Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
178/19.0T8MBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: DIREITO LEGAL DE PREFERÊNCIA
PRÉDIOS RÚSTICOS CONFINANTES
REQUISITOS
COMUNICAÇÃO DO PROJETO DE VENDA
PREÇO DEVIDO
Data do Acordão: 05/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MOIMENTA DA BEIRA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1380º, Nº 1, 1381º E 1410º DO C. CIVIL.
Sumário: I- São pressupostos do direito legal de preferência previsto no artº. 1380º, nº. 1, do C. Civil:
a) Que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico;

b) Que o preferente seja dono/proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado;

c) Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura;

d) Que o adquirente do prédio não seja proprietário de prédio rústico confinante.

II- Direito esse que, porém, é legalmente excluído quando ocorra alguma das situações previstas no artº. 1381º do CC.

III- O direito legal de preferência deve ser exercido, pelo preferente, no prazo de seis meses, contados a partir da data do conhecimento pelo mesmo dos elementos essenciais da alienação, e desde que deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.

IV- A comunicação da intenção venda ou do seu projeto (bem assim como a resposta do preferente) tanto pode ser feita judicial como extrajudicialmente, ou seja, poderá sê-lo por qualquer forma ou meio legalmente admissíveis – o que significa que poderá sê-lo também verbalmente -, sendo essencial é que tal seja feito de forma clara e inequívoca.

V- A comunicação ao preferente do projeto venda e das cláusulas do respetivo contrato deve reportar-se a um negócio concreto, abrangendo todos os elementos ou fatores que possam influir na formação da vontade e decisão de preferir ou não, designadamente, o preço, as condições do seu pagamento e o conhecimento da pessoa adquirente ou comprador.

VI- Nesse tipo de ações, enquanto ao autor/preferente incumbe o ónus de prova da verificação dos pressupostos referidos em I e bem como do depósito do preço devido, já ao vendedor e/ou comprador impende o ónus de demonstrar/provar que foi dado conhecimento àquele da venda ou da projetada venda e dos seus elementos essenciais, que caducou o direito do mesmo, quer por não ter sido exercido dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito, quer por não ter depositado o preço devido no prazo legal fixado para o efeito, ou, por fim, então que ocorre uma das situações de exceção previstas no artº. 1381º do CC.

VII- A expressão “preço devido”, a que se refere o citado artº. 1410º, nº. 1, apenas diz respeito à contraprestação paga, tout court, pelo adquirente ao vendedor/alienante, ou seja, ao custo monetário correspondente ao valor da coisa alienada, não abrangendo, assim, qualquer outro tipo de despesas, relacionadas ou ocasionadas pelo negócio, as quais a existirem, e a não terem sido depositadas, devem ser reclamadas pelo credor por via reconvencional na própria ação ou então em ação própria.

Decisão Texto Integral:





Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. A autora, E..., casada no regime de separação de bens com J..., instaurou (em 21/03/2019) contra os réus, Herança aberta por óbito de J... (aqui representada pelos seus herdeiros: (a) M..., viúva e cabeça de casal; b) M... e marido J..., casados no regime de comunhão geral de bens, e c) S... casado, no regime comunhão de adquiridos, com sua mulher M..., casado – adiante também designados por 1ª. Ré ou 1ºs. Réus - e J... e sua mulher M... - casados no regime de comunhão de adquiridos – (adiante também designados por 2ºs. Réus), todos com os demais sinais dos autos, a presente ação declarativa, sob forma de processo comum, pedindo no final que os réus sejam condenados a:

a)- Reconhecer-se à A. o direito de preferir na compra do prédio rústico identificado no artº. 5º da p.i., e substituir-se aos 2ºs. RR na escritura de compra e venda desse prédio e a que se reporta a escritura pública junta como doc. 7.

b)- Que os mesmos 2ºs. RR sejam condenados a entregarem o referido prédio à A. no estado em que se encontra.

c)- Que se ordene o cancelamento de qualquer eventual registo desse prédio a favor dos 2ºs. RR., que os próprios ou quaisquer terceiros hajam feito ou venham a fazer lavrar a seu favor, antes ou depois da data de entrada da presente ação em juízo.

Para o efeito, em síntese, alegou o seguinte:

Ser por proprietária dos prédios rústicos inscritos na respetiva matriz sob os artigos ..., cuja natureza e características ali melhora ali descreve, com uma área global de 1.500 m2, que atualmente se encontram juntos e que fornam uma unidade agrícola.

Por seu turno a 1ª. ré (herança) é proprietária do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., com a área real de 762 m2 - e não de 3.000 m2, como erradamente consta da matriz - que confronta com os prédios da autora.

Apesar dessa confrontação, a autora veio, porém, a saber que os representantes da 1ª. R. venderam (por escritura pública realizada em 24/08/2018) aquele seu prédio aos 2ºs. RR. sem que lhe tenham dado, todavia, conhecimento dessa venda e muito menos dos elementos básicos da mesma.

Após ter tomado conhecimento dessa venda e dos seus elementos essenciais, instaurou a presente ação.

1.2 Na sequência dessa alegação, por requerimento (referencia nº...) remetido eletronicamente ao tribunal em 31/03/2019, a autora veio a juntar aos autos documento comprovativo de ter efetuado (em 25/03/2019) o depósito do respetivo preço declarado na escritura (€12.000,00).

2. Apenas os 2ºs. RR. contestaram a ação, defenderam-se por impugnação.

E nessa sua defesa alegaram, em síntese, serem proprietários do prédio urbano, que melhor identificam no artº. 6º do seu articulado.

Dada a pequena área (1.200 m2) desse seu prédio, apenas decidiram comprar o aludido prédio pertença da 1ª. R. com a única intenção de alargar aquele seu, de forma a construírem neste um anexo de apoio àquela sua casa, nomeadamente construindo nele uma cozinha, uma zona de lazer, um canil e um compartimento para instalarem uma máquina de aquecimento central (como os representantes da 1ª. R. bem sabiam).

E daí que, verificando-se a exceção prevista na 2ª. parte da al. a) do artº. 1381º do Cód. Civil, não assiste à autora o direito de preferir na sobredita venda.

Todavia, por mera cautela, e para o caso de assim não se vir a entender, deduziram reconvenção, pedindo, por via dela, que a A. seja condenada a pagar-lhes (para além do preço, depositado pela A., que despenderam na compra do prédio) as quantias de €462,93 (respeitante à quantia que despenderam com a outorga da escritura e o respetivo registo), de €600,00 (respeitante ao montante que pagaram de IMT) e €96,00 (respeitante ao imposto de selo que também pagaram), no total de € 1.158,93.

Pelo que terminaram por pedir a improcedência da ação com a sua absolvição do pedido, e, apenas no caso de a ação proceder, a procedência da reconvenção com a condenação da autora a pagar-lhes a quantia total de €1.158,93 (respeitante ao somatório daquelas quantias parcelares supra referidas que despenderam).

3. Replicou a autora, impugnando e contraditando a versão factual aduzida pelos RR. contestantes, pedindo a improcedência da reconvenção.

4. No despacho saneador, proferido em audiência prévia, afirmou-se a validade e a regularidade da instância, fixando-se o objeto do litígio e enunciando-se os temas de prova, sem que tivesse sido apresentado qualquer reclamação.

5. Mais tarde realizou-se (ao longo de 2 sessões, tendo no decurso da última o tribunal realizado uma inspeção ao local) a audiência de discussão e julgamento (com a gravação da mesma).

6. Seguiu-se a prolação da sentença que, no final, julgando a ação procedente, decidiu nos seguintes termos:

« a) reconhecer a Autora, E..., o direito de preferência na compra do prédio rústico identificado no ponto 5. dos factos provados e, como consequência, condena-se os segundos Réus, ..., a abrir mão do mesmo prédio em favor da Autora, substituindo-se esta àqueles no título de compra e venda, enquanto compradores, na inscrição matricial e no registo predial, cancelando-se as inscrições a favor dos Réus adquirentes.

b) Julgar a reconvenção totalmente improcedente por não provada

7. Inconformados com tal sentença, dela apelaram os 2ºs. RR. tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

...

8. Contra-alegou a autora, pugnando pela improcedência total do recurso e pela manutenção integral do julgado.

9. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


II- Fundamentação

1. Do objeto do recurso.

1. Como é sabido, e é pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Ora, da leitura das conclusões das alegações dos 2ºs. RR./recorrentes, verifica-se que as questões que nos cumpre aqui apreciar são as seguintes:

a) Da nulidade da sentença;

b) Da impugnação/alteração da decisão da matéria de facto;

c) Do direito, ou não, da A. preferir na compra da venda que foi feita do prédio rústico a que se reporta a presente ação;

d) Em caso de procedência da ação, do direito de os 2ºs. RR./apelantes receberem da autora as quantias dela peticionadas no pedido reconvencional.

2. Pelo tribunal da 1ª. instância foram dados como provados os seguintes factos (respeitando-se a ordem de descrição, a sua numeração e a sua ortografia que constam da sentença):

...

3. Quanto à 1ª. questão.

1. - Na nulidade da sentença.

Invocam os RR./apelantes a nulidade da sentença, por violação do artº. 615º, nº. 1 als. c) e d) do CPC.

Para sustentar a nulidade da sentença, por violação do disposto na al. c) do mesmo normativo legal, aduzem (de forma que não concretizam) os apelantes a existência de oposição entre os fundamentos de facto e a decisão.

Para sustentar essa nulidade, por violação do disposto na al. d) do citado normativo legal, aduzem (de forma singela) os apelantes não ter o tribunal a quo se pronunciado “relativamente o facto de os recorrentes já terem iniciado a construção da sua cozinha no prédio objeto de preferência, nomeadamente para efeitos de constituição de acessão industrial imobiliária,  artº. 1339º do CC.”

Contra a verificação de tal nulidade se pronunciou a A. /apelante.

1.2 Apreciemos.

Como é sabido, as causas de nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artº. 615º CPC – e entre elas aquelas decorrentes das situações previstas nas als. c) e d) do seu nº. 1 -, e que têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da própria sentença, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença, mas que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.

1.2.1 Quanto à alegada violação da al. c) do nº. 1 do artº. 615º do CPC.

Naquilo que para aquilo importa, e tendo em conta o fundamento invocado, estatui-se na al. c) do nº. 1 desse mesmo normativo legal que “a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…).

Decorre desse normativo legal, que o vício de nulidade da sentença previsto aí previsto - fundamentos em oposição com a decisão - verifica-se/ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se, pois, de um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso. Porém, esta nulidade não abrange, como atrás já se referiu, o erro de julgamento, seja de facto ou de direito, e designadamente a não conformidade da sentença com o direito substantivo.

Assim, e por outras palavras, só ocorrerá essa causa de nulidade quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando «os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a um resultado oposto» (cfr. o prof. Alb. dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 141”). Ou, melhor ainda, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta à que logicamente deveria ter extraído.

Constitui entendimento também prevalecente que só existe contradição entre factos quando eles se mostrem absolutamente incompatíveis entre si, apresentando-se com um conteúdo logicamente incompatível de tal modo que ambos não possam coexistir ou subsistir entre si.

Vício esse que poderá ainda ocorrer quando a decisão se mostre ininteligível, por ser ambígua ou obscura.

O vício da ambiguidade ou obscuridade pressupõe inteligibilidade de uma decisão, não podendo com segurança, determinar-se o sentido exato dessa decisão, quer porque não se mostra claramente expresso, quer porque contém em si mais do que um sentido. (Vide, a propósito, ainda Ac. da RC de 22/02/2000, in “CJ, Ano XXV, T1 – 29”; Ac. do STJ de 22/02/2000, in “Sumários, nº. 38º - 22”; Ac. do STJ de 08/02/2000, in “Sumários, nº. 38º - 14”; e Ac. da RC de 26/05/1992, in “BMJ, nº. 417 – 835” – proferidos no domínio do anterior CPC mas cuja doutrina continua plenamente válida à luz do atual CPC -, o cons. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processos Civil, 2013, Almedina, págs. 239/240”).

Tendo presente o que se acabou se deixa exposto, os apelantes limitam-se a invocar a existência de oposição (contradição) entre os fundamentos de facto e a decisão, sem que, contudo, tenham concretizado os factos com os quais, na sua perspetiva, a decisão se encontra em oposição/contradição.

Mesmo assim, diremos que calcorreando a sentença recorrida verificamos, por um lado, que a mesma se encontra devidamente fundamentada (quer termos de facto, quer em termos de direito) e, por outro, não vislumbramos, salvo o devido respeito, qualquer contradição entre os seus fundamentos (vg de facto) e sua decisão final (se ela se mostra ou não acertada, à luz do direito, isso nada tem a ver com o invocado vício).

Não padece, assim, a sentença o apontado vício de nulidade.

1.2.2 Quanto à alegada violação da al. d) do nº. 1 do artº. 615º do CPC.

Preceitua o citado artº. 615, nº. 1 al. d), que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento”.

Como decorre de tal norma, o vício nela prevista que afeta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma).

É na violação do 1º. segmento (omissão de pronúncia) desse normativo legal que, como vimos, os apelantes suportam o invocado vício de nulidade da sentença.

Preceito legal esse que deve ser articulado com o nº. 2 do artº. 608º do nCPC (que no fundo reproduz o artº. 660º do revogado CPC61), onde se dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo não se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Impõe-se ali um duplo ónus ao julgador, o primeiro traduzido no dever de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes (salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras), e o segundo traduzido no dever de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes (a não ser que a lei lhe permita ou imponha o seu conhecimento oficioso).

Como constitui communis opinio, o conceito de “questões”, a que ali se refere o legislador, abrange somente as concretas controvérsias centrais a dirimir, aferidas em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “ Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º., 3ª. Ed., Almedina, págs. 713/714 e 737”).

Como acima deixámos referido, os apelantes sustentam a nulidade da sentença, por padecer de omissão de pronuncia, ou seja, por não ter o tribunal a quo se pronunciado “relativamente o facto de os recorrentes já terem iniciado a construção da sua cozinha no prédio objeto de preferência, nomeadamente para efeitos de constituição de acessão industrial imobiliária, artº. 1339º do CC.”

Voltando a enfatizar, as nulidades previstas no citado artº. 615º do CPC têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença, e que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto (e ou de direito).

Posto isto, a invocada nulidade da sentença deve improceder, por duas ordens de razão e a saber.

Desde logo, cotejando a sentença dela se extrai que o tribunal não deixou de apreciar as questões que se lhe impunha conhecer, à luz do pedido e da causa de pedir, formulados/aduzidos quer na ação, quer na reconvenção, e que se traduziam, na sua essência, em decidir se a autora tinha ou não direito de preferir na venda/compra do prédio em causa feita aos 2ºs. RR./apelantes, tendo concluído/decidido no sentido positivo, isto é, que sim, e nesse caso se a reconvenção (dada a procedência da ação) –  na qual estes pediam, nesse caso, que aquela fosse condenada a pagar-lhes as quantias de € 462,93 (respeitante à quantia que despenderam com a outorga da escritura e o respetivo registo), de € 600,00 (respeitante ao montante que pagaram de IMT) e € 96,00 (respeitante ao imposto de selo que também pagaram), no total de € 1.158,93 – deveria proceder, tendo concluído que não, à luz dos factos que deu como apurados, julgando-a improcedente.

Diga-se ainda, que nessa reconvenção os RR. /apelantes não formularam - como ressalta do que se deixou expresso no Relatório sobre o teor da sua defesa deduzida no seu articulado da contestação/reconvenção - qualquer pedido de reconhecimento da sua aquisição do direito de propriedade sobre o aludido prédio em discussão com base no instituo da acessão industrial imobiliária.

Torna-se patente que os apelantes discordam do julgamento da decisão da matéria de facto (e também da própria decisão de direito), mas esse eventual erro de julgamento não se enquadra, como deixámos acima referido, nos vícios de nulidade da sentença. Se esse julgamento se mostra ou não acertado (à luz da prova e/ou do direito) isso são “contas de outro rosário”, a apreciar oportunamente, mas que não se enquadram nos apontados vícios capazes de conduzir à nulidade da sentença.

É, pois, e salvo o devido respeito, patente que a sentença também não padece desse apontado vício de nulidade.

Em conclusão, não padece, assim, a sentença dos apontados vícios de nulidade, pelo que, nessa parte, o recurso improcede.

4. Quanto à 2ª. questão.

- Da impugnação/alteração da decisão da matéria de facto.

4.1- Questão prévia.

Começaremos por referir, salvo sempre o devido respeito, que as alegações de recurso (tal como suas conclusões) se apresentam, a nosso ver, confusas, pouco claras e precisas.

Calcorreando as referidas alegações (bem como a suas conclusões) delas ressalta que os apelantes consideram ter havido por parte do tribunal a quo erro no julgamento da matéria de facto, por alegado erro na apreciação das provas.

Donde se infere que os apelantes a impugnam a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.

Vejamos, porém, se essa impugnação reúne ou não as condições para ser recebida?

Naquilo que para aqui importa, dispõe o artigo 640º do CPC, sob epígrafe “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) (…)

3- (…).” (sublinhado e negrito nossos)

Da leitura de tal preceito legal ressalta que que a lei (adjetiva) impõe ao recorrente que pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto dois ónus, definindo uma hierarquia entre eles, pois que enquanto no nº. 1 enuncia aqueles que vêm sendo considerados/classificados de ónus principais, já no nº. 2 estão aqueles considerados/classificados por ónus secundários, dado que daqueles estão subordinados ou dependentes.

A razão de ser da exigência desses ónus da especificação, como ressalta do preâmbulo do Dec.- Lei nº. 39/95 de 15/2, reside no visar afastar a possibilidade de o recorrente se limitar “a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª. instância e manifestando genérica discordância com o decidido”, decorrendo ainda dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais.

Já o propósito do referido ónus previsto no nº. 2 daquele citado preceito legal parece ser claro: destina-se não tanto a fundamentar e a delimitar o recurso mas, sobretudo, a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. Ou melhor ainda, facilitar, por um lado, o exercício do contraditório à parte contrária e o acesso, imediato e direto, à prova pelo tribunal de recurso, sem ter que ouvir a totalidade da gravação e, por outro, prevenir as impugnações genéricas e não concretizadas da decisão sobre a matéria de facto.

Tem presente o que se deixou exarado, é altura de dar resposta à questão acima colocada.

Como supra se deixou expresso, são as conclusões das alegações de recurso que fixam e delimitam o seu objeto.

Com vem constituindo entendimento prevalecente, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto, o recorrente deve (ainda que de forma perfunctória/sintética) nelas indicar/especificar, de forma clara, os concretos pontos de facto que impugna e o sentido da decisão que, no seu entendimento, deve sobre eles ser proferida, e bem como ainda os concretos meios de prova em que fundamenta essa sua impugnação, sem que, contudo, tenha aí que reproduzir novamente o teor dessa prova – vg. no que concerne aos depoimentos prestados – e as razões de fundo dessa discordância, em que sustenta a essa impugnação, pois tal deve ser feito ao longo do corpo das alegações que as precedem (e daí que nos termos do artº. 639º nº. 1 do CPC as conclusões das alegações de recurso devam apresentar-se de forma sintética).

Pois bem, da leitura das (acima transcritas) conclusões de recurso – as quais, aliás, são praticamente uma reprodução do corpo das alegações que as precedem - verificamos, por um lado, os apelantes não especificam quer os concretos pontos de facto impugnados que consideram incorretamente julgados (sendo a referência que a eles se faz é feita de forma vaga/genérica e ambígua), quer ainda não especificam/indicam o concreto sentido da decisão que, no seu entendimento, deve sobre eles ser proferida.

No que concerne aos meios probatórios, importa ainda referir o seguinte:

Como ressalta da sua conclusão 6ª (que a esse respeito reproduz o corpo das alegações), os apelantes fazem ali referência (no que concerne às alegadas obras entretanto por si já feitas ou a fazer no prédio vendido e por si comprado) aos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelos co-réus ... e pela testemunha indicada pela autora, ..., e ainda pelas testemunhas apresentadas pelos réus (não identificando estas sequer).

No que concerne àqueles concretos depoimentos que identificam e referem os apelantes fazem tábua rasa no que diz respeito à indicação das passagens do registo gravação de tais depoimentos, e nem ao menos indicam o inicio e o termo dos mesmos ou sequer fazem qualquer transcrição do excerto dos mesmos.

Diga-se ainda, por fim, que no que concerne às alegadas importâncias (acima descriminadas) que despenderam e cujo pagamento reclamam da A. por via reconvencional, limitam-se a dizer (cfr. conclusão 10ª., que reproduz a esse respeito também o que consta do corpo das alegações de recuso) que tais despesas/gastos se encontram documentados (documentos por si juntos e que não foram objeto de impugnação pela A.), sem que, todavia, indiquem/especifiquem esses concretos documentos. Não obstante tal omissão de especificação referira-se, em passant, por um lado, que, ao contrário do que os apelantes aduzem, a A. impugnou esses factos (relacionados com as alegadas despesas), como facilmente se pode observar do seu articulado de réplica (e particularmente através do seu artº. 5º), e, por outro, que se os apelantes se referem, a tal propósito, aos documentos que juntaram com a sua contestação/reconvenção (vg. juntos fls. 48 e vº.) os mesmos referem-se a documentos particulares emitidos por terceiros (sendo que o último reporta-se a um extrato de conta), sem qualquer força probatória plena (e como tal sujeitos à livre apreciação do julgador), sendo que da sua leitura não se extrai inequivocamente que se reportem à realização das ditas despesas.

Assim, perante o que se deixou exposto, somos levados a concluir que os apelantes, manifestamente, não observaram (não cumpriram) os ónus que lhe eram impostos pelo acima citado artº. 640º do CPC, sendo que bastava o incumprimento de um deles conduzir à cominação estatuída em tal normativo.

E sendo assim, e por força da cominação estatuída no citada normativo legal, decide-se rejeitar, desde logo, a impugnação deduzida pelos 2ºs. RR./apelantes à decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.

4.2 Como se extrai do que acima deixamos expresso no relatório inicial, dando conta do alegado pelas partes no que concerne à defesa das suas posições/pretensões, ressalta, além do mais, do alegado pela autora no articulado da petição inicial (e particularmente no seu artº. 10º), que após ter tomado conhecimento dessa venda e dos seus elementos essenciais, instaurou a presente ação, tendo efetuado o depósito do respetivo preço de compra e venda declarado na escritura pública (€12.000,00), realizada em 24/08/2018, outorgada entre os representantes da 1ª. R. e os 2ºs. RR., conforme documento comprovativo desse depósito (efetuado em 25/03/2019) que veio depois juntar aos autos com o requerimento (referencia nº...) remetido eletronicamente ao tribunal em 31/03/2019.

Depósito desse preço feito pela A. que os RR./contestantes não só não impugnaram, como inclusive o admitem (cfr. artº. 26 e 27 da contestação).

Sendo assim, tal facto está admitido por acordo, e como tal deve constar dos factos provados (cfr. disposições conjugadas dos artºs. 574º, nºs. 1 e 2, 607º, nºs. 4 e 5, e 662º, nº. 1, do CPC).

Porém, compulsando a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, não vislumbramos que tal facto conste do elenco dos factos provados.

E sendo assim, e dado a sua relevância, decidimos ditar aos factos provados, com o nº. 10, o seguinte facto: “A autora, após a instauração da presente ação, procedeu, em 25/03/2019, ao depósito da quantia de € 12.000,00 (doze mil euros) correspondente ao preço, declarado na respetiva escritura aludida no ponto 6., pelo qual o prédio nela referido foi vendido aos 2ºs. RR. compradores.”

Desse modo, e face a tal alteração (com o aditamento de tal facto), passaremos a descrever os factos a ter como definitivamente provados.


***

5. Os factos (definitivos) provados (mantendo-se, quanto a eles, a mesma numeração e ortografia foi usada pela 1ª. instância):

...

6. Quanto à 3ª. questão.

- Do direito, ou não, da A. preferir na compra da venda que foi feita do prédio rústico a que se reporta a presente ação.

Essa questão, que tem a ver com o mérito da causa da ação, reconduz-se, in casu, a saber se estão ou não verificados os pressupostos legais que permitem à A. preferir na compra da venda que foi feita aos 2ºs. RR. (pelos legais representantes/herdeiros da 1ª. Ré) do prédio rústico a que se reporta o ponto 5. dos factos provados.

A essa questão o tribunal a quo respondeu/concluiu, na sentença recorrida, afirmativamente (entendimento esse perfilhado pela A./apelada nas suas contra-alegações de recurso).

Posição contrária têm os RR./apelantes, defendendo não ter a A. direito de preferir na compra do aludido prédio rústico que lhe foi vendido, dado que o mesmo é por si (2ºs. RR.) destinado a um fim diferente da sua cultura, ou seja, com a sua compra os 2ºs. RR. não visam o seu cultivo, mas antes a nele realizarem obras/construções de alargamento e apoio do seu prédio urbano (casa) que com ele também confina, e daí que se verifique a exceção prevista na 2ª. parte do al. a) do artº. 1380º do C. Civil que impede a A. de exercer o direito de preferência nessa compra do mesmo.

Ou seja, os RR./apelantes fundam tão somente a sua pretensão recursiva na existência da aludida situação de exceção, sem colocarem, verdadeiramente, em causa a verificação dos demais pressupostos legais que permitiriam à A. (não fosse a ocorrência da invocada exceção substantiva) preferir na compra do dito prédio.

Apreciemos.

Preceitua o artigo 1380º, nº. 1, do Cód. Civil - cuja redação, saída da 2.ª revisão ministerial de 1966, alterou o regime e a doutrina introduzida sobre a questão do emparcelamento estabelecida pelo nº. 1, da Base VI, da Lei n.º 2116 - que “os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.”

Como é sabido, com o direito de preferência estabelecido em tal normativo a favor dos proprietários de terrenos confinantes visou-se, no fundo, obviar aos inconvenientes derivados da exploração agrícola em áreas fragmentadas, em que predomina o minifúndio, com superfícies inferiores à unidade de cultura fixada para cada zona do país, favorecendo a recomposição de áreas rurais mínimas, por forma a maximizar, assim, a rentabilidade económica da sua exploração agrícola. Ou seja, e por outras palavras, o direito de preferência fundado na confinância de prédios (artº. 1380º do CC) insere-se num conjunto de disposições legais que têm por finalidade lutar contra a excessiva fragmentação da propriedade rústica, visando, assim, fomentar o seu emparcelamento.

Numa leitura simplista daquele citado texto legal, desacompanhada de qualquer outro elemento, resulta, por um lado, que o requisito da área inferior à unidade de cultura passa a referir-se ostensivamente não apenas ao prédio rústico alienado mas a ambos os prédios confinantes; e, por outro, afirma-se explicitamente que o direito de preferência em causa é um direito recíproco de prelação, que liga os titulares de todos os prédios confinantes.

Passados, porém, mais de 20 anos sobre a publicação e a entrada em vigor do Cód. Civil, veio o DL nº. 348/88, de 25/10, rever o problema do emparcelamento rural em geral e aproveitar a oportunidade para modificar de novo o regime legal relacionado com os minifúndios.

Diploma esse que passou a preceituar no seu artº. 18º, nº. 1, que “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”. (sublinhado nosso)

Normativo esse, de redação manifestamente pouco feliz, que veio, após a sua publicação, lançar alguma confusão, não apenas pelo seu texto como também pela sua relação com a acima citada norma do Cód. Civil, na doutrina e jurisprudência, originando, sobretudo ab initio, interpretações dispares sobre os pressupostos do direito legal de preferência baseado na confinância de prédios rústicos (vide a propósito, e por todos, o prof. A. Varela, in “RLJ, Ano 127º, nº. 3849, pág. 370”).

Porém, com o tempo, tais dissonâncias foram-se esbatendo, sendo hoje entendimento dominante que a preferência legal remodelada pelo citado DL nº. 348/88 continua a ser um direito recíproco de prelação, que tanto se aplica à venda de minifúndios como à alienação de prédios rústicos de área superior à unidade de cultura, e que aproveita ao mesmo tempo, quer aos donos dos minifúndios, quer aos titulares de prédios com área superior à unidade de cultura, contanto que um deles – o titular da preferência ou o obrigado à preferência - seja proprietário de um minifúndio. Ou seja, por outras palavras, e através do apelo ao elemento teleológico e a uma interpretação restritiva do citado normativo daquele referido diploma, passou a entender-se que é de conceder o direito de preferência reciproco aos proprietários de terrenos confinantes sempre que um deles tenha área inferior à unidade de cultura, qualquer que seja a área do outro (vide, por todos, os profs. A. Varela, in “Ob. cit., n.º 3847, pág. 308 e ss”; H. Mesquita, in “Parecer publicado na CJ, ano XVI, pág. 37 e ss”; Galvão Teles, in “Revista O Direito, ano 124, pág. 7”; e Ac.do STJ de 13.10.1993, in “CJ, Acs. do STJ, Ano I, T3 – 64”).

Diga-se ainda que constitui hoje entendimento pacífico não constituir pressuposto do exercício do referido direito de preferência que os prédios confinantes envolvidos no exercício de direito de preferência apesentem uma unidade ou identidade de culturas (cfr., por todos, Assento do STJ de 18/3/86, in “BMJ 355, pág.121”, hoje com valor de Ac. UJ – nos termos do estatuído no artº. 17º, nº. 2, do DL nº. 329-A/95, de 12/12).

Adiante-se, desde já, também que dado o tipo e a natureza dos terrenos envolvidos e aqui em discussão, e dada a sua localização (no distrito de Viseu), a área respetiva da unidade de cultura fixada para essa zona é de 2 hectares (cfr. Portaria n.º 202/70, de 21/04, ex vi artº. 53º do DL nº. 103/90, de 22/03).

Feitos tais esclarecimentos, pode, assim, dizer-se que são pressupostos do direito legal de preferência previsto no citado artº. 1380º, nº. 1, do CC:

a) Que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico;

b) Que o preferente seja dono/proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado;

c) Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura;

d) Que o adquirente do prédio não seja proprietário (de prédio rústico) confinante.

Vejamos então, e desde logo, se, à luz dos factos apurados, tais pressupostos legais se mostram (ou não) verificados in casu?

É inquestionável que o primeiro daqueles pressupostos legais se mostra preenchido, pois que o prédio rústico em relação ao qual a A. pretende exercer o direito de preferência. inscrito na matriz predial sob o artº..., foi vendido - aos 2ºs. RR. pelos representantes legais/herdeiros da 1ª. R - (cfr. pontos 5 e 6).

O mesmo se dirá no que concerne ao 2º. desses pressupostos legais (“Que o preferente seja dono/proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado”).

Na verdade, a autora é proprietária/dona, além de outro, de um prédio rústico (o inscrito na matriz sob o artº...). que confina com aquele prédio que foi vendido aos 2ºs. RR. (cfr. pontos 2. a 5.)

E quanto ao 3º. desses pressupostos legais (“Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura”)?

Da perscrutação da matéria factual apurada a esse respeito (cfr. pontos 2. e 5.), facilmente, a nosso ver, é de concluir que o mesmo também se mostra verificado, pois que dela ressalta que ambos os referidos prédios têm uma área inferior à unidade legal de cultura fixada (e que se cifra em 2 hectares, como acima já deixamos referenciado) para a zona em que se situam (sendo certo que, como supra deixámos plasmado, bastaria que tal sucedesse em relação apenas a um daqueles prédios confinantes envolvidos).

E quanto ao 4º. dos aludidos pressupostos legais (Que o adquirente do prédio não seja proprietário de prédio rústico confinante”), é também patente que o mesmo se mostra preenchido.

Na verdade, perscrutando a matéria factual apurada dela não resulta que os 2ºs. RR. sejam proprietários de qualquer prédio rústico que confine com aquele prédio que lhe foi vendido.

Termos, pois, em que se conclui pela verificação de todos aqueles pressupostos legais primários de que dependia, ab initio, o direito da A. de preferir na compra da venda do aludido prédio rústico vendidos aos 2ºs. RR. pelos representantes legais/herdeiros da 1ª. R. .

Aqui chegados, convirá avançar e indagar se estão verificados outros pressupostos legais do reconhecimento de tal direito à A. ou se ocorre algum obstáculo legal que a isso impeça.

Dispõe ainda o nº. 4 do citado artº. 1380º que “é aplicável neste artigo o disposto nos artigos 416º a 418º. e 1410º., com as necessárias adaptações”.

Para o efeito que aqui nos interessa, estatui o artº. 416º do CC, que “Querendo vender a coisa que é objeto de pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato” (nº. 1), e que “Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade...” (nº. 2). (sublinhado nosso)

Por sua vez, nos termos do disposto no artº. 1410º, nº. 1, daquele mesmo diploma legal, “o comproprietário a quem não se dê conhecimento da venda...tem o direito de haver para si a quota alienada contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.”

Resulta, desde logo, deste último normativo, que os preferentes, a quem não se deu conhecimento da venda (nos termos do disposto no artº. 416º ex vi artº. 1380º, nºs 1 e 4), têm o direito de haver para si o prédio vendido, contanto que o requeiram no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento dos elementos essenciais da alienação e depositem o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.

Não há dúvidas de que o prazo de 6 meses estatuído no citado artº. 1410º, nº. 1, é um prazo de caducidade (cfr. artº. 298º, nº. 2, do CC e, por todos, ainda os profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado, Coimbra, Editora, 2ª ed., 3ª Vol., pág. 372”).

Como resulta do disposto das disposições conjugadas dos artºs. 342º, nº. 2, e 343º, nº. 2, e tal como, aliás, vem constituindo entendimento dominante, neste tipo de ações é sobre o réu-vendedor que impende o ónus de demonstrar que caducou o direito do autor e bem assim que comunicou ou deu conhecimento ao preferente da venda ou da projetada venda (vide ainda, por todos, Ac. da RC de 20/9/1988, in “BMJ nº. 379 – 647”; Ac. da RC de 16/2/1994, in “BMJ nº. 434 – 693”; Ac. do STJ de 14/3/1996, in “BMJ nº. 54 – 706”; Ac. do STJ de 2/7/10/82, in “CJ, 1981, T4 – 217” e Ac. da RE de 12/7/89, in “BMJ nº. 389 – 667”).

Constitui hoje entendimento praticamente pacífico que a comunicação da venda ou do seu projeto (bem assim como a resposta do preferente) tanto pode ser feita judicial como extrajudicialmente, ou seja, poderá sê-lo por qualquer forma ou meio legalmente admissíveis – o que significa que poderá sê-lo também verbalmente -, sendo essencial é que tal seja feito de forma clara e inequívoca (vide, por todos, Batista Lopes, in “Compra e Venda, pág. 324 e ss”; Vaz Serra, in “RLJ, 123 – 313”; Ac. do STJ de 8/11/1994, in “BMJ nº. 441 – 250”; Ac. do STJ de 27/7/79, in “BMJ nº. 289 - 331”; Ac. da RP de 26/6/1991, in “CJ, Ano XVI, T3 – 267” e Ac. da RP de 28/11/89, in “CJ, Ano XIV, T5 – 197”).

Constitui igualmente entendimento dominante que a comunicação do “projeto venda” e das “cláusulas do respetivo contrato” a que se alude no citado artº. 416º, n.º 1, deve reportar-se a um negócio concreto, abrangendo todos os elementos ou fatores que possam influir na formação da vontade e decisão de preferir ou não, designadamente, o preço, as condições do seu pagamento e o conhecimento da pessoa adquirente ou comprador (que são hoje pacificamente considerados como os elementos essenciais de um negócio e de que o preferente deve tomar conhecimento), não bastando, assim, a simples a comunicação da intenção de vender e nem uma comunicação genérica ou vaga dessa venda ou de alguns daqueles seus elementos considerados essenciais. Por outro lado, tal comunicação deve ser levada ao conhecimento de todos os proprietários ou comproprietários de terrenos confinantes com aquele que se quer vender. (Vide, entre muitos outros, os profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado, 2ª ed. revista, Coimbra Editora, págs. 372/373”; o prof. Almeida Costa, in ““Obrigações, 3ª. ed., pág. 298, nota 1”; Ac. do STJ de 11/3/92, in “BMJ nº. 15 - 569”; Ac. do STJ de 14/3/1996, in “BMJ nº. 54 – 706”; Ac. do STJ de 22/2/1984, in “BMJ nº. 334 - 473”; Ac. da RP de 21/1986, in “BMJ nº. 353 – 510”; Ac. da RC de 15/6/89, in “388 - 479”; Ac. da RC de 28/2/1990, in “BMJ nº. 394-542”; Ac. da RE de 26/9/1991, in «BMJ 409 – 889" ; Ac. da RLx de 13/10/94, in «CJ, Ano XIX, T4 – 110 »; Ac. do STJ de 15/6/1998, in “BMJ nº. 388 – 479”; Ac. da RP de 14/7/1988, in “CJ, Ano XIII, T4 – 171» e  Ac. da RP de 15/11/83, in “BMJ nº. 331 – 603”).

Por outro lado, é também sabido, e resulta do citado artº. 1410º, nº. 1, do CC, que o depósito do preço de que aí se fala é uma condição ou pressuposto do exercício da ação de preferência, e a sua não efetivação dentro do prazo ali estipulado determina também a caducidade do direito (vide ainda, por todos, Ac. do STJ de 17/6/1999, in “CJ, Acs do STJ, Ano VII, T2- 150”).

Muito embora não se trate de uma questão de todo pacífica, vem, todavia, hoje constituindo entendimento dominante da nossa jurisprudência, e sobretudo do nosso mais alto tribunal, e ao qual vimos aderindo, que a expressão “preço devido a que se refere o citado artº. 1410º, nº. 1, apenas diz respeito à contraprestação paga, tout court, pelo adquirente ao vendedor/alienante, ou seja, ao custo monetário correspondente ao valor da coisa alienada, não abrangendo, assim, quaiquer outro tipo de despesas, relacionadas ou ocasionadas pelo negócio, as quais a existirem, e a não terem sido depositadas, devem ser reclamadas pelo credor por via reconvencional ou em ação própria. (Vide neste sentido, e por todos, Acs. do STJ de 22/2/2005, in “CJ, Acs. do STJ, Ano XIII, T1 – 92”; de 7/3/95 e de 17/3/93, in “www.dgsi.pt/jstj”; de 2/3/99, in “Agravo nº. 24/99, 1ª. sec.”; de 9/11/2004, in “Revista nº. 3373/04”; de 13/3/2003, in “Revista nº. 288/03, 2ª. sec.” e de 19/4/2001, in “Revista nº. 270/01, 7ª. sec.” e Acs. da RC de 18/10/94 e de 7/6/94, respetivamente, in “BMJ nº. 440 – 552 e BMJ nº. 438 – 558” e o prof. Oliveira Ascensão, in “Rev. Trib. 93 - 147”).

Tendo presentes as considerações que se deixaram expendidas, avancemos, de forma ainda mais decisiva, para a resposta/ resolução da questão acima colocada (referente ao julgamento do mérito da ação).

Compulsando a matéria fáctica apurada, facilmente se constata que os RR. (sobretudo os vendedores) não lograram provar, como lhes competia, que tivessem comunicado ou dado conhecimento à autora da venda do prédio em causa, e muito menos que lhe tivesse sido dado conhecimento dos elementos essenciais, acima aludidos, que envolveram o respetivo negócio. Ao invés, a autora logrou fazer, inclusive, ainda prova do contrário (cfr. pontos 7. e 8.).

 Por outro lado, resulta ainda provado que a A. instaurou a ação e depositou o preço pago (correspondente custo monetário correspondente ao valor do imóvel) pelos 2ºs. RR. pela compra do aludido prédio dentro do prazo legal estipulado para o efeito (cfr. pontos 7. a 10.)

Invocaram (como exceção perentória), todavia, os RR./apelantes não gozar a autora do direito de preferência na compra do aludido prédio, por ocorrer a situação de exceção prevista na 2ª. parte do al. a) do artº. 1380º do C.C., dado que, in casu, a compra que fizeram desse prédio foi destinada não ao seu cultivo mas antes a nele realizarem obras/construções de alargamento e de apoio do seu prédio urbano (casa) que com ele também confina.

Situação que, a verificar-se, poderia efetivamente excluir o direito de preferência da autora na dita venda, à luz do disposto no citado normativo legal.

Porém, cotejando a matéria factual apurada, dela ressalta que os RR./apelantes não lograram provar, como lhes competia, tais factos conducentes a tal situação de exceção que alegaram.

Sendo assim, e perante tudo o que se deixou exposto, somos levados a concluir que se mostram verificados todos os ingredientes legais que permitem à A. exercer, através da presente ação, o direito de preferência na compra do sobredito prédio, na venda que dele foi feita aos 2ºs. RR. pelos legais representantes da 1ª. R., substituindo aqueles nessa compra.

E daí que, nessa parte, se confirme a decisão da 1ª. instância, que julgou a ação procedente.


7. Quanto à 4ª. questão.

- Do direito dos 2ºs. RR./apelantes receberem da autora as quantias dela peticionadas no pedido reconvencional.

No caso de a ação proceder, os 2ºs. RR./apelantes pediram, por via reconvencional, a condenação da A. a pagar-lhes (para além do preço, depositado pela mesma, que despenderam na compra do prédio) as quantias de €462,93 (respeitante à quantia que despenderam com a outorga da escritura e o respetivo registo), de €600,00 (respeitante ao montante que pagaram de IMT) e €96,00 (respeitante ao imposto de selo que também pagaram), no total de €1.158,93.

Como ressalta do que acima deixámos expendido, e constitui entendimentos prevalecente, o comprador preferido tem ainda direito (além do preço pela compra do prédio, a ser ressarcido, pelo preferente que o substitui, pelas despesas que tenha despendido e que estão diretamente relacionadas com o negócio (dele sendo consequência natural/legal), como acontece com aquelas que alegou.

Porém, mais uma vez, perscrutando a matéria factual apurada dela ressalta que os RR./apelantes não lograram fazer prova, como lhes competia (artº. 342º, nº. 1, do CC), dessas alegadas despesas.

E sendo assim, esse pedido reconvencional terá que soçobrar, pelo que, nessa parte, também se decide confirmar a sentença recorrida.

Termos, pois, em que, perante tudo o que se deixou exposto, se decide julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença da 1ª. instancia.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença da 1ª. instância.

Custas pelos RR./apelantes (artº. 527º, nºs, 1 e 2, do CPC).

Sumário:

I- São pressupostos do direito legal de preferência previsto no artº. 1380º, nº. 1, do C. Civil:

a) Que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico;

b) Que o preferente seja dono/proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado;

c) Que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura;

d) Que o adquirente do prédio não seja proprietário de prédio rústico confinante.

II- Direito esse que, porém, é legalmente excluído quando ocorra alguma das situações previstas no artº. 1381º do CC.

III- O direito legal de preferência deve ser exercido, pelo preferente, no prazo de seis meses, contados a partir da data do conhecimento pelo mesmo dos elementos essenciais da alienação, e desde que deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação.

IV- A comunicação da intenção venda ou do seu projeto (bem assim como a resposta do preferente) tanto pode ser feita judicial como extrajudicialmente, ou seja, poderá sê-lo por qualquer forma ou meio legalmente admissíveis – o que significa que poderá sê-lo também verbalmente -, sendo essencial é que tal seja feito de forma clara e inequívoca.

V- A comunicação ao preferente do projeto venda e das cláusulas do respetivo contrato deve reportar-se a um negócio concreto, abrangendo todos os elementos ou fatores que possam influir na formação da vontade e decisão de preferir ou não, designadamente, o preço, as condições do seu pagamento e o conhecimento da pessoa adquirente ou comprador.

VI- Nesse tipo de ações, enquanto ao autor/preferente incumbe o ónus de prova da verificação dos pressupostos referidos em I e bem como do depósito do preço devido, já ao vendedor e/ou comprador impende o ónus de demonstrar/provar que foi dado conhecimento àquele da venda ou da projetada venda e dos seus elementos essenciais, que caducou o direito do mesmo, quer por não ter sido exercido dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito, quer por não ter depositado o preço devido no prazo legal fixado para o efeito, ou, por fim, então que ocorre uma das situações de exceção previstas no artº. 1381º do CC.

VII- A expressão “preço devido”, a que se refere o citado artº. 1410º, nº. 1, apenas diz respeito à contraprestação paga, tout court, pelo adquirente ao vendedor/alienante, ou seja, ao custo monetário correspondente ao valor da coisa alienada, não abrangendo, assim, qualquer outro tipo de despesas, relacionadas ou ocasionadas pelo negócio, as quais a existirem, e a não terem sido depositadas, devem ser reclamadas pelo credor por via reconvencional na própria ação ou então em ação própria.


Coimbra, 2021/05/18