Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
302/16.4GAMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
NATUREZA DO CRIME
CONSUMAÇÃO
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
Data do Acordão: 05/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JCG DE MANGUALDE)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 152.º DO CP
Sumário: I – Em regra, a estrutura normativa do crime de violência doméstica compreende a realização repetida de actos ilícitos parciais, ocorrendo a consumação daquele ilícito penal com a prática do último acto de execução.

II – Consequentemente, verificando-se sucessão de leis no tempo reguladoras do dito crime, o momento idóneo à determinação da lei aplicável ao caso ocorrido é a data da execução do último acto integrante.

Decisão Texto Integral:




I. RELATÓRIO

1. Por sentença proferida em 6 de Novembro de 2018, foi o arguido, , condenado:

a) Como pela prática, em autor material, de um crime de violência doméstica previsto e punido pelos artigos 152º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a) do Código Penal na pena de dois anos e cinco meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo mesmo período, com sujeição do arguido a regime de prova, que deverá ser acompanhado e fiscalizado pela DGRSP, com a elaboração de plano de reinserção social, nos termos do disposto nos artigo 50º, nº 1 e 5 e 53º, nº 1 e 2, do Código Penal.

b) A pagar à demandante (…), a titulo de compensação pecuniária dos danos não patrimoniais por esta sofridos, a quantia de 1 700,00€, acrescido dos respectivos juros de mora à taxa legal, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento.

2. Inconformado com esta condenação, dela recorre o arguido, formulando as seguintes Conclusões:

«a) O depoimento prestado pelo arguido foi espontâneo, credível e consistente negando os factos que lhe são imputados, e justificando os motivos pelos quais a assistente o acusa, decorrentes do divórcio ocorrido contra a vontade desta e dos desacordos quanto ao poder paternal das filhas comuns, como decorre dos seguintes trechos da gravação da audiência de julgamento de 18.10.2018, 00:59 a 04:39, 04:53 a 07:20, 07:32 a 10:01, 10:37 a 11:15, 12:41 a 15:14, 20:00 a 25:20.

Da audição atenta de tal depoimento inexistem razões válidas para que o tribunal não o tivesse considerado credível e valorado na decisão.

b) O depoimento da assistente (…) não foi credível antes foi parcial e tendencioso, dando uma versão da sua conduta e procedimento para com o arguido que não corresponde à verdade, visando condenar o arguido como retaliação pelo divórcio da iniciativa deste, e da postura de não prescindir de manter convivência regular com as filhas comuns.

c) A assistente faltou à verdade ao relatar uma postura apaziguadora, correta e cumpridora para com o arguido quanto ao poder paternal como resulta do confronto do seu depoimento prestado na audiência de julgamento de 18.10.2018, gravação de 46:36 a 48:58, com a documental constante da ata de conferência realizada em 30.01.2018 no processo de incumprimento das responsabilidades parentais n.º 4661/16.0 T8VIS-F, e dos articulados e decisão proferida no processo incidente de incumprimento 4661/16.0T8VIS-H. - Fls. 395 a 396 e 397 a 411dos autos. Bem como relativamente ao teor de mensagem que endereçou ao arguido questionada como decorre do confronto do seu depoimento prestado na audiência de julgamento de 18.10.2018, gravação CD de 42:25 a 44:53, com o teor certificado da mensagem remetida no qual consta “Se o pai das minhas filhas fosse merecedor, até preparava um banquete…assim, acho q um copo com veneno deve servir,,,, Bebe e morre.” - Fls. 393 a 394

autos.

d) As supostas agressões praticadas pelo arguido nunca foram referidas na pendência do casamento, somente tendo sido referida a sua existência após a decisão do arguido de se divorciar da assistente num contexto de litigiosidade e animosidade.

e) As supostas agressões e lesões causadas, a terem ocorrido, teriam sido visualizadas pelos familiares mais próximos, com relação de convivência e proximidade, no caso irmã e mãe, que quanto a tal matéria no seu depoimento negaram ter ocorrido como decorre relativamente a (…), da audiência de julgamento de 18.10.2018, gravação de 04:35 a 05:20, e (…), audiência de julgamento de 23.10.2018, nos trechos de 09:33 a 10:02 e 16:40 a 17:09. Bem como, teriam sido visualizadas por (…), funcionário da escola de música que privava diariamente com assistente e arguido, e tem boa relação com ambos, que negou ter verificado as mesmas ou ter sido relatada qualquer situação, como decorre do depoimento credível e isento prestado na audiência de julgamento de 23.10.2018, nos trechos de 01:12 a 03:54, 04:47 a 05:46.

f) Fazendo uma análise crítica dos depoimentos prestados por assistente e arguido, inexistem razões válidas para valorar e credibilizar o depoimento da assistente, e não valorar na decisão o depoimento do arguido.

g) As testemunhas cujo depoimento foi considerado credível, e que fundamentaram a decisão da matéria de facto , têm relação de proximidade e familiaridade com a assistente, andam de relações cortadas com o arguido, como declararam no seu depoimento, (…) no trecho de 00:45 a 01:23, (…) no trecho de 00:44 a 01:14 e (…) no trecho de 00.21 a 01.33, tendo deposto de foram incoerente, parcial, contraditória, faltando à verdade, demonstrando animosidade para com o arguido pelo que efetuando uma analise critica de tais depoimentos não devem ser considerados para prova dos factos imputados.

h) Quanto às testemunhas arroladas pela acusação, que fundamentaram a decisão da matéria de facto, não se considerou a relação de animosidade para com o arguido, com quem andam de relações cortadas, as contradições e depoimento notoriamente parcial, nem a relação de proximidade para com o arguido.

Relativamente às testemunhas (…), que mantêm relação cordial com assistente e arguido, o tribunal não valorou tais depoimentos os mesmos na decisão invocando uma relação de proximidade para com o arguido.

i) Inexiste análise crítica da prova ou fundamento que motive a decisão do Tribunal de valorar os depoimentos atrás indicados em primeiro lugar e não valorar os segundos.

j) Relativamente ao facto referido em e) da sentença no qual se considerou provado que logo após o casamento o relacionamento passou a ser marcado por situações de confronto físico e que o arguido dizia à assistente que a matava, que não valia nada e que era uma vaca, e factos n), o), p), q) r) e do pedido de indemnização civil com aquele relacionados, tendo o casamento sido celebrado em 21.08.2005, os sobreditos factos reportam-se ao ano de 2005.

k) Os depoimentos testemunhais que fundamentaram a decisão sobre a matéria de facto da alínea e), e referidas alíneas conexas, foram de (…), que não foi isento nem credível, tendo demonstrado uma notória intenção de condenar o arguido para o penalizar pela decisão de se divorciar de sua filha contra a vontade desta tendo faltado à verdade quando questionada sobre as situações de incumprimento do poder paternal, imputando-as ao arguido e transmitido que sua filha é cumpridora, situação que não corresponde à verdade como resulta do confronto do seu depoimento constante 08.21 a 08.32 e 17.12 a 19.23 da gravação com os documentos  juntos a fls. 395 a 430 dos autos.

Relativamente ao facto e) em primeiro lugar negou ter sido proferidas tais expressões para seguidamente as confirmar, sendo assim o depoimento titubeante e parcial, não devendo merecer credibilidade.

l) Em segundo lugar foi considerado o depoimento de (…).

O seu depoimento não foi isento nem credível tendo demonstrado uma notória intenção de condenar o arguido para  penalizar pelo corte de relações, e divórcio contra a vontade da irmã, tendo faltado à verdade ao referir o proferimento das expressões, filha da puta, estúpida, que mais ninguém confirmou, não sendo credível que sua mãe, não se recordasse da expressão “filha da puta”, por ser a mais gravosa para esta, como referiu nos trechos de 05:39 a 06:40 do

Faltou à verdade ao referir ter presenciado no ano de 2016 o facto provado na alínea m) da sentença referindo  sempre que ocorreu na escola de música de (…), quando a assistente referiu ter ocorrido na escola de música de (…), como decorre dos trechos do seu depoimento de 06:31 a 08:45 e 19:25 a 20:20, falsidade essa que descredibiliza e afeta todo o depoimento.

m) Finalmente a decisão fundamentou-se no depoimento da testemunha (…) o qual o tribunal erroneamente considerou isento e credível não tendo levado em consideração a relação de amizade e proximidade com a assistente e a notória e latente relação de inimizade com o arguido.

Deu uma versão das expressões utilizadas e agressões que não é credível nem consistente extravasando a versão  da assistente, recordando-se de factos que esta nunca referiu ter existido, nomeadamente agressão com dossiês na escola de (…), e reparando na existência de sinais visíveis de agressão que ninguém mais referiu e notoriamente é contraditória com a versão das testemunhas (…), que conforme supra transcrito referiram nunca ter visualizado sinais de agressão, bem como o depoimento de (…), como resulta seu depoimento, nos trechos de 00:53 a 01:50, 07:33 a 07:50 e 12:47 a 17:10: Referiu a ocorrência de uma situação na presença da testemunha (…), o qual de forma coerente e credível negou terem sido proferidas tais expressões na sua presença ou ter ocorrido qualquer situação em que o arguido tivesse faltado ao respeito à assistente, como resulta do seu depoimento no trecho de 03:55 a 04:46,

Determinada a acareação entre (…), manteve o último a versão dos factos confirmado não terem sido dito expressões na sua presença, enquanto (…) alterou a sua versão como resulta da gravação CD da audiência de julgamento nos trechos de 00:00 a 04:15:

Atento o supra exposto a análise crítica do depoimento de (…) determina que se conclua que o mesmo não foi credível e isento e, assim não deve ser considerado para fundamentar a prova dos factos criminalmente puníveis imputados ao arguido.

n) Acresce que, foram prestados depoimentos credíveis e isentos, por testemunhas que não se encontram de relação cortadas com a assistente que atestam que o comportamento imputado ao arguido não é compatível com a sua personalidade e procedimentos no relacionamento com a assistente (…), audiência de julgamento de 23.10.2018, nos trechos de 02:17 a 04:10, (…), audiência de julgamento de 23.10.2018, nos trechos de 03:50 a 05:48,(…), audiência de julgamento nos trechos de 00:18 a 04:12 e (…), gravação CD de 02:04 a 05:40:

o) Relativamente aos factos considerados provados nas alíneas f) e g) e factos n), o), p), q) r) e pedido de indemnização civil com aqueles relacionados, reportam-se ao ano de 2006.

O único depoimento testemunhal que sustentou a decisão da matéria de facto foi o da assistente, tendo tais factos sido negados pelo arguido.

Quanto à credibilidade do depoimento da assistente, como supra exposto, carece de credibilidade e isenção, não podendo servir para fundamentar a decisão do julgador.

Acresce que, a versão da assistente quanto a tal ponto foi incoerente e inconsistente quanto ao lugar da prática dos  factos, forma como foi praticada a agressão e local de tratamento.

No auto de denúncia formalizado em 22.08.2016 perante a autoridade policial referiu que a agressão ocorreu na cidade de (…) tendo sido assistida no Hospital de (...). – Fls. 6 e 7.

Na acusação deduzida nos autos foi imputado ao arguido a prática daqueles factos em (…).

No depoimento prestado em audiência de julgamento a assistente deu uma nova versão referindo que os factos ocorreram na cidade de (…), como decorre do depoimento prestado em audiência de julgamento de 18.10.2018, gravação CD de 11:36 a 13:40, e reinicio gravação de 00:00 a 00:40:

Da documentação clínica junta aos autos decorre que a assistente foi inicialmente assistida no Centro de Saúde de (…), no dia 29.01.2006, pelas 21:31 horas e que esta informou o seguinte “levou uma cotovelada no ouvido esquerdo e ficou surda daquele ouvido”. – Fls. 16.

A suposta credibilidade do depoimento encontra-se assim também seriamente abalada pela documentação clínica que comprova ter a primeira assistência clínica ocorrido no Centro de Saúde de (…), e então ter relatado ter sofrido uma cotovelada.

Analisando criticamente a prova deverão ser considerados não provados os referidos factos.

p) Relativamente ao facto considerado provado na alínea h), e factos n), o), p), q) r) e pedido de indemnização civil com aqueles relacionados, reportam-se ao ano de ao ano de 2010. Da suposta agressão praticada pelo arguido não existe qualquer registo clinico.

Nenhuma testemunha visualizou marcas de agressão, como decorre dos depoimentos de (…), gravação  de 04:35 a 05:09, (…), gravação CD de 09:32 a 10:08, (…), gravação CD de 10:49 a 12:15, (…), gravação CD de 03:32 a 04:05, (…), gravação CD de 03:50 a 05:50, (…), gravação CD de 01:12 a 04:12, Sónia Pinto, gravação CD de 02:41 a 03:25 e (…), gravação CD de 02:30 a 05:50.

O depoimento da assistente não foi credível e isento denotando animosidade para com o arguido e interesse persecutório decorrente da mágoa decorrente do divórcio contra sua vontade e litigio quanto às responsabilidades parentais das filhas comuns, podendo servir para fundamentar a decisão do julgador.

Por outro lado, nos exatos termos supra referidos, o depoimento do arguido foi espontâneo, credível e verdadeiro ao negar os factos imputados devendo ser valorado criticamente e fundamentar a decisão.

Atento o supra exposto, efetuada uma correta análise crítica da prova deverão ser considerados não provados os referidos factos.

q) Relativamente aos factos considerados provados nas alíneas i) e j), e factos n), o), p), q) r) e pedido de indemnização civil com aqueles relacionados, reportam-se ao  ano de ao ano de 2013.

Da suposta agressão praticada pelo arguido não existe qualquer registo clinico.

As testemunhas a seguir identificadas referiram não ter visualizado quaisquer marcas de agressão, como decorre os depoimentos de (…), gravação de 04:35 a 05:09, (…), gravação de 09:32 a 10:08, (…), gravação de 03:32 a 04:05, (…), gravação de 03:50 a 05:50, (…), gravação de 01:12 a 04:12, (…), gravação de 02:41 a 03:25 e (…), gravação de 02:30 a 05:50.

Relativamente ao depoimento de (…) localizou a ocorrência dos factos nos anos de 2015 ou 2014, como resulta da gravação no trecho de 11:39 a 13:50. A suposta visualização dos sinais de agressão ao “lusco-fusco” “mesmo com o escuro dava para ver perfeitamente a lesão” é contraditada pelos depoimentos supra indicados das testemunhas (…), (…) e (…) que convivendo com regularidade com a assistente não visualizaram quaisquer sinais de agressão, como decorre dos referentes trechos da gravação (…), de 04:35 a 05:09, (…), de 09:32 a 10:18, e Pedro Oliveira, gravação de 02:30 a 05:50.

Atento o tipo de agressão relatado por (…) esta seria visível nos dias seguintes e constatada pelas testemunhas que privavam com regularidade com a assistente.

O depoimento de (…) não foi credível e isento, encontra-se eivado de notória animosidade para com o arguido, com quem anda de relações cortadas, efetuada uma análise crítica do mesmo, nos exatos termos supra referidos, não poderá servir para fundamentar a decisão de prova de tais factos.

O depoimento da assistente não foi credível e isento denotando animosidade para com o arguido e interesse persecutório decorrente da mágoa decorrente do divórcio contra sua vontade e litigio quanto às responsabilidades parentais das filhas comuns, podendo servir para fundamentar a decisão do julgador.

Por outro lado, nos exatos termos supra referidos, o depoimento do arguido foi espontâneo, credível e verdadeiro ao negar os factos imputados devendo ser valorado criticamente e fundamentar a decisão.

Atento o supra exposto, efetuada uma correta análise crítica da prova deverão ser considerados não provados os referidos factos.

r) Relativamente ao facto considerado provado nas alíneas k), e factos n), o), p), q) r) e pedido de indemnização civil com aqueles relacionados, reportam-se ao ano de ao ano de 2015.

Da suposta agressão praticada pelo arguido não existe qualquer registo clinico.

Nenhuma testemunha visualizou marcas de agressão, como decorre dos depoimentos de (…), gravação CD de 04:35 a 05:09, (…), gravação CD de 09:32 a 10:08, (…), gravação CD de 10:49 a 12:15, (…), gravação CD de 03:32 a 04:05, (…), gravação CD de 03:50 a 05:50, (…), gravação CD de 01:12 a 04:12, (…), gravação CD de 02:41 a 03:25 e (…), gravação CD de 02:30 a 05:50.

O depoimento da assistente não foi credível e parcial denotando animosidade para com o arguido e interesse persecutório decorrente da mágoa decorrente do divórcio contra sua vontade e litigio quanto às responsabilidades parentais das filhas comuns, podendo servir para fundamentar a decisão do julgador.

Por outro lado, nos exatos termos supra referidos, o depoimento do arguido foi espontâneo, credível e verdadeiro ao negar os factos imputados devendo ser valorado criticamente e fundamentar a decisão.

Atento o supra exposto, efetuada uma correta análise crítica da prova deverão ser considerados não provados os referidos factos.

q) Relativamente ao facto considerado provado nas alíneas m), e factos n), o), p), q) r) e pedido de indemnização civil com aqueles relacionados, reportam-se ao ano de ao ano de 2016.

A suposta afirmação proferida pelo arguido à assistente na escola de música de (…) “se não fazes as coisas como eu quero levas dois tiros nos cornos”, não foi presenciada por nenhuma testemunha, executando supostamente (…).

A assistente referiu de forma perentória no seu depoimento que os factos ocorreram na Escola de Música de (…), como decorre da gravação no trecho de 14:52 a 17:40:

Foi referido que as supostas afirmações proferidas pelo arguido foram presenciadas pela (…), a qual referiu no seu depoimento que a situação ocorreu na escola de música de (…) e não de (…), contrariamente à assistente como decorre da gravação nos trechos de 07:41 a 08:36 e 19:31 a 20:35: Existe notória contradição entre os depoimentos da assistente e (…), impeditiva de algum ser considerado verdadeiro e fundamentar a decisão quanto à matéria de facto.

O depoimento da assistente não foi credível e isento denotando animosidade para com o arguido e interesse persecutório decorrente da mágoa decorrente do divórcio contra sua vontade e litigio quanto às responsabilidades parentais das filhas comuns, não podendo servir para fundamentar a decisão do julgador.

Por outro lado, nos exatos termos supra referidos, o depoimento do arguido foi espontâneo, credível e verdadeiro ao negar os factos imputados devendo ser valorado criticamente e fundamentar a decisão.

Atento o supra exposto, efetuada uma correta análise crítica da prova deverão ser considerados não provados os referidos factos.

s) Em audiência de julgamento não foi feita prova clara e inequívoca de que o recorrente praticou os factos criminalmente puníveis que lhe são imputados, não tendo sido levada em consideração a prova produzida que comprova a versão do recorrente, e efetuado um correto exame crítico da prova produzida, condenando-o, por isso, infundadamente.

t) Os referenciados meios de prova, pelo menos, levantam sérias dúvidas sobre a prática pelo recorrente do crime que lhe foi imputado, o que sempre determinaria a sua absolvição, atento o princípio penal do "In Dúbio Pro Reo", que, assim, foi violado.

u) A sentença recorrida, por erro de interpretação e aplicação violou o disposto nos artigos 607.º n.º 3 CPC ex. vi art.º 4.º CPP, artigo 365.º nº 2 alínea a) CPP e 152.º do Código Penal.

Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio:

v) Os factos referidos e) e f) da sentença, por terem ocorrido nos anos de 2005 e 2006, não consubstanciam a pratica do crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º do CP, por tal crime inexistir naquela datas, tendo sido introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto -Lei n.º 48/95, de 15 de março, entrado em vigor em 15.09.2007, em obediência aos princípios fundamentais constitucionais da legalidade, que determina que não pode haver crime sem lei e, da proibição da retroatividade das leis penais incriminadoras vertidos nos artigos 1.º e 2.º do CP e 29.º da CRP.

x) Ainda que os factos em apreço possam integrar qualquer outro tipo de ilícito, nomeadamente, maus tratos de cônjuge ou ofensas à integridade física, a responsabilidade criminal do arguido, relativamente a tais factos, encontrar -se-á extinta por prescrição por não ter sido tempestivamente apresentada queixa nos termos previstos no artigo 118.º, n.º 1 al. c) e 119.º do Código Penal.

z) Não obstante o crime de violência doméstica ser de execução continuada cessando com a prática do último ato, devendo ser aplicada a lei vigente a essa data, para a prática do crime de maus tratos não bastava, em regra, uma ação isolada do agente sendo necessária uma ação reiterada, com proximidade temporal entre os vários atos ofensivos, que no caso não ocorre considerando que entre 29 de janeiro de 2006 e 2010 não é imputada qualquer conduta delituosa ao arguido.

y) O entendimento de que o crime de violência doméstica é um crime de execução continuada sendo aplicável a lei em vigor na data da prática do último ato delituoso tem como limite os factos enquadráveis em tal crime, relativamente aos quais tenha sido formalizada queixa tempestiva, não abrangendo factos cuja responsabilidade criminal se encontrava prescrita e relativamente aos quais o seu autor já não poderia ser responsabilizado criminalmente por ter ocorrido prescrição».

  3. Em resposta ao recurso, o Digno Magistrado do Ministério Público e a assistente defendem a manutenção da decisão recorrida.

4. Nesta Relação, o Digno Procurador – Geral Adjunto pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre, agora, decidir.

II. QUESTÃO A DECIDIR

- Alteração da decisão da matéria de facto;

- Qualificação jurídica dos factos;

- Prescrição

III. A DECISÃO RECORRIDA

A primeira instância julgou a matéria de facto como a seguir se transcreve:

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

a) O arguido e a assistente (…) casaram entre si no dia 21 de Agosto de 2005, residindo, enquanto casados, na Rua dos (…), , em (…);

b) Na constância do casamento referido em a) nasceram duas filhas, (…), nascida no dia 28 de Julho de 2008, e (…), nascida no dia 1 de Fevereiro de 2010;

c) O casamento referido em a) foi dissolvido por divórcio decretado por sentença proferida no dia 22 de Setembro de 2017, transitada em julgado nessa mesma data;

d) Sendo que no dia 28 de Março de 2016 o arguido e a assistente se separaram de facto, tendo o arguido saído nessa data de residência mencionada em a);

e) Logo após o casamento referido em a), a união entre o arguido e a assistente passou a ser marcada por alguns desentendimentos verbais entre ambos, para além de confronto físico, especialmente quando o arguido era contrariado pela assistente, sendo que nessas ocasiões, estando presentes algumas vezes as filhas do casal, o arguido dizia à assistente que a matava, que não valia nada e que era uma vaca;

f) No dia 29 de Janeiro de 2006, pelas 21h00m, no decurso de uma discussão mantida em plena viagem de automóvel e nas imediações da cidade de (…), o arguido desferiu uma bofetada à assistente, atingindo-a na zona do ouvido esquerdo;

g) Em consequência da conduta do arguido referida em f), a assistente sentiu dores e teve necessidade de receber tratamento hospitalar, tendo sofrido um traumatismo facial no ouvido esquerdo com hipoacusia e rotura do tímpano,  lesões essas que demandaram 30 dias de doença para a respectiva cura, o primeiro dos quais com afectação da capacidade de trabalho em geral e todos sem afectação da capacidade de trabalho profissional, mais tendo resultado para a assistente, como consequência permanente, queda moderada neurosensorial, lesões essas que do ponto de vista médico-legal não são enquadráveis no art.144.º do Código Penal;

h) Em dia e hora não apurados do ano de 2010, no interior da residência referida em a), no âmbito de uma discussão, o arguido abeirou-se da assistente e, com as mãos, apertou-lhe com força o pescoço, tendo a assistente arranhado o arguido no pescoço para que este a libertasse;

i) Em dia e hora não apurados do verão do ano de 2013, o arguido e a assistente encontravam-se no interior da escola de música propriedade da sociedade “ X (...) ”, da qual eram sócios, sita na cidade de (…), discutindo entre si;

j) No âmbito de tal discussão o arguido abeirou-se da assistente e desferiu-lhe um murro na face, atingindo-a no nariz, fazendo com que o sangue se soltasse;

k) Em dia e hora não apurados do ano de 2015, no interior da residência referida em a), o arguido abeirou-se da assistente e desferiu-lhe uma bofetada na face esquerda e puxou-lhe os cabelos para trás; 

l) Nessas ocasiões referidas em h), j) e k) a assistente sentiu dores mas não teve necessidade de receber assistência hospitalar;

m) Em dia e hora não apurados, mas entre o final do mês de Maio de 2016 e o início do mês de Junho de 2016, no interior do escritório da escola de música mencionada em i), o arguido e a assistente estavam a conversar sobre assuntos relacionados com o divórcio e a certa altura o arguido disse à assistente “se não fazes as coisas como eu quero levas dois tiros nos cornos”;

n) Em virtude das condutas do arguido referidas em e), f), h), j), k) e m) a assistente sentiu-se ofendida na sua honra  e dignidade de mulher, temeu pela sua integridade física e pela sua vida e sentiu-se limitada na sua liberdade de acção e decisão;

o) Com as palavras que dirigiu à assistente o arguido visou molestá-la psicologicamente, fazendo com que a mesma vivesse humilhada e cerceada na sua liberdade, sofrendo e temendo pelo que lhe poderia acontecer ficando, por isso, psicologicamente afectada pelos actos de que foi vítima;

p) O arguido agiu com plena consciência de que não lhe era permitido atingir, da forma reiterada como o fez, a integridade física e psíquica da assistente, submetendo-a a situações de violência psíquica, humilhando-a, maltratando-a, atemorizando-a e fragilizando-a enquanto sua esposa e mãe das suas duas filhas;

q) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado e reiterado, de maltratar, atemorizar e atingir a assistente na respectiva integridade física e psíquica, bem como de a lesar na sua integridade moral e dignidade pessoal;

r) O arguido agiu de forma livre, consciente e deliberada, sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas;

s) No âmbito da regulação das responsabilidades parentais referentes às menores identificadas em b) foi fixada a respectiva residência com a assistente;

t) Passando as menores, além do mais, fins-de-semana alternados com o arguido;

u) Existindo frequentes divergências entre o arguido e a assistente relativamente ao modo do exercício das responsabilidades parentais referentes às filhas;

v) O arguido é divorciado e vive com a actual companheira, na residência mencionada em a);

w) O arguido é professor de música e empresário do ramo da educação;

x) Auferindo cerca de €600,00 mensais a título de salário;

y) O arguido paga cerca de €600,00 mensais por conta de um empréstimo contraído para a aquisição de habitação;

z) O arguido paga €154,00 mensais a título de prestação de alimentos devidos às  menores identificadas em b);

aa) O arguido é licenciado em estudos portugueses;

bb) O arguido é considerado pessoa pacata, educada e respeitadora pelos seus amigos;

cc) A companheira do arguido é bancária;

dd) Do certificado de registo criminal do arguido, junto a fls.385 e 386 dos autos, consta que o mesmo foi já condenado:

i. Por sentença datada de 29/07/2013, transitada em julgado em 30/09/2013, proferida no âmbito do processo comum singular n.º399/11.3GAMGL, do extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Mangualde, pela prática em 14/12/2011, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pela disposição conjugada dos arts.3.º, n.º4, al. a) e 86.º, n.º1, al. d), ambos da Lei n.º5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €8,00, perfazendo o montante global de €800,00, a qual foi já declarada extinta pelo cumprimento.

Dos factos relativos ao pedido de indemnização civil resultou provado que:

- Em consequência das condutas do arguido/demandado civil (…) referidas em f), h), j) e k) dos factos provados no tocante à matéria criminal, a demandante civil sentiu dores nas partes do corpo atingidas pelo demandado civil e sofreu as lesões descritas em g);

- Em consequência das condutas do arguido/demandado civil (…) referidas em e) e m) dos factos provados no tocante à matéria criminal, a demandante civil sentiu medo, temendo pela sua integridade física e pela sua vida;

- Em resultado das condutas do arguido/demandado civil (…) referidas em e), f), h), j), k) e m) dos factos provados no tocante à matéria criminal, a demandante civil sentiu-se nervosa, magoada, ansiosa, triste e envergonhada;

- Tendo chorado e passado noites sem dormir;

- Sentiu-se ofendida na sua honra e consideração e viu reduzida a sua auto-estima.

(…). Factos não provados:

- Os factos referidos em f) ocorreram nas imediações da cidade de Viseu;

- Os factos mencionados em m) ocorreram no mês de Junho de 2017.

Dos factos respeitantes ao pedido de indemnização civil:

- Em consequência das condutas do arguido/demandado civil (…) referidas em e), f), h), j), k) e m) dos factos provados no tocante à matéria criminal, a demandante civil chegou, antes da data mencionada em d) dos factos provados no tocante à matéria criminal, a pernoitar em casa da sua mãe;

- E ainda hoje sente medo do demandado civil, vivendo num clima de terror, temendo que o mesmo volte a molestá-la física e verbalmente.

(…). Fundamentação da matéria de facto

(…).

IV. DO MÉRITO DO RECURSO

1. Modificação da decisão sobre a matéria de facto

(…).

2. Principio in dubio pro reo

(…).

3. Qualificação jurídico-penal

Sustenta o recorrente que em relação aos factos ocorridos em 2005 e 2006, não pode ser condenado pela prática de um crime de violência doméstica previsto no artigo 152º, do Código Penal, introduzido pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, sob pena de violação do princípio de proibição de retroactividade da lei penal.

Esta questão não, sendo nova, foi já decidida pelos nossos tribunais superiores em sentido contrário pugnado pelo Recorrente, posição que, também temos vindo a acolher.

Recordando:

O crime de maus-tratos conjugais foi introduzido pelo Código Penal de 1982, no seu artigo 153º, nº1, al. a) e nº 3, punindo, «quem, devido a malvadez ou egoísmo, infligir ao seu cônjuge (…) maus tratos físicos, o tratar cruelmente ou não lhe prestar os cuidados ou assistência à saúde, com trabalhos excessivos ou inadequados de forma a ofender a sua saúde, ou seu desenvolvimento intelectual, ou a expô-lo a grave perigo»

A revisão do Código Penal levada a cabo pela Lei 49/95, de 15 de Março, alterou a incriminação, passando a punir no artigo 152º, nº 1, e 2, quem ao cônjuge ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges maus tratos-físicos ou psíquicos, com pena de prisão de 1 a 5 anos, se o facto não for punível pelo artigo 144.º.

As alterações introduzidas pelas Lei 65/98, de 2 de Setembro e 7/2000, de 27 de Maio, mantiveram o tipo legal de crime de maus tratos e a medida da pena principal, acrescentando, agora, a pena acessória de proibição de contactos com a vítima, incluindo o afastamento da residência desta, por um período máximo de 2 anos.

Com a alteração de 2007, pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, o artigo 152º, do Código Penal, sob a epígrafe «violência doméstica», estabelece que:

1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:

a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;

b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;

c) O progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou

d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:

a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;

b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.

4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.

5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima pode incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.

6 - Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de um a dez anos.

Estas alterações legislativas evidenciam a autonomização do crime de violência doméstica (maus-tratos na versão anterior) em relação a outros tipos de ilícitos, como por exemplo, ofensa à integridade física, injúrias e ameaças, autonomização essa que assenta na desconsideração das condutas que poderiam, eventualmente, integrar estes tipos de crime, para as valorar, globalmente, na definição e integração de um comportamento repetido revelador de um crime de maus tratos sobre cônjuge (lei antiga) ou crime de violência doméstica (lei nova). 

«Neste contexto entre o crime do artigo 152º e os crimes que atomisticamente correspondem à realização repetida de actos parciais estabelece-se uma relação de concurso aparente, deixando de ter relevância jurídico-penal autónoma os comportamentos que integram a prática do crime de maus-tratos/violência doméstica» - Acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Abril de 2010 (www.dgis.pt, local onde poderão ser visualizados os Arestos que vierem a ser indicados, sem outra menção.

Com excepção dos casos em que se realiza através de um único comportamento, o crime de violência doméstica (ou os maus-tratos) supõe uma reiteração de condutas que preenchem o respectivo tipo objectivo e que são susceptíveis de integrar, quando singularmente consideradas, outros tipos de crime, nomeadamente, injúria, ofensa à integridade física e ameaça.

É sabido, que, nem toda e qualquer ofensa física ou verbal a existir entre os cônjuges ou análogos, é qualificada como violência doméstica. O preenchimento do ilícito não se basta com a simples existência de ofensas, injúrias ou ameaças, sendo necessária a existência de maus tratos físicos ou psíquicos – ainda que isolados – e tidos como atentatórios da dignidade humana.

«(…) O crime de Violência doméstica (…) passou a assumir, após a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro – e com a introdução da locução “de modo reiterado ou não” –, como um tipo incriminatório de natureza mista. Constata-se, assim e para tal efeito, que o sobredito ilícito se pode apresentar – para efeitos da dicotomia posta em relevo por FIGUEIREDO DIAS – como um crime instantâneo ou habitual. Ou, em termos mais rigorosos, o ilícito de violência doméstica apresenta-se tendencialmente como um crime habitual – pois que a realização do tipo incriminatório será, em regra, alcançada mediante a “prática de determinado comportamento de uma forma reiterada, até ao ponto de ela poder dizer-se habitual” – não obstante se admitir que a prática de um acto isolado possa conduzir à consumação do ilícito quando se ache idónea à lesão do(s) bem(ns) jurídico(s) tutelado(s).

Com o que a circunstância de o agente renovar condutas integradoras de tal ilícito não importará um seu sancionamento autónomo, mas antes relevará tão-somente em sede de medida da pena. Isto porquanto o mesmo continuará a praticar um único crime de Violência doméstica.

Efectivamente, (…)

A execução é reiterada quando cada acto de execução sucessiva realiza parcialmente o evento do crime; a cada parcela de execução segue-se um evento parcial. Porém, os eventos parcelares devem ser considerados como evento unitário.

A soma dos eventos parcelares é que constitui o evento do crime único» Acórdão da Relação de Coimbra  proferido no âmbito do processo nº 821/11.9TAFIG.C1).

«Sendo regra da violência doméstica consubstanciar-se num conjunto reiterado de comportamentos, naturalmente que então todos e cada um dos actos singulares perpetrados pelo agressor na vítima integram esse crime, nele se exaurindo ou esgotando e não evidenciando relevância própria para o preenchimento da tipicidade, tal-qualmente como cada um dos actos levados a cabo pelo traficante no crime de tráfico de estupefacientes. Daí decorre, (…) que sendo doutrinariamente tido como um crime habitual ou reiterado, o crime de violência doméstica consuma-se com a prática do último acto de execução».

«Daqui resulta que todas as condutas eventualmente integradoras do específico ilícito praticado pelo agente deverão ser julgadas unitariamente pois que todas elas correspondem a um único crime. Isto salvo, naturalmente e em face do teor literal do artigo 152.º do Código Penal, «se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal» Acórdão da Relação do Porto de 10 de Julho de 2013. 

Tratando-se de um crime único, embora de execução reiterada, a consumação do crime de maus tratos, violência doméstica ocorre com a prática do último acto de execução.

Para os crimes cuja execução se prolonga no tempo, a doutrina tradicional, tem vindo a entender que, se durante o seu decurso, surgir uma lei nova, ainda que mais gravosa, é esta a aplicável a todo o comportamento uma vez que não é possível distinguir partes do facto.

Neste sentido se pronunciou, além do mais, o Acórdão da Relação de Évora, de 19 de Dezembro de 2013, chamando à colação os Acórdãos da Relação do Porto de 15 de Novembro de 2010 e da Relação de Lisboa de 30 de Outubro de 2012.

Aí se lê:

«Está em causa um crime cuja execução não ocorre num único e isolado momento – ou pode não ocorrer (…) e, que como tal, se consuma no momento da prática do último acto de execução, sendo assim, por referência a tal último acto, com o qual se dá a consumação do crime, que há-de ser apurada, designadamente, a lei aplicável, ou a eventual ocorrência d prescrição, entre outros aspectos (…)».

O facto previsto na lei como crime diz-se consumado quando tiverem sido praticados os actos de execução que realizam e integram os elementos constitutivos do tipo legal de crime, produzindo as consequências previstas que preenchem o respectivo tipo; a consumação é a execução acabada e completa e a integração por inteiro dos elementos do tipo objectivo, a que pertencem sempre, além da menção do sujeito activo, a descrição de uma acção típica com a indicação do resultado (nos crimes de resultado) ou com a simples descrição da actividade (nos crimes de mera actividade).   

«O crime consumado é o crime “perfeito”, o crime realizado: realiza-se completamente, o facto criminoso preenche o tipo legal do crime, ou seja, o facto concreto corresponde ao modelo de comportamento que o tipo representa. O conceito de crime consumado é um conceito formal; corresponde à realização pela do tipo legal; termina o inter criminis. O crime está consumado quando se reúnam todos os elementos da sua definição legal - Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, 1998, pág.s 235/236 » (Acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Abril de 2010. 

Em suma, neste tipo de crimes, o momento determinante para escolha da lei aplicável ao caso, é a data da execução do último acto, aquela em que cessou a consumação do crime.

E, nem se diga, como faz o Recorrente, que entre 29 de Janeiro de 2006 e 2010, o arguido não praticou qualquer conduta delituosa.

Na verdade, os factos provados demonstram que após o casamento da assistente e do arguido, em 2005, a união do casal passou a ser marcada por alguns desentendimentos entre ambos, para além do confronto físico, especialmente quando o arguido era contrariado pela assistente, sendo que nessas ocasiões, estando presentes, algumas vezes as filhas do casal, o arguido dizia à assistente que a matava, que não valia nada e que era uma vaca.

A violência verbal do arguido sobre a assistente foi contínua no tempo, conhecendo-se o último acto, em 2016, quando disse à assistente que se não fizesse as coisas como ele queria, levava com dois tiros nos cornos.

Para além deste comportamento que permaneceu ao longo do casamento, o arguido agrediu a vítima, em 2006, 2010, 2013 e 2015, tudo com o objectivo de a molestar psicologicamente, fazendo com que a mesma vivesse humilhada e cerceada na sua liberdade, sofrendo e temendo pelo que lhe poderia acontecer no futuro.

O mesmo é dizer que, ao contrário do que defende o recorrente, bem andou o tribunal a quo ao qualificar jurídico-penalmente a sua conduta global como um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152º, do Código Penal, na redacção posterior a 2007.

Tal interpretação não viola qualquer preceito constitucional.

Improcede, assim, este segmento do recurso.

4. Prescrição

A decisão proferida em 3 prejudica o conhecimento da prescrição invocada na Conclusão X.

V. DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido (…).

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fica em 4UCS.

Coimbra, 8 de Maio de 2019

Alcina da Costa Ribeiro (relatora)

Elisa Sales (adjunta)