Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2566/14.9TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MULTA
MONTANTE
MATÉRIA DE FACTO
LEI APLICÁVEL
Data do Acordão: 06/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – INSTÂNCIA CENTRAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 236.º E 342.º DO C. CIVIL
Sumário: 1 - Em sede de decisão de facto e tendo em vista fixar os factos provados, não são convocáveis e aplicáveis as regras dos art. 236.º e 342.º do C. Civil; regras que só funcionam no momento seguinte da decisão/sentença, no momento em que se aplica o direito aos factos previamente fixados.

2 - Tendo-se assim procedido (resultando da motivação de facto que os factos foram fixados por aplicação de tais regras de direito) e não havendo impugnação da decisão de facto, ficaram os factos (assim fixados) em definitivo assentes e, por conseguinte, servem de substrato factual para uma condenação como litigante de má-fé.

3 - Numa causa com uma expressão económica de € 100.000,00, na ausência duma específica averiguação sobre a situação económica do litigante de má-fé, impõe-se respeitar o princípio da proibição do excesso, pelo que, usando de proporcionalidade e razoabilidade, entende-se ajustada a multa de 5 UC (sendo excessiva a de 35 UC).

Decisão Texto Integral:




Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , casado, residente na (...) , em Lisboa, instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra B... , residente na (...) , Leiria, pedindo que este seja “condenado a pagar à Fundação Batalha de Aljubarrota, a quantia de € 100.000,00, (…) acrescido de juros moratórios vencidos, no valor de € 427,40, e vincendos até efectivo e integral pagamento”.

Alegou, em síntese, ter prestado determinada colaboração ao R. – na montagem do financiamento para a aquisição, pelo grupo industrial R (...) (de que o R. é líder), do grupo finlandês F (...) – obrigando-se este a pagar-lhe, como contrapartida/comissão, a quantia de € 100.000,00; tendo o R. emitido uma declaração confessando tal dívida e comprometendo-se, conforme o acordado com o A., a entregar tais € 100,000,00 (em duas prestações de € 50.000,00), como donativo, à FBA (Fundação Batalha de Aljubarrota), para prossecução do seu escopo social de grande relevância cultural; não obstante, pese embora as várias insistências do A., o R. nada entregou à beneficiária FBA, assistindo assim ao A/promissário o direito de exigir do R/promitente o cumprimento da promessa.

O R. contestou, alegando, para o que ora interessa:

Que “nada deve ao A.”; que o “A. não lhe prestou qualquer serviço relevante”; que “é falso que o R. tenha solicitado ajuda ao A. para montar o processo de financiamento da aquisição da sociedade comercial de direito finlandês F (...) ”; que “o A. surge no processo de aquisição da F (...) através de um terceiro, tendo estabelecido alguns contactos nesse processo de aquisição, mas sem que tenha tido qualquer intervenção relevante neste mesmo processo aquisitivo”; que “todo o processo negocial foi conduzido sem qualquer intermediação ou outro serviço relevante do A.”; que, “em Setembro de 2013, foram assinados os acordos para a aquisição da F (...) , sem qualquer intermediação ou outro serviço relevante do A.”, tendo, “nessa altura, o A. começ[ado] a pressionar muitíssimo o R. no sentido de este pagar-lhe o montante de € 100.000,00, que o A. considerava ser-lhe devido pela sua colaboração no processo aquisitivo da F (...) , (…) montante que o R. considerava não ser devido”.

Neste contexto, “em face desta divergência e como tentativa de a ultrapassar, em Janeiro de 2014, o A. e o R. combinaram que o R. pagaria ao A. um montante não determinado, mas que não ultrapassaria o valor de € 100.000,00, caso o A. viesse a ter uma intervenção relevante no ajuste do preço da compra e venda da F (...) , o qual teria de ser, como foi, definitivamente fechado até Março de 2014”; tendo sido “por esta razão que as partes acordaram, em 20/01/2014, que o R. reconhecia ser devedor de um montante até € 100.000,00, que, se viesse a ser devido, teria a sua primeira data de vencimento em 30/04/2014”, e ainda que “as partes referiram expressamente que o valor em causa (em especial, o valor de € 50.000,00 a pagar eventualmente até 31/12/2014) só seria pago se tal fosse possível

Assim, “aceita ter subscrito o acordo junto com a PI”, porém, “não reconheceu ser então devedor ao A. de qualquer montante”; concluindo pela total improcedência da acção.

Foi proferido despacho saneador – em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – enunciado o objecto do litígio e fixados os temas da prova.

Realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que julgou a acção totalmente procedente.

Tendo na mesma, tendo em vista ponderar o preenchimento dos pressupostos da litigância de má-fé, sido ordenada a notificação das partes para se pronunciarem sobre a má-fé (cfr. 3.º/3 do CPC); após o que, em decisão posterior, se condenou o R., como litigante de má fé, na multa de 35 (trinta e cinco) UC

Decisão esta (da condenação como litigante de má-fé) de que o R. interpõe o presente recurso, (restrito, portanto, à sua condenação como litigante de má-fé), visando a revogação do decidido (nessa parte) e a sua substituição por decisão que não o considere e/ou condene como litigante de má-fé.

Não foram oferecidas contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II – Fundamentação de Facto

II. A – Foi dado como provado que:

1 No âmbito do acordo celebrado com o A. e na sequência de prestação de serviços, por este, no processo de financiamento tendente à aquisição da sociedade comercial finlandesa F (...) , o R. obrigou-se a pagar, através dum donativo à Fundação Batalha de Aljubarrota, a quantia de € 100.000,00, sendo € 50.000,00 até ao dia 30 de Abril de 2014 e os restantes € 50.000,00 até 31 de Dezembro de 2014.

2 Esse acordo foi reduzido a escrito no dia 20/01/2014


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II. B – E como não provado que:

a) Através do acordo referido em 1. e 2., A. e R. apenas tivessem combinado que o montante nele inserto (de € 100.000,00) poderia vir a ser devido, caso o primeiro viesse a ter uma intervenção relevante no ajuste do preço da compra e venda da F (...) .

b) No mesmo acordo tivesse ficado estabelecido que a segunda prestação de € 50.000,00 só seria paga se tal fosse possível.


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II. C - Do acordo reduzido a escrito (junto a fls. 14 e 15 e referido em II. A), datado de 20/01/2014 e assinado pelo A. e pelo R., consta:

“Entre A... (…) e B... (…) é acordado o seguinte:

1. O Sr. B... reconhece expressamente que é devedor a A... da quantia de € 100.000,00, dívida essa resultante da comissão devida pelos serviços de intermediação da compra da empresa F (...) ;

2. O montante da dívida atrás descrita deverá ser pago da seguinte forma

a) o montante de € 50.000,00 será pago através de um donativo à Fundação Batalha de Aljubarrota no prazo de 3 meses, ou seja, até 30 de Abril de 2014;

b) o montante de € 50.000,00 ou mais, se possível, será pago à Fundação Batalha de Aljubarrota no prazo de 11 meses, ou seja, até 31 de Dezembro de 2014.”


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III – Fundamentação de Direito

Como já se referiu, o presente recurso circunscreve-se à consideração/condenação do R./apelante como litigante de má-fé.

Impondo-se começar por clarificar, antes de nos debruçarmos sobre o “mérito” de tal consideração/condenação, que, para tal juízo de censura processual, relevam apenas e só os factos dados como provados; ou seja, no raciocínio lógico (silogismo judiciário) que conduz à condenação de alguém como litigante de má-fé, a premissa menor só pode ser composta pelo cotejo entre o que a parte alegou e o que, em oposição ao alegado, consta dos factos dados como provados.

Dito doutra forma, o tribunal não pode alicerçar um juízo sobre a má-fé no que se fez constar na motivação da decisão de facto; assim como não pode extrair um juízo de má-fé dum facto não provado, uma vez que, todos o sabemos, num processo, um facto não provado não é sinónimo da prova positiva do facto contrário.

Tendo isto presente, importa salientar que, no caso/apelação vertente, o R. (que se conformou com a sentença que decidiu o mérito do litígio) não impugna os factos dados como provados; sucedendo – sem prejuízo do que se escreveu na motivação da decisão de facto – que dos factos fixados na sentença resulta, efectivamente, uma oposição com o alegado pelo R., uma vez que disse/alegou o que se transcreveu no relatório inicial e, opostamente, ficou provado que foi “na sequência de prestação de serviços, no processo de financiamento tendente à aquisição da sociedade comercial finlandesa F (...) , que o R. se obrigou a pagar, através dum donativo à Fundação Batalha de Aljubarrota, a quantia de € 100.000,00 (…)”.

Expliquemo-nos (o que queremos dizer “sem prejuízo do que se escreveu na motivação da decisão de facto”):

Invocou o A. na presente acção, a nosso ver, uma declaração subsumível ao art. 458.º do C. Civil, preceito que apenas estabelece um regime de “abstracção processual”, ou seja, dispensava o A. da prova da relação fundamental, mas não o dispensava de alegar os factos constitutivos da relação fundamental e que constitui a verdadeira causa de pedir da acção[1].

Efectivamente, como regra, para que haja o dever de prestar e o correlativo poder de exigir a prestação, fora dos casos em que a obrigação nasce directamente da lei (gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil, etc.), é necessário o acordo (contrato) entre o devedor e o credor; é o chamado “princípio do contrato”, que significa que só a convenção bilateral, no domínio das obrigações assentes sobre a vontade das pessoas, pode (em regra e fora das situações excepcionais referidas) criar o vínculo obrigacional.

Princípio/regra este de que o art. 458.º não se desvia, ou seja, a promessa de cumprimento e o reconhecimento de dívida previstos no art. 458.º não constituem a fonte autónoma duma obrigação; criam, insiste-se, tão só a presunção de existência duma relação negocial/fundamental (a que o art. 458.º se refere explicitamente), sendo esta a verdadeira fonte da obrigação, razão por que se inverte o ónus da prova, mas apenas o ónus da prova, ou seja, o art. 458º do C. Civil apenas dispensa o credor do ónus de provar a relação fundamental subjacente ao negócio unilateral aí previsto, mas já não do ónus de alegar tal relação[2].

Significa isto[3] que quem, como o A./apelado, pretende demandar quem reconheceu unilateralmente um débito não pode limitar-se a juntar aos autos o documento particular que corporiza o acto de reconhecimento unilateral da relação causal anteriormente existente entre as partes, devendo no articulado respectivo identificar tal relação causal, alegando os seus factos essenciais constitutivos – embora, por via da dispensa de prova, contida no art. 458º do CC, esteja dispensado de provar tal factualidade, cumprindo ao demandado demonstrar que essa concreta causa constitutiva, invocada pelo credor, afinal não existe em termos juridicamente válidos (se o demandado/declarante provar que tal relação não existe, a obrigação “dissipa-se”, não lhe servindo de suporte bastante nem a promessa de cumprimento nem o reconhecimento da dívida)[4].

Encurtando razões – obedecendo ao objectivo desta aparente divagação jurídica – a questão de facto dos autos não tinha o enfoque que consta da sentença recorrida[5]; isto é, estando plenamente provado – por o R. não haver impugnado a assinatura (cfr. 374.º e 376.º do C. Civil) – o que consta do documento transcrito em II.C, pertencia ao R. demonstrar que a concreta causa constitutiva, invocada pelo A., afinal não existe/ia em termos juridicamente válidos, ou seja, não estávamos exactamente perante um problema de interpretação do documento transcrito em II.C e também, a terem que eleger-se, em sede de motivação de facto, contributos para a sua interpretação, estes não consistiriam no apelo e na aplicação das regras dos art. 236.º, 238.º e 342.º/2 do C. Civil[6].

E porquê tudo isto (que, repete-se, nada tem a ver, aparentemente, com um recurso sobre a má-fé)?

Porque, lendo a motivação da decisão de facto (o que tribunal externou como tendo contribuído para a formação da sua convicção), é patente que se deu como provado o que consta do ponto 1 dos factos provados apenas com fundamento no documento transcrito em II.C, interpretando-o à luz das regras dos art. 236.º, 238.º (e, como vimos de referir, tais considerações interpretativas, à luz do art. 236.º e 238.º, não tinham/teriam o seu lugar em sede de decisão de facto, mas sim no momento/sede seguinte da sentença).

Em todo o caso, embora não concordemos (com o enfoque e raciocínios jurídicos da sentença), o que conta – por não ter sido impugnado e não fazer parte do objecto do recurso – é que se fixou como provado, não apenas o que ficou plenamente provado pelo documento, mas que, “na sequência de prestação de serviços, no processo de financiamento tendente à aquisição da sociedade comercial finlandesa F (...) , o R. se obrigou a pagar, através dum donativo à Fundação Batalha de Aljubarrota, a quantia de € 100.000,00 (…)[7].

E isto provado, “sem apelo”, é indiscutível que o R. – ao alegar que o “A. não lhe prestou qualquer serviço relevante”, que “é falso que o R. tenha solicitado ajuda ao A. para montar o processo de financiamento da aquisição da sociedade comercial de direito finlandês F (...) ”, que “todo o processo negocial foi conduzido sem qualquer intermediação ou outro serviço relevante do A.” – alterou a verdade de factos relevantes (essenciais, segundo o art. 5.º/1 do CPC) para a decisão de causa.

Efectivamente:

Pode/deve ser considerado litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver, designadamente, deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (cfr. art. 542.º/2/a) e b) do CPC).

Significa isto que a mera falta de razão – quer quando a parte não demonstra a sua versão factual quer ainda quando se demonstra a versão factual oposta – não é por si só suficiente para legitimar uma condenação como litigante de má-fé (em tal hipótese, a “sanção” está justamente na improcedência da sua pretensão ou oposição); sendo necessário, para poder ser proferida uma condenação como litigante de má-fé, que a oposição entre a versão alegada e a que resultou provada seja subjectivamente imputável ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração intencional ou, pelo menos, consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes exige a negligência grave, grosseira.

Ora, é justamente este último, em face do que se deu como provado, o comportamento processual do R..

Efectivamente, pretendia o A. que fossem pagos (a terceiro, conforme o combinado) serviços que prestou ao R.; e, tendo este negado tais serviços, foram estes, após julgamento, dados como provados.

Não merece pois censura a condenação do R. como litigante de má-fé; embora por razões não coincidentes com as da decisão recorrida (que situou a má-fé em o R. ter atribuído ao documento um sentido que não lhe pode ser dado).

Outro tanto, todavia, já não se poderá dizer do montante da multa (de 35 UC).

É certo que estamos perante uma causa com alguma expressão económica – € 100.000,00.

Porém – e não perdendo de vista o modo como foi factualmente fixado o facto que produz e monopoliza a má-fé do R. – importa ponderar que a sua justa fixação é também em função das condições económicas daquele que será sancionado com a multa; condições económicas a extrair e deduzir dos elementos dos autos e que, à míngua de elementos concludentes, deve respeitar o princípio da proibição do excesso, sem necessidade de recorrer a uma específica averiguação sobre a situação económica do litigante de má-fé e sem que a não realização de tal averiguação constitua uma nulidade do art. 195º/ 1 do CPC.

Enfim, tudo visto e ponderado – atendendo a que a multa vai de 2 a 100 UC (cfr. art. 27.º/3 do RCP) e que vai recair sobre um “experiente homem de negócios” (como se diz nos autos) – usando de proporcionalidade e razoabilidade, entende-se ajustada a multa de 5 UC.

Procede pois, nesta parte, o recurso do R/apelante.


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IV - Decisão

Nos termos expostos, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a condenação, em multa, da R./apelante como litigante de má-fé, reduzindo-se, porém, a multa a 5 UC..

¼ das custas pelo R/apelante.


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Coimbra, 14/06/2016

(Barateiro Martins)

(Arlindo Oliveira)

(Emídio Santos)


[1] E o A. estava, aparentemente, bem ciente disto, tendo até alegado (no art. 5.º da PI) que “nada obsta à vinculativa emissão de uma declaração confessória ou recognitiva de dívida no âmbito dum contrato, com indicação da respectiva causa ou motivo determinante”.
[2] Cfr. Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, pág. 390: “Sendo que a inversão do ónus da prova não dispensa do ónus de alegação e que o autor tem de alegar, na petição inicial, a causa de pedir, o credor que, tendo embora em seu poder um documento em que o devedor reconhece uma dívida ou promete cumpri-la sem indicar o facto que a constituiu, contra ele propuser uma acção, deverá alegar o facto constitutivo do direito de crédito – o que é confirmado pela exigência de forma do art. 458º, n.º 2, do CC, que pressupõe o conhecimento da relação fundamental – e daí que a prova da inexistência de relação causal válida, a cargo o devedor/demandado se tenha de fazer apenas relativamente à causa que tiver sido invocada pelo credor, e não a qualquer possível causa constitutiva do direito unilateralmente reconhecido pelo devedor”.

[3] Defendido, entre outros, nos Acórdãos do STJ de 07/07/2010, proferido no P. 373/08.7TBOAZ-A.P1.S1; de 15/09/2011 (relator Granja da Fonseca); e de 07/05/2014 (Relator Lopes do Rego)

[4] Orientação esta que parece a mais proporcional e equilibrada; uma vez que admitir que o credor nada precisa de alegar como modo de identificar a relação causal subjacente é fazer impender sobre os ombros do demandado um ónus desproporcionado, traduzido em ter de ser ele a afastar a relevância de qualquer possível facto constitutivo dessa relação, ou seja, teria que ser ele a ter de identificar qual era, afinal, essa relação subjacente ao acto unilateral de reconhecimento, indicando a causa concreta dessa obrigação e questionando a sua existência ou validade jurídica, bastando ao A. (o que também seria desproporcionado) impugnar a individualização da causa pelo devedor para que pudesse subsistir a eficácia da declaração recognitiva.
[5] Em que se começou por dizer serem “ (…) irrelevantes, para a decisão a proferir, os factos respeitantes à concreta intervenção que o autor teve em relação ao negócio realizado pelo grupo empresarial do réu com a F (...) ”, porém, com todo o respeito, não seria nada assim, sem prejuízo do ónus da prova (da sua “não existência”) ser do R..
[6] Aludiu-se, no final da motivação de facto da sentença recorrida, ao art. 342.º/2 do C. Civil e ao ónus da prova; pois bem e com todo o respeito: o art. 342.º do C. Civil e as regras do ónus da prova não são convocáveis quando se decide de facto, ou seja, o art. 342.º do C. Civil e as regras do ónus da prova funcionam no momento seguinte, estritamente de direito, quando se aplica o direito aos factos previamente fixados (cfr. Prova e Formação da Convicção do Juiz, Alberto Ruço, pág. 289); o mesmo podendo/devendo dizer-se, mutatis mutandis, dos art. 236.º e 238.º do C. Civil, que funcionam em sede de aplicação do direito aos factos; sem prejuízo de costumar distinguir-se a indagação da vontade real (236.º/2 do C. Civil) e a interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos (236.º/1 do C. Civil), acrescentando-se sempre que constitui matéria de facto, impondo a produção de prova, a determinação/indagação da real intenção/vontade dos contraentes, a que alude o art. 236.º/2 do C. Civil (como diz Alberto Vieira, in Negócio Jurídico, pág. 46, a determinação/indagação da real intenção/vontade dos contraentes é ainda matéria de direito, sem prejuízo dos contributos de facto que tenham que ser reunidos para tal).

[7] Estamos, claro está, a olhar para a literalidade do ponto 1 dos factos provados, a considerar que se deu como provado que o A. prestou serviços ao R. no processo de financiamento tendente à aquisição da sociedade comercial finlandesa F (...) ; e não que apenas se procurou reproduzir o que consta do acordo reduzido a escrito (junto a fls. 14 e 15), uma vez que, então, nesta hipótese, haveria que dizer que apenas ficou provado o que o R. já havia aceite na contestação e, por conseguinte, não faria sequer sentido falar de má-fé.