Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
677/13.7TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: DIVÓRCIO
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Data do Acordão: 06/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - CALDAS DA RAINHA - INST. CENTRAL - 1ª S. F. MEN. - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.1793 CC
Sumário: 1.- A casa de morada de família consubstancia a sede da vida familiar em condições de habitabilidade e de continuidade, o centro da organização doméstica e social da comunidade familiar. Implica que ela constitua ou tenha constituído a residência principal do agregado familiar e que um dos cônjuges seja o titular do direito que lhe confira o direito à utilização dela.

2.- A lei (art. 1793º Código Civil) quererá que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge, a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e de outro.

3.- Na avaliação da premência da necessidade da casa deve o tribunal ter em conta os elementos, que mais expressivamente a revelam, devendo tomar-se em consideração todas as demais «razões atendíveis»: a idade e o estado de saúde dos cônjuges ou ex-cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de um e outro, o facto de algum deles dispor eventualmente de outra casa em que possa estabelecer a sua residência, etc..

4.- Só quando as necessidades de ambos os cônjuges ou ex-cônjuges forem iguais ou sensivelmente iguais haverá lugar para considerar a culpa que possa ser ou tenha sido efectivamente imputada a um ou a outro na sentença de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens.

5.- Compete ao cônjuge que pretende que lhe seja atribuída a casa de morada de família alegar e provar que necessita mais que o outro da referida casa, sendo que a necessidade da habitação é uma necessidade actual e concreta (e não eventual ou futura), a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

1.1 A (…), reformado, residente na Rua (...) , em São Martinho do Porto, veio, em 01/04/2013, propor a presente Acção de Divórcio Sem o Consentimento do Outro Cônjuge, contra M (…), residente na Rua (...) , em São Martinho do Porto, conforme resulta de fls. 2 a 6.

Alega, para o efeito e em súmula, o seguinte:

- Autor e Ré contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, em 14/07/1995;

- Não existem filho de tal casamento;

- Apesar de viveram na mesma casa, não fazem vida em comum (não tomam refeições juntos; dormem em camas separadas; não têm relações sexuais);

- Não pretende o Autor permanecer casado, sendo certo que há mais de cinco anos que se desinteressaram um do outro e que a Ré vem dizendo ao Autor que se querer divorciar;

- A Ré insulta o Autor e as filhas deste e assume uma atitude agressiva e violenta;

- A Ré ausenta-se da casa de morada de família 4/5 vezes, deslocando-se a Espanha, de onde é natural, dizendo ao Autor que “nada tem a ver com a sua vida”;

- A Ré não contribuiu para as despesas da casa;

Pede, face ao supra exposto, que seja ser decretado o divórcio entre Autor e Ré, pela violação pela Ré dos deveres de respeito, assistência e cooperação.

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1.2 Designada data para a tentativa de conciliação (18/06/2013), não foi possível a reconciliação entre as partes, nem a conversão do divórcio em divórcio por mútuo consentimento, pelo que a Ré foi notificada para contestar a presente acção, querendo, em 30 dias, conforme fls. 26 e 27.

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1.3 A Ré, M (…), apresentou contestação e reconvenção, nos termos enunciados a fls. 35 a 42, negando os factos alegados pelo Autor e alegando, para o devido efeito, o seguinte:

- O Autor e Ré, não obstante apenas terem contraído casamento na data referida, entre a Páscoa de 1982 e, até à data do casamento, viveram em união de facto entre si e, em economia comum;

- Após a data do início de vida em comum, adquiriram diversos bens imóveis em Portugal, tendo ainda, procedido em conjunto e com dinheiros auferidos por cada um, que eram geridos por ambos, à construção num lote de terreno por ambos adquirido em S. Martinho do Porto, de uma casa, onde passaram a residir após o seu regresso a Portugal em meados da década de 90, a qual foi a sua casa de morada de família e onde o casal residiu até

- Data esta (20 de Maio de 2013), em que a Ré foi obrigada a sair de casa, devido aos constantes maus tratos físicos, verbais e ameaças do Autor à Ré e, ainda, por aconselhamento da GNR de S. Martinho do Porto;

- Desde meados de 2008, o Autor desinteressou-se da Ré, passou a agredi-la com frequência, a soco e pontapé e, ainda a injuria-la quase diariamente (assim como difamava os seus pais), sendo as discussões frequentes, terminando estas com o Autor a mandar a Ré para a sua terra (referindo-se a Espanha de onde a Ré é natural); na sequência das agressões físicas e verbais atrás descritas, o Autor frequentemente colocou a Ré na rua, tendo a Ré pedir auxílio a pessoas amigas, onde permanecia alguns dias ou refugiando-se no apartamento que o casal possui em Lisboa;

- Dos factos supra descritos, por várias vezes, a Ré participou criminalmente contra o Autor, dos quais posteriormente viria a desistir, com excepção do processo de Inquérito nº 57/13.4GEACB que corre termos pelo Ministério Público desta comarca (à data Tribunal Judicial de Alcobaça);

- A Ré sempre confeccionou a comida do Autor, lhe lavou a roupa e a passou a ferro e sempre cuidou da limpeza da casa;

- Dormiram na mesma cama até meados de Maio de 2013 e mantido as relações de intimidade possíveis, devido à falta de erecção do Autor, que é diabético;

- Na Suíça, e durante esse período, trabalhou a Ré como auxiliar de enfermagem, onde auferia cerca de 3.800 francos suíços, correspondente a cerca de € 3.000,00; acontece que, devido a doença de que o Autor padece, este, em meados da década de 90, foi forçado a reformar-se por invalidez, tendo decidido regressar a Portugal; perante tal facto, o Autor convenceu a Ré a acompanhá-lo no regresso, dizendo-lhe que a reforma dele dava bem para os dois viverem em Portugal, dado que a vida aqui era muito mais barata, tendo a Ré nessa sequência decidido acompanhar o Autor no seu regresso a Portugal, tendo deixado o seu emprego, com a consequente perda de rendimentos que tal lhe causou;

- Acresce ainda que as suas economias de uma vida de trabalho na Suíça, sempre foram geridas em comum e foram investidas na aquisição de bens em Portugal aquando do período em que viveram em união de facto, os quais se encontram uns em nome do Autor e que são bens em compropriedade e, outros, em nome de ambos que são bens comuns;

- A Ré não obstante os maus tratos sofridos, sempre tratou o Autor com todo o cuidado, amor e carinho, nenhuma ofensa lhe dirigiu, pelo que jamais causou qualquer transtorno ou sofrimento na vida do Autor, pelo que, o Autor não tem qualquer motivo para que seja decretado o divórcio por si peticionado, por ausência de qualquer fundamento, sendo que, todos os factos por si alegados como praticados pela Ré são falsos.

Pede ainda que Tribunal condene o Autor como litigante de má-fé.

Deduz reconvenção pelos factos alegados na contestação, nomeadamente, dizendo que as agressões físicas e verbais e ameaças de morte que sofreu, pelo menos desde meados de 2008 até 20 de Maio de 2013, conferem à Ré Reconvinte o direito de peticionar o divórcio nos termos do artigo 1781.º, alínea d) do Código Civil.

Conclui, peticionado que a acção seja julgada improcedente, por não provada, e consequentemente a Ré absolvida do pedido; o pedido reconvencional seja julgado procedente, por provado, e consequentemente seja decretado o divórcio entre as partes pelos motivos alegados pela Ré; e seja o Autor condenado a pagar à Ré a quantia de €25.000,00 a título de danos morais pelo sofrimento que lhe causou.

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1.4 O Autor, notificado da contestação/reconvenção, veio apresentar a réplica de fls. 48 a 59, impugnando os factos contidos na contestação e reconvenção e concluindo pela improcedência do pedido de litigância de má-fé e pela improcedência do pedido reconvencional.

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Foi, oportunamente, proferida decisão, onde se consagrou que:

«Pelo exposto, e nos termos das citadas disposições legais supra citadas:

6.1 Decido julgar improcedente o incidente de fixação de alimentos, absolvendo o Requerente A (…) do pedido formulado pela Requerente M (…), não se fixando, em consequência, qualquer prestação de alimentos;

6.2 Julgar procedente o incidente de atribuição de casa de morada de família, decidindo, em consequência, atribuir a casa de morada de família (que corresponde ao prédio urbano sito na Rua (...) , freguesia e concelho de São Martinho do Porto, descrito na Conservatória de Registo Predial de Alcobaça sob o n.º 543 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1970.º) ao Requerente A (…), devendo este pagar à Requerente M (…) a quantia mensal de €150,00 (cento e cinquenta euros) pela privação do uso e fruição de um bem que também foi a sua residência permanente (casa de morada de família);

5.3 Consigna-se, para os devidos efeitos, que os Requerentes do presente processo de divórcio por mútuo consentimento apresentaram a relação de bens comuns de fls. 418 a 420 e a relação de bens cuja natureza é controvertida (fls. 421 a 424);

5.4 Em consequência, encontrando-se já fixadas as consequências do divórcio, decido decretar o divórcio por mútuo consentimento das partes, A (…) e M (…), declarando, assim, dissolvido o seu casamento celebrado no pretérito dia 14 de Julho de 1995.

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Custas processuais pelas partes, na proporção de metade para cada uma delas (cfr. artigo 931.º, n.º 4, n.º 4, “in fini”, do Código de Processo Civil, e artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do apoio judiciário que beneficia a Requerente M (…) (artigo 29.º, n.º 1, al. d) do Regulamento das Custas

Processuais e artigo 7.º-A da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril).

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Após trânsito em julgado, comunique à Conservatória do Registo Civil, nos termos do disposto nos artigos 78.º e 69.º, n.º 1, al. a) e 70.º, al. b), do Código de Registo Civil (aprovado pelo D.L. n.º 131/95, de 6 de Junho)».

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A (…), Requerente nos autos à margem identificados, não se conformando com a sentença no que respeita à parte da decisão que, ao atribuir a casa de morada de família ao aqui Recorrente. condenou-o a pagar a quantia mensal de € 150,00 à Recorrida, a título de compensação pela privação do uso e fruição do referido bem (págs. 42 a 53 da douta sentença recorrida), veio interpor Recurso de Apelação, alegando e concluindo que:

(…)

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M (…) Requerida nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada das alegações de recurso apresentadas pelo Requerente, vieram apresentar as suas contra-alegações, que pugnaram pela improcedência do recurso interposto, por sua vez concluindo que:

(…)

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II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

3.1 Factos provados:

1. A (…) e M (…) contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, no dia 14 de Julho de 1995, na Conservatória de Registo Civil de Alcobaça.

2. Desse casamento não existem filhos.

3. Antes de contrariarem casamento, os Requerentes viveram em comunhão de mesa, cama e habitação;

4. Os Requerentes, neste divórcio por mútuo consentimento, viveram juntos na Suíça, entre data não concretamente determinada dos anos de 1982/1983 até terem regressado a Portugal, em data não concretamente determinada, mas antes da data em que celebraram o casamento referido em 1.

5. A partir de data não concretamente apurada, o Requerente A (...) passou a agredir fisicamente a Requerente, batendo-lhe em várias partes do corpo;

6. O que fez por número de vezes e periodicidade não concretamente apurados;

7. E insultando-a, por número de vezes e periodicidade não concretamente apurados;

8. A partir de data não concretamente apurada dos últimos anos de vivência em comum, o casal discutia frequentemente, com concreta periodicidade não apurada;

9. Terminando algumas dessas discussões com agressões físicas do Requerente A (…) à Requerente M (…);

10. A Requerente, temendo pela própria vida e após ter sido aconselhada pela G.N.R. de S. Martinho do Porto, decidiu sair de casa.

11. Mercê do referido, a Requerente saiu de casa em Março ou Abril de 2013, onde não mais voltou.

12. Na Suíça, a Requerente trabalhou como auxiliar de enfermagem até ao final do ano de 1992, auferindo, pelo menos durante os anos de 1991 e 1992, a quantia mensal média ilíquida entre 3.700 (três mil e setecentos) e 3.900 (três mil e novecentos) francos suíços e líquida entre 3.200 (três mil e duzentos) e 3.400 (três mil e quatrocentos) francos suíços.

13. Devido a doença do Requerente, foi este forçado a reformar-se por invalidez, tendo decidido regressar a Portugal.

14. O Requerente convenceu a Requerente a acompanhá-lo em tal regresso, dizendo-lhe que, a sua reforma e o dinheiro que tinham davam bem para os dois viverem em Portugal, tendo esta anuído;

15. Durante todo o tempo que viveram em comum e até à data em que saiu de casa, a Requerente cuidou do Requerente, confeccionando-lhe a comida, lavando e passando a roupa a ferro e, desempenhando as demais tarefas doméstica.

16. A Requerente M (…), em Novembro de 2011, recebeu herança por óbito dos seus pais, tendo-lhe sido adjudicados os bens identificados na escritura de partilha constante de fls. 188 a 212 verso, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, tendo-lhe sido atribuídos:

a) Em exclusiva propriedade, 3 (três) prédios rústicos de n.ºs 1065, 1416 e 1415 – o nº. 4, do ponto IV, com a área de 9 ares e 3 centiares e com o valor atribuído de 3.000,00€ (valor cadastral de 2014: 127,46€); e o nº. 1 do ponto VI, com a área de 3 ares e 34 centiares, com o valor atribuído de 1.000,00€ (valor cadastral de 2014: 636,00 €, e 19,24 €, parte rústica) - presentemente de natureza mista; o nº. 1 do ponto VII, com a área de 9 ares e valor atribuído de 3.000,00 € (valor cadastral de 2014: 2.750,00 €, parte urbana e 63,40 €, parte rústica) – presentemente de natureza mista; uma quarta parte indivisa de um prédio rústico, com a área de 4 ares e 4 centiares, com o valor atribuído de 300,00€ - o nº. 3 do ponto VI; uma metade indivisa de 11 (onze) prédios rústicos – o nº. 2 do Ponto VI, com a área total de 6 ares e 58 centiares e o valor atribuído de 1.500,00 € (valor cadastral de 2014: 49,83 €); o nº. 4 do Ponto VI, com a área total de 70 centiares e o valor atribuído de 100,00 € ; o nº. 1 do Ponto V, com a área total de 1 are e 20 centiares, com o valor atribuído de 300,00 € (valor cadastral de 2014: 196,02 €) ; o nº. 2 do Ponto V, com a área total de 2 ares e 23 centiares, com o valor atribuído de 500,00 € (valor cadastral de 2014: 16,81 €) ; o nº. 3 do Ponto V, com a área total de 4 ares e 3 centiares, com o valor atribuído de 800,00 € (valor cadastral de 2014: 30,48 €); o nº. 9 do Ponto V, com a área total de 60 centiares, com o valor atribuído de 100,00 € (valor cadastral de 2014: 4,42 €); o nº. 10 do Ponto V, com a área total de 1 are e 91 centiares, com o valor atribuído de 300,00 € (valor cadastral de 2014: 14,37 €); o nº. 11 do Ponto V, com a área total de 1 are e 65  centiares, com o valor atribuído de 300,00 € (valor cadastral de 2014: 12,42 €) ; o n.º 12 do Ponto V, com a área total de 1 are e 25 centiares, com o valor atribuído de 300,00 € (valor cadastral de 2014: 0,61 €); o nº. 15 do Ponto V, com a área total de 1 are e 40 centiares, com o valor atribuído de 300,00 € e o n.º 16 do Ponto V, com a área total de 2 ares e 10 centiares, com o valor atribuído de 300,00 €;

b) A metade de um saldo de uma conta bancária, no montante total de €13.252,76 (treze mil duzentos e cinquenta e dois euros e setenta e seis cêntimos);

c) Bem como o direito de habitar e usufruir a vivenda que pertencia aos seus pais, constituída por uma casa com o n.º (...) (A Corunha), com a superfície total de 127 m2, divididos em dois andares, rés-do-chão de 24 m2 e um andar de 103 m2, ocupando a totalidade do terreno, incluindo a edificação, a superfície de 103 m2, tendo-lhe sido atribuído o valor de 25.000,00 € - o nº. 1 do ponto 4 -, a qual foi deixada, por legado, à neta dos falecidos testadores e sobrinha da ora Requerente, (…)

17. A Requerente não aufere qualquer vencimento proveniente do seu trabalho;

18. Tendo, entanto, passado a receber, desde 1 de Janeiro de 2015, uma pensão de reforma por velhice, por parte da Caixa Suíça de Compensação, no montante de 510,00 francos suíços (CHF).

19. A Requerente nasceu em 23 de Dezembro de 1950.

20. Vive presentemente em Espanha, de onde é natural, em casa de uma filha.

21. Desde que saiu de casa, a Requerente viveu em Espanha, tendo também vivido, quando vinha/estava a/em Portugal, em casa de pessoas amigas;

22. A Requerente pretende viver em São Martinho do Porto, onde sempre viveu desde que voltou da Suíça e onde tem as suas amigas;1 Traduzido no montante de €473.11 (quatrocentos e setenta e três euros e onze cêntimos), de acordo com a taxa de conversão no dia 13/11/2015.

23. A renda de uma casa em São Martinho do Porto tem o valor mensal variável entre €250,00 (duzentos e cinquenta) a €300,00 (trezentos euros);

24. Em alimentação, vestuário, calçado e despesas relativas à casa a Requerente despende mensalmente quantia não concretamente apurada;

25. Em deslocações a Espanha, a Requerente despende mensalmente quantia não concretamente apurada;

26. A Requerente enviou para a sua falecida mãe (…), que era conhecida também como Peregrina, pelo menos as seguintes quantias de dinheiro e nas seguintes datas: 500 francos suíços – 10/06/1982; 1.000 francos suíços – 03/07/1982; 500 francos suíços – 24/12/1982; 2.000 francos suíços – 04/02/1983; 500 francos suíços – 03/06/1983; 1.000 francos suíços – 06/07/1983; 1.000 francos suíços – 09/08/1983; 1.000 francos suíços – 03/09/1983.

27. No dia 26 de Janeiro de 1993, a Requerente possuía, numa conta bancária da Caixa Galícia, o saldo positivo de 4.154.927,00 pesetas.

28. O Requerente, A (…), aufere uma pensão de velhice/invalidez no valor de, pelo menos, €1.500,00 (mil e quinhentos euros).

29. O Requerente nasceu em 16-03-1946 e padece de doença oncológica, confirmada em 1 de Outubro de 2013, sendo acompanhado no Instituto Português de Oncologia de Lisboa, Francisco Gentil, E.P.E.;

30. Sendo portador de deficiência que lhe determina um grau de incapacidade permanente global de 70%, que se encontra instalada desde 2013;

31. Necessitando de recorrer aos serviços de terceiros a tempo inteiro para sua assistência nos mais elementares cuidados diários;

32. Beneficiando presentemente da prestação de tais serviços a tempo inteiro, por parte de senhora a quem, para além de dar-lhe alimentação, paga mensalmente a quantia aproximada de €500,00 (quinhentos euros);

33. O Requerente despende, em medicamentos, quantia mensal não concretamente apurada, tendo despendido entre Março a Julho de 2014 as seguintes quantias: €55,44, €26,58, €53,20, €93,01, €53,20, €7,47, €53,20, €53,20, €5,53, €69,24, €53,20, €31,15, €53,20, €1,96, €53,20, €3,42, €126,63, €69,30, €17,38, €107,15, €119,65 e €53,20.

34. Em deslocações a consultas médicas, centro de saúde e hospitais gasta quantia mensal não concretamente apurada;

35. Despende quantias não concretamente apuradas em electricidade, gás e água na casa de morada de família, na casa sita em Escurquela e no apartamento de Lisboa, tendo despendido, nesse âmbito, os montantes de €28,74, de €25,15, de €15,30, de €100,88, de €9,09, d €100,88, de €13,88 e de €19,99;

36. Gasta trimestralmente, a título de Imposto Municipal sob Imóveis, quantia não concretamente apurada, tendo despendido €194,62 (cento e noventa e quatro euros e sessenta e dois cêntimos) em Abril de 2014;

37. Despende, em seguros de casa/automóvel e imposto único de circulação (IUA) o valor anual não concretamente determinado, tendo gasto a quantia total de €859,87 (oitocentos e cinquenta e nove euros e oitenta e sete cêntimos) em Dezembro de 2013 e em Junho de 2014;

38. Pagou, em Julho de 2014, em televisão o valor de €15,45 (quinze euros e quarenta e cinco cêntimos).

39. E, em Junho de 2014, a quantia de €30,00 (trinta euros) referente à prestação mensal para aquisição de máquina de lavar, cujo crédito foi de €750,00 (setecentos e cinquenta euros);

40. A quantia que lhe resta, mensalmente, é para o Requerente fazer face às despesas de alimentação e vestuário.

41. Após terem vindo para Portugal, os Requerentes passaram a viver na casa (moradia) de São Martinho do Porto, sita na Rua (...) ;

42. Tal moradia corresponde ao prédio urbano sito na Rua (...) , freguesia e concelho de São Martinho do Porto, descrito na Conservatória de Registo Predial de Alcobaça sob o n.º 543 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1970.º.

43. A aquisição, por compra, do prédio acima identificado encontra-se registada, sob a ap.5 de 1989/01/11, a favor de A (…), divorciado.

44. Os Requerentes possuem um apartamento em Lisboa, estando a aquisição inscrita na Conservatória de Registo Predial a favor dos Requerentes sob a ap. 24 de 1999/02/11;

45. Tal apartamento corresponde à fracção autónoma B, sita em (...) , freguesia de Santa Isabel e concelho de Lisboa, do prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de Lisboa sob o n.º2108 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1327.º, estando descrito com a composição de rés-do-chão direito, habitação, com quintal de 18 m2.

46. No dia 05 de Dezembro de 1988, o Requerente, por intermédio de procurador, comprou um lote de terreno para construção urbana em São Martinho do Porto, conforme fotocópia de escritura de fls. 119 a 121 verso, onde veio a ser construída a casa (moradia) acima mencionada (casa de morada de família);

47. Foi intentado pela ora Requerente, M (…), uma Providência Cautelar de Alimentos Provisórios contra ora Requerente, A (…), a que foi atribuído o nº 859/14.4TBACB, desta 1.ª Secção de Família e Menores da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria (com sede em Caldas da Rainha), tendo tal processo sido apenso aos presentes autos, sob o n.º 677/13.7TBACB-B.

48. Por sentença proferida em 10-11-2014, tal providência cautelar foi julgada totalmente improcedente, por não provada, conforme resulta de fls. 416 a 437 do apenso B), tendo sido, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra a fls. 467 a 478, determinada a anulação da referida sentença e ordenado que se procedesse à reabertura da audiência para que nela fossem realizadas as diligências reputadas como necessárias para a finalidade tida em vista, designadamente a notificação à Requerente para que informasse se auferia alguma pensão de reforma pelo trabalho que prestou na Suíça, a comprovar pela entidade responsável pelo respectivo processamento e pagamento, conforme fls. 467 a 477 verso;

49. Após baixa do processo, reinício da audiência e junção aos autos dos documentos de fls. 492 a 492 desse apenso B, a ai Requerente M (…) veio, em 04-05-2015, desistir do pedido de alimentos provisórios (fls. 502 desse apenso B), tendo tal desistência sido homologada por sentença proferida em 05-05-2015 (fls. 504 do apenso B).

50. No âmbito do processo de arrolamento, que corre termos por apenso a estes autos principais, sob n.º 677/13.7 TBACB-A, foram arrolados, em Junho de 2014, aos saldos de duas contas bancárias: no valor de 479,31€, correspondente à sua quota parte, em conta da CGD; e o montante de 549,71 €, em conta da Caixa Económica Montepio Geral.

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3.2 Factos não provados:

Não se provou qualquer outro facto com relevância para a decisão da causa, nomeadamente os restantes alegados nos requerimentos de fls. 116 a 118, 244 a 252 e oposições de fls. 277 a 279 e 282 a 288, nomeadamente que:

1. O Requerente foi forçado a reformar-se por invalidez em 1992.

2. Viveram na Suíça até final de 1992.

3. Neste momento, a Requerente não tem qualquer rendimento, seja de trabalho ou de qualquer outra proveniência.

4. Encontrando-se actualmente totalmente dependente de uma irmã e amigas.

5. A funcionária que o Requerente contratou um mês antes da audiência final do procedimento cautelar de alimentos provisórios já não trabalhará para o mesmo, desconhecendo-se o motivo de tal facto.

6. O Requerente aufere mensalmente, pelo trabalho prestado na Suíça, a pensão mensal de aproximadamente 1.500,00 € (mil e quinhentos euros);

7. A que acresce, pelo trabalho prestado em Portugal, a pensão mensal de aproximadamente 270,00 € (duzentos e setenta euros);

8. O Requerente gasta a média mensal de €300,00 (trezentos euros) em medicamentos;

9. Em deslocações a consultas médicas, centro de saúde e hospitais gasta uma média mensal de €80,00 (oitenta euros);

10. Em deslocações a consultas médicas, centro de saúde e hospitais gasta uma média mensal de €80,00 (oitenta euros);

11. Despende cerca de €120,00 (cento e vinte euros)/mês em electricidade, gás e água na casa de morada de família e €30,00 a mesmo título na casa herdada por seus pais sita em Escurquela;

12. Gasta €194,62 (cento e noventa e quatro euros e sessenta e dois cêntimos), trimestralmente, a título de Imposto Municipal sob Imóveis;

13. Despende, em seguros de casa e automóvel e imposto único de circulação (IUA) o valor anual de €859,87 (oitocentos e cinquenta e nove euros e oitenta e sete cêntimos);

14. Paga o serviço mínimo de televisão no valor de €15,45 (quinze euros e quarenta e cinco cêntimos);

15. E a quantia de €30,00 (trinta euros) mensais referente à prestação para aquisição de máquina de lavar.

*

Nos termos do art. 635º, do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do art. 608°, do mesmo Código.

*

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões, que se apreciarão pela ordem indicada e na sua matriz originária:

I.

Não deveria o tribunal "a quo" ter determinado que o Recorrente pagasse à Recorrida qualquer quantia a título de privação do uso e fruição da casa de morada de família.

Apreciando, diga-se, fenomenológica e conceitualmente - tal como em decisório se enuncia -, que a casa de morada de família consubstancia “a sede da vida familiar em condições de habitabilidade e de continuidade, o centro da organização doméstica e social da comunidade familiar” (Ac. STJ de 06/03/1986 in BMJ 335.º-346) ou, ainda, “qualquer casa (comum ou própria de um dos cônjuges) que só poderá ter essa qualificação quando for nela que habitualmente more ou habite a família (...), formando uma economia comum” (Acórdão da Relação do Porto de 21/12/2006, in CJ, V, pg. 197).

A casa de morada de família é, pois, o lugar onde a família cumpre as suas funções relativamente aos cônjuges e aos filhos, constituindo o centro da organização doméstica e social da comunidade familiar, não perdendo essa qualificação pelo simples facto de a família se ter desagregado.

(…)

A casa de morada de família implica que ela constitua ou tenha constituído a residência principal do agregado familiar e que um dos cônjuges seja o titular do direito que lhe confira o direito à utilização dela (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12-02-1998, in CJ 1998, Tomo I, pág. 121)».

-

Por sua vez, resulta incontroverso dos Autos, que, no presente circunstancialismo, 

«a casa de morada de família corresponde à moradia de São Martinho do Porto, sita na Rua (...) , nem tal facto foi posto em causa pelas partes. Trata-se de um prédio urbano sito na Rua (...) , freguesia e concelho de São Martinho do Porto, descrito na Conservatória de Registo Predial de Alcobaça sob o n.º 543 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1970.º.».

Configura-se, igualmente, como incontrovertível que a situação sub judice se haverá, dominantemente, subsumir à regulamentação decorrente do que se dispõe no art.º 1793.º do Código Civil (casa de morada de família), segundo a qual:

“1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.

3 - O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.”

Em função do que os Autos estampam, revela-se, também, assente que:

«No caso sub judice, o casal não tem filhos (maiores ou menores), pelo que apenas importa atender às necessidades de cada um dos cônjuges.

Assume, deste modo, inteira pertinência a convocação feita, sobre tal factualidade, assim revelando, que:

“[…] a lei quererá que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e de outro […]. Ora, este critério geral, segundo nos quer parecer, não pode ser outro senão o de que o direito ao arrendamento da casa de morada da família deve ser atribuído ao cônjuge ou ex-cônjuge que mais precise dela. […] A necessidade da casa (ou a «premência», como vem a dizer a jurisprudência; melhor se diria a premência da necessidade) parece-nos ser, assim, o factor principal a atender. […] Na avaliação da premência da necessidade da casa deve o tribunal ter em conta, em primeiro lugar, justamente estes dois elementos, que mais expressivamente a revelam […]. Trata-se, quanto à «situação patrimonial» dos cônjuges ou ex-cônjuges, de saber quais os rendimentos e proventos de um e de outro […] – Pereira Coelho, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Coimbra Editora, n.º 122, Ano 1989 – 1990, páginas 137, 138, 207 e 208, citado in Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26/05/2015, Processo n.º 5523/13.9TBVNG-B.P1 (Relator Carlos Querido), acessível in www.dgsi.pt».

Em todo o caso, sem olvidar, igualmente - e tal, aí, em tal Aresto, do mesmo modo, se considera -, que:

«o juízo sobre a necessidade ou a premência da necessidade da casa não depende apenas destes dois elementos. Haverá que considerar ainda as demais «razões atendíveis»: a idade e o estado de saúde dos cônjuges ou ex-cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de um e outro, o facto de algum deles dispor eventualmente de outra casa em que possa estabelecer a sua residência, etc.».

Ainda «segundo Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (in “Curso de Direito da Família”, Vol. I, 3ª edição, pág. 721 e segs.), o tribunal deve atribuir o direito de arrendamento da casa de morada de família ao cônjuge que mais precise dela, necessidade esta a inferir, por exemplo, da sua situação económica líquida, do interesse dos filhos, da idade e do estado de saúde dos cônjuges ou ex-cônjuges, da localização da casa em relação aos seus locais de trabalho, da possibilidade de disporem doutra casa para residência, e que só quando as necessidades de ambos os cônjuges ou ex-cônjuges forem iguais ou sensivelmente iguais haverá lugar para considerar a culpa que possa ser ou tenha sido efectivamente imputada a um ou a outro na sentença de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens.

Como é dito no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16-04-2015, Processo n.º 399-09.3TMLSB-A.L1-6, acessível in www.dgsi.pt: “compete ao cônjuge que pretende que lhe seja atribuída a casa de morada de família alegar e provar que necessita mais que o outro da referida casa, sendo que a necessidade da habitação é uma necessidade actual e concreta (e não eventual ou futura), a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso. A norma do artigo 1793º do Código Civil tem como objectivo fundamental proteger o ex-cônjuge mais atingido pelo divórcio quanto à estabilidade da habitação familiar.”.

Importa, pois, atender às necessidades de cada um dos cônjuges. Este é o primeiro facto que a lei manda considerar, havendo que ter em conta também, se for caso disso, a posição que cada um dos cônjuges fica a ocupar, depois da dissolução do casamento, em face do agregado familiar - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume IV, 2ª Edição, pág. 570».

Tais pressupostos servem, pois, para ter como inquestionável - o que os Autos revelem também como colectivamente assumido por todos os intervenientes processuais -, que, no caso em apreço,

«face ao regime jurídico supra exposto e à factualidade provada (no que respeita às necessidades actuais de cada um dos Requerentes), se tem por certo que a casa de morada de família deve ser atribuída ao Requerente, independentemente de se tratar bem próprio deste ou comum».

As razões determinantes de tal decidir - que se sufragam -, radicam na exposição emergente, tornada precípua, face à matéria factual considerada provada, de que:

«atendendo às necessidades de cada uma das partes, resulta que o Requerente, em face do seu actual estado de saúde (doença oncológica), mostra-se numa maior fragilidade e debilidade (tendo até apoio, nessa habitação, de uma terceira pessoa a tempo inteiro). Importa considerar que é o Requerente que permanece na habitação (ainda que sejam perfeitamente compreensíveis as razões que levaram a Requerente a sair da moradia em 2013 e não mais voltar), porém, entende-se que, neste momento, o Requerente, face ao seu débil estado de saúde, é aquele que mais necessita da casa de morada de família, onde, aliás, tem recebido cuidados de saúde, “não se tendo a Requerente oposto desde que lhe seja fixada uma pensão de alimentos”».

Daí que se legitime o veredicto - tal como sentenciado - segundo o qual:

«Destarte, a casa de morada de família deve ser atribuída ao cônjuge marido.».

*

Outro tanto se não diga da consideração sentenciadora de se haver entendido, por sua vez, no caso:

«fixar, por se entender adequado e proporcional, que o Requerente (a quem foi atribuída a casa de morada de família) pague a quantia mensal de €150,00 (cento e cinquenta euros) à Requerente pela privação do uso e fruição de um bem que também foi, durante vários anos, a sua residência permanente e que assume a natureza de casa de morada de família (independentemente da sua natureza de bem próprio do Requerente ou comum do casal)».

Exactamente, porque não pode deixar de se levar em consideração - mas como objecção a diferente interpretação - a circunstância de haver resultado provado serem

«ambos os Requerentes proprietários de um apartamento em Lisboa (que a Requerente não pretende habitar por razões de custo de vida nesta cidade e ausência de pessoas amigas ou familiares) e sendo até a Requerente titular do “direito de habitar e usufruir a vivenda que pertencia aos seus pais”, sita em Corunha, Espanha (cidade onde, aliás, reside há algum tempo, apenas vindo pontualmente a Portugal). Não obstante, mesmo, «a Requerente haver manifestado vontade de voltar a Portugal e residir em São Martinho do Porto (onde residiu nos últimos anos e onde tem “as suas amigas”).

Constituindo, para o efeito, factor sistemático de todo irrelevante, «“não se ter a Requerente oposto, desde que lhe seja fixada uma pensão de alimentos”».

Ou seja, haverão de ser razões de estrita objectividade jurídica, em função da matéria que resulta assente na matéria provada, de que se deu conta, e não expressões subjectivas de decisionismo voluntarista, assumido, ou meramente putativo, a condicionar a decisão sobre estre específico problema judiciário. O qual, sem o ignorar, não pode acobertar-se em qualquer resguardo de “equidade”, e sem que isso implique, igualmente, do mesmo modo, olvidar “que se está perante um processo de jurisdição voluntária em que o julgador não está vinculado a critérios de legalidade estrita podendo proferir a decisão que lhe parecer mais justa e equilibrada em face dos interesses em conflito”.

Por outras palavras, não se questiona que se possa tratar

«de uma renda ou de uma compensação ao outro cônjuge, no entanto é justificável a fixação de uma quantia a pagar pelo Requerente à Requerida pois não seria justo que se beneficiasse um deles (o cônjuge que fica com o direito de utilizar a casa de morada de família) sem compensar o outro da privação do uso e fruição de um bem que também foi, durante vários anos, a sua residência permanente e que merece tutela jurídica autónoma».

Nem, tão pouco, que

«a casa de morada de família é o lugar onde a família cumpre as suas funções relativamente aos cônjuges, constituindo o centro da organização doméstica e social da comunidade familiar, não perdendo essa qualificação pelo simples facto de a família se ter desagregado e de a casa ter assim deixado de ser, de facto, a morada da família, pelo que impõe a sua autónoma protecção».

Com o fundamento, que resulta explícito, de existirem motivos (aceites) que determinam atribuir a casa de morada de família ao cônjuge marido, também existindo razões válidas, nesta temporalidade, recte, provisoriedade, e oportunidade judiciárias - como se explicitaram -, que levem a afastar qualquer tipo de “compensação” ao outro cônjuge (mulher), que, neste circunstancialismo haveria de se constituir em forma “metafórica” de impor variante de “renda” àquele outro, que esta enjeita com argumentos subjectivos que não derrogam a efectividade de uma alternativa válida, quiçá optimizada, relativa à que se questiona, que só poderiam colher na sua inexistência.

Nem basta consagrar, enfaticamente, que

 «estamos no âmbito dos processos de jurisdição voluntária em que, de acordo com o disposto no artigo 987.º do Código de Processo Civil, “o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna».

Com efeito, é certo que, nos processos de jurisdição voluntária, o juiz não desempenha verdadeiramente funções jurisdicionais, sendo a actividade do tribunal mais administrativa do que judicial, uma vez que "a função exercida pelo juiz não é tanto de intérprete e aplicante da lei, como de verdadeiro gestor de negócios que a lei coloca sob a fiscalização do Estado através do poder judicial" (ANTUNES VARELA, Manual do Processo Civil, 2.ª ed., 1985, p. 70).Todavia, a expressão «em cada caso» foi inserta, intencionalmente, para significar que, em vez de se orientar por qualquer conceito abstracto de legalidade ou de justiça pura, o julgador deve olhar para o caso concreto e procurar descobrir a solução que melhor serve os interesses em causa, que dá a esses interesses a solução mais conveniente e oportuna (ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, 2.°-40/).

Isto porque, muito embora nos processos de jurisdição voluntária o juiz funcione como um árbitro, ao qual fosse conferido o poder de julgar ex aequo et bono (A. REIS, Proc. Exp., 2.°-400), não pode impor às partes a solução que se lhe afigura mais conveniente e oportuna. Nem o carácter gracioso da jurisdição dispensa o tribunal de fundamentar, em plenitude, de facto e de direito, as suas decisões (Ac. RL, de 15.4.1999: Col. Jur., 1999, 2.°-106). Servindo tal para expressar que, não obstante, nos processos de jurisdição voluntária, os critérios de legalidade estrita não se imponham, totalmente, ao tribunal quando lhe é solicitada a adopção de uma resolução, isso não significa, nem pode significar, que lhe seja lícito abstrair em absoluto do direito positivo vigente, como se ele não existisse e como se, acima das normas legais, estivesse o critério subjectivo do julgador ou os interessados individuais das partes (cf. Ac. RC, de 1.2.2000: CJ, 2000, 1.º-16).

Assim respondendo negativamente à questão em I.

II.

6.      A decisão recorrida não limitou no tempo o pagamento da compensação a pagar à Recorrida.

7.      A manter-se a decisão que determinou o pagamento pelo Recorrente, o que por mera hipótese se coloca, deverá o mesmo ser limitado temporalmente.

A resposta, que vem de se atribuir à questão anterior, tornaria prejudicial a que, agora, em recorrência, se deixa, residualmente, formulada. Em todo o caso, para que não subsistam quaisquer dúvidas, a tal pretexto, a sua subsidiariedade determina precisar que a decisão proferida a não ignorou, tratando na sua conformidade, a tal pretexto referindo, com efeito,

 «considerando a particular protecção que é conferida à casa de morada de família (independentemente da natureza do bem), importa proceder à fixação de uma compensação ao outro cônjuge (sendo certo que a Requerente até faz o referido pedido, ainda que por referência à pensão de alimentos), pois, no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, como o presente, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente, oportuna e equitativa».

Em todo o caso, reconhece-se a pertinência da observação que vem formulada (alegações de recurso), argumentando que

«por último, a decisão recorrida, ao determinar o pagamento Recorrida da quantia mensal de € 150,00, não definiu qualquer período temporal para o efeito. Ou seja, tal pagamento é devido até à partilha dos bens que forem considerados comuns? E se for decidido que o imóvel casa morada de família é bem próprio do Recorrente, mantém-se a obrigação de pagamento? E, neste caso, até quando?

A manter-se a determinação do pagamento, o que por hipótese se coloca em caso de não procedência do presente recurso, o Recorrente não sabe até quando teria de pagar à Recorrida. Pelo que, por mera hipótese de improcedência do recurso, sempre deverá ser fixado limite temporal para o pagamento».

Tendo como contraponto de interesse processual na expressão (em contra-alegações) de que:

«o pedido de compensação, é feito nos autos por referência à pensão de alimentos como bem refere a douta decisão de fls. 52, sendo que, a atribuição da casa de morada de família, apenas se concede ao Recorrente a título provisório, enquanto este padecer de problemas de saúde, sendo que, a título definitivo, apenas se admite caso lhe seja paga uma pensão para tal».

Ou seja, na resposta - agora possível - que suspende o contrário alcance de cariz volitivo, na formulação que o Tribunal da Relação atribuiu à precedente questão, vale no contexto em que é formulada, independentemente da qualificação da casa de morada de família enquanto bem próprio de um dos cônjuges ou bem comum do casal, e nos termos a cujo enquadramento se produziu, em função do disposto no art. 1793º, maxime do seu nº3, dentro dos parâmetros aqui supra definidos, na temporalidade a que respeita.

Assim, pois que, em função do disposto no próprio art. 9º do Código Civil, «o que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela ou através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que significa que é o caso e não a norma o prius problemático - intencional e metódico» (do Assento STJ, 27-9- 1995: DR, IA, de 14-12-95, pág. 7878).

Sendo esta a resposta às questões em II, por só esta, no condicionalismo legal e temporal dos Autos, poder ser.

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Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 NCPC), que:

1.

A casa de morada de família consubstancia a sede da vida familiar em condições de habitabilidade e de continuidade, o centro da organização doméstica e social da comunidade familiar. Implica que ela constitua ou tenha constituído a residência principal do agregado familiar e que um dos cônjuges seja o titular do direito que lhe confira o direito à utilização dela.

2.

A lei (art. 1793º Código Civil) quererá que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge, a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e de outro.

3.

Na avaliação da premência da necessidade da casa deve o tribunal ter em conta os elementos, que mais expressivamente a revelam. Em todo o caso, sem olvidar, igualmente, a consideração de todas as demais «razões atendíveis»: a idade e o estado de saúde dos cônjuges ou ex-cônjuges, a localização da casa relativamente ao local de trabalho de um e outro, o facto de algum deles dispor eventualmente de outra casa em que possa estabelecer a sua residência, etc...

4.

Só quando as necessidades de ambos os cônjuges ou ex-cônjuges forem iguais ou sensivelmente iguais haverá lugar para considerar a culpa que possa ser ou tenha sido efectivamente imputada a um ou a outro na sentença de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens.

5.

Compete ao cônjuge que pretende que lhe seja atribuída a casa de morada de família alegar e provar que necessita mais que o outro da referida casa, sendo que a necessidade da habitação é uma necessidade actual e concreta (e não eventual ou futura), a apurar segundo a apreciação global das circunstâncias particulares de cada caso. A norma do artigo 1793º do Código Civil tem como objectivo fundamental proteger o ex-cônjuge mais atingido pelo divórcio quanto à estabilidade da habitação familiar.

6.

Importa, pois, atender às necessidades de cada um dos cônjuges. Este é o primeiro facto que a lei manda considerar, havendo que ter em conta também, se for caso disso, a posição que cada um dos cônjuges fica a ocupar, depois da dissolução do casamento, em face do agregado familiar.

7.

Tais pressupostos servem, pois, para ter como inquestionável - o que os Autos revelem também como colectivamente assumido por todos os intervenientes processuais -, que, no caso em apreço, face ao regime jurídico supra exposto e à factualidade provada (no que respeita às necessidades actuais de cada um dos Requerentes), se tem por certo que a casa de morada de família deve ser atribuída ao Requerente, independentemente de se tratar bem próprio deste ou comum.

8.

Quanto ao alcance da decisão recorrida, ao determinar o pagamento Recorrida da quantia mensal de € 150,00, não haver definido qualquer período temporal para o efeito, na resposta - agora possível - que suspende o contrário alcance de cariz volitivo expresso pelas partes, na formulação que o Tribunal da Relação atribuiu à precedente questão, vale no contexto em que é formulada, independentemente da qualificação da casa de morada de família, enquanto bem próprio de um dos cônjuges ou bem comum do casal, e nos termos a cujo enquadramento se produziu, em função do disposto no art. 1793º, maxime do seu nº3, dentro dos parâmetros aqui supra definidos, na temporalidade a que respeita.

9.

Assim, pois que, em função do disposto no próprio art. 9º do Código Civil, o que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela ou através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que significa que é o caso e não a norma o prius problemático - intencional e metódico.

10.

É certo que, nos processos de jurisdição voluntária, o juiz não desempenha verdadeiramente funções jurisdicionais, sendo a actividade do tribunal mais administrativa do que judicial, uma vez que "a função exercida pelo juiz não é tanto de intérprete e aplicante da lei, como de verdadeiro gestor de negócios que a lei coloca sob a fiscalização do Estado através do poder judicial".Todavia, a expressão «em cada caso» foi inserta, intencionalmente, para significar que, em vez de se orientar por qualquer conceito abstracto de legalidade ou de justiça pura, o julgador deve olhar para o caso concreto e procurar descobrir a solução que melhor serve os interesses em causa, que dá a esses interesses a solução mais conveniente e oportuna.

11.

Não obstante, nos processos de jurisdição voluntária, os critérios de legalidade estrita não se imponham, totalmente, ao tribunal quando lhe é solicitada a adopção de uma resolução, isso não significa, nem pode significar, que lhe seja lícito abstrair em absoluto do direito positivo vigente, como se ele não existisse e como se, acima das normas legais, estivesse o critério subjectivo do julgador ou os interessados individuais das partes.

12.

Assim, pois que, em função do disposto no próprio art. 9º do Código Civil, «o que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela ou através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que significa que é o caso e não a norma o prius problemático - intencional e metódico».

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida - no estrito segmento em que vem questionada -, pelos fundamentos ora expendidos, “determinando o não pagamento pelo recorrente de compensação pelo uso e fruição da casa de morada de família, por parte da recorrida”, na temporalidade a que respeita.

 Sem Custas.

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António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo