Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1649/95.7TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: APLICAÇÃO DE LEIS NO TEMPO
SUSPENSÃO DA PENA
Data do Acordão: 01/05/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2º, 4 CP, 371º-A CPP
Sumário: 1. Em matéria de aplicação das leis no tempo face a decisões condenatórias transitadas em julgado a Lei nº 59/97 instituiu dois regimes distintos: - Um primeiro regime aplicável apenas no caso de a pena já cumprida atingir o limite máximo da pena prevista pela lei nova, situação em que cessam de imediato a execução da pena e os seus efeitos penais (art. 2º, nº 4, parte final, do Código Penal);- E um outro regime, aplicável a todos os demais casos, prevendo em geral os caos em que a nova lei se revele mais favorável ao condenado, situação em que se lhe atribui o direito de requerer a reabertura da audiência para aplicação do novo regime (artigo 371º-A do Código de Processo Penal);
2. Apenas o primeiro destes regimes é de aplicação automática, condicionado somente pela verificação objectiva de uma situação de facto que se vem a traduzir favoravelmente para o condenado, constatável pelo mero confronto do limite máximo da pena prevista na nova lei com o período de privação de liberdade já sofrido pelo condenado.
3. Já o segundo regime exige sempre um pedido do condenado para aplicação da lei nova e a realização de audiência expressamente para essa finalidade.
4. É ilegal a aplicação automática da lei nova ao período de suspensão de execução da pena, independentemente de requerimento do condenado nesse sentido.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 2º Juízo Criminal de Viseu, foi o arguido A... condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo art. 25º, al. a), do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 anos de prisão, cuja execução lhe foi suspensa pelo período de 5 anos condicionada ao dever de, de 6 em 6 meses, comprovar nos autos, por documento médico, que não é toxicodependente, sendo ainda acompanhada pelo IRS durante o período de suspensão, com elaboração de relatório anual sobre a evolução do seu comportamento.
Na sequência do consecutivo incumprimento das condições de suspensão da pena, veio a ser proferido, a fls. 320, despacho com o seguinte teor:
“Por acórdão proferido em 8/10/99 e há muito transitado, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25° nº 1 do DL nº 19/93 de 22/1, na pena de 2 anos de prisão, cuja execução lhe foi suspensa pelo período de 5 anos condicionada ao dever de, de 6 em 6 meses, comprovar nos autos, por documento médico, que não é toxicodependente, sendo a evolução do seu comportamento acompanhada pelo IRS:
Em 27/11/00, e sem que até essa data o arguido tenha feito juntar aos autos qualquer comprovativo médico como lhe havia sido imposto como condição, veio o IRS dar conta da total falta de colaboração do arguido, o qual não compareceu às convocatórias que lhe haviam sido enviadas.
Notificado para esclarecer as razões da sua falta de colaboração, veio o arguido dizer que ela se deveu ao facto de se encontrar ausente nas Caldas da Rainha, junto dos sogros, que se encontravam doentes.
Notificado mais uma vez para juntar o comprovativo médico acima aludido, veio o arguido juntá-lo finalmente em 23/11/01.
Mais uma vez o IRS veio queixar-se das faltas de comparência do arguido. E, notificado de novo o arguido, este nada disse.
Em 23/4/02 veio o IRS juntar relatório de acompanhamento, referindo novamente a falta de colaboração do arguido e dando conta que este exerce, se carácter regular, a venda ambulante.
O MP, entendendo existir incumprimento das condições da suspensão pronunciou-se no sentido de ao arguido ser imposta adicionalmente a obrigação de em 30 dias, entregar a quantia de € 199,52 a uma instituição de solidariedade social e, bem assim, entregar nestes autos a quantia de €498,80 para funcionar como caução do cumprimento das condições que lhe foram impostas.
Notificado para se pronunciar, o arguido apenas solicitou que as importâncias que se entenda que tenha de pagar o possam ser em prestações, dada a sua precária condição económica.
Cumpre decidir.
Dispõe o art. 55° nº 1 do C.Penal que, registando-se falta culposa de cumprimento de deveres ou regras de conduta durante o período da suspensão, "pode o tribunal: a) fazer uma solene advertência; b) exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; d) prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n? 5 do art. 50°."
É inequívoco que o arguido deixou de cumprir, culposamente, os deveres que lhe foram impostos ao não apresentar atempada mente comprovativos médicos e ao não colaborar com o IRS. Pode, pois, e deve o tribunal actuar de forma a que a falta de cumprimento registada não degenere em infracção repetida e grosseira que acarrete a revogação da suspensão ( cfr. art. 56° nº 1 aI. a) do C. Penal ).
De entre as possíveis medidas a tomar, entendemos que aquela que desde logo se impõe é a solene advertência, com o objectivo de chamar a atenção do arguido para as eventuais consequências da sua conduta. Mas para além disso, há que responsabilizar o arguido de uma forma à qual ele quiçá seja mais sensível, nesse aspecto se concordando com o M.P. quanto à imposição de uma caução, que será retida até ao fim do período de suspensão e restituída então ao arguido, a menos que este entretanto volte a incumprir culposamente, caso em que aquela quantia reverterá a favor do Estado.
Assim sendo, determina-se que o arguido seja solenemente advertido, para o que deverá comparecer em tribunal no dia 15/1/03 pelas 14 horas; mais se decide que o arguido preste, em 60 dias, uma caução no montante de €300.
Notifique e comunique ao IRS”.

Em 21 de Janeiro de 2003, realizou-se audiência para a finalidade apontada naquele despacho, em que o arguido assumiu o compromisso de se deslocar ao IRS para regularizar a sua situação e de proceder ao depósito, no prazo de 60 dias, da caução arbitrada (cfr. acta de fls. 331). Contudo, logo o Relatório de Acompanhamento elaborado pelo IRS em 17/02/2004 (cfr. fls. 337 e ss.) deu conta do sucessivo incumprimento das condições fixadas, o que sucedia ainda à data da elaboração do último relatório de acompanhamento (cfr. fls. 377 e ss). Foi então proferido o despacho de fls. 449, com o seguinte teor:
“O arguido A... foi condenado nos presentes autos, por sentença proferida em 08 de Outubro de 1999, já transitada, condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 5 anos, pela prática pelo arguido de um crime de tráfico de menor gravidade previsto e punido pelo artigo 25°, nº 1 do DL 19/93 de 22/01, sob a condição de comprovar nos autos, por documento médico, que não é toxicodependente.
Por despacho de 09/12/2002, e atento o facto de o arguido ter deixado de cumprir, culposamente, os deveres que lhe foram impostos, nomeadamente, ao não apresentar atempadamente comprovativos médicos e ao não colaborar com o IRS, foi feita uma solene advertência ao arguido e foi determinada a imposição de prestação de uma caução de € 300,00, tendo o arguido procedido ao depósito dessa quantia, a qual foi julgada validamente prestada por decisão de 28/03/2003.
Compulsados agora os autos, nomeadamente o teor de fls. 310, 317, 320 a 321, 331, 347 e 379, constata-se que, durante o decurso do período de suspensão, o arguido continua reiteradamente a não cumprir o dever imposto como condição da suspensão da pena em que foi condenado.
Com efeito, conforme resulta do teor dos relatórios do IRS juntos a fls. 336/339, 3771379, o arguido não tem cumprido com assiduidade as marcações estipuladas para apresentação nos serviços do IRS.
Acresce que, como se extrai da certidão da sentença proferida em 3/11/2006, transitada em julgado em 20/11/2006, por factos cometidos durante o período de suspensão da pena aplicada nos presentes autos, foi o arguido condenado, em cúmulo, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos.
Em face do exposto, o digno Procurador da República veio pronunciar-se, a fls. 443 dos autos, pela revogação da suspensão da pena, uma vez que se mostram preenchidos os requisitos previstos no artigo 56°, nº 1, alínea b) do Código Penal.
Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495°, n02 do Código de Processo Penal, o mesmo nada veio dizer,
Cumpre apreciar e decidir.
Ocorrendo o incumprimento dos deveres ou regras de condutas impostas, o Tribunal pode proceder à revogação da suspensão da execução da pena de prisão, verificados que estejam os requisitos enunciados no artigo 56° do Código Penal, ou escolher entre as diversas medidas previstas no artigo 55.0 do Código Penal.
A revogação não é, porém, automática só devendo ser decretada caso se conclua que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Ora, in casu, o arguido, para além de não cumprir com assiduidade a injunção que lhe foi imposta, resulta dos autos que o mesmo cometeu durante o período de suspensão, factos integradores do ilícito criminal pelo qual foi condenado nos presentes autos, ou seja, pelo crime de tráfico de menor gravidade, o que revela que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (cfr. artigo 56° nº 1, alínea b) do Código Penal).
O arguido demonstrou, assim, com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena (Cfr. Código Penal Anotado ­Leal-Henriques e Simas Santos, em anotação ao artigo 560), pelo que se impõe, a revogação da suspensão da pena aplicada ao mesmo.
Face ao exposto, determina-se o cumprimento da pena de prisão aplicada ao arguido no acórdão condenatório proferido nos presentes autos, bem como a não restituição da quantia de € 300,00 depositada no apenso B (caução) (cfr. artigo 56°, nº 2 do Código Penal).
Notifique.
Após trânsito, emita os competentes mandados de condução do arguido ao estabelecimento prisional e, logo que detido, a entidade policial competente deverá comunicar tal detenção ao processo, a fim de ser liquidada a correspondente pena”.

Deste despacho interpôs recurso o arguido sem que, contudo, tenha pago a taxa de justiça devida, tendo-lhe sido indeferido o pedido de protecção jurídica que havia formulado, razão pela qual foi o recurso considerado sem efeito (cfr. fls. 498), tendo transitado em julgado o despacho de fls. 449.
Contudo, em momento ulterior e sob promoção do M.P. veio a ser proferido o despacho de fls. 594, com o seguinte teor:
“Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, o arguido A… foi condenado como autor material pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, na pena de 2 anos de prisão, por acórdão já transitada em julgado.
A referida pena de prisão foi suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, acompanhado pelo IRS, na condição de o arguido, no prazo de seis meses, comprovar nos autos por documento médico que não era toxicodependente.
O arguido não cumpriu a referida condição, nos termos explicitados na Douta promoção de fls. 538 a 540.
Conforme também se salienta na referida promoção, em face da alteração sofrida no artigo 50° do Código Penal pela Lei n.º 59/07, de 4/9, o período de suspensão da pena deve ser igual ao da prisão aplicada (cfr. nº 5 do artigo 50°).
Este regime decorrente da alteração operada é mais favorável ao arguido pelo que ao abrigo do disposto no artigo 2°, nº 4 do Código Penal, deve no presente caso ser aplicado retroactivamente, reduzindo-se o período de suspensão para dois anos.
Compulsados os autos verifica-se que decorreu o prazo da suspensão da pena em que o arguido foi condenado (considerando o regime do artigo 50° nº 4 do Código Penal, na versão da Lei 59/2007, de 4/9, aqui aplicável por ser mais favorável ao arguido), sem que o mesmo tenha praticado qualquer crime.
A fls. 591 e 592 dos autos, o Ministério Público promoveu que se declarasse extinta a pena pelas razões ali consideradas, razões e considerações às quais se adere integralmente por com elas se concordar, sem necessidade de se reproduzirem no presente despacho.
Em face do exposto e, ao abrigo do disposto no artigo 57°, nº 1 do Código Penal, declaro extinta a pena em que o arguido A... foi condenado nos presentes autos.
Notifique.
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Remeta boletim ao registo criminal”.

Porém, logo de imediato veio o M.P. interpor recurso desse despacho, concluindo pela forma seguinte:
“-Tendo o arguido, por acórdão transitado em julgado em 08.10.1999, sido condenado na pena de 02 anos prisão, cuja execução foi declarada suspensa por 05 anos;
-Tendo sido declarada, por despacho de 02.03.2007, transitado em julgado, revogada a suspensão da execução da referida pena, em virtude de o arguido continuar "reiteradamente" a não cumprir o dever imposto para a suspensão, e de, entre 21.10 e 07.11.2002, ter cometido novo crime de "tráfico de menor gravidade", ordenando-se o seu cumprimento;
-Tendo o tribunal "a quo", sob promoção do Ministério Público e por mero despacho, de 11.11.2009 - proferido à luz da disposição do art. 50º/5 do Código Penal na versão da L-59/07, de 04/09 - declarado reduzido de 05 para 02 anos o prazo de suspensão da execução da referida pena de 02 anos de prisão e, considerando irrelevantes o incumprimento e a prática do crime em causa, julgado extinta a pena em causa, por decorrido o prazo da respectiva suspensão da execução, nos termos do disposto no art. 57°/1 do Código Penal;
-Tal decisão viola o disposto no art. 371º- A do Código do Processo Penal, na interpretação fixada pelo Acórdão Fixação de Jurisprudência n.º 15/09 do STJ, publicado em 23.11.2009.
Motivo por que deve o presente recurso ser julgado provido e procedente e, em consequência:
-Revogada a decisão recorrida, sendo substituída por outra que, no pressuposto do prosseguimento dos trâmites subsequentes à prolação do referido despacho 02.03.2007, ordene a emissão e remessa de novos mandados de captura do arguido à autoridade policial competente, para execução da referida pena de 02 anos de prisão”.

O arguido não respondeu.
Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância, pronunciando-se pelo provimento do recurso.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, a única questão a decidir consiste em averiguar se foi ilegal a aplicação automática da lei nova ao período de suspensão de execução da pena, independentemente de requerimento do condenado nesse sentido.

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II - FUNDAMENTAÇÃO:

Apreciando e decidindo:
No despacho recorrido considerou-se que o regime decorrente da alteração legal introduzida no artigo 50° do Código Penal pela Lei n.º 59/07, de 4/9 – que veio impor que o período de suspensão da pena seja igual ao da prisão aplicada – se afirma como mais favorável ao arguido, razão pela qual se operou a redução da suspensão da pena para um período de dois anos, correspondente à duração da pena que foi suspensa, concluindo-se depois pela declaração de extinção daquela pena com fundamento no facto de naquele prazo de dois anos o arguido não ter praticado qualquer crime.
Contudo, neste despacho não se levou em conta a necessidade de proceder ao cotejo dos dois regimes em confronto, em ordem à determinação daquele que se revele como o concretamente mais favorável, conclusão que não pode ser alcançada através da simples comparação dos períodos de suspensão da execução da pena previstos no regime instituído pela Lei nº 59/97 e no regime anteriormente vigente.
Na verdade, como observou o STJ no Acórdão de fixação de Jurisprudência nº 15/2009 - Publicado no DR, 1ª Série, nº 227, de 23 de Novembro de 2009, que se teve presente na redacção das linhas que se seguem, em matéria de aplicação das leis no tempo face a decisões condenatórias transitadas em julgado a Lei nº 59/97 instituiu dois regimes distintos:
- Um primeiro regime aplicável apenas no caso de a pena já cumprida atingir o limite máximo da pena prevista pela lei nova, situação em que cessam de imediato a execução da pena e os seus efeitos penais (art. 2º, nº 4, parte final, do Código Penal);
- E um outro regime, aplicável a todos os demais casos, prevendo em geral os caos em que a nova lei se revele mais favorável ao condenado, situação em que se lhe atribui o direito de requerer a reabertura da audiência para aplicação do novo regime (artigo 371º-A do Código de Processo Penal);
Apenas o primeiro destes regimes é de aplicação automática, condicionado somente pela verificação objectiva de uma situação de facto que se vem a traduzir favoravelmente para o condenado, constatável pelo mero confronto do limite máximo da pena prevista na nova lei com o período de privação de liberdade já sofrido pelo condenado. Já o segundo regime exige sempre um pedido do condenado para aplicação da lei nova e a realização de audiência expressamente para essa finalidade.

No caso vertente, a aplicação retroactiva do nº 5 do art. 50º do Código Penal não se enquadra no disposto na parte final do nº 4 do art. 2º do Código Penal, estando em causa apenas a aplicação retroactiva de lei penal mais favorável, o que depende necessariamente de requerimento do arguido para que lhe seja aplicada a nova lei, por força do regime previsto no art. 371º-A do CPP.
A aplicação retroactiva da lei no âmbito da última norma citada pressupõe a determinação do regime concretamente mais favorável ao agente (assim o determina a 1ª parte do nº 4 do art. 2º do C.P.), actividade que não prescinde de uma cautelosa ponderação das circunstâncias que levaram à opção pela pena inicialmente fixada à luz das normas legais então vigentes, comparando-a depois com a pena que resultaria da sua fixação de acordo com o novo regime legal. Esta operação resulta de restrição introduzida por via legislativa no princípio ne bis in idem, colidindo com o caso julgado material, pelo que só poderá ter lugar a requerimento do arguido, sob pena de violação daquele princípio, e com observância ainda do princípio do contraditório.
O confronto em concreto dos dois regimes legais, nos termos estipulados na 1ª parte do art. 2º, nº 4, do Código Penal, obriga à sua apreciação em bloco, com ponderação de todas as normas que influem na determinação da pena e da respectiva medida em cada um daqueles regimes, não se bastando com a simples comparação de normas isoladas – maxime, das que estipulam a duração do período de suspensão – já que apenas um deles, na sua totalidade, pode ser aplicado. Não será, assim, admissível, por exemplo, que a duração da pena de prisão seja determinada pelo regime anterior e que a duração do período de suspensão resulte da aplicação do novo regime legal. Seja qual for o regime legal por que se venha a optar, este terá que ser aplicado em bloco, na sua totalidade, prevalecendo o que se revelar concretamente mais favorável.
A fixação do período de suspensão da execução da pena, no regime anterior, não estava subordinada a um critério determinado na lei. Contudo, a jurisprudência, nomeadamente, a que se vinha formando no STJ, apontava para que a duração daquele período fosse encontrada em função das concretas necessidades de socialização do condenado, a aferir em função da sua personalidade e das suas condições pessoais, das características e gravidade do facto e da duração da pena. Assim, na medida em que no regime anterior ao da Lei nº 59/97 o período de suspensão da execução da pena assentava em considerações de natureza preventiva, enquanto que segundo o regime desta Lei o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão, mas nunca inferior a um ano, a determinação do regime concretamente mais favorável não se poderá limitar à mera comparação dos períodos de suspensão resultantes da aplicação de cada um daqueles regimes. Na verdade, a pena de substituição encontrada no regime anterior teve necessariamente em consideração um juízo de prognose que considerou que aquela concreta pena de substituição, aí considerado o período de suspensão fixado, realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Dito de outra forma, a pena encontrada, suspensa pelo concreto período de tempo determinado, funcionando como conjunto indissociável, constituíam a pena de substituição julgada adequada para satisfazer as exigências de prevenção do caso concreto. Operada a cisão entre a pena suspensa e o período de suspensão fica comprometido o juízo que presidiu à determinação da pena de substituição. Assim sendo, importará averiguar se no âmbito do novo regime, valorando a situação concreta que foi submetida à sua apreciação, o julgador se teria decidido ainda assim pela aplicação da pena de suspensão nos termos que se encontram fixados ou se teria imposto complementarmente a observância de outras regras de conduta, já que a suspensão nos termos previstos na lei actual, só por si, não satisfará, ou poderá não satisfazer, as exigências de prevenção geral e especial.
É manifesto, resultando linearmente do texto do despacho em crise, que o tribunal recorrido não teve em atenção os aspectos acabados de referir. Por outro lado, reduziu o período de suspensão da pena sem precedência de requerimento do arguido, único caso em que seria admissível o afastamento pelo próprio tribunal a quo do caso julgado entretanto formado relativamente ao despacho que revogou a suspensão da execução da pena. Tanto basta para que se conclua pela procedência do recurso.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, concede-se provimento ao recurso e revoga-se o despacho recorrido, devendo os autos prosseguir a tramitação que lhes vinha sendo imprimida antes daquele despacho, com emissão de mandados de captura para execução da pena cuja suspensão foi revogada.
Sem tributação.

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Jorge Miranda Jacob (Relator)
Maria Pilar de Oliveira