, do disposto no citado nº6 do art. 215º, subdivide-se em duas: - decidir se a decisão de rejeição do recurso, não conhecendo de mérito, pode considerar-se “confirmação” para efeito do disposto no citado n.º6 do art. 215º; e - no caso de a decisão de rejeição do recurso ter sido objecto de “cassação”, em via de recurso, ainda assim pode ter efeito, como decisão confirmatória da decisão de 1ª instância, nos termos e para efeitos do aludido dispositivo legal.

Em relação à primeira questão, salvo o devido respeito por entendimento contrário, tem-se como acertado o entendimento de Pinto de Albuquerque (Comentário do C.P.P., ed. da U. Católica, 4ª ed. p. 620, anotação 18 ao art. 215) de que «a regra da “confirmação” em matéria de medidas de coação não deve ser interpretada no mesmo sentido que a regra da “dupla conforme” em matéria de recursos (cfr. art. 400º do CPP), uma vez que o propósito destas duas regras é diferente: a regra da “dupla conforme” visa evitar a interposição de recursos para o S.T.J. e a regra da “confirmação” em matéria de medidas de coacção visa alargar o prazo das mesmas precisamente quando há recurso para o STJ ou para o TC. Assim há confirmação quando o tribunal de recurso rejeita o recurso nos termos do art. 420º do CPP ou aplica pena igual ou superior à pena da sentença recorrida».
No mesmo sentido cfr., citados na motivação do recurso, Cunha Rodrigues (Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal, Centro de Estudos Judiciários - Livraria Almedina - Coimbra, 1988, p. 395 e 396) e Ac. do STJ de 26/05/2004, CJ - Acórdãos do STJ ­ano XII, tomo II/2004, p. 203 e 204.
Com efeito só aquele entendimento se coaduna com a ratio e finalidade do preceito. Por um lado, atenta a natureza do recurso, da decisão da relação que rejeita o recurso resulta, inexoravelmente, a manutenção inalterada da decisão recorrida. Por outro, a finalidade da lei é a de evitar que, por efeito da interposição de sucessivos recursos, possa ser atingido, sem mais, limite do prazo máximo da prisão preventiva, atenta a natureza cautelar das medidas de coacção.
Aliás as causas de rejeição do recurso (cfr. art. 420º, 1, do CPP) são a manifesta improcedência, a inadmissibilidade legal e a não apresentação de conclusões após convite. Assentando, pois, a rejeição liminar em fundamentos mais elementares/básicos que a improcedência. Justificando pois, por argumento de maioria de razão, a aplicação do efeito da decisão confirmatória.

No que toca à segunda questão – no momento da aplicação da norma do art. 215º nº6 a decisão confirmatória ter sido revogada em via de recurso - poderia entender-se que, com a revogação da decisão do tribunal de 2ª instância desapareceu o fundamento da “conformidade”.
No entanto, tal solução levaria desde logo ao absurdo de, quando o fundamento do alargamento do prazo é mais candente, este deixaria, sem mais, de ser possível.
Ora a razão de ser da lei é a de que a existência de uma decisão do tribunal de 1ª instância e de um tribunal de 2ª instância, no mesmo sentido, constitui fundamento suficiente para alargar o prazo da prisão preventiva. Alargamento necessário para evitar a extinção automática de uma medida, de natureza cautelar, por efeito da interposição de sucessivos recursos. Tendo em vista ainda que, tendo duas instâncias decidido no mesmo sentido, sai reforçada a probabilidade de acerto, justificando, por isso, o alargamento do prazo da medida de natureza cautelar.
Trata-se aliás de situação semelhante á de - apesar da “confirmação” da decisão recorrida pelo tribunal da relação – ter sido determinado, em via de recurso, pelo STJ, o reenvio do processo para novo julgamento ou a anulação da decisão recorrida.
Entendendo-se que a decisão da relação, embora sujeita a revisão ou anulada pelo tribunal de recurso, não deixou de existir e produzir efeitos como reapreciação confirmatória da decisão do tribunal de 1ª instância enquanto tal – designadamente para os efeitos de alargamento do prezo de medida de natureza cautelar. Neste sentido, tendo em vista decisão revogada com reenvio para novo julgamento – cfr. Ac. STJ de 27.11.2007, processo 3773/07-5; E tendo em vista o acaso de anulação da sentença – cfr. Ac. STJ de 27.11.2006, processo 05P1834; ambos citados por Vinício Ribeiro CPP Anotado, p. 605, em anotação ao art. 215.

De qualquer forma, no caso, o TC não revogou, materialmente, a decisão do tribunal da relação nem se pronunciou, materialmente, sobre o juízo subjacente à rejeição. A decisão do TC penas determinou a reformulação da decisão por efeito do juízo de inconstitucionalidade – decidindo que, antes de decidir a rejeição, nos moldes e com os fundamentos ali enunciados, o tribunal da relação devia ter ouvido o recorrente, para assegurar o contraditório.
Não existe, assim, uma desautorização material da decisão do tribunal da relação. Apenas foi determinada a imposição de ouvir previamente o visado. Não a revogação da rejeição do recurso propriamente dita ou o juízo material que lhe está subjacente.

Pelo que se conclui que formal e materialmente, no caso dos autos, a decisão de rejeição do recurso constitui decisão confirmatória da decisão do tribunal de 1ª instância nos termos e para efeitos do disposto no nº 6 do artigo 215º do Código de Processo Penal.


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IV.
Nestes termos decide-se conceder provimento ao recurso determinando a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que, considerando, no caso, que a decisão de rejeição do recurso, pelo tribunal da relação, constitui decisão confirmatória da decisão do tribunal de 1ª instância nos termos e para efeitos do disposto no nº 6 do artigo 215º do Código de Processo Penal, determine o prazo da prisão preventiva em conformidade. ----
Sem tributação

Belmiro Andrade (Relator)
Olga Maurício