Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1646/15.8PCCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA NÃO PAGA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NOTIFICAÇÃO DO CONDENADO
CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 10/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA - J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 49.º DO CP
Sumário: I – A notificação do condenado do despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária deve ser efectuada via postal simples, com prova de depósito, na morada constante do TIR.
II – Revelando-se infrutífera a notificação do condenado pelo referido meio, sem que o mesmo haja comunicado, previamente, alteração de residência, o exercício do contraditório fica assegurado através do seu Defensor.
Decisão Texto Integral:








Acordam, em conferência, na 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

O Ministério Público veio interpor recurso da decisão, proferida a 3-3-2021, que ordenou a notificação da condenada por contacto pessoal, da conversão da pena de multa em 166 dias de prisão subsidiária.


*

A razão da sua discordância encontra‑se expressa nas conclusões da motivação de recurso onde se refere que:

A. Por sentença proferida em 18/05/2017, já transitada em julgado, foi a arguida S. condenada pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. b), do Código Penal (doravante CP), na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à razão diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz o total de 1.250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros).

B. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida a 03/03/2021 que ordenou a notificação da condenada por contacto pessoal da conversão da pena de multa em 166 (cento e sessenta e seis) dias de prisão subsidiária.

C. No âmbito dos presentes autos, a condenada prestou TIR no dia 04/05/2016, tendo ficado a constar do mesmo a morada para a qual pretendia que as futuras notificações dos actos processuais fossem remetidas e as consequências advenientes do não cumprimento da comunicação de alteração de morada.

D. Ora, não está previsto nenhum preceito legal que fixe a notificação da aludida decisão à condenada por contacto pessoal.

E. Por sua vez, a condenada prestou TIR, mantendo-se todas as obrigações e consequências do mesmo decorrentes até à extinção da pena, de entre as quais a circunstância de as notificações passarem a ser legitimamente feitas por via postal simples (artigos 196.º, n.ºs 1 e 3, als. c), d) e e) e 214.º, n.º 1, al. e) ambos do CPP)

F. Pelo que, não se vê como, existindo TIR validamente prestado e operante, a notificação da decisão tenha que ser feita por contacto pessoal e não pela forma para que a condenada foi expressamente advertida.

G. Além do mais, não se encontra razão subjacente para uma maior exigência ao nível de notificação da decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária do que da decisão de revogação da suspensão da pena de prisão.

H. Ora, se por acórdão de uniformização da jurisprudência n.º 6/2010, publicado no Diário da República, Iª Série, de 21/05/2010, se fixou jurisprudência no sentido de que admite a notificação por via postal na morada indicada no TIR da decisão de revogação da suspensão da pena de prisão, uma vez que se entende que o condenado continua afecto às obrigações decorrentes do TIR, até ao trânsito em julgado da revogação de pena substitutiva ou à sua extinção, não obstante o artigo 214.º, n.º 1, al. e) com a redacção dada pela Rectificação n.º 105/2007, de 09/11, estatuir que o TIR se extingue com o trânsito em julgado da sentença condenatória e a decisão de revogação da suspensão da pena de prisão ter um regime mais gravoso que a decisão de conversão em prisão subsidiária,

I. Com maior razão deverá ser sufragado tal entendimento quando o legislador processual penal consagra expressamente no texto legal, através das alterações introduzidas com a Lei n.º 20/2013, de 21/02, nos artigos 196.º, n.º 3, al. e) e 214.º, n.º 1, al. e) do CPP, que a validade do TIR, das obrigações e das consequências do mesmo decorrentes apenas se extinguindo “com a extinção da pena”.

J. Caso assim não se entenda, para além de violação da lei, haverá uma quebra na coerência e unidade do sistema jurídico, uma vez que as duas decisões são substancialmente equiparáveis, ainda que a natureza das penas seja diferente.

Neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/06/2014, processo n.º 618/08.3GCSTS-A.P1, Relator: Pedro Vaz Pato e acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/01/2021, processo n.º 144/18.2GABT.E1, Relator: José Simão, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

K. Acresce que, a pena de prisão subsidiária está para a pena de multa numa relação de subsidiariedade, uma vez que só se procederá à conversão após esgotados todos os outros meios de cumprimento da pena de multa e impeditivos do cumprimento da prisão previstos nos artigos 489.º a 491.º do CPP.

L. A pena de multa convertida em prisão subsidiária não altera a natureza da pena principal, porquanto o que se executa é a pena principal fixada na sentença, sendo certo que a decisão de conversão não restringe de forma automática a liberdade do arguido, podendo o condenado evitar a execução efectuando o pagamento da multa (artigo 49.º, n.º 2 do CP e cfr. ensinamentos de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, Parte Geral II - As Consequência Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2009, págs. 145 a 147).

M. Assim, a aludida decisão ao não constituir uma modificação superveniente do conteúdo da sentença não tem de ser notificada pessoalmente ao arguido.

N. A notificação da decisão por via postal simples, com prova de depósito, não viola os direitos de defesa da arguida, porquanto a condenada, a par do defensor oficioso, tem sido notificada de todas as decisões que a afectem, nomeadamente foi dada a possibilidade à condenada de esclarecer as razões do não pagamento voluntário da multa, com a advertência de que se não o fizesse ou nada dissesse, aquela pena poderia ser convertida em prisão subsidiária, não o tendo feito.

O. Face ao exposto, não existindo preceito legal que determine a forma de notificação à condenada da decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º, n.º 1 do CP, mas existindo TIR validamente prestado e operante e tendo a condenada sido devidamente advertida das consequências advenientes do não cumprimento da comunicação de alteração de morada, a notificação da aludida decisão deve ser efectuada mediante via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada pela própria para o efeito.

P. Assim sendo, a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária proferida a 03/03/2021, ao determinar a notificação da condenada por contacto pessoal, violou o disposto nos artigos 49.º, n.º 1 do CP e 113.º, n.º 1, al. c), 196.º, n.ºs 2 e 3, als. c), d) e e) e 214.º, n.º 1, al. e) do CPP.

Nestes termos, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que ordene a notificação do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, por via postal simples com prova de depósito.


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Respondeu a arguida, defendendo que deve o recurso ser julgado improcedente e, ser mantido na íntegra o despacho recorrido.

Foi proferido despacho de sustentação.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, a arguida não respondeu.

Os autos tiveram os vistos legais.


***

II- FUNDAMENTAÇÃO

Consta do despacho recorrido (por transcrição):

A arguida S. foi condenada, por sentença transitada em julgado em 28.09.2020, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz € 1.250,00, sendo que notificada para efectuar o pagamento daquela quantia até 18.01.2021 não o fez.

A condenada até à data de hoje, não pagou a multa criminal que lhe foi aplicada.

O Ministério Público, não pretende instaurar acção executiva e promoveu a aplicação do artº 49º, nº 1, do Código Penal.

Por despacho de 15.02.2021 foi determinada a notificação da arguida e do seu defensor para proceder ao pagamento da pena de multa fixada sob pena de cumprir prisão subsidiária.

I – Por requerimento inserto na ref. 6304533, de 23.02.2021, cujo teor aqui se dá como reproduzido por celeridade processual, veio o seu Ilustre defensor requerer que a arguida fosse ainda notificada através das autoridades policiais (nomeadamente, através do Comando Metropolitano da PSP do Porto, 2.ª Divisão Policial do Porto, 15.ª Esquadra, Foz, que foi a sua última localização) para proceder ao pagamento da multa a que foi condenada ou, caso não tenha meios, que pode requer a prestação de trabalho em substituição da pena de multa.

Vejamos.

É pacifico que antes da conversão da multa em prisão subsidiária se impõe ouvir a condenada para explicitação das razões do não pagamento voluntário da multa e só depois, se for caso disso, se proceda a tal conversão, como forma de se cumprir o contraditório nos termos do art. 61º, n.º 1, al b) do CPPenal.

No predito despacho de 15.02.2021 determinou-se a notificação quer da arguida, quer do seu Ilustre Advogado, para que procedesse ao pagamento da pena de multa em que foi condenada, ou esclarecer as razões do seu não pagamento, com a advertência de que, se não o fizesse, ou nada dissesse no prazo referido, aquela pena poderia será convertida em prisão subsidiária.

Existe, inclusivamente, jurisprudência mais restrita que considera até que esta audição prévia da arguida à decisão de conversão da multa em prisão subsidiária deve ser feita apenas através da notificação ao defensor do requerimento do Ministério Público a pedir a conversão da multa em prisão (cfr. Ac. Relação de Évora, de 09.02.2021, proc. 1/18.2PTSTR.E1, relatado por MARTINHO CARDOSO).

No caso em apreço, com mais garantismos, a secretaria procedeu à notificação do Ilustre Advogado da arguida e da própria arguida através de notificação postal simples para a morada do TIR, posto que a arguida nunca comunicou formalmente qualquer alteração de morada nos termos do art. 196º, n.º 3, al. c) do CPPenal, pelo que a morada constante do TIR, para todos os efeitos, se mantém válida, podendo as notificações posteriores deverão ser feitas por referência à dita morada.

Aliás, neste sentido, abona o teor do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2010, não obstante, não versar sobre o mesmo thema decidendum [no caso da suspensão da pena de prisão, o TIR mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão que revoga a pena suspensa ou até à extinção desta], nem tal precedente ser vinculativo como decorre claramente do art. 445º, n.º 3, do CPP, aproxima-se nas suas repercussões práticas, já que promove a efectiva aplicação da Justiça e a afirmação do Estado de Direito, pelo que se entende que os argumentos utilizados neste acórdão também serão de sopesar neste tipo de situações, considerando que permitir a notificação por via postal simples do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão será mais “ofensivo” que a notificação do despacho que pretende facultar o exercício do contraditório à arguida sobre os motivos do não pagamento da multa, permitindo-lhe até uma última oportunidade de pagar a multa, pelo que, também por esta via, não se antevêem entraves à aplicação daquela jurisprudência ao presente caso. Acresce que a própria alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, ao art. 196º, n.º 3, alínea e), do C.P.P., que estatuiu que o TIR apenas se extingue com a extinção da pena, e não com o trânsito em julgado da decisão, dá respaldo e reforça esta interpretação/posição.

Ademais, como é sabido a arguida tem sempre formas de evitar o cumprimento da prisão subsidiária, após ter sido notificada da decisão de conversão da multa.

Entendendo-se, sim, que, neste caso especifico, a notificação da decisão final de conversão da multa em prisão subsidiária venha a ser efectuada, quer ao defensor, quer à arguida e, relativamente a esta, através de contacto pessoal, aqui se aderindo ao Acórdão da Relação de Évora, de 26-01-2021, relatado por ISABEL DUARTE, no proc. 222/18.8PAABT.E1 no qual se escreve:

“A índole e a gravidade dos efeitos do despacho que determinou a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, com a consequente privação da liberdade do arguido, recomendam e impõem uma reflexão e uma ponderação acrescidas, de forma a respeitar, de modo mais consentâneo a defesa das garantias constitucionais, a privação de liberdade dos cidadãos, exigindo, para tal defesa que a notificação dessa decisão seja efectuada, quer ao defensor, quer ao arguido e, relativamente a este, através de contacto pessoal. Isto porque a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária produz uma autêntica alteração da natureza da pena previamente imposta, que afecta a liberdade do arguido.”

Nestes termos, pelos fundamentos expostos, e sem necessidade de maiores considerações, indefere-se o requerido.

II – Aqui chegados, cumpre proferir despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

Ora, importa ponderar que a condenada ainda não pagou voluntariamente o montante da multa criminal que lhe foi aplicada por sentença transitada por ter cometido um crime.

Por outro lado, não são conhecidos rendimentos e/ou bens venalmente relevantes, livres e desonerados, que permitam consubstanciar o recurso à acção executiva, em ordem a uma bem sucedida satisfação coerciva do montante em falta, segundo a posição do Ministério Público (cfr. artº 491º do Código de Processo Penal).

Em terceiro lugar, o condenado não veio requerer a substituição da pena de multa por dias de trabalho (cfr. artº 48º do Código Penal).

Nos termos do disposto no artº 49º, n.º 1, do Código Penal, “se a multa que não tenha sido substituída por trabalho não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços”.


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Nestes termos, e ao abrigo das referidas disposições legais, converto a multa não paga em 166 (cento e sessenta e seis) dias de prisão subsidiária.

Cada dia ou fracção de detenção equivale a € 7,50.

A condenada poderá evitar a execução da prisão subsidiária pagando a multa em que foi condenada.

Notifique o Ministério Público, o ilustre defensor oficioso, e a condenada, sendo esta por contacto pessoal (Comando Distrital da PSP de Coimbra e Comando Metropolitano da PSP do Porto, 2.ª Divisão Policial do Porto, 15.ª Esquadra, Foz), com cópia do presente despacho, informando-o das faculdades previstas nos artigos 49.º n.º 2 e 3 do Código Penal.

Após trânsito da presente decisão, passe os competentes mandatos de detenção, onde deve constar expressamente, para além do mais:

Þ a identificação completa da arguida, o crime pelo qual foi condenada, o valor da multa em dívida, o valor da multa a pagar, a importância a descontar por cada dia ou fracção em que a arguida esteve detida e as disposições legais aplicáveis [indicações previstas no art. 491.º-A, n.º 3 do Código de Processo Penal]; e

Þ a possibilidade conferida pelo n.º 2, do art. 49.º, do Código Penal [de que pode, a todo o tempo, evitar, no todo ou em parte, a execução da prisão subsidiária pagando a multa em que foi condenada].


***

APRECIANDO

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, no presente recurso suscita-se a questão de saber se o arguido deve ser notificado pessoalmente da conversão da multa em prisão subsidiária ou, se basta a notificação por via postal simples, com prova de depósito, na morada constante no TIR.


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Sustenta o recorrente/MP que o despacho recorrido, que decidiu a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, ao determinar a notificação da condenada por contacto pessoal, violou o disposto nos artigos 49.º, n.º 1 do CP e 113.º, n.º 1, al. c), 196.º, n.ºs 2 e 3, als. c), d) e e) e 214.º, n.º 1, al. e) do CPP,  porquanto,    existindo TIR validamente prestado e operante e tendo a condenada sido devidamente advertida das consequências advenientes do não cumprimento da comunicação de alteração de morada, a notificação da aludida decisão deve ser efectuada mediante via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada pela própria para o efeito.

Acrescentando que, esta forma de notificação não viola os direitos de defesa da arguida, porquanto a condenada, a par do defensor oficioso, tem sido notificada de todas as decisões que a afectem, nomeadamente foi dada a possibilidade à condenada de esclarecer as razões do não pagamento voluntário da multa, com a advertência de que se não o fizesse ou nada dissesse, aquela pena poderia ser convertida em prisão subsidiária, não o tendo feito.

Entendemos que assiste razão ao recorrente.

Com efeito,

Como se observa a fls. 21 dos presentes autos, em 4-5-2016 a arguida S. prestou Termo de Identidade e Residência (TIR), tendo declarado residir no Largo (…), n.º (…), (…), .... Coimbra.

Em tal acto (tendo a arguida assinado e recebido o duplicado do TIR), foi dado conhecimento à arguida das obrigações previstas no n.º 3 do artigo 196º do CPP:

«a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;

b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;

c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;

d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º

e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.».

Como ficou consignado no despacho recorrido, no anterior despacho de 15-2-2021 (onde se determinou a notificação quer da arguida, quer do seu Ilustre Advogado, para que procedesse ao pagamento da pena de multa em que foi condenada, ou esclarecer as razões do seu não pagamento, com a advertência de que, se não o fizesse, ou nada dissesse no prazo referido, aquela pena poderia ser convertida em prisão subsidiária), a secretaria procedeu à notificação do Ilustre Advogado da arguida e da própria arguida através de notificação postal simples para a morada do TIR, posto que a arguida nunca comunicou formalmente qualquer alteração de morada nos termos do art. 196º, n.º 3, al. c) do CPPenal, pelo que a morada constante do TIR, para todos os efeitos, se mantém válida, podendo as notificações posteriores ser feitas por referência à dita morada.   é nosso o sublinhado

Ainda assim,

Quanto ao despacho que procedeu à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, ora recorrido, considerou a Mmª Juiz a quo que a notificação da condenada seria “por contacto pessoal (Comando Distrital da PSP de Coimbra e Comando Metropolitano da PSP do Porto, 2.ª Divisão Policial do Porto, 15.ª Esquadra, Foz)”.

Não consta neste segmento da decisão recorrida por que se optou pela notificação pessoal da condenada.

Porventura, a tal decisão não foi indiferente o requerimento (de 23-2-2021) do Ilustre Defensor da condenada, em resposta à notificação do despacho de 15-2-2021, onde informa que “nunca obteve da mesma resposta às suas notificações. (…) a notificação da sentença só foi possível com recurso às forças policiais (…) verificando-se que a arguida não reside no Largo (…), (…), em Coimbra, para onde vão as notificações para pagamento da multa e outras, mas sim que a mesma não tem “… residência fixa”, tal como consta da notificação da sentença – Ref.ª 83180688, Citius, mas que tudo indica ser na área metropolitana do Porto”.

Não obstante,

Esta informação do Ilustre Defensor da condenada não tem a virtualidade de alterar as obrigações decorrentes do TIR, nomeadamente a prevista na al. c) do n.º 3, de que não tendo a arguida comunicado formalmente qualquer alteração da morada constante do TIR, para todos os efeitos, a mesma mantém-se válida, e as notificações posteriores serão feitas por referência à dita morada, por via postal, com prova de depósito.

Ora, em face da informação prestada pelo Ilustre Defensor poderemos considerar que as não notificações da arguida lhe são imputáveis, pois, impende sobre qualquer arguido um dever geral de diligência, em ordem a conferir funcionalidade aos seus direitos e deveres, designadamente os que decorrem do TIR que prestou.

Estabelece o n.º 1 do artigo 49º do CP que «Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (…)»;  ….…… porém, nos termos do n.º 2 «O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado»; ……………… acrescentando o n.º 3 que «Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro ( ... )».

Na redacção originária do Código Penal dispunha o n.º 3 do artigo 46º que Quando o tribunal aplicar a pena de multa será sempre fixada na sentença prisão em alternativa pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.

Falava-se então em prisão alternativa da multa.

E foi com a revisão do Código operada pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março, que a prisão resultante da conversão da pena de multa passou a designar-se de prisão subsidiária (n.º 1 do artigo 49º).

Como refere Maia Gonçalves ([1]) “trata-se de alteração feliz, pois que a prisão resultante da conversão não está para com a multa numa relação de alternatividade, mas de subsidiariedade, já que só deve ser cumprida depois de esgotados todos os outros meios de cumprimento da multa. Em segundo lugar, nota-se que o cumprimento da pena de prisão subsidiária é agora determinado após a verificação de que a multa não substituída por trabalho a favor da comunidade não foi paga, voluntária ou coercivamente. Não é, portanto, necessário que na sentença se fixe a pena subsidiária, como sucedia na vigência do art. 46º, n.º 3, da versão originária do Código quanto à prisão alternativa. No entanto, a ordem de cumprimento da prisão subsidiária terá de ser dada por despacho do juiz, após a verificação dos pressupostos enunciados no n.º 1”.

No caso vertente, e quanto ao anterior despacho, não tendo a arguida comunicado aos autos a alteração de residência, como estava obrigada, quanto à notificação para se pronunciar sobre a possibilidade de conversão da multa em prisão subsidiária, através de notificação postal simples para a morada do TIR, o exercício do contraditório satisfaz-se plenamente através do seu Defensor.

Portanto,

a substituição da pena de multa por prisão subsidiária, podendo conduzir à perda da liberdade (caso a multa não seja paga como dispõe o n.º 2 do art. 49º do CP), não deverá ser decidida sem antes se ter assegurado a possibilidade de o condenado se pronunciar sobre o não pagamento da multa e da conversão da multa em prisão, o que efectivamente aconteceu nos autos.

Como ensina Figueiredo Dias ([2]) “A prisão a cumprir em vez da multa não satisfeita não é - contra o que por vezes se afirma -, nem sequer em sentido formal, uma pena de substituição. Por outro lado, não é correcto afirmar-se que a prisão sucedânea é aplicada «em vez» da pena principal, antes sim só para o caso de aquela não ser cumprida. Mas, se, assim, a prisão sucedânea não é uma pena de substituição, também por outra parte parece não dever identificar-se sem mais, em traços fundamentais do seu regime, com a pena privativa da liberdade.

Parece, nomeadamente, que o pagamento parcial da multa deve conduzir a uma redução proporcional da prisão sucedânea, da mesma forma que o pagamento posterior deve determinar a não execução da prisão que falte cumprir. Estas conclusões são desejáveis do ponto de vista político-criminal, enquanto evitam, total ou parcialmente, o cumprimento de prisão efectiva e deixam aparecer na prisão sucedânea, a sua vertente de sanção (penal) de constrangimento. Sanção penal e, nessa medida, uma verdadeira pena.

A jurisprudência tem divergido quanto à forma de notificação do despacho que procedeu à conversão da pena de multa em prisão subsidiária, tendo em vista o conhecimento efectivo do decidido - notificação pessoal do arguido ou notificação por via posta simples, com prova de depósito, na morada constante do TIR.

Tal divergência de entendimento deriva do facto de a prisão subsidiária não ter de ser fixada desde logo na sentença condenatória (como acontecia na redacção originária do CP), mas posteriormente, se se verificar o incumprimento da multa.

Neste caso, diz Germano Marques da Silva ([3]) há uma situação de reforma da sentença: aplicação da multa e depois substituição por prisão em caso de não pagamento, à semelhança do que ocorre com a substituição da multa por trabalho.

É sabido que, nos termos do n.º 2 do artigo 57º do CPP, a qualidade de arguido conserva-se durante todo o decurso do processo.

E, como se refere no Acórdão n.º 109/2012, de 06.03, do Tribunal Constitucional o condenado numa pena sabe que a sua relação com o tribunal não fica definitivamente encerrada com a sentença condenatória. E, determinando o artigo 49º, n.º 1 do CP que não pagando o condenado a multa, há que proceder à sua conversão em prisão subsidiária, há necessidade de comunicação com o arguido.

Ora, observados os referidos deveres de comunicação por parte do condenado, as cautelas que rodeiam a notificação, por via postal simples, com prova de depósito (n.ºs 3 e 4 do art. 113º do CPP), torna este meio de notificação um meio adequado, segundo a comum experiência, a garantir o conhecimento do acto comunicado.

Por outro lado, pode considerar-se que as prescrições contidas no artigo 196º, n.ºs 2 e 3, als. b), c) e d) não são restritivas do direito à liberdade, não assumem as mesmas a natureza de medida de coacção, antes constituindo o modo de dar conhecimento ao arguido de actos processuais.

De sublinhar também que, poderá considerar-se que o condenado em pena de multa, que não sendo paga, pode ser convertida em prisão subsidiária, continua afecto até à extinção da pena [al. e) do n.º 3 do art. 196º e al. e) do n.º 1 do art. 214º, ambos do CPP] às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de TIR, nomeadamente, de as posteriores notificações serem feitas, por via postal, para a morada indicada.

Acresce que,

Numa situação mais severa para o condenado, como é o caso da notificação da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, o AFJ n.º 6/2010 (publicado no DR, 1ª série, de 21-5-2010) decidiu que a notificação do condenado pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal].  é nosso o sublinhado


*****

III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que ordene a notificação da arguida por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no TIR.

Sem tributação.


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Coimbra, 27 de Outubro de 2021

Texto processado em computador e integralmente revisto pela relatora e assinado electronicamente – artigo 94º, n.º 2 do CPP

Elisa Sales (relatora)

Jorge Jacob (adjunto)


[1] - Código Penal Português, anotado, 10ª edição, Almedina, pág. 229.
[2] - Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2005, págs. 146/147.
[3] - Direito Penal Português, Parte Geral, III, Verbo, pág. 214.