Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6216/15.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
ÓNUS DO IMPUGNANTE
REJEIÇÃO
REIVINDICAÇÃO DE IMÓVEL POR CONSORTE
USUCAPIÃO
POSSE
MÁ-FÉ PROCESSUAL
Data do Acordão: 10/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUIZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CASTRO DAIRE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 33º, Nº 3, 452º E 640º NCPC; 1405º, Nº 2 DO C. CIVIL.
Sumário: I - Razões de auto responsabilidade, transparência, racionalização e celeridade, subjazem às exigências formais do artº 640º do CPC.

II - Assim, a não indicação, em sede de conclusões, dos pontos de facto impugnados,  e, mesmo em sede do corpo das alegações, dos meios probatórios discriminadamente aduzidos  de um modo objetivo, sintético, claro e fundamentado para cada facto impugnado e da decisão diversa que se pretende para cada facto, implica a liminar rejeição do recurso.

III - O tribunal de recurso apenas  reaprecia questões decidas e não aprecia questões novas.

IV - O consorte tem legitimidade para reivindicar de terceiro,  inexistindo litisconsórcio necessário, quer por  exigência da natureza da relação jurídica, pois que a ação produz o seu efeito normal: artº 33º nº3 do CPC,  quer por permissão legal – artº 1405º, nº 2 do CC.

V – Provada a posse pacífica, pública e de boa fé decorrente ao longo de mais de vinte anos, a mesma é idónea à aquisição por usucapião, forma originária de aquisição que se sobrepõe a qualquer forma de aquisição derivada.

VI - Não provando o justificante notarial, como é seu ónus, os factos vertidos na respetiva escritura, e  não podendo ele beneficiar da presunção do registo do artigo 7.º do  CRP – cfr. AUJ n.º 1/2008,  de 04.12.2007  -   tal escritura tem de ser julgada ineficaz, com as legais consequências, vg. sobre atos jurídicos dela dependentes.

VII – A condenação por danos não patrimoniais exige a prova de factos que, objetivamente, sejam  gravemente  nocivos da esfera jurídico pessoal, tendo, assim, de se situarem para além do que é exigível suportar num contexto de vivência social, e não bastando a instauração de ação cujos fundamentos não se provam.

VIII - A condenação  como litigante de má fé exige a prova de factos dos quais se conclua com meridiana clareza pela atuação  da parte com a consciência ou convencimento da sua  sem razão no plano factual, não bastando para tal a prova da tese da parte contrária ou a sucumbência no plano jurídico.

IX –O pedido reconvencional soma-se ao inicial para determinar o valor processual e, assim, o direito ao recurso em função das alçadas, mas assume autonomia tributária, pelo que a condenação em custas deve atender não aqueles pedidos em bloco, mas antes à sucumbência em cada pedido  verificada.

Decisão Texto Integral:




DECISÃO DO RELATOR - ARTº 652º, Nº 1, AL. E) DO CPC.

1.

Com as suas alegações recursivas os réus juntaram um documento – relatório médico atinente à ré M... -, para provarem afetações  físico-psíquicas e depressivas da mesma.

Tal documento é datado de 03.12.2020.

Apreciando.

Os documentos devem, por via de regra, serem apresentados com o articulado em que se aleguem os factos a que se reportam ou até vinte dias antes da audiência final, neste caso já com multa – artº 423º, nº1 e 2 do CPC.

Posteriormente, vg. em sede de recurso, apenas podem ser admitidos os que não tenha sido possível apresentar até aqueles momentos, porque subjetiva ou objetivamente supervenientes, ou os que se revelarem necessários em virtude de ocorrência posterior – artº 423º, nº 3 e 425º do CPC.

 Com esta redação, a lei, rectius a dimanante da reforma de 2013, pretende a celeridade processual, a proteção do contraditório, e a eliminação de expedientes dilatórios que, frequentemente, desembocavam no uso da faculdade da junção de documentos em plena audiência de julgamento com a inelutável e perniciosa consequência do seu adiamento.

Note-se que, versus o que normalmente acontecia de pretérito, presentemente a junção de documentos após o limite  temporal dos 20 dias anteriores  à realização da audiência, não acarreta, por via de regra, o adiamento da produção de prova, o que apenas poderá acontecer excecionalmente e se o juiz, fundadamente, declarar que há grave inconveniente no prosseguimento da audiência – artº 424º do CPC.

Os princípios da autorresponsabilidade das partes, designadamente no sentido de contribuírem para uma tramitação processual célere e escorreita, bem como o princípio da preclusão, são aqui convocáveis e relevantes.

No caso sub judice  os réus não provaram que  o documento apenas podia ter  sido emitido na data nele constante  e que, antes, com os articulados, ou até à audiência final, não o tenham podido juntar, quer com o mesmo teor quer com  um teor semelhante.

Antes se indiciando  que tal apresentação mais temporã era possível, pois que decorre do por eles alegado que os sintomas da indiciada doença  já se manifestavam há anos, e dimana do teor do próprio documento  que a paciente, só naquela médica que o emitiu e subscreveu, já andava a ser acompanhada desde abril de 2019.

Por outro lado não se vislumbra, posteriormente à apresentação da contestação/reconvenção, qualquer outro facto ou ocorrência novo/a atinente ao teor do documento que  justificasse e permitisse a sua junção apenas  na fase recursiva.

2.

Decisão.

Pelo exposto:

Não admito a junção.

Custas incidentais pelos réus requerentes, com taxa de justiça que fixo em uma UC.

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

E... e marido, A... intentaram contra M... e mulher L..., A... e mulher M... e S..., a presente ação declarativa,  de condenação, sob a forma de processo comum.

Alegaram:

São donos e legítimos possuidores de um prédio rústico composto principalmente de mato, pinhal e eucaliptal, porém com carvalhas e outras árvores e arbustos, atualmente denominado de “Bessada” ou “Torrão do Meio”, sito na ... que confronta do Norte com estrada (anteriormente junta de freguesia), do Sul com caminho de servidão ou acesso a propriedades, do Nascente com herdeiros de E... e do Poente com Herdeiros de E..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... da dita freguesia de ... pela descrição ... com inscrição a favor dos AA desde 19/10/1999, ou seja há mais de 16 anos.

Que o prédio veio à  sua posse e propriedade  por doação dos pais da A. efetuada através de escritura pública de justificação notarial e doação outorgada em 06/06/1997 no Cartório Notarial de S. Pedro do Sul e aí exarada a fls. ... do livro ... em que foram justificantes e doadores os pais da aqui Autora T... e L...

O pai da A. havia recebido aquele prédio com outros demais por testamentos e herança deixada pelo avô paterno da A. V... e por testamentos deixados por irmãos deste, nomeadamente deixado por F..., testamento outorgado em 12/10/1949 e por testamento deixado por J... outorgado em Arouca em 01/07/1957.

...

Desde há mais de 10, 15, 20, 30, 60 e 80 anos que os AA têm por si e seus antepossuidores andado a possuir esses prédios, roçando mato, apanhando lenhas, limpando-o, colocando marcos, aproveitando águas na regueira que atravessa o mesmo, plantando eucaliptos, delimitando os prédios com os seus confinantes, conhecendo e respeitando os marcos, usufruindo de todas as vantagens daquele prédio.

Os AA que acedem ao prédio inicialmente pelo caminho de servidão que o limita a sul e posteriormente por uma estrada que o limita a Norte, sendo por esta que o pai da A. um seu filho e duas outras pessoas ali acederam para plantar eucaliptos há quase 30 anos e para ali descarregarem as lenhas e o mato, à vista de toda a gente sem interrupção e oposição de quem quer que fosse, pelo que, se outro titulo não tivessem, os AA teriam adquirido o prédio por usucapião que expressamente invocam.

Os RR, há cerca de meio ano, decidiram proceder no prédio dos AA ao corte de 22 eucaliptos que dali retiraram e se apropriaram, causando um prejuízo de 2.750,00 euros, sendo que também  os RR há cerca de meio ano começaram a dizer que aquele prédio lhes pertence, avançando os 1.º e 2.º RR que o prédio lhes coube em herança e o 3.º R afirmou aos AA que o prédio em causa nos autos não lhes pertence.

Nunca praticaram os RR qualquer acto de posse pública com conhecimento dos AA e recusaram-se a pagar aos AA o valor dos eucaliptos que cortaram e retiraram do prédio.

Em consequência, pediram:

1) Se reconheça que os AA são donos e legítimos possuidores do prédio descrito em 1) da PI;

2) Se condenem os RR a  absterem-se de praticar quaisquer atos que impeçam ou diminuam o gozo da propriedade dos AA sobre tal prédio e na sanção pecuniária compulsória de 50,00 euros por cada dia que pratiquem qualquer ato que impeça ou diminuam o exercício daquele direito de propriedade;

3) Se condenem a pagarem aos AA solidariamente o valor dos 22 eucaliptos que cortaram e se apropriaram no prédio descrito no artigo 1 e cujo valor não é inferior a 2.750,00 euros ou outro a melhor liquidar em execução de sentença.

Os RR  contestaram e reconvieram:

Alegaram que o último Réu não se apoderou de quaisquer eucaliptos do prédio em causa nos presentes autos, nunca disse que tal prédio lhe pertencia, nunca se arrogou proprietário ou comproprietário do mesmo prédio, nem fez qualquer afirmação aos Autores ou ao seu mandatário acerca dos limites, confrontações, proprietários do prédio rústico em litígio, quer anteriormente, quer no encontro de 9 de Outubro de 2015.

Os Autores, a 9 de Outubro de 2015 e até antes, desde a receção de carta elaborada pela mandatária dos primeiros quatro Réus, foram devidamente informados dos reais proprietários do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ..., sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ..., tendo-lhes sido exibidos todos os documentos que quiseram ver e prestados todos os esclarecimentos necessários para aniquilar qualquer dúvida que pudessem ter.

...

Acresce que a vendedora M... vendeu aos compradores vários prédios, entre os quais o “Terceiro – Uma terra de monte, no mesmo sítio e limite, que parte do nascente, poente e sul com herdeiros de J... e norte com baldio, inscrita na matriz sob o artigo ..., onde tem o valor de duzentos e três escudos e vinte e oito cêntimos”.

...

A 11 de Julho de 1990 a viúva M... realizou escritura de doação de todos os bens constantes de documento complementar a seus sobrinhos M... e M..., incluindo a verba “NÚMERO TRINTA E SETE: - Uma quinta parte indivisa de um terreno de mato e pinhal e eucaliptal, no sítio da BESSADA, dito limite, com a área de seiscentos e quarenta metros quadrados, a confrontar do norte com Junta de Freguesia, nascente com E..., sul com o caminho e poente com E..., inscrito na matriz predial rústica da dita freguesia de ..., sob o artigo número ..., com o rendimento coletável de seis escudos e o valor patrimonial de cento e quarenta escudos, correspondente à fração e o declarado de mil escudos”.

...

O prédio rústico denominado “Leira do Meio do Torrão”, inscrito desde 1982 na matriz cadastral de prédios rústicos da freguesia de ... sob o artigo ..., foi inicialmente pertença de M..., que o deixou em herança à sua herdeira M... - ver Doc. n.º 2, página 40 da Escritura Pública de Partilhas outorgada pelos herdeiros de M..., de C..., a 17 de Abril de 1929. M..., através do seu procurador J... vendeu posteriormente a J... prédio rústico agora em litígio.

...

A plantação de eucaliptos em 1992 fez parte de um plano de florestação global dos vários terrenos de monte em V... e redondezas de que são proprietários e não apenas daquele terreno em concreto, sendo o prédio rústico em litígio um terreno de monte com eucaliptos, pinheiros, alguns sobreiros e algumas oliveiras na parte sul, os atos exercidos pelos antecessores dos Réus, os P..., e mesmo pelo avô M..., resumiam-se ao trato de oliveiras, colheita de azeitona, pastoreio de gado até há cerca de 40 anos atrás, porque a pastagem de gados não permitia o crescimento de mato, arbustos ou árvores.

Desde há cerca de quarenta anos até à data atual, com a grande redução de gados, cresceram alguns sobreiros, pinheiros e foram plantados eucaliptos pelo Sr. J... e há 23 anos pelo marido da legítima herdeira, M..., sendo abandonadas as oliveiras.

Atualmente os primeiros quatro Réus ainda procedem à remoção da cortiça de alguns sobreiros e, apesar de menos vezes do que era desejável, à limpeza e remoção de algum mato, que cresce em redor dos eucaliptos, pinheiros e sobreiros.

Todos esses atos sempre foram praticados pelos Réus, assim como pelos seus antecessores, à vista de toda a gente, sendo tratados pelos habitantes de V... como donos do terreno. Os Réus, assim como os seus antepassados estão assim na posse e domínio daquele prédio rústico, desde a aquisição a M... em 1957 até aos dias de hoje ininterruptamente, posse que assim detêm há exatamente 58 anos, de forma contínua e reiterada, sem interrupção ou ocultação de quem quer que seja.

Essa posse foi adquirida sem violência e mantida pacificamente e de boa-fé, sem oposição de quem quer que seja, ostensivamente, com conhecimento de toda a gente e com aproveitamento de todas as utilidades do prédio, agindo sempre por forma correspondente ao  exercício do direito de propriedade, sempre na convicção legítima de que exerciam um direito próprio, o direito de propriedade sobre o imóvel supra identificado, e que não estavam a lesar o de ninguém, quer usufruindo como tal do imóvel, quer suportando os respetivos encargos.

Os Réus estão na posse do prédio em discussão, de forma pacífica, contínua e pública, pelo que se não tivessem adquirido de outra forma, isto é, se não lhes tivesse sido legítima e validamente transmitido, sempre tinham adquirido o referido prédio por usucapião, instituto que aqui e para todos os efeitos se invoca.

Nunca os Autores, nem ninguém da sua família, incluindo antecessores, foram vistos a roçar mato, a apanhar lenhas, a limpar o terreno, a aproveitar água da regueira, ou a plantar eucaliptos. sendo totalmente falso que alguma vez tenham utilizado o terreno e muito menos há mais de 16 anos.

O terreno em discussão é atualmente um terreno de monte com acessos muito condicionados, inacessível a veículos, por ter grande inclinação, 50% a 60%, pelo que a retirada ou descarga de lenha ou mato só é possível “ao molho”, carregado pessoalmente às costas, e dada a abundância de mato e lenha em outros locais de mais fácil acesso a veículos de carga é muito improvável que alguém, incluindo os Autores, alguma vez tenha retirado mato ou apanhado lenha naquele terreno.

Desde cerca de quarenta anos até à data atual, com a grande redução de gados, cresceram alguns sobreiros, pinheiros e foram plantados eucaliptos pelo Sr. J... e há 23 anos pelo marido da legítima herdeira, M..., sendo abandonadas as oliveiras.

Atualmente os Reconvintes ainda procedem à remoção da cortiça de alguns sobreiros e pessoalmente, apesar de menos vezes do que era desejável, à limpeza e remoção de algum mato, que cresce em redor dos eucaliptos, pinheiros e sobreiros.

Os Reconvintes, assim como os seus antepassados estão na posse e domínio daquele prédio rústico, desde a aquisição a M... em 1957 até aos dias de hoje ininterruptamente, posse que assim detêm há exatamente 58 anos, de forma contínua e reiterada, sem interrupção ou ocultação de quem quer que seja.

Os Autores acusam os primeiros quatro Réus de se terem apropriado ilegitimamente de eucaliptos do terreno em litígio e de  pretenderem igualmente apropriar-se de um terreno que alegadamente não lhes pertence fazendo tais afirmações na peça processual que subscrevem, mas também verbalmente perante os habitantes de V..., amigos, conhecidos e até familiares dos Réus, aqui Reconvintes, e mesmo perante os funcionários do Serviço de Finanças de ..., ofendendo a honra, a consideração e até a integridade moral dos Reconvintes, que nunca antes se viram perante tamanho vexame frente aos seus conhecidos, amigos, familiares de V... e até mesmo do Porto, pois tais afirmações e notícia da ação judicial contra si instaurada já chegou ao conhecimento dos seus familiares no Porto e ainda perante os funcionários do Serviço de Finanças de ...

Os quatro Réus são pessoas sensíveis, de alguma idade e com vários problemas de saúde, nomeadamente do foro psicológico e cardíaco, estando medicados constantemente por tal quadro de saúde, tendo vindo a sofrer um agravamento do estado de saúde pela instauração da presente ação, pelo conhecimento das afirmações que contra si os Autores têm vindo a proferir têm provocado nos Reconvintes incómodos, transtornos, dores e sofrimento extremamente elevados, ansiedade e tristeza, sendo sua causa direta e exclusiva.

Terminam pedindo:

1) que o último Réu seja, de imediato, declarado parte ilegítima nos presentes autos, absolvendo-se o mesmo da instância

2) que sejam julgadas procedentes, por provadas, as demais exceções invocadas pelos Réus na Contestação

3)  que, subsidiariamente, seja julgada a presente ação improcedente, por não provada, absolvendo-se os Réus de todos os pedidos contra eles formulados, não se reconhecendo qualquer direito de propriedade dos Autores sobre o prédio em discussão

4) que seja declarada nula a Escritura de Justificação Notarial, pelos fundamentos supra expostos e declarado inexistente o direito invocado pelos Autores,

5)  que seja declarada nula a Doação realizada por M... e L... a E...

6)  que seja ordenado o Cancelamento do respetivo Registo Predial relativo ao prédio descrito sob o n.º ... da freguesia de ..., apresentado pela AP. ... de 1999/10/19 na Conservatória do Registo Predial de ..., assim como todos os registos subsequentes

7) que,  cumulativamente, seja reconhecido o direito de propriedade dos Reconvintes sobre o prédio rústico em litígio e, em consequência, os Reconvindos condenados a absterem-se da prática de quaisquer atos  que perturbem o exercício do referido direito

8)  que sejam os Reconvindos condenados, solidariamente, a pagar aos Reconvintes a quantia de €20.000, a título de indemnização por todos os danos não patrimoniais provocados

9) que sejam os Autores condenados em custas, procuradoria e como litigantes de má-fé, em multa a fixar pelo tribunal e em indemnização aos Réus em valor não inferior a € 5.000,00.

Os autores replicaram:

Alegando para o efeito a presunção legal resultante do disposto no artigo 7.º do CRP.

Ademais, o prédio veio à posse por transmissão em vida (por doação), operada pelos pais da A por escritura pública de justificação notarial e doação outorgada em 06/06/1997.

....

Foram os AA e seus ante possuidores quem naqueles prédios roçou mato, apanhou lenhas, procedeu a limpeza e procedeu à plantação de eucaliptos.

Terminam concluindo pela improcedência da reconvenção devendo os RR serem condenados como litigantes de má-fé em multa e indemnização aos AA a fixar equitativamente.

Em resposta os RR invocam que é falso que os Autores assim como seus antepossuidores (F...) tivessem a posse titulada do terreno em discussão, porque não possuem título válido e a anterior possuidora do terreno foi M..., que vendeu tal prédio rústico, no conjunto com outros prédios, aos antepassados dos Réus, dos quais já provaram ser legítimos herdeiros.

Foi admitida a intervenção principal provocada dos chamados L..., J... e M..., os quais após citação vieram a apresentar contestação.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente e a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, decido:

1) Absolver os RR de todos os pedidos formulados pelos AA.

2) Reconhecer que os 4 primeiros RR são legítimos proprietários do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... da dita freguesia de ... pela descrição ....

3) Declarar nula a doação realizada por M... e L... a E... relativamente ao prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... da dita freguesia de ... pela descrição ...

4) Ordenar o Cancelamento do Respectivo Registo Predial relativo ao Prédio descrito em ... da freguesia de ... apresentado pela AP ... de 1999/10/19.

5) Absolver os AA do demais peticionado pelos RR.

As custas serão suportadas na proporção de 95% pelos AA e 5% pelos RR.»

3.

Inconformadas recorreram ambas as partes.

3.1.

Conclusões dos autores:

...

NESTES TERMOS e nos mais que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão deve dar-se provimento ao presente recurso e, assim: a) ou absolver-se os reconvintes / recorrentes do pedido ou a que foram condenados; b) ou (subsidiariamente) absolver os mesmos da instância; c) reformar-se sempre a sentença quanto ao valor dos decaimentos,

3.2.

Conclusões dos réus:

...

18. Termos em que e nos melhores de direito que V.as Exmas. doutamente suprirão os Recorrentes requerem a revogação desta parte da decisão recorrida e a sua substituição por decisão condenatória dos Autores-Reconvindos em indemnização por danos não patrimoniais, nos termos que peticionaram.

19. Os Réus-Reconvites logo no primeiro articulado que apresentaram nos autos alegaram que os Autores litigavam com má-fé pelos motivos que expuseram nos artigos 136.º a 147.º da Contestação-Reconvenção.

..

24. Pelo que requer-se a este tribunal superior a apreciação destas questões preteridas no Acórdão que proferirá, declarando nula ou ineficaz a escritura de justificação notarial impugnada nos autos, arbitrando indemnização adequada aos Réus-Reconvintes pelos danos não patrimoniais sofridos em virtude dos actos dos Autores-Reconvindos e condenando os Autores em multa e indemnização por litigância de má-fé.

 Contra alegaram autores e réus, pugnando  pela improcedência do recurso da outra parte.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são, lógica e metodologicamente, as seguintes:

A - Do recurso de ambas as partes.

1ª - Alteração da decisão da matéria de facto.

B - Do recurso dos autores.

2ª - Ilegitimidade dos réus.

3ª – Improcedência dos pedidos dos réus em  que eles, autores,  foram condenados.

C - Do recurso dos réus.

4ª-  Procedência dos pedidos das alíneas d), h) e i) da Contestação-Reconvenção.

D – Do recurso dos autores:

5ª – Reforma da sentença quanto  a custas atento o valor dos decaimentos.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido - artº 607º, nº 5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade – a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Assim sendo, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua  subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando -  objetiva, crítica, logica e racional do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

Por outro lado e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

É que:

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  sup. cit.

Nesta senda, estatui o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;»

Da consideração concatenada do elemento histórico/teleológico que constitui o preâmbulo de um diploma legal, resulta, numa exegese respeitadora da letra e do espírito da lei, desde logo uma ilação fulcral, a saber: a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão.

 Certo é que:

 «…a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia…O recurso de apelação em matéria de facto não é, em rigor, um meio para um novo julgamento mas um “recurso de reponderação” ou “recurso de reexame” do julgamento realizado na instância antecedente»  - Ac. do STJ de 30.05.2019, p. 156/16.0T8BCL.G1.S1 in dgsi.pt. como os infra citados

Efetivamente:

«O sentido e alcance destes requisitos formais de impugnação da decisão de facto devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza e estrutura da própria decisão de facto.

Assim, em primeira linha, importa ter presente que, no domínio do nosso regime recursório cível, o meio impugnatório para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global ou latitudinário da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida. Significa isto que a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da ação, mas julgar a própria decisão recorrida.» - Ac. do STJ de 17.03.2016, p. 124/12.1TBMTJ.L1.S1.  cfr, ainda, o Ac. do STJ de  09.07.2015, p. 405/09.1TMCBR.C1.S1 in dgsi.pt.

Na verdade:

«…a lei, cooptando o recorrente para a colaboração com o tribunal e para a autorresponsabilização, visa agilizar a intervenção da Relação na reapreciação (que é pontual, no sentido de circunscrita a certos factos e a certas provas) da matéria de facto…» - Ac. do STJ de 18.06.2019, p. 152/18.3T8GRD.C1.S1.

Assim:

«A impugnação da matéria de facto não se destina a que a Relação reaprecie global e genericamente a prova apreciada em 1.ª Instância, não sendo admissível, como se extrai do preâmbulo do DL n.º 39/95, de 15-02, um ataque genérico à decisão da matéria de facto e impondo-se, ao invés, ao recorrente um especial ónus de alegação no que respeita à definição do objecto do recurso e à sua fundamentação...» Ac. do STJ de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1.

Pois que:

«o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta aos interessados o acesso ao recurso de forma ilimitada, sendo por isso, conforme à Constituição da República Portuguesa a imposição de ónus para quem impugna a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância”» - Ac. do STJ de  19.12.2018, p. 2364/11.1TBVCD.P2.S2.

(sublinhado nosso)

Por outro lado, e nesta senda:

«…A indicação precisa do início e termo das concretas (…) passagens da gravação destina-se a simplificar a tarefa da Relação na reapreciação da prova gravada, não só chamando a atenção para aquela parte do depoimento, como tornando mais fácil e célere a respetiva localização na gravação, sabido como é que, em regra, cada testemunha depõe sobre mais do que um facto. De outra forma bastaria que o recorrente impugnasse a decisão sobre a matéria de facto cumprindo todos os ónus estabelecidos no art. 640º do CPC, com exceção do determinado na al. a) do nº 2, e requeresse a audição e reapreciação integral de todos ou de alguns os depoimentos o que significaria a repetição do julgamento, desiderato que não foi visado pelo legislador”.» - Ac. do STJ de 26.1.2017, p. 599/15.7T8CLD.C1.S1, apud, Ac. do STJ de 18.09.2018, p. 108/13.2TBPNH.C1.S1; cfr, ainda, os Acs. do STJ de 27.10.2016, p. 3176/11.8TBBCL.G1.S1 e de 05.08.2018, p. 15787/15.8T8PRT.P1.S2. in dgsi.pt.

A transcrição parcelar dos depoimentos não exime ao cumprimento daquele dever.

Certo é que o cumprimento destes requisitos formais  deve ser avaliado em função de critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

Pelo que, presentemente, é entendimento maioritário dos tribunais de recurso – Relações e STJ -  que o não cumprimento  nas conclusões do requisito da al. a) do nº 2 – indicação com exatidão das passagens da gravação dos depoimentos em que se estriba – não é motivo de indeferimento liminar se tal foi cumprido no corpo alegatório; e mesmo que aqui não seja cumprido, há quem entenda que deve ser proferido despacho de aperfeiçoamento no sentido de tal cumprimento.

Porém, já  é comummente  defendido que os outros requisitos do nº1 – porque as alegações definem o objeto do recurso e por razões de cooperação para a celeridade -  devem nestas constar.

Assim:

«Para efeitos do disposto nos artigos  640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir,  previstas nas alíneas a), b)  e c) do nº 1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por  função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.

E, por outro lado, a exigência da  indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada  na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um  ónus secundário, tendente a possibilitar  um acesso mais ou menos  facilitado aos meios de prova gravados relevantes  para a apreciação da impugnação deduzida.

Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1, alíneas a), b) e c)  do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso…» - Ac. do STJ de  21.03.2019, p. 3683/16.6T8CBR.C1.S2.

E mesmo que se entenda que nem todos estes requisitos devem ser exigidos como presentes, com rigor e perfeccionismo, nas conclusões, pelo menos um, qual seja o da al. a) – indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados -  deve nelas constar, adrede e inequivocamente.

É esta, tanto quanto alcançamos, a posição jurisprudencial unânime, aliás no seguimento do entendimento da doutrina nesta matéria.

Assim:

«A rejeição do recurso de apelação a respeito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apenas pode radicar, atendo-nos propriamente ao conteúdo das conclusões, na falta de especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados. Todos os demais elementos legalmente mencionados, em especial no art. 640.º, n.º 1, do CPC – especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados, menção sobre o sentido da decisão pretendido e indicação exacta das passagens da gravação em que o recurso de funda –, apenas se faz indispensavelmente mister que constem da motivação – corpo alegatório – de tal recurso.» - Ac. do STJ de 19.06.2019, p. 7439/16.8T8STB.E1.S1.

 Efetivamente:

«Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões»

A rejeição do recurso quanto à decisão de facto deve verificar-se, para além do mais, nas situações de falta «de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados», tal como de falta «de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação», constituindo, aliás, exigências que «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.» - A . Geraldes  in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, ps. 126 /128.

(sublinhado nosso)

5.1.3.

O caso vertente.

Percorrido o teor das peças recursivas verifica-se que nelas nenhum dos recorrentes cumpre, minimamente relativamente a alguns, e com rigor, relativamente a outros, os aludidos requisitos formais.

 Já se viu que o lugar adequado – ou, concedendo, o mais adequado – para tal cumprimento, são as conclusões.

Ora, como destas dimana, nenhuma das partes nelas indicou os concretos pontos impugnados, os concretos meios probatórios aduzidos para tal, a  concreta e inovadora decisão que defendem e, inclusive, reportando-se eles a prova pessoal, o início e o fim do trecho do depoimento que fundamenta a sua pretensão.

E se o cumprimento deste último requisito não se assume inelutavelmente obstaculizante, se ele é cumprido no corpo alegatório – o que as partes, posto que parcial e deficientemente, por não ligação do depoimento a um certo e determinado facto, fizeram -  já os remanescentes, rectius a concreta indicação do pontos impugnados, assim  deve ser considerado.

As partes limitam-se, e apenas no corpo alegatório, a impugnar,  inclusive de um modo algo massivo e indiferenciado, uma plêiade de factos  - e, ademais, e ainda menos curialmente, conclusões e asserções  jurídicas: vg. «os autores sabiam que o terreno…não podia ter vindo à propriedade dos justificantes…»; «tais condutas ofenderam a honra e consideração e integridade moral dos réus, etc.»-.

Mas nem mesmo em tal corpo – e muito menos nas conclusões -  definem, de um modo objetivo, sintético, claro e fundamentado, a sua pretensão.

Nesta última vertente limitam-se a invocar uma série de extratos de depoimentos, mas, como se disse, sem os reportar e conexionar,  pelo menos de um modo discriminado, direto e inequívoco, a uma certo e determinado facto.

Ora só com esta concretude e inequivocidade podiam ser satisfeitos os aludidos requisitos, vg. o da al. b) do nº1, e os fitos que a eles subjazem e supra mencionados, a saber: a definição e concretização rigorosa da sua pretensão factual, de sorte a convencer desde logo liminarmente, da bondade e seriedade da mesma, e a facilitar a  sua dilucidação por banda do tribunal ad quem.

Por isto, e nesta conformidade, se concluindo pela liminar inadmissibilidade desta questão recursiva relativamente a ambas as partes.

5.1.4.

Por conseguinte, os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:

...

5.2.

Segunda questão.

Clamam os autores que os réus são parte ilegítima.

Ainda que não indiquem, nas conclusões – local que, como se disse define o objeto do recurso e os seus fundamentos essenciais –, o motivo para tal entendimento, depreende-se que esta sua pretensão se estribará  no facto alegado pelos demandados de que os próprios réus admitem que outras pessoas praticaram atos sobre o prédio em causa, pelo que, quando muito, existirá uma situação de compropriedade, e, assim, os autores apenas por si a para si, não podem reivindicá-lo.

Ora, tanto quanto se alcança, os autores apenas nesta sede recursiva, estão a levantar, ao menos adrede e inequivocamente, a questão da ilegitimidade dos autores.

Em função do que, na sentença recorrida, esta questão e temática não foi abordada e decidida.

A assim ser, outrossim esta questão não pode ser apreciada por este tribunal ad quem.

Pois que, como é consabido, os recursos destinam-se a reapreciar questões já  decididas no tribunal a quo e não podendo nele criarem-se questões novas a serem apreciadas em primeira mão.

Mas mesmo que assim não fosse, ou não se entenda, ainda faleceria razão aos autores neste particular.

Estatui o artigo 30.º do CPC

Conceito de legitimidade

1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.

2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.

3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

Este preceito prescreve sobre a legitimidade processual, exceção dilatória que implica a absolvição da instância.

Como é consabido a legitimidade processual afere-se pela posição  - titularidade -  da parte – o autor titular do direito e o réu sujeito da obrigação - em relação ao objeto do processo, à matéria que nesse  nele se dilucida e escalpeliza.

Assim para  se aferir da legitimidade há que comparar os sujeitos da relação jurídica subjacente com os sujeitos da relação jurídica processual.

E como também é consabido uma vexata quaestio surgiu, neste particular, na doutrina e na jurisprudência e que teve como protagonistas maiores os Profs. Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães.

Para aquele a parte só é legítima quando é titular da efetiva e real relação jurídica controvertida.

Para este tal relação não é necessária, sendo a parte legítima se for sujeito da relação material controvertida, tal como a configura o autor.

Ora esta posição e consagração legal reduz a ilegitimidade a um vício raro de académica configuração. Como sejam os casos em que A demanda B pedindo a condenação de C ou pedindo a condenação de B a pagar a D cfr. Prof. Castro Mendes, in Direito Processual Civil, ed. Da AAFDL, 1978, 2º vol.p.170.

Porém, e como ressuma da parte supra sublinhada, a (i)legitimidade pode ainda resultar de disposições legais ou negociais especiais que  concreta e especificamente regulem os poderes de agir de qualquer interessado ou sujeito de direitos.

É o que ainda dimana do disposto no artº 33º, nº 1  do CPC: « se…a lei ou o negócio exigir a intervenção de vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade».

Para além da legitimidade processual pode falar-se ainda em legitimidade material, substantiva ou “ad actum”,  cuja falta consubstancia exceção perentória que implica a absolvição do pedido.

Esta  consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa.

E se se reconhecer que a relação jurídica delineada e invocada pelo autor,  quer quanto ao seu facto constitutivo (causa petendi), quer quanto ao sujeito passivo, quer quanto ao seu objeto,  não existe,  tal é caso de ilegitimidade material, e a questão passa do campo da forma para a vertente do  mérito, sendo então caso de  improcedência do pedido – cfr. Ac. STJ de 18.10.2018, p. 5297/12.0TBMTS.P1.S2 in dgsi.pt.

Ora no caso vertente os autores demandaram os réus, e só os réus, reivindicando deles um prédio que entendem ser seu.

Tanto basta para definir o objeto da lide e ela prosseguir em função do modo como  é delineada pelos demandantes.

E sendo ela decidida em função do acervo factual provado, da legislação convocada e da exegese operada.

Ademais, aqui  inexiste qualquer litisconsórcio necessário imposto pela natureza do negócio ou por força da lei.

Naquela vertente, a natureza da  relação jurídica não exige a intervenção para que a decisão produza o seu efeito útil normal, pois que, mesmo que não vinculasse todos os interessados, ela regula definitivamente a situação concreta das partes em juízo perante o pedido formulado  - artº 33º, nº 3 do CPC.

Nesta ótica e se dúvidas houvesse quanto a tal possibilidade, é a própria lei substantiva que as dissipa, porque esta admite.

Na verdade, cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro – artº 1405º, nº 2 do CC.

5.3.

Terceira questão.

 Mais pugnam os autores que  a propriedade do terreno em causa – o qual, apesar de algumas dúvidas tem de considerar-se ser o do artº... e o da descrição ..., seja ele, materialmente, qual for: cfr. ponto 18 dos factos provados -  não podia ser concedida aos réus porque a sua posse sempre seria oculta, clandestina e de má fé, apenas sendo revelada com o corte dos eucaliptos, em 2015.

Mas não é isso que dimana dos factos provados nos pontos 18 a 24.

Perante o acervo factual ínsito nestes pontos tem de concluir-se pelo contrário do invocado pelos autores, ou seja, que a posse dos réus sobre o «prédio rústico em discussão» é uma posse pacífica, pública e de boa fé.

 Pois que deles tem de retirar-se a conclusão que ela foi obtida sem violência, de modo a poder ser conhecida pelos interessados, e, ademais, que ignoravam, ao adquiri-la, que lesavam o direito de outrem.

Por conseguinte, tais atos possessórios mostram-se idóneos a consubstanciar o instituto da usucapião, se decorrido o lapso temporal necessário para o efeito -  cfr. artºs 1260º a 1262º do CC.

Período este que outrossim ocorre, já que tais atos de posse  se verificam desde 1992, presuntivamente de modo ininterrupto, pois que não se provou o contrário.

Nesta conformidade mostra-se adequado e anuente com os contornos factico-circunstanciais  apurados no caso, o discurso argumentativo plasmado na sentença, em sinopse de seguida exposto, a saber:

«Nos termos do art.º 1251º do C. Civil, a “posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.

Como é sabido e consabido e, segundo a doutrina tradicional, esta conjugada com o art. 1253.º al. a), do CC, consagram a conceção subjetiva da posse, segundo a qual, para a existência de uma situação possessória é necessário simultaneamente dois elementos essenciais: o corpus, elemento objetivo - situação de facto correspondente ao exercício do direito, por parte do possuidor; e o animus – elemento subjetivo, a intenção do detentor de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa.

Sem corpus não haverá posse, uma vez que falta a atuação de facto correspondente ao exercício do direito e sem animus, não haverá posse, porque falta a intenção da titularidade do direito - (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, Vol. III, 2:ª Edição, ob. citada, pág. 5.

A posse adquire-se, entre outros, pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito – art.º 1263.º al. a), do C. Civil.

A posse pode ainda ser titulada ou não titulada, de boa ou de má-fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta, na definição do art.º 1258.º do C. Civil, relevando as diversas modalidades, desde logo, para ser possível a aquisição por usucapião e, para além disso, para a determinação do prazo necessário para esse efeito.

Por outro lado, para se adquirir, por usucapião, um direito suscetível de ser adquirido por essa via, é essencial ter a posse correspondente ao direito em causa, por certo lapso de tempo, nos termos do art.º 1287.º do C. Civil.

Ora, o fundamento da aquisição do direito de propriedade pelos RR é a usucapião, ou seja, a posse pública e pacífica por um período de tempo superior a 20 anos, pois invocam que entraram na posse e fruição do referido prédio há mais de 20 anos, com conhecimento de todos e sem oposição de ninguém, desde o seu início, posse que sempre exerceram contínua e ostensivamente, de boa-fé por ignorar lesar direito alheio, pacificamente porque sem violência, sendo reconhecido como seus donos por toda a gente, pois praticam todos os atos inerentes à qualidade de proprietários, nomeadamente cortando mato, limpando, pagando as respectivas contribuições, usufruindo de todos os benefícios proporcionados pelo referido prédio.

Provou-se que os RR cortam, mato e lenha e eucaliptos, à vista de toda a gente, sem oposição e na convicção de que exercem um direito próprio pelo menos desde 1992.

Ao invés os AA não fizeram prova de que estão na posse do tereno em causa.

Uma vez que, da matéria de facto dada como provada, não resultam factos susceptíveis de integrar o conceito de posse (corpus e animus) (art. 1251º do C.C.) por parte dos AA e/ou seus ascendentes de modo algum, se pode concluir pela aquisição por parte daquele(s) da propriedade do prédio, no todo ou em parte, por usucapião (nos termos do C.C. de 1876 e/ou de 1966 seja a posse titulada ou não, boa ou má-fé, pacífica ou violenta).»

5.4.

Quarta questão.

5.4.1.

Da declaração de nulidade da escritura de justificação notarial.

Neste ponto o Sr. Juiz dissertou curialmente, em tese, quanto à natureza e efeitos  desta escritura e à repartição do ónus da prova dos factos constantes na mesma, quando impugnada, a saber:

«A justificação notarial é um expediente técnico simplificado, um processo anormal de titulação.

Como se lê no AUJ do STJ de 4.12.07 (DR, 1ª série, de 31.3.08), “A escritura de justificação notarial não oferece cabais garantias de segurança e de correspondência com a realidade, potenciando, mesmo, a sua utilização fraudulenta e permitindo que o justificante dela se sirva para titular direitos que não possui, com lesão de direitos de terceiros”.

Por isso, existe, justamente, a acção de impugnação de justificação notarial (artigo 101º do Cód. Not.), que visa atacar o facto justificado.

Se bem-sucedida, não conduz tal acção à declaração de nulidade da escritura de justificação (“a falsidade das afirmações dos outorgantes não figura entre as causas típicas de nulidade dos actos notariais, previstas nos artigos 70.º e 71.º do Código do Notariado”), mas antes à “ineficácia de tal escritura, declarando-se que não produz efeitos por os réus não terem adquirido por usucapião” – referido AUJ).

Sempre foi praticamente consensual o entendimento de que é de simples apreciação negativa a acção em que o autor pede que se considere sem efeito a escritura de justificação notarial por o réu/justificante não ser dono do terreno a que tal escritura se refere…

Discutiu-se…vivamente, a repartição do ónus da prova nas acções propostas após o prazo de 30 dias a que alude o Código do Notariado, havendo registo de aquisição do réu.

Para uns, cabia ao autor a prova dos factos alegados, por o réu beneficiar da presunção da titularidade do direito prevista no artigo 7º do Cód. Reg. Predial.

Para outros, incumbia ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arrogava, ex artigo 343º nº 1 do Cód. Civ., não se podendo prevalecer da presunção derivada do registo numa acção que se destinava justamente a atacar o acto na base do qual esse registo fora efectuado.

O referido AUJ inclinou-se para esta segunda solução: “Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116º nº 1 do Código do Registo Predial e 89º e 101º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7º do Código do Registo Predial”.»

Já no atinente ao caso concreto expendeu:

«Ora, relativamente ao pedido reconvencional que os RR fizeram …no sentido de que seja declarada nula a Escritura de Justificação Notarial, diga-se que o prédio em litígio nos autos foi adquirido pelos AA por doação e não por justificação notarial.

…em momento algum, os RR concretizam ou alegam como a existência ou o exercício do direito de que se arrogam foi colocado em causa pelos AA com a escritura de justificação notarial até porque e desde logo a mesma diz respeito a prédios que os RR tão pouco colocaram em crise.

Por outras palavras, na situação fáctica desenhada pelos RR na presente acção, não se verifica a existência de qualquer conflito com os AA nesta parte.

…foram justificadas várias verbas à A sem que os RR tenham posto em causa esses mesmos imóveis, pelo que não subsiste qualquer interesse dos RR em impugnar em juízo os factos justificados – artigo 101.º, n.º 1 do Código do Notariado – pois não se verifica um estado de incerteza sobre a existência ou inexistência de um direito a apreciar, incerteza essa que poderá ser capaz de trazer prejuízo sério aos RR, impedindo-o de exercer ou afirmar um direito.

É então condição imprescindível ao conhecimento da acção que o impugnante alegue ser titular de um direito prejudicado, posto em dúvida, por virtude da justificação; por tal forma que a declaração de inexistência do direito do justificante seja apta a pôr termo à  situação de dúvida objectiva e grave (ou seja, prejudicial) em que se encontra um direito invocado pelo autor” – Acórdão do STJ de 24/11/2010 - o que não sucedeu pelos RR.

Ora, os RR quanto aos prédios que os AA alegam ter adquirido por justificação notarial não fizeram prova da inexistência daquele direito.

Pois, nestas acções o que está em causa é definir uma situação formal e incerta, devendo esta incerteza apreciar pelo prejuízo que tal incerteza cause ao autor CJ-STJ-3/2/61, cabendo ao réu o ónus de provar os factos constitutivos do direito a que se arroga, o que não foi feito pelos RR nesta parte, pelo que, improcede nesta sede o pedido reconvencional de declaração de nulidade da Escritura de Justificação Notarial.»

Se, como se disse, em tese o julgador bem dissertou, já, quanto à análise do caso sub judice menos bem andou.

Desde logo se diga que, tal como defendem os recorrentes, o facto de estes pedirem a nulidade da justificação, e o caso ser de mera ineficácia, a declaração desta, se se impuser, não fica prejudicada pela menos correta subsunção dos impetrantes, pois que, de jure novit curia – cfr. artº 5º, nº3 do CPC.

Depois, tal declaração impõe-se.

Efetivamente, está em causa o prédio inscrito matricialmente sob o artº ... correspondente à  verba “cento e uma (Bessada ou Torrão do Meio), alegadamente  pertence à herança aberta por óbito de J...  de quem M... foi o único herdeiro – cfr. pontos 14 a 17 dos provados.

Ora tendo sido impugnada pelos réus tal justificação, rectius a sua fundamentação, os autores não lograram fazer prova, como lhes competia, em função do firmado pelo aludido AUJ, da veracidade da mesma, ou seja, que tal prédio efetivamente pertencia à aludida herança.

Antes tendo os réus provado que o «prédio rústico em discussão»  - ponto 18 – está na sua posse e dos seus antecessores há várias dezenas de anos, e sobre o qual em tal longo lapso de tempo têm praticado atos materiais de domínio e titularidade, publica e pacificamente  - ponto 19 e segs.

Versus o expendido na decisão, dimana claramente dos factos provados  e de todo o processo – sendo, aliás, este facto, a génese do pedido reconvencional - que os réus  colocam em causa a veracidade da escritura a qual, se vingasse, naturalmente lhes causaria prejuízo, pois que ficavam desapropriados do prédio.

Existe, pois, um verdadeiro conflito de interesses e uma incerteza quanto à situação jurídica do prédio que merecia ser dissipada pela via judicial, como o foi.

Nem obstando o facto de a justificação se reportar a mais prédios não postos em crise pelos réus; basta que diga respeito a um, o dos autos, cuja veracidade como pertencendo à aludida herança, conforme constou na justificação, ora aqui se impugna.

Nem obviando, outrossim, que o título jurídico em função do qual os autores se arrogam donos do prédio  seja a doação e não a justificação.

É que esta é alicerce e pressuposto daquela, ficando a validade daquela sempre depende da eficácia desta.

Pelo que, lógico juridicamente, para ser decretada a invalidade da doação sempre teria  de ser reconhecida e declarada a ineficácia da justificação, se fosse o caso.

E é, como se viu.

5.4.2.

Dos danos não patrimoniais.

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artº 496º, nº1 do CC.

O jaez de grave  do substrato objetivo provado é, pois,  pressuposto necessário, conditio sine qua non, da atribuição do direito á compensação por danos não patrimoniais.

Efetivamente: «...os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de actos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos» - R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995 p.555/556.

A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular.

O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas; o “dano estético”, que simboliza, nos casos de ofensa à integridade física, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1.

Acresce que a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista.

 Por um lado visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distrações - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris.

Por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

Resta sempre difícil apurar, com rigor, a adequação do montante compensatório dos danos não patrimoniais, de sorte a que com o mesmo se possam minorar as afetações negativas sofridas, operando-se, assim, com a maior aproximação possível, a justiça do caso concreto.

Assim sendo, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, e designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso  - arts. 496º, nº 3 e 494º do C.C.

No caso vertente o julgador indeferiu esta pretensão dos réus nos seguintes, resumidos, termos:

«…os RR pedem a condenação dos AA na quantia de ... a título de danos não patrimoniais alegando para o efeito que os Autores acusam os primeiros quatro Réus, de se terem apropriado ilegitimamente de eucaliptos do terreno em litígio e de pretenderem igualmente apropriar-se de um terreno que alegadamente não lhes pertence.

Alegam ainda os RR que os AA fizeram estas afirmações na peça processual que subscrevem mas também verbalmente perante os habitantes de V..., amigos, conhecidos e até familiares dos Réus, aqui Reconvintes, e mesmo perante os funcionários do Serviço de Finanças de ..., ofendendo a honra, a consideração e até a integridade moral dos Reconvintes, que nunca antes se viram perante tamanho vexame frente aos seus conhecidos, amigos, familiares de V... e até mesmo do Porto, pois tais afirmações e notícia da acção judicial contra si instaurada já chegou ao conhecimento dos seus familiares no Porto e ainda perante os funcionários do Serviço de Finanças de ...

Mais alegam que os quatro Réus são pessoas sensíveis, de alguma idade e com vários problemas de saúde, nomeadamente do foro psicológico e cardíaco, estando medicados constantemente por tal quadro de saúde, tendo vindo a sofrer um agravamento do estado de  saúde pela instauração da presente acção, pelo conhecimento das afirmações que contra si os Autores têm vindo a proferir.

O fundamento para os RR peticionarem a condenação dos AA a pagar uma indemnização a título de danos não patrimoniais, assenta na instauração por aqueles da presente ação…

Mas será tal pedido e factos fundamento de reconvenção de forma a justificar a sua apreciação como tal? Cremos que, manifestamente, não estamos perante qualquer das situações previstas no nas alíneas b) a d) do n.º 2 do art. 266º do CPC. De acordo com a alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, a dedução da reconvenção é lícita quando o pedido do R. emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa. Manifestamente, o pedido reconvencional não radica no facto que serve de fundamento à acção.

Afigura-se-nos também que o mesmo pedido reconvencional não se sustenta nos factos que alicerçam a defesa, radicando antes na própria circunstância de a A. ter intentado a presente acção.

No fundo, o aludido pedido reconvencional, não é mais do que um pedido de indemnização por litigância de má fé, não revestindo, pois, autonomia como pedido reconvencional. Quer isto dizer que o pedido reconvencional não se ajusta aos fundamentos legalmente previstos para a dedução de reconvenção, mas sim na própria instauração da acção sustentada em factos falsos ou deturpados o que cremos no nosso modesto entendimento não deveria ter sido admitido.

Diz-nos o artigo 20.º da CRP que “1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos…

 …quanto aos danos de natureza não patrimonial, ou danos morais, rege o artº 496º, do CC, nos termos do qual, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Só são indemnizáveis os danos não patrimoniais «que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral. A gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias de cada caso concreto, afastando  factores susceptíveis de sensibilidade exacerbada ou requintada, e aprecia-se em função da tutela do direito». Acórdão do STJ, de 26.6.1991, BMJ 408, pág. 538.

Neste mesmo sentido - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 13/9/2011, in www.dgsi.pt: “A avaliação da sua gravidade tem de aferir-se segundo um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos (A. VARELA, “Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 628), sendo, nessa linha, orientação consolidada na jurisprudência, “com algum apoio na lei”, que as simples contrariedades ou incómodos apresentam “um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do n.º 1 do art. 496º” (Ac. STJ, 11/5/98, Proc. 98A1262 ITIJ).”

Ora, a pretensão dos RR não pode, pois, ser positiva e desde logo, por falharam os pressupostos de que depende a aplicação da responsabilidade civil extracontratual designadamente, o facto ilícito, pois o pedido formulado pelos RR assenta no direito de ação dos AA.»

Este discurso apenas se encontra parcialmente acertado.

Versus o entendido pelo julgador, este pedido alicerça-se nos fundamentos da ação invocados pelos autores: que o prédio a  estes pertence e que os réus perturbam tal domínio.

 Só que, dizem, estes factos são falsos  e estão a causar-lhes prejuízos e danos, vg. a nível de saúde, os quais, no seu entender, são idóneos a fundamentarem o direito a compensação por danos não patrimoniais.

Assim sendo, inexiste o óbice processual formal invocado na sentença para obviar a este pedido.

Sendo ele admissível a este título, resta saber se se provaram factos que, substancialmente,  têm dignidade e força bastantes para conceder aos réus qualquer valor compensatório.

E a resposta é negativa, pelo que supra se expendeu em tese.

Efetivamente, e como se retira do acervo factual apurado, inexistem quaisquer factos provados que possam alicerçar este pedido, vg. e, quiçá, relevantemente, factos atinentes à falsidade do  propalado pelos  autores relativamente ao verbalizado pelos réus quanto ao prédio e às consequências nocivas  de tal para os réus.

Facto que pode inserir-se no âmbito deste pedido foi o provado em 25:

25- O Réu S... não se apoderou de quaisquer eucaliptos do prédio em causa nos presentes autos, nunca disse que tal prédio lhe pertencia, nunca se arrogou proprietário ou comproprietário do mesmo prédio.

Mas tal facto é manifestamente insuficiente, pois que dele não pode retirar-se que os autores publicitaram o contrario e, muito menos, que em função de tal publicitação os réus sofreram os danos que alegam.

5.4.3.

Da litigância de má fé.

A redação dada ao artº 456º do CPC pelo DL 180/96, de 25/09, alargou o âmbito da aplicação do instituto da litigância de má fé, pois que nele abarcou não apenas os casos de atuação dolosa como também os de atuação gravemente negligente.

Sendo que, inclusive, e como se plasma no preâmbulo de tal diploma: «Como reflexo do princípio da cooperação e dos deveres que lhe são inerentes, permite-se, sem quaisquer limitações, a condenação como litigante de má fé da própria parte vencedora, desde que o seu comportamento processual preencha alguma das previsões contidas no nº2 do artº 456º…»

Tal alargamento teve, naturalmente, em vista, restringir os casos de litigância temerária, pretendendo incutir nas partes a necessidade de uma sã atitude processual, pautada e norteada por uma atuação o mais clara e linear possível, sem subterfúgios, truques e mentiras.

É necessário que o exercício do direito seja sincero, que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão.

Quando falta este requisito, o ato passa a ter o carácter de ilícito.

Estamos então perante um ilícito processual, a que corresponde ou uma sanção civil e uma sanção penal (multa).

E sendo certo que a jurisprudência era amplamente magnânima na condenação a tal título, criou-se uma convicção de impunidade que levava a colocar ou a contestar em juízo casos de total insustentabilidade, ou, pior, distorcidos ou falseados na sua génese factual.

Com os inerente prejuízos para o sistema da justiça e, outrossim, para os próprios sujeitos processuais vítimas de tal atuação.

Importa, pois, na sequência do atual desígnio legislativo, impor uma cultura de rigor nesta matéria, com os inerentes benefícios, a todos os títulos e níveis, dai advenientes.

Não obstante há que apreciar e decidir com as cautelas e precauções necessárias.

Pois que, não obstante se concordar que cada vez mais as partes usam e abusam dos seus (por vezes pretensos) direitos, litigando temerariamente e agindo de má fé, substantiva e processualmente, o certo é que os tribunais devem ser prudentes na condenação a este título, porque tal implica não apenas uma censura e afetação económico-financeira a nível processual, como um desmerecimento a nível pessoal marcante e inquinador da honestidade e probidade presumivelmente insertas na esfera jurídica pessoal do normal cidadão - cfr. Ac. do STJ de 15.10.2002,  p.02A2185 in dgsi.pt.

Tal prudência e cautela é ainda necessária para evitar condenações injustas, designadamente quando assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico.

Assim, para a condenação como litigante de má fé não basta a simples impugnação per positionem da versão de uma das partes sempre que a versão oposta à alegada seja provada. Nem pode confundir-se com a manifesta improcedência da pretensão ou oposição deduzida.

O fundamento ético do instituto exige que se conclua por um desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça, imputável subjetivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira (a faute lourde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direito alemão) -  Ac. da Relação do Porto de 20.10.2009, p. 30010-A/1995.P1 e do STJ de 28.05.2009, p.09B0681.

Tendo-se, outrossim, em consideração que, dada a relatividade da verdade judicial, decorrente, designadamente, das várias interpretações e correlativas soluções jurídicas que podem incidir sobre um determinado complexo factual «a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual…» - Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893, dgsi.pt,.

In casu.

O julgador decidiu, em conformidade com o supra expendido, tendo, nomeadamente, feito constar:

«Para a condenação das partes como litigantes de má-fé seria necessária a comprovação de que as mesmas não acreditam na possibilidade de vencimento das teses que defendem nos autos e que adoptem um comportamento processualmente reprovável, isto é, exige-se mais que uma simples lide imprudente, ousada, ou uma conduta meramente culposa. Uma interpretação distinta levaria a uma restrição incomportável dos direitos, constitucionalmente consagrados, de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito.

Ademais, citando o Ac. do STJ de 25.05.2009, p. 09B0681, disse:

 “é exigência legal que deflui imediatamente, como corolário, do axioma antropológico da dignidade da pessoa humana proclamado pelo artº 1º da nossa Lei Fundamental, pois ninguém porá em causa o carácter gravoso e estigmatizante de uma condenação injusta como litigante de má fé.

…a simples impugnação per positionem da versão de uma das partes seja considerada como integrando a «mala fides» sempre que a versão oposta à alegada seja provada, antes se exigindo que ela seja imputável subjectivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração intencional ou, pelo menos, consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira (…)”.

Deste modo, para a condenação como litigante de má-fé, exige-se que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte, situação esta que julgamos não se mostrar comprovada nos autos.

Pelo exposto, não vislumbramos que em face dos factos alegados, da prova produzida e da solução jurídica dada às questões que se colocam nos autos tenham quer os AA quer os RR litigado com má-fé processual, motivo pelo qual improcede o pedido da condenação dos mesmos como litigantes de má-fé.»

Corrobora-se este entendimento, como dimana do supra em tese plasmado.

O caso não é de uma clareza bastante no sentido da total e intolerável sem razão dos autores, e, inversamente, de completa e inequívoca razão dos réus.

É antes um caso algo complexo e nebuloso, jaez este pelo menos em parte adveniente da própria identificação e situação do prédio em causa,  bem como da identificação dos autores dos atos de posse sobre o mesmo, e, bem assim, do largo lapso de tempo,  - muitas dezenas de anos -  sobre os quais as partes invocam tais atos.

O tribunal entendeu, dentro da margem de álea que lhe é concedida, relevar os atos de posse dos réus e seus antecessores.

Fê-lo, vg. decisivamente com base na prova pessoal – sempre falível, como se viu – e cuja verdade e eticidade é sempre difícil sindicar, máxime na instância recursiva.

Assim, de tal posição emergiu, desde logo, a verdade processual, a qual se pretende que corresponda, sempre e o mais possível, à verdade substancial.

Perante este teor algo duvidoso – mas não o bastante, como se viu, para não permitir a decisão nos ternos sobreditos – dos factos provados e não provados não se pode concluir, dentro da dúvida razoável, que os autores agiram convencidos da sua sem razão e com o intuito de desvirtuar a realidade e com a consciência da ilicitude e iniquidade da sua atuação.

5.5.

Quinta questão.

Pugnam ainda os autores pela ilegalidade da sentença na parte em que os  condenou no pagamento das custas na proporção de  95% e  condenou os réus na proporção de 5%.

Para tanto aduzem que os decaimentos determinados impõem repartição diversa.

Releva, como expendem os recorrentes e é dito na sentença, o disposto no artº 527º do CPC, a saber:

1. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa, ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

2. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

Temos assim que a responsabilização pelo pagamento das custas obedece ao princípio da causalidade, o qual assenta na ideia de que apenas deve pagar custas a parte que der causa à ação, entendendo-se que dá causa a parte vencida.

Se ficar totalmente vencida paga as custas na íntegra.

Se ficar apenas parcialmente vencida, paga as custas na proporção ou na medida de tal sucumbência – cfr. Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.128.

A determinação desta concreta medida em situações de parcial sucumbência é facilmente atingida quando ela se materializa singelamente num determinado montante.

Já para aqueles casos em que existe uma plêiade algo complexa de pedidos cuja concretização  pecuniária não é consecutível ou é de difícil vislumbre, como, vg., os atinentes a declarações de direitos ou a prestações de facere, o valor da sucumbência é, regra geral, de impossível ou difícil objetivação/concretização.

Nestes casos cumpre ao juiz fixar a medida ou proporção da repartição das custas.

O que deve operar sensata e razoavelmente por apelo a critérios de equidade.

Na verdade, também aqui, em sede de condenação em custas, como noutras áreas e institutos jurídicos, o julgador não se assume como um simples autómato de aplicação de critérios legais, inelutável e inultrapassavelmente pré definidos.

Mas antes como um criterioso aplicador da lei cujo leit motiv passará pela conjugação e compaginação do facto com a previsão legal de um modo dialético, vivificante e plástico, de sorte a que a interpenetração dos mesmos se efetive o mais adequadamente possível.

Pois que apenas assim se atinge – ressalvada e aceite, desde que se situe dentro da álea admissível, a inelutável margem de erro – o fito primordial  do múnus jurisdicional, qual seja, a almejada realização da justiça material do caso concreto.

Esta faculdade, este poder/dever funcional  perpassa e dimana, p. ex., de alguns segmentos normativos  do próprio Regulamento das Custas Processuais, a saber.

Artº 6º nº 5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela i-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.

Artº 8º nº 9 - Nos restantes casos a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela iii.

Artº 10º - A taxa sancionatória é fixada pelo juiz entre 2 UC e 15 UC.

Artº 27º nº4 - O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.

No caso vertente.

Desde logo cumpre não olvidar que a ação é composta por dois pedidos: o inicial e o reconvencional.

E ainda que eles se somem  para determinar o valor processual do processo, para, vg. aferir da recorribilidade das decisões nele proferidas em função do valor das diversas alçadas, certo é que, em termos de responsabilidade tributária, assumem autonomia.

Assim tal responsabilidade deve ser aferida e determinada em função da sucumbência de cada parte relativamente a cada um dos dois pedidos individualmente considerados.

No caso  sub judice o valor processual de 28 mil euros resulta da soma do valor do pedido inicial de 08 mil euros e do pedido reconvencional de 20 mil euros.

Quanto a este, os réus, na sua contestação, atribuíram o valor de 05 mil euros  pelo reconhecimento da propriedade do prédio em causa e o remanescente conotaram-no com  o pedido de danos não patrimoniais.

O pedido inicial dos autores foi julgado totalmente improcedente.

E o pedido reconvencional dos réus foi julgado procedente apenas quanto ao reconhecimento do direito de propriedade e de outros aspetos – nulidade da doação e cancelamento do registo – com aquele conexionados e que os réus não autonomizaram quantitativamente.

Assim sendo, a decisão neste particular, ao não autonomizar a responsabilidade tributária em função de cada pedido individualizado e da respetiva sucumbência, mas antes «por atacado» em consideração do valor processual global, merece censura.

A solução correta, em função dos pedidos formulados e do decidido na 1ª instância, seria condenar os autores nas custas  da totalidade do pedido inicial  - 08 mil euros - e nas custas da parte do pedido reconvencional em que ficaram vencidos e que os próprios réus quantificaram – 05 mil euros.

Sendo que  as custas do remanescente do pedido reconvencional – 15 mil euros – deveriam ser suportado pelos réus.

Tudo visto e ponderado e considerando o ora decidido nesta instancia recursiva, a improcedência do recurso dos autores e a parcial procedência do pedido dos réus, julga-se,  em parte com recurso a critérios de juízo équo,  fixar as custas da ação considerando o valor de todos os pedidos – 28 mil euros – na proporção de metade para cada parte.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I -  Razões de auto responsabilidade, transparência, racionalização e celeridade, subjazem às exigências formais do artº 640º do CPC.

II - Assim, a não indicação, em sede de conclusões, dos pontos de facto impugnados,  e, mesmo em sede do corpo das alegações, dos meios probatórios discriminadamente aduzidos  de um modo objetivo, sintético, claro e fundamentado para cada facto impugnado e da decisão diversa que se pretende para cada facto, implica a liminar rejeição do recurso.

III - O tribunal de recurso apenas  reaprecia questões decidas e não aprecia questões novas.

IV - O consorte tem legitimidade para reivindicar de terceiro,  inexistindo litisconsórcio necessário, quer por  exigência da natureza da relação jurídica, pois que a ação produz o seu efeito normal: artº 33º nº3 do CPC,  quer por permissão legal – artº 1405º, nº 2 do CC.

V – Provada a posse pacífica, pública e de boa fé decorrente ao longo de mais de vinte anos, a mesma é idónea à aquisição por usucapião, forma originária de aquisição que se sobrepõe a qualquer forma de aquisição derivada.

VI - Não provando o justificante notarial, como é seu ónus, os factos vertidos na respetiva escritura, e  não podendo ele beneficiar da presunção do registo do artigo 7.º do  CRP – cfr. AUJ n.º 1/2008,  de 04.12.2007  -   tal escritura tem de ser julgada ineficaz, com as legais consequências, vg. sobre atos jurídicos dela dependentes.

VII – A condenação por danos não patrimoniais exige a prova de factos que, objetivamente, sejam  gravemente  nocivos da esfera jurídico pessoal, tendo, assim, de se situarem para além do que é exigível suportar num contexto de vivência social, e não bastando a instauração de ação cujos fundamentos não se provam.

VIII - A condenação  como litigante de má fé exige a prova de factos dos quais se conclua com meridiana clareza pela atuação  da parte com a consciência ou convencimento da sua  sem razão no plano factual, não bastando para tal a prova da tese da parte contrária ou a sucumbência no plano jurídico.

IX –O pedido reconvencional soma-se ao inicial para determinar o valor processual e, assim, o direito ao recurso em função das alçadas, mas assume autonomia tributária, pelo que a condenação em custas deve atender não aqueles pedidos em bloco, mas antes à sucumbência em cada pedido  verificada.

7.

Deliberação.

Termos em que se julga o recurso dos autores improcedente e o recurso dos réus parcialmente procedente e, agora, declara-se a ineficácia em relação aos réus da escritura de justificação notarial, com as legais consequências.

No mais se mantendo a sentença.

Custas na proporção de metade por autores e réus  na consideração do valor total dos pedidos de 28 mil euros.

Coimbra, 2021.10.12.

Carlos Moreira

João Moreira do Carmo

Fonte Ramos