Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
467/11.1GBAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: PROIBIÇÃO DE PROVA
ESCUTA TELEFÓNICA
ALTA VOZ
AMEAÇA
Data do Acordão: 06/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 32.º, N.º 8, DA CRP; ARTIGO 126.º, DO CPP E ARTIGO 153.º, N.º 1, DO CP
Sumário: Resultando da prova produzida que o ofendido accionou, no seu telemóvel, o sistema sonoro de “alta voz”, quando estava a receber ameaças, visando, por esse meio, a obtenção de prova contra o arguido, actuou com causa legítima, mostrando-se proporcional e adequada a divulgação da conversação telefónica. Consequentemente, a prova testemunhal obtida desta forma constitui prova válida, idónea a basear-se nela a condenação do autor do telefonema.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

No processo supra identificado, foi submetido a julgamento, A..., completamente identificado nos autos, e condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, p.p. pelos arts 153º nº1 e 155º, nº1, l. a) por referência ao artº 131º do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 8,50 (oito euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz um quantitativo global de €850,00 (oitocentos e cinquenta euros).


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Inconformado com o assim decidido, veio o arguido recorrer, extraindo da respectiva motivação as seguintes

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Conclusões:

1 – A decisão recorrida errou no julgamento da matéria de facto e de direito ao decidir como decidiu os factos considerados como provados nos números 1, 2 e 3. Efectivamente:

2 – Quanto ao ponto 1, deveria ter sido dado como provado que:

a) No dia 25 de Maio de 2011, cerca das 14 horas o arguido não efectuou qualquer chamada do telemóvel com o cartão nº (...) para o telemóvel com o nº (...);

b) o telemóvel com o cartão nº (...) não é propriedade do Arguido.

c) o assistente não é proprietário do telemóvel  com o nº (...);

d) o assistente não recebeu nos aludidos dia e hora qualquer chamada do arguido,

O que se impõe,

Face à inexistência de qualquer documento que prove que o assistente seja titular do número de telemóvel (...), bem como também da existência de qualquer documento que prove que o arguido tenha efectuado nos aludidos dia e hora a chamada através do numero (...), sem esquecer, que não estando a alegada chamada documentalmente provada, não está demonstrado que a mesma tivesse sido efectuada, tudo aliado e conjugado com os depoimentos prestados pelo Assistente ao 7m e 17 s: De imediato começou a tratar mal pousei o telefone e coloquei e coloquei em alta voz…”:

Meritíssima Juiz: Qual o momento da conversa em que colocou o telemóvel em alta voz?

Resposta do Assistente (ao minuto 8,55ss): “Já estava de orelha guiada, como é que se vai provar isto…” e da testemunha C... ao minuto 4 e 13s e ss refere: “… toca o telefone e o Sr. B...… colocou e telefone em alta voz”, e, a instâncias do Mandatário do Arguido: Há quanto tempo conhece o arguido?

Testemunha: Sr. A...? Não conheço (minuto 9 e 45s);

Mandatário do Arguido: Quem fez a chamada? Conhece a voz dele?

Testemunha: Não afirmei que foi o Sr. A...…não conheço a voz do Sr. A..., … nunca vi o Sr. A...…não sei se era ele.

3 – Pelo que o Tribunal “A quo” por manifesta insuficiência de prova documental e contradição da testemunhal, não podia ter dado como provado o ponto 1 incorrendo assim em manifesto erro na apreciação da prova produzida, e violação dos princípios do direito probatório e do princípio “in dubio pro reo”, o que acarreta a nulidade da douta sentença nos termos do disposto nos artigos 379º nº1, alínea b) e c) e 374º nº2 ambos do CPP.

4 – Deve por sua vez, e face ao depoimento do assistente e declarações das testemunhas ser dado como provado que o assistente accionou o sistema de alta voz sem o consentimento do arguido.

5 – Tal prova e sua valoração é nula.

6 – A douta Sentença proferida pelo Tribunal “A quo” violou entre outras as normas previstas nos artigos 26º nº1, 32º nº8 da Constituição da Republica Portuguesa, e artigos 125º, 126º e 127º do Código de Processo Penal e artigo 194º do Código Penal.

7 – Ao decidir como decidiu o douto Tribunal “A quo” cometeu um erro notório na apreciação da prova carreada para os autos, designadamente da prova documentada e gravada, dando como provados factos e outros como não provados que se consideram incorrectamente julgados, tudo sem esquecer uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, enfermando pois a douta Sentença também do vício previsto no artigo 410º nº2, alíneas a), b) e ) e, ainda, em clara violação do disposto nos artigos 374º nº2, o que acarreta a sua nulidade nos termos do disposto no nº 1, alíneas al. b), todos do C.P.P.

8 – Não se encontrando assim preenchido o tipo legal do crime pelo qual o Arguido vinha acusado.

9 – A douta Sentença proferida pelo Tribunal “A quo” não se encontra devidamente fundamentada, ou seja, peca por uma incorrecta interpretação e análise crítica da prova produzida em Audiência de Julgamento, de acordo com o princípio de livre apreciação da prova, e em absoluta inobservância dos critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, nomeadamente quanto aos factos dados como provados e não provados, à sua fundamentação, à convicção formada e à aplicação do direito, enfermando, consequentemente, erro no julgamento da matéria de facto ao decidir como decidiu.

10 – A douta Sentença proferida pelo Tribunal “ A quo” não fez uma correcta aplicação do direito à matéria de facto provada e não provada, pelo que, obviamente, devia ter decidido de forma diversa.

11 – O Tribunal “A quo” ao não fazer uma correcta aplicação do direito à matéria de facto provada violou (nomeadamente) o disposto nos artigos 153º nº1 e 155 nº1 alínea a), ambos do Código Penal e artº 374º nº2 do Código Penal.

Termos em que, e nos mais de direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser dado provimento ao presente Recurso, e em consequência ser a douta Sentença revogada e substituída por outra que absolva o Arguido, pela prática do crime de ameaças agravadas, previsto e punido pelos artigos 153º nº1 e 155º nº1 alínea a), do Código Penal, tudo com as legais consequências.


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O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, concluindo que a sentença não padece de qualquer vício nem invalidade e que a prova foi julgada de acordo com a regra do artº 127º do CPP, não merecendo a decisão recorrida qualquer reparo.

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O recurso foi recebido.

Já neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto a quem os autos foram continuados, emitiu fundado Parecer, no sentido do improvimento.

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Corridos os vistos e realizada a audiência, cumpre apreciar e decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

Após a realização da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 25 de Maio de 2011, cerca das 14h o arguido ligou do telemóvel com o cartão n.º (...) para o telemóvel com o n.º (...), propriedade do ofendido B... quando este se encontrava nas instalações do restaurante X..., sito em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal.

2. Após o ofendido ter atendido a chamada, o arguido disse-lhe, de forma séria e convicta: “Oh B..., eu devo-te alguma coisa? Mandaste para aqui uma carta de um advogado… Tu vais aparecer morto numa valeta, com formigas nos olhos. E eu vou contratar um cigano para te dar dois tiros nos cornos”, querendo com isso dizer que lhe havia de tirar a vida.

3. O arguido agiu com a intenção de provocar receio e inquietação no ofendido, pretendendo condicionar-lhe a sua liberdade e sabendo ser o seu comportamento previsto e punido por lei.

4. O arguido não tem antecedentes criminais.


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Foram estes os factos provados, mais nenhum outro se provou com relevância para a decisão da causa.

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Os demais factos, não especificamente dados como provados ou não provados estão em oposição ou constituem a negação de outros dados como provados ou não provados, ou contém expressões conclusivas ou de direito, ou são irrelevantes para a decisão da causa.

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O tribunal fundamentou a sua convicção acerca da matéria de facto, nos seguintes termos:

A convicção do tribunal para dar tais factos como provados alicerçou-se na análise e ponderação crítica de toda a prova produzida em sede de julgamento.

Assim, relativamente aos factos dados como provados no que concerne à localização, data e recepção da chamada telefónica, o tribunal valorou as declarações do próprio ofendido (constituído assistente) e das testemunhas que com ele se encontravam a almoçar: C..., D...e E... as quais foram unânimes em descrever e situar tais factos. A propriedade do número de telefone encontra-se documentada a fls. 145 e 156 dos autos. Ademais, o próprio assistente declarou que aquele número de telefone sempre foi por si utilizado para falar com o arguido, como gerente da empresa “ A..., empreiteiros, Lda.”, ao longo de 10 anos de relações comerciais havidas entre ambas as empresas (pois que o assistente é também gerente de uma empresa).

Já no que tange ao conteúdo da conversa telefónica a mesma foi relatada, de uma forma circunstanciada, pelo assistente, com pormenor e exactidão, esclarecendo o contexto das relações comerciais havidas entre as empresas que ambos gerem (assistente e arguido) – a existência de uma dívida da empresa do arguido e da emissão de uma factura, não paga pela empresa do arguido e respectiva devolução e subsequente envio de uma carta cobrança pelo advogado da empresa do assistente – contexto esse que tem inteira correspondência com o teor do diálogo do arguido e que o assistente soube descrever. Por outro lado, o assistente relatou as expressões proferidas pelo arguido com segurança e certeza, de uma forma coerente e séria, adoptando uma postura franca e sincera em julgamento, motivo pelo qual mereceu a credibilidade do tribunal.

Quanto aos depoimentos das testemunhas sobre o teor da conversa telefónica entendemos que, dada a forma como as testemunhas adquiriram tal conhecimento (o assistente colocou a chamada em “alta voz” sem o consentimento do arguido) as mesmas se intrometeram numa conversação telefónica sem que o interlocutor (arguido) tivesse conhecimento e houvesse consentido na escuta por terceiras pessoas pelo que este tipo de conhecimento, assim adquirido, por constituir uma intromissão indevida numa telecomunicação, constitui uma prova nula, de acordo com o disposto no art. 126º, n.º 3, do CPP, e, por via disso, não pode ser valorada (cfr., neste sentido, ac. do TRC, de 28.10.2008, relatado pelo Desembargador Vasques Osório e disponível em www.dgsi.pt).

Quanto aos antecedentes criminais foi valorado o respectivo certificado que se encontra junto aos autos a fls. 96.

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1. Conhecimento do recurso

É jurisprudência, pacifica, constante e uniforme que os poderes de cognição do tribunal “ad quem” são delimitadas pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação de recurso, sendo que também é este, tanto quanto sabemos, o entendimento da doutrina (quanto à primeira conf., entre muitos, Ac. do STJ de 25.06.1998 e 03.02.1999, in BMJ 478, pág. 242 e 484, pág. 271, e à segunda Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. lll, 2000, verbo, pág. 335).

Como resulta das conclusões supra transcritas, o recorrente, pretende com o seu recurso impugnar matéria de facto, assim:

 - Nos pontos 1 a 3, impugna a matéria de facto, defendendo por um lado que certos factos implicam a produção de prova documental que não se encontra junta aos autos, como acontece com a prova da propriedade dos telemóveis a que se reportam os autos e da chamada por meio da qual foi feita a ameaça.

 - No ponto 4 a 6 invoca uma nulidade de prova afirmando que é nula a prova do conteúdo da chamada a que se reportam os autos por o ofendido ter posto o telemóvel em alta voz, para daí concluir que a sentença incorreu na nulidade do artº 379º º1, al. b) e c) e 347º nº 2 o CPP, e violou os artºs 26º nº1, 32º nº8 da CRP; artº 125 a 127º do Cód.Penal, e ainda o artº 194º do Código Penal.

- No ponto 7 defende que a sentença incorreu em todos os vícios elencados no nº2 do artº 410º do Cód. Proc. Penal, por ter julgado a prova como julgou

- Como decorrência dos vícios e nulidades de prova entende que não se encontra preenchido o tipo legal de crime pelo qual foi acusado conclusão 8;

- No ponto 9 invoca a nulidade da sentença por falta de fundamentação;

- E, para culminar, nos pontos 10 e 11, defende, mais uma vez, que a prova devia ter sido decidida de modo diverso, que determinasse a sua absolvição.

Quid Juris?

Começa por se dizer o recorrente lavra em grande confusão acerca dos vícios e nulidades da sentença, sendo que em última análise, o que visa com o seu recurso é invocar invalidades de prova, quer por certos factos dependerem de prova testemunhal, quer por ter a mesma sentença incorrido numa proibição da prova que consiste em ter-se baseado numa chamada telefónica que foi ouvida por terceiros sem autorização do ofendido.

Antes de entrarmos propriamente no cerne da questão – nulidade de provas, e para não sermos acusados de omissão de pronúncia referiremos, ainda que de forma breve, porque não incorreu a peça recorrida em qualquer vício, alíneas a); b); c) do nº2 do artº 420º do C.P. Penal; do mesmo passo que a mesma sentença não enferma das nulidades referidos nas alíneas a) b) e c) do artº 379º do mesmo Código.

2.Vícios e nulidades da sentença

Nunca é demais salientar que os vícios elencados no nº2 do artº 410º do C.P.Penal, são intrínsecos à sentença, são regra geral raros, porque como resulta do próprio texto da norma citada, “têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, sem atentar a outros elementos externos à sentença, não sendo, pois, possível lançar mão, para a sua detecção, de quaisquer elementos do processo, incluindo, como é óbvio, a prova produzida em julgamento (Ac. TC nº 573/98 in DR, II de 13.11.98.)

É certo que tais vícios são de conhecimento oficioso (A.U.J. do STJ de 19.10.95 in DR I série -A de 28.12.95), não sendo, pois, necessária a sua invocação pelo recorrente para que o tribunal de recurso deles conheça… se se verificarem.

Não se nos afigura, porém, que tal aconteça no caso presente. Por um lado na sentença não faltam elementos que podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição – vício da al. a do nº2 do artº 410º do CPP, e, por outro a versão dada pelos factos provados é perfeitamente admissível, não apresentando entre eles e a fundamentação, contradições, desarmonias ou dissintonias, que permitam integrar os vícios recortados nas alíneas b) e c) do preceito citado. (Leal Henriques e Simas Santos in Código de Processo Penal Anotado, II vol, 2º ed., pág. 737 a 740) 

Por outro lado, também se não vislumbra outra invalidade da sentença designadamente a falta ou insuficiência da fundamentação a que se reporta a al. a) do artº 379 nº1 al. a) do C.P.Penal, pois que, a fundamentação de modo claro e preciso, permite-nos saber onde o tribunal se fundou para dar como provados os factos constantes da acusação, e, muito menos, que tenha considerado factos diversos da acusação ou que tenha cometido omissão ou excesso de pronúncia, al. b) e c) do nº1 do artº 379º do CPP.

Não mostra o recorrente, por tal, decerto, não lhe ser possível, a pertinência da invocação de tais vícios e nulidades, sem indicar concretamente onde eles foram cometidos.

3. Impugnação da matéria de facto:

Nos termos dos artigos 124.º e 125.º do Código de Processo Penal, constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do(s) crime(s), a punibilidade ou não punibilidade do(s) arguido(s) e a determinação da(s) pena(s) ou da(s) medida(s) de segurança aplicáveis, sendo admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.

Salvo quando a lei dispuser diferentemente – como ocorre nos casos de prova vinculada – o Tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção – artigo 127.º do Código de Processo Penal.

 “Como uniformemente expendem os autores, livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova” – Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal”, Almedina, página 354, em anotação ao artigo 127.º.

“A atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum” (entre outros, vide Ac. do Tribunal da Relação do Porto, in www.dgsi.pt, processo n.º 0314013.

O limite normativo do princípio da livre apreciação da prova consubstancia-se no princípio “in dubio pro reo”, que impõe ao julgador que decida para além de toda a dúvida razoável, beneficiando o arguido sempre que, perante as provas disponíveis, exista dúvida séria acerca dos factos.

“O princípio in dubio pro reo consubstancia um princípio geral do direito processual penal […]. Trata-se da aplicação de uma regra de decisão […]. Mas é importante que se note que este controlo não inclui as dúvidas que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e deveria ter tido […], pois o princípio in dubio não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio in dubio não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto” – Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, página 341, em anotação ao artigo 127.º.

A alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, só devendo ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.

À luz do quadro legal que sumariamente se deixa traçado se apreciará a matéria sob recurso.


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3. Provas inválidas:

1. Necessidade de prova documental:

Entende o recorrente que face à inexistência de documentos que provem a titularidade dos telemóveis receptor e transmissor da conversa telefónica referida nos autos, e a falta de documento que prove que essa chamada foi efectivamente feita, o tribunal não podia dar como estes factos como provados.

Mais uma vez, não diz o recorrente quais os fundamentos legais em que se baseia, para dizer que sem esta prova documental o tribunal não pode dar como provado quem usou os telemóveis, e se houve comunicação entre eles.

Não sabemos quais os documentos que concretamente entende que deviam ser exigidos, referir-se-á a factura de compra dos respectivos telemóveis? Ou, á factura detalhada das comunicações? Não sabemos, certo sendo que, como é do conhecimento pelo menos dos utilizadores de telemóveis, que são a grande maioria da população, nem sempre os dados de facturação são possíveis, tudo depende do plano contratado.

Seja como for, e ao contrário do que defende o recorrente, não se vislumbra que esta prova pertença à categoria de prova vinculada, e subtraída princípio da livre apreciação da prova a que alude o artº 127º do C.P.Penal, sendo que de acordo com o disposto no artº 125º do mesmo código, as proibições de prova têm de ser objecto de norma que as contemple.

Certo sendo que, o que é essencial para a comissão do crime que nos ocupa, ameaças, não é a propriedade dos telemóveis, mas quem os utiliza, e o conteúdo do que foi transmitido através deste meio de comunicação.

Assim, ao contrário do que entende o recorrente, que não indica os fundamentos onde se baseia para dizer que a prova destes factos está sujeita ao regime de prova vinculada, entendemos que tanto a prova da utilização dos telemóveis, como a comunicação entre eles pode ser provada por qualquer meio, como foi aceite na sentença recorrida, certo sendo que relativamente ao número de telemóvel por usado pelo recorrente, essa prova foi também integrada pelos documentos emitidos pelas respectivas operadoras que referem que ele pertence à sociedade A..., Empreiteiros, Lda., integrada com o depoimento do assistente que mostrou ter conhecimento de que o arguido é sócio gerente daquela sociedade e que comunicava com ele através daquele número.

Quanto à prova de que era o assistente que utilizava o telemóvel receptor, basta a declaração do próprio e das testemunhas que presenciaram que ele atendeu uma chamada, não se vislumbrando que outra prova seja necessária para se assentar neste facto.

Não se vendo que na prova destes elementos se tenha afrontado o artº 126º do C.P. Penal, ou que o tribunal recorrido tenha julgado contra a lógica e o normal acontecer, em suma, contra as regras da experiência comum, não se vê como não considerar a prova de que o arguido comunicou via telemóvel com o ofendido, tendo por base as declarações do assistente/ofendido e os depoimentos das testemunhas que o acompanhavam quando recebeu a chamada, certo sendo que não foi produzida outra em sentido contrário.

Não se vê, neste particular, que a sentença tenha cometido qualquer invalidade.

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2.Validade prova de conversa alheia ouvida em alta voz:

Aqui começa por se dizer que mesmo que se entenda, e já vamos ver que não é esse o nosso entendimento, que é nula a prova que use declarações de terceiros que ouviram comunicação telefónica, por o ofendido ter posto em alta voz o telemóvel quando recebeu a chamada, permitindo a terceiros ouvirem a comunicação telefónica sem autorização do arguido, mesmo assim, o julgamento da matéria de facto não podia ser posto em causa, porque o julgador não fez uso dos depoimentos de terceiros naquilo a que se reporta ao conteúdo da chamada telefónica, porque nesta parte, antecipando-se, como se vê, sem êxito, à arguição da nulidade, fundou-se, apenas nas declarações do ofendido, como resulta claramente da motivação da matéria de facto inserta na sentença (parte final de fls. 170 e parte inicial de fls. 171), como inegavelmente lhe permite o artº 127º do CPP.

Embora não se desconheça a tese plasmada no aresto referido na fundamentação da matéria de facto, (Ac. de 28.10.2008; Proc. 103/06.8GAAGN.C1 relator Des. Vasquez Osório) salvo sempre o devido respeito, não concordamos com ela, antes seguimos a que é defendida no Ac. desta Relação nº 330/11.6TACBR.C1 (relatado pelo Des. Correia Pinto) onde depois de analisar os argumentos contra e a favor da tese da nulidade, referindo neste âmbito o acórdão citado na sentença sob recurso, ponderando ao interesses em jogo, chega à conclusão que esta prova não está ferida de nulidade. Por facilidade de exposição e porque concordamos, em absoluto, com os argumentos e conclusão aí explanados, passamos a transcrever quanto a este ponto o que foi dito no referido aresto:

“A jurisprudência não tem expressado um entendimento uniforme quanto a esta questão: a validade da divulgação de comunicação telefónica por iniciativa de um dos intervenientes na mesma através do sistema técnico de alta voz a partir do respectivo aparelho telefónico.

No acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 26 de Maio de 2005, no âmbito do processo 0411675, considerou-se que a prova testemunhal que se limita a reproduzir a conversa telefónica havida entre o arguido e a ofendida, com o consentimento desta, não é nula por não constituir uma intromissão nas telecomunicações. Já no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 28 de Outubro de 2008, no âmbito do processo 103/06.8GAAGN.C1, considerou-se que o acesso a uma conversação telefónica através do sistema técnico de audição designado por “alta voz” integra o conceito jurídico-penal de intromissão (objectiva) no conteúdo de telecomunicações, pelo que o depoimento prestado por uma testemunha, sobre factos jurídico-penalmente relevantes e obtidos através da função de “alta voz”, quando efectuado sem o conhecimento e o consentimento do emissor de voz, constitui-se como uma intromissão em telecomunicações e deve ser taxado como prova nula.

Em 12 de Junho de 2012, no processo 523/11.6PAOLH.E1, o Tribunal da Relação de Évora, numa posição intermédia, considerou que a prova por depoimento de testemunha que escutou conversação telefónica por intermédio de sistema alta-voz não é, em princípio, prova livre, podendo cair nas proibições de prova; mas uma conclusão definitiva exige o conhecimento e apreciação dos contornos totais do acontecido, que se apresentam como imprescindíveis à decisão sobre a licitude desta prova. Considera-se neste aresto que a prova assim obtida, escutada por intermédio de qualquer sistema de captação ou de acesso ao som (da palavra), é em princípio prova proibida, podendo, no entanto, ocorrer causa de justificação, consistente numa legítima defesa – obter testemunho do crime praticado pelo arguido para o enfrentar e obstar a que prossiga na agressão – ou num direito de necessidade (probatório) – agir para obter prova para o perseguir criminalmente.

Estão em causa as disposições conjugadas dos artigos 32.º da Constituição – particularmente o seu n.º 8 que estabelece que são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações - 194.º do Código Penal – que pune aquele que, sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicações ou dele tomar conhecimento – e 126.º do Código de Processo Penal – que proíbe o aproveitamento das provas obtidas mediante intromissão nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

Esta questão foi de novo apreciada em data recente (9 de Janeiro de 2013) pelo Tribunal da Relação do Porto, no acórdão proferido no âmbito do processo 1516/08.6PBGMR.P1.

Aqui se pondera que o «princípio da dignidade da pessoa humana manifesta-se relevantemente no âmbito do designado processo penal constitucional, desde logo no artigo 32.º n.º 1 da Constituição ao consagrar uma cláusula geral de garantias de defesa, preceituando que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso” e precisando no seu n.º 8, no que concerne ao regime da prova proibida, que “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.

Daqui decorre, desde logo, uma diferenciação constitucional entre a absoluta interdição da tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa e a relativa interdição na intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Neste último caso a garantia constitucional de defesa no âmbito da privacidade apenas incide quando essa intrusão ou ingerência se revelarem abusivas. Não o sendo será a mesma constitucionalmente aceitável desde que tal intromissão se mostre proporcional entre a observância dos direitos, liberdades e garantias em geral (18.º, n.º 2 Constituição), tanto do agente, como da vítima, e o exercício da acção penal, no âmbito de um processo justo (20.º, n.º 1 e 4; 219.º, n.º 1 Constituição), atenta paz jurídica comunitária, a qual foi quebrada com a prática criminosa. Tal sucederá quando essa interferência se mostre idónea ou adequada (i), necessária ou exigível (ii), no sentido da optimização relativa do que é factualmente possível, e tudo isto na sua justa medida (iii), que diz respeito à respectiva optimização normativa (Ac.TC 11/83, 285/92, 17/84, 86/94, 99/99, 302/2006, 158/2008).

(…) Nesta conformidade podemos considerar que a comunicação telefónica é um meio técnico de processar uma conversa e de transmitir uma ou mais informações, correspondendo estas a um “dado pessoal” [3.º, al. a) Lei n.º 67/98; 2.º, al. a) Lei n.º 41/2004]. Por sua vez, «Chamada» será “qualquer ligação estabelecida através de um serviço telefónico publicamente disponível acessível ao público que permite uma comunicação bidireccional em tempo real” [2.º, n.º 1, al. g) Lei n.º 41/2004]. Tais interlocutores, identificados ou identificáveis, são os titulares desses “dados pessoais”, pelo que o consentimento do acesso a esses dados deve ser manifestado tanto pelo emissor como pelo destinatário das suas comunicações [3.º, al. h) Lei n.º 67/98].

Daqui decorre igualmente, na sequência da apontada diferenciação constitucional, a existência de provas absolutamente interditas, que são aquelas adquiridas mediante tortura, coacção e mediante ofensa da integridade física ou moral das pessoas, e outras que são relativamente interditas, que correspondem às obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou telecomunicações. Mas neste último caso, aceita-se a admissibilidade dessa intrusão desde que a mesma esteja prevista na lei em geral ou então seja consentida pelo titular do respectivo direito, ainda que naturalmente sujeita a critérios de proporcionalidade.

Por outro lado, existem ainda disposições específicas que disciplinam certos meios de prova (i) ou de obtenção de prova (ii), cuja inobservância impede, nalguns casos, que sejam valoradas. É o que sucede, quanto aos primeiros, com a prova testemunhal (128.º e ss.), as declarações dos sujeitos processuais (140.º e ss.), a prova por reconhecimento (147.º e ss.), a reconstituição dos factos (150.º), a prova pericial (151.º e ss.), a prova documental (164.º e ss.). E também, no que concerne aos segundos, com os exames (171.º e ss.), as revistas e as buscas (174.º e ss.), as apreensões (178.º e ss.), incluindo de correspondência (179.º), as escutas telefónicas (187.º e ss.), estendendo-se o regime destas “às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital, e à intercepção das comunicações entre presentes” (189.º).

Assim e no que concerne a estas últimas as mesmas são admissíveis mediante despacho judicial de autorização, que se expresse numa decisão fundamentada (205.º, n.º 1 Constituição; 97.º, n.º 1, al. b) e 5; 187, n.º 1 C. P. Penal), desde que se verifiquem os seguintes requisitos primaciais: haja razões para crer que essa intercepção ou gravação “é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter” (i); a mesma diga respeito a crimes inscritos no catálogo descrito no artigo 187.º, n.º 1 do C. P. Penal (ii), como sucede com o crime de ameaças quando cometido por telefone e naturalmente por qualquer outro meio técnico de transmissão de conversações ou comunicações [187.º, n.º 1, al. e); 189.º, n.º 1]; tal intercepção ou gravação incida, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, sobre, entre outros, suspeito ou arguido ou então a própria vítima do crime, mas mediante o seu consentimento efectivo ou presumido [187.º, n.º 4, al. a) e c) C. P. Penal] (iii).

(…) O direito penal tem um carácter fragmentário, revestindo-se de uma natureza de ultima ratio, decorrente essencialmente do princípio constitucional da intervenção mínima (18.º, n.º 2 Constituição). Como se referiu no Ac. Tribunal Constitucional n.º 108/99, “É, assim, um direito enformado pelo princípio da fragmentaridade, pois que há-de limitar-se à defesa das perturbações graves da ordem social e à protecção das condições sociais indispensáveis ao viver comunitário. …A necessidade social apresenta-se, deste modo, como critério decisivo da intervenção do direito penal”.

Daí que surjam, em certas e específicas circunstâncias, causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. A primeira ocorrerá quando se verificar alguma das circunstâncias indicadas no artigo 31.º, n.º 1 do Código Penal, onde se afirma que “O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade”, explicitando-se no seu n.º 2 que “[Nomeadamente], não é ilícito o facto praticado: a) Em legítima defesa; b) No exercício de um direito; c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; ou d) Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado”. Também de acordo com o n.º 2 do citado artigo 192.º do Código Penal “O facto previsto na alínea d) do número anterior não é punível quando for praticado como meio adequado para realizar um interesse público legítimo e relevante”, o que igualmente exclui a ilicitude dessa divulgação. A segunda sucederá nos casos de estado de necessidade desculpante previsto no artigo 35.º, n.º 1 do Código Penal, ao preceituar que “Age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo actual, e não removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, quando não for razoável exigir-lhe, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente”.

Da conjugação destes normativos e da leitura que se pode fazer dos mesmos, no âmbito dos parâmetros constitucionais anteriormente referenciados, podemos extrair um critério de duplo efeito, segundo o qual um acto abstractamente ilícito encontra validade e justificação jurídico-penal, mesmo com algumas consequências indesejáveis, se tal acto revelar-se adequado, necessário e na justa medida para afastar uma agressão, igualmente ilícita. E isto num duplo sentido: desde que a vítima não tenha outro modo de repelir tal agressão criminosa (i) e o seu acto não ofenda a dignidade humana (ii), tanto numa perspectiva subjectiva, relativa aos agentes e vítimas do crime, não os reduzindo a meros objectos, como numa perspectiva objectiva, da preservação da sua integridade moral, como sucede com o núcleo duro da vida privada, enquanto sujeitos de direitos. Daí que verificando-se alguma das apontadas causas de exclusão da ilicitude ou da culpa e preservando-se os enunciados parâmetros constitucionais, se possa justificar a divulgação de uma comunicação telefónica ou outra correspondente quando a mesma seja, por exemplo, o meio para a prática de um ilícito criminal, como sucede com o crime de ameaças, e o destinatário dessa comunicação seja a própria vítima.

(…) Chegados aqui podemos traçar relativamente à intercepção e à gravação das comunicações telefónicas ou através de outros meios técnicos de transmissão, de acordo com o primado da dignidade humana, das garantias constitucionais de defesa e de reserva da privacidade, devidamente amparadas pelo princípio da intervenção mínima, o qual está sujeito a critérios de proporcionalidade, bem como pelo princípio da legalidade da prova, as seguintes directrizes:

i) Tais meios de obtenção de prova inscrevem-se no pilar constitucional das provas relativamente proibidas, o que sucederá quando as mesmas se revelarem abusivas;

ii) Serão meios de obtenção de prova abusivos quando a sua realização não se mostrar proporcional face aos parâmetros constitucionais estabelecidos pelo princípio da intervenção mínima (i) e as exigências de um processo penal justo (ii), designadamente na sua vertente de interdição legal;

iii) Tal meio de obtenção de prova será, por isso, legalmente admissível quando for decretado por despacho judicial e sejam observados os respectivos requisitos legais, ou seja, diga respeito a crimes inscritos no catálogo descrito no artigo 187.º, n.º 1 do C. P. Penal (i) – como sucede com o crime de ameaças quando cometido por telefone e naturalmente por qualquer outro meio técnico de transmissão de conversações ou comunicações [187.º, n.º 1, al. e); 189.º, n.º 1]; tal intercepção ou gravação incida, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, nas comunicações efectuadas, entre outros, pelo suspeito ou arguido (a) ou então a própria vítima do crime, mas mediante o seu consentimento efectivo ou presumido (b) [187.º, n.º 4, al. a) e c) C. P. Penal] (ii);

iv) Fora destas circunstâncias, a divulgação de uma comunicação telefónica será um meio de obtenção de prova legalmente admissível desde que, de acordo com um critério de duplo efeito, se mostrem preenchidos os requisitos legais substantivos das escutas telefónicas (i), revelando-se essa divulgação necessária, adequada e na justa medida para repelir uma agressão actual e ilícita de que se seja vítima (ii), mormente quando esta é a interlocutora e destinatária da referida comunicação telefónica ou outra comunicação técnica equiparada, ficando sempre salvaguardado a dignidade da pessoa humana dos intervenientes na respectiva comunicação;

v) Neste último caso, considera-se justificada a divulgação de uma conversa telefónica pelo sistema de alta voz quando essa precisa comunicação telefónica é o meio utilizado para cometer um crime de ameaças ou injúrias e a vítima consinta, de modo expresso ou implícito, na sua divulgação a terceiros como forma de se proteger de tais ameaças ou injúrias».

Todos estes acórdãos se encontram disponíveis na base de dados do ITIJ (em www.dgsi.pt)”.

Aplicando estas considerações ao caso dos autos, resultando da prova produzida, designadamente da parte transcrita pelo recorrente, que o ofendido accionou no seu telemóvel o sistema sonoro de alta voz quando estava a receber ameaças visando por este meio a obtenção de prova contra o arguido, fê-lo com uma causa legítima, mostrando-se proporcional a divulgação da conversação telefónica, e, assim sendo, a prova testemunhal obtida desta forma constitui prova válida, idónea a basear-se nela a condenação do autor do telefonema.


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3.3 Apreciação da decisão de facto

Decorre do que foi dito, que a sentença não baseou em provas inválidas como pretende o recorrente.

Por outro lado, não permitindo as partes transcritas pelo recorrente abalar a convicção que o tribunal firmou a propósito da prova produzida, designadamente, que foi o arguido quem fez a chamada e proferiu as expressões que a sentença recorrida deu como provadas, pois que a tal não obsta a circunstância de as testemunhas não conhecerem o arguido e por consequência a sua voz, já que nesta parte, o tribunal teve em atenção as declarações do assistente face às razões por ele apresentadas - ter relações comerciais, enquanto representante de uma empresa, com a empresa que o arguido representa, haver um contencioso entre ambas, originado por falta de pagamento por parte da empresa do arguido – contextualizando, assim, os motivos que levaram o arguido a proceder como procedeu.

 As declarações do assistente são tão relevantes como quaisquer outras, tudo depende da credibilidade que elas mereçam ao julgador, e no caso concreto mereceram toda, também não se vendo aqui, que o tribunal recorrido, ao assim proceder, tivesse postergado qualquer regra de apreciação da prova.

Citando Bacon (Psicologia do testemunha, in Scientia Iuridica, pág. 337) “os testemunhos não se contam pesam-se”.

Não merece, pois a matéria de facto qualquer censura.


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3.4 “In dubio pro reo”

Por último, uma palavra para o princípio “in dubio pro reo” que a arguido chama em sua defesa.

Este princípio é um corolário do princípio da presunção de inocência que decorre do artigo 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, que impõe ao julgador, em caso de dúvida acerca dos factos probandos (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática), posto que não lhe é permitido decidir-se por um “non liquet”, resolva essa dúvida em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à sua absolvição (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, pags 50 e 51).

Como salienta Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, I vol, pag 213) “Um non liquet na questão da prova – não permitindo ao juiz – que omita decisão … - tem que ser sempre valorado a favor do arguido”, sendo que “com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dúbio pró reo”.
Daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o recorrente deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, resultar, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.

No caso vertente, conforme se pode ler da respectiva motivação do acervo factual provado, o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova (maxime, segundo o disposto no artigo 127º) e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à ocorrência e prática dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal.

 No caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação da matéria de facto da sentença, qualquer dúvida acerca da prática dos factos por parte do recorrente.

Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto provada, e supra transcrita, denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos imputados ao recorrente, indicando clara e coerentemente as razões que fundaram a convicção do tribunal a quo, não tendo a mínima duvida em afirmar que a recorrente praticou os factos da forma dada como provada.

Perante esta decisão, tomada com toda a segurança pelo tribunal a quo (tal como o demonstra a exposição feita pelo tribunal a quo para motivar a sua convicção quanto à apurada matéria de facto), não tem sentido invocar a violação do princípio in dubio pro reo, que só opera quando, produzida toda a prova, o tribunal mantiver dúvidas sobre a prática, pelo arguido, de factos que lhe sejam desfavoráveis.

Não se vislumbrando que na mente do tribunal “a quo” tivesse ocorrido alguma dúvida acerca dos factos que deu como provados, dúvidas que a nós tribunal de recurso também não nos assaltam, não se vê que tenha sido postergado o princípio “in dubio pro reo” (conf. Ac. Rel Coimbra de 09.09.2009 Proc. 363/08.0OGAACB.1 in www.dgsi.pt)

Destarte, no que tange à impugnação de facto a sentença terá que improceder.

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4. Preenchimento do tipo de crime.

Não se podendo pôr em dúvida que os factos provados integram o crime de que o arguido foi acusado, e aqui remetemos para a fundamentação de direito exarada na sentença, sendo que quanto ao preenchimento do tipo de crime, o recorrente não põe em causa a sua verificação face aos factos provados, mas, mais uma vez, chama à colação esta matéria como decorrência da impugnação da matéria de facto, e, já vimos sem razão, também esta alegação genérica, feita no ponto 8 das suas conclusões, não tem qualquer fundamento para vingar.

Assim, e em conclusão, não tendo a sentença recorrida desrespeitado as normas invocadas nem quaisquer outras, o recurso interposto está votado ao fracasso.

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III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

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Custas pelo arguido, com a taxa de justiça que se fixa em 5 UC.

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 (Cacilda Sena - Relatora)

(Elisa Sales)