Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
69/14.0T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
CONCURSO DE INFRAÇÕES LABORAIS
LIMITES
COIMA
Data do Acordão: 04/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – GUARDA – SECÇÃO DO TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 554º A 558º DO CÓDIGO DO TRABALHO; 19º DO R. G. DAS CONTRAORDENAÇÕES (RGCO).
Sumário: I – Os artºs 554º a 556º do Código do Trabalho contêm a previsão dos montantes das coimas a aplicar quando estejam em causa infrações singulares.

II – Nos casos de pluralidade/concurso de infrações laborais regem as normas do artº 558º, nº 3 do Código do Trabalho e do artº 19º, nº 1 do RGCO, aí se definindo o limite máximo da moldura da coima única. E em ambas essas disposições se faz apelo aos limites abstractos e não às coimas concretamente aplicadas.

Decisão Texto Integral:    

                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                       

                        A Autoridade para as Condições do Trabalho - ACT aplicou a A..., Lda», a coima única de € 35.000,00, resultante  das coimas parcelares de € 750,00 por cada uma de 44 infracções p. e p. pelos artigos 108º, nº 1, da Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro, e 554º, nº 3, alínea b), do Código do Trabalho; € 3.500,00 pela infracção p. e p. pelos artigos 285º, nº 1, e 554º, nº 4, alínea b), do Código do Trabalho; e € 3 500,00 pela infracção p. e p. pelos artigos 15º, nº 10, da Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro, 554º, nº 4, alínea b), e 556º, nº 1, do Código do Trabalho.

                        A arguida impugnou judicialmente tal decisão da autoridade administrativa, tendo a 1ª instância proferido a seguinte decisão:

                        “Em face do exposto decide o Tribunal:

                                               I.

                Alterar a decisão administrativa datada de 6 de agosto de 2014, mantendo as coimas parcelares concretamente determinadas mas condenando a arguida « A... , Lda» na coima única de € 15 000,00 (quinze mil euros).

                                               II.

                Condenar a arguida « A... , Lda» no pagamento das custas do processo (artigos 93º, nº 3, e 94º, nº 3, do Regime Geral das Contraordenações), com taxa de justiça de 3 (três) UC's, dada a gravidade das contraordenações (artigo 8º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais).

                        Com tal juízo se não conformou a arguida, interpondo recurso para esta instância, cuja motivação concluiu assim:

[…]

                        Não foram apresentadas contra-alegações

                        Foram colhidos os vistos legais.

                        Nesta Relação, o Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

                                                                       x

                        Cumpre apreciar e decidir.

                        Lembrando que o “thema decidendum” se nos apresenta delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, avancemos para a abordagem e tratamento da única questão que se perfilha:

                        - se se deve considerar correctamente determinada, pela 1ª instância, a medida da coima.

                                                                      x                     

                        A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:

                        […]

                                                           x         

                        O direito:

                        Escreveu-se na sentebça recorrida:

                “As contraordenações laborais são reguladas pelo disposto neste Código e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações” (artigo 549º do Código do Trabalho).

                Os artigos 554º a 556º do Código do Trabalho contêm a previsão dos montantes das coimas a aplicar quando estejam em causa infrações singulares.

                Nos casos de pluralidade de infrações rege a norma do artigo 558º do Código do Trabalho, segundo a qual:

                        “1 – Quando a violação da lei afetar uma pluralidade de trabalhadores individualmente considerados, o número de contraordenações corresponde ao número de trabalhadores concretamente afetados, nos termos dos números seguintes.

                2 – Considera-se que a violação da lei afeta uma pluralidade de trabalhadores quando estes, no exercício da respetiva atividade, foram expostos a uma situação concreta de perigo ou sofreram dano resultante de conduta ilícita do infrator.

                3 – A pluralidade de infrações dá origem a um processo e as infrações são sancionadas com uma coima única que não pode exceder o dobro da coima máxima aplicável em concreto.

                4 – Se, com a infração praticada, o agente obteve um benefício económico, este deve ser tido em conta na determinação da medida da coima nos termos do disposto no artigo 18º do Regime Geral das Contraordenações, na redação

dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de setembro”.

                Por força da indicação contida no artigo 549º do Código do Trabalho, importa atender ainda à previsão do artigo 19º do Regime Geral das Contraordenações, que dispõe:

                “1 – Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso.

                2 – A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso.

                3 – A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações”.

                Na interpretação das normas supra descritas avulta a circunstância de, embora sob a epígrafe “pluralidade de contraordenações” e de “concurso de contraordenações”, o âmbito de aplicação das duas indicadas normas não ser idêntico.

                Efetivamente é o nº 1 do artigo 19º do Regime Geral das Contraordenações que contém a regra geral aplicável no domínio do concurso de contraordenações, determinando a aplicação de uma coima única com o limite máximo correspondente à soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso.

                Os nºs 2 e 3 da norma em causa estabelecem os limites mínimo e máximo da moldura da coima única.

                Por sua vez, o artigo 558º do Código do Trabalho começa por regular uma situação concreta: a afirmação da existência ou não de um concurso de contraordenações quando a violação da lei afete uma pluralidade de trabalhadores.

                Só no nº 3 surge uma disposição equivalente à do nº 2 do artigo 19º do Regime Geral das Contraordenações, ao determinar que o limite máximo da coima única corresponde ao dobro da coima máxima aplicável em concreto.

                Deixando de lado o nº 4 do artigo 558º do Código do Trabalho, importa determinar se, estando em causa normas com idêntica finalidade – delimitar o limite máximo da moldura da coima única –, as normas consagram soluções idênticas.

                No Código do Trabalho, o legislador apelou ao conceito de coima máxima aplicável em concreto, enquanto no Regime Geral das Contraordenações se alude ao limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso.

                Apesar da diferença de redação, entendemos que o legislador consagrou solução idêntica.

                Na verdade, o legislador, ao reportar-se à coima máxima aplicável e não à coima máxima aplicada, apontou para limites abstratos e não para uma coima concreta.

                Assim, a coima máxima aplicável corresponderá de modo necessário ao dobro do limite máximo da moldura da coima parcelar mais elevada que integra o concurso de contraordenações.

                Esse valor será se valor o limite intransponível da coima única.

                Tendo em conta o que ora se expôs, podemos então apreciar a determinação da medida da coima no caso concreto.

                A contraordenação correspondente à não promoção da realização dos exames de saúde, por expor cada um dos trabalhadores a uma situação concreta de perigo, consumou-se em 44 ocasiões, sendo cada uma das infrações punível com coima de 7 UC's a 14 UC's.

                Por sua vez, a violação do disposto nos artigos 285º, nº 1, do Código do Trabalho e 15º, nº 10, da Lei nº 102/2009, de 10 de setembro, por constituírem contraordenações muito graves, são puníveis com coima de 32 UC's a 80 UC's.

                A entidade administrativa fixou o montante das coimas parcelares em € 750,00 por cada uma das 44 infrações graves, fixando em € 3 500,00 o montante de cada uma das coimas muito graves.

                Concluiu determinando a coima única no montante de € 35 000,00 dentro de uma moldura com o mínimo de € 33 000,00 e o máximo de € 40 000,00.

                Sustenta a arguida que a coima única não poderia ser fixada em montante tão elevado na medida em que haveria que fazer uma operação intermédia de determinação da medida da coima, designadamente no que tange às contraordenações graves.

                Segundo a arguida, uma vez determinada a coima parcelar aplicável a cada uma das infrações em € 750,00, logo aí funcionaria o limite previsto no artigo 558º, nº 3, do Código do Trabalho, sendo determinada uma coima única respeitante às ditas contraordenações graves, que teria de ser fixada no dobro da coima concreta (€ 1 500,00).

                Salvo o devido respeito por fundada opinião contrária, não lhe assiste razão.

                Efetivamente, não se vislumbra a razão que impõe a realização de operações tendentes à determinação de um concurso parcelar, restrito às infrações legalmente classificadas como graves.

                Na realidade, a lei impõe a determinação de uma coima única mas essa imposição tem em vista todas as infrações integradas no concurso, ou seja, no que tange ao caso concreto, integrando quer as 44 contraordenações graves, quer as duas contraordenações muito graves.

                E sendo assim, o indicado limite máximo da coima única nunca poderá ser encontrado por referência às coimas punidas de modo menos severo (as contraordenações graves)”.

                        Subscrevemos este entendimento.

                        Quer no nº 3 do artº 558º do CT quer no nº 1 do artº 19º do RGCO estabelecem-se normas aplicáveis ao concurso de infracções, definindo-se o limite máximo da moldura da coima única. E em ambas se faz apelo aos limites abstractos e não às  coimas concretamente aplicadas.

                        Nessas duas normas fixam-se os critérios para determinação da coima única, critérios esses em tudo idênticos, o que bem se compreende, atenta a unidade do sistema jurídico que se deve ter sempre em vista.

                        Contrariamente ao defendido pela recorrente, não resulta do nº 3 do artº 558º do CT que se deva fazer previamente uma operação de determinação da medida da coima, no que diz respeito à pluralidade de infracções. Se o legislador do CT assim o pretendesse, necessariamente o determinaria expressamente, não se limitando em estabelecer critérios idênticos ao do nº 1 do artº 19º do RGCO. A interpretação que deve fazer daquela primeiro norma é de que foi preocupação do legislador em, para os casos abrangidos pelo artº 558º e só quando estes estiverem em causa, esclarecer que a  coima única em nenhum caso pode exceder o dobro da coima máxima aplicável. E o acórdão transcrito pela recorrente, que descreve os passos para se chegar a essa coima única, em nada belisca, antes o reforça, este entendimento.

                        Improcede, assim, o recurso.

                                                                       x         

                        Decisão:

Nesta conformidade, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença impugnada.

                        Custas pela recorrente, com 4 (quatro) UC de taxa de justiça.

                                                           Coimbra, 23/04/2015

                                              

                                                           (José Luís Ramalho Pinto - Relator)

                                              

                                                           (Joaquim José Felizardo Paiva)