Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
308/14.8GAVZL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
CÓPIA DA GRAVAÇÃO
SENTENÇA ORAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PTFC
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 389-A DO CPP, ARTS. 50 E 58 DO CP
Sumário: I - A excepção à regra da oralidade da sentença [em processo sumário] está prevista no n.º 5 do mesmo artigo [389-A, do CPP], segundo o qual, quando seja aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.

II - A cópia da gravação a que alude o n.º 4 do art. 389-A do C. Processo Penal não é cópia da gravação do julgamento, mas apenas e só, cópia da gravação da sentença proferida oralmente, visando a lei assegurar por esta via, a sua rápida disponibilização aos intervenientes processuais.

III - Visando a suspensão da execução da prisão prevenir a reincidência do agente, seria irónico que se entendesse justificada a sua aplicação num caso em que aquele é precisamente condenado como reincidente.

IV - A revelada personalidade do arguido e o deficit de socialização que a acompanha frustraria a «prevenção da reincidência» que constitui o objectivo de política criminal visado por esta pena de substituição, tornando a sua aplicação inadequada ao caso concreto pelo que inviabilizada fica a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido de que o seu sancionamento com uma pena de prisão suspensa na respectiva execução, bastaria para o afastar da prática de novos crimes e portanto, realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição pelo que, validamos o juízo feito pela 1ª instância.

V - Não é pelo facto de nunca ter sido condenado nesta pena de substituição [PTFC] que se imporia a sua aplicação nos autos pois que ela, aplicação, depende sempre da sua potencialidade de realização dos fins das penas.

VI - As características da personalidade do recorrente, conjugadas com a sua anterior condenação em prisão efectiva e com a verificação, in casu, dos pressupostos da reincidência, impedem a substituição da pena de prisão pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


 

I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Viseu – Instância Local – Secção Criminal – J2, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido A..., com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, como reincidente, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 1 do Dec. Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, por referência ao art. 121º, nºs 1 e 4 do C. da Estrada.

Por sentença de 20 Janeiro de 2015, foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, como reincidente, na pena de nove meses de prisão, substituída por prisão por dias livres, a cumprir em cinquenta e quatro períodos sucessivos, correspondentes aos fins-de-semana, cada um com a duração de 36 horas, entre as 7h de sábado e as 19h de Domingo, com início no primeiro fim-de-semana, após o decurso do prazo de dez dias a contar do trânsito.


*

            Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1. O presente recurso vem interposto de decisão que julgou a acusação pública procedente e, em consequência, condenou o arguido, ora recorrente, "como autor, reincidente, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. e p. pelo art. 3º, n.º 1 do DL n.º 2/98, de 3/1, por referência ao art. 121º. n.ºs 1 e 4 do Código da Estrada, na pena de 9 (nove) meses de prisão, em regime de prisão por dias livres, nos termos do art. 45º do C Penal, a cumprir em 54 (cinquenta e quatro) períodos sucessivos, correspondentes aos fins-de-semana, cada um deles com a duração de 36 (trinta e seis horas), entre as 7 horas da manhã de sábado e as 19 horas de domingo (…)",

Recurso da matéria de facto

2. O ora recorrente pretende no presente recurso impugnar a decisão proferida pelo tribunal sobre a matéria de facto, mais concretamente, o facto dado como provado seguinte: "o arguido já esteve habilitado a conduzir velocípedes", facto este que, atendendo ao documento n.º 2, junto ao requerimento apresentado via fax a 30.12.2014, e que foi aceite, deveria ter tido a seguinte redacção: "o arguido já esteve habilitado a conduzir velocípedes com motor auxiliar".

3. Estamos assim perante um caso de erro notório na apreciação da prova – 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, que se extrai do próprio texto da decisão recorrida.

Recurso da matéria de direito

4. Do presente julgamento não foi entregue nenhuma cópia da gravação ao arguido, sendo que este nunca declarou prescindir da sua entrega.

5. Assim, a douta sentença é, salvo o devido respeito, nula, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 389º-A do CPP.

                6. O Tribunal a quo entendeu lançar mão de uma pena privativa da liberdade, no entanto, entendeu que a mesma não era nem de suspender, nem de substituir, por não se adequar às finalidades das penas.

7. Considerando os factos provados segundo os quais "o arguido no passado dia 2 de Janeiro inscreveu-se na Escola de Condução B (...) , com vista a obter habilitação para conduzir veículos ligeiros motorizados, tendo no dia 12.01.2012 procedido ao pagamento integral do preço correspondente à obtenção de tal título (…)" "o arguido já esteve habilitado a conduzir velocípedes", e tendo em conta as considerações tecidas na douta sentença recorrida a p. 13, segundo as quais "A favor do arguido milita o facto de ter confessado integralmente e sem reservas os factos imputados. postura essa que inculca também ter o mesmo interiorizado o carácter reprovável da sua actuação descrita na factualidade provada", a pena de prisão não se mostra necessária à prevenção do cometimento de futuros crimes, pois para tanto basta que o recorrente obtenha o título de condução válido. sendo que com vista a tal obtenção, já efectuou o pagamento integral do mesmo.

8. Os factos anteriormente enunciados permitem formular um juízo de prognose favorável de ressocialização em liberdade no sentido deste não voltar a repetir o indevido.

9. Assim, e salvo o devido respeito por douta opinião contrária, entende-se que a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, ora recorrente, subordinada à condição de obter a habilitação legal que lhe permita conduzir veículos ligeiros motorizados realiza de forma adequada as finalidades da punição.

10. O que é que permite evitar o cometimento de um futuro crime de condução de veículos sem habilitação legal? O cumprimento de uma pena de prisão ou a obtenção da habilitação legal?

11. O certo é que, o arguido, ora recorrente, pode ir preso e tal não o impede de voltar a cometer o crime pelo qual lhe foi aplicada uma pena de prisão, já se obter a habilitação legal para conduzir, tal facto, sim, vai o impedir de voltar a cometer o mesmo crime.

12. Assim, considerando os factos provados e considerando que ao recorrente não deva ser aplicada uma pena de prisão, suspensa na sua execução, subordinada à obtenção de habilitação legal que lhe permita conduzir veículos ligeiros motorizados, a pena aplicada deveria, salvo o devido respeito, ser substituída por trabalho a favor da comunidade, de acordo com o artigo 58º do CP.

13. Já que nunca qualquer condenação sofrida pelo recorrente foi substituída por uma pena de tal natureza,

14. Pelo que, não é possível afirmar que a pena substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade não realiza adequadamente as finalidades das penas, nem salvaguarda as suas funções, no sentido de prevenir o cometimento de novas infracções.

15. A escolha do Tribunal a quo pela pena privativa da liberdade, sem optar pela sua suspensão ou substituição está, assim, salvo o devido respeito, destituída de fundamentos.

16. Em última instância, e face à situação económica do arguido, sempre a pena que lhe foi aplicada deveria ser executada em regime de permanência na habitação, por estarem verificados os requisitos do art. 44º do CP, de forma a evitar custos com a deslocação para o EP.

17. De maneira que, o Tribunal a quo violou ou deu errada interpretação ao disposto nos arts. 40º, 43º, 58º. 70º e 71º, ambos do Código Penal e ao art. 18º da CRP Constituição da República Portuguesa.

18. Assim sendo, a douta sentença recorrida é, salvo o douto e devido respeito, nula, nulidade esta que expressamente se invoca.

Termos em que, deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, a douta decisão recorrida ser substituída por outra que entenda suspender na sua execução a pena de prisão aplicada, subordinada à condição de obter a habilitação legal que lhe permite conduzir veículos ligeiros motorizados.

Ou subsidiariamente,

Substituir a pena aplicada por trabalho a favor da comunidade, de acordo com o artigo 58º do CP.

Ou subsidiariamente,

A pena ser executada em regime de permanência na habitação, por estarem verificados os requisitos do art. 44º do CP.


*

            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, alegando que a decisão recorrida não padece de qualquer vício, afirmando a impossibilidade de formulação de prognose favorável ao arguido, e concluiu pelo não provimento do recurso.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, afirmando não padecer a sentença de nulidade e a adequada escolha da pena, e concluiu pela improcedência do recurso.

*


            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo arguido, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A nulidade da sentença;

- O erro notório na apreciação da prova;

- A incorrecta escolha da pena.


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

           

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos [por nós numerados]:

            “ (…).

            1. No dia 19 de Dezembro de 2014, pelas 10h50m, o arguido conduzia o ciclomotor com o número de matrícula 1 TND-22-69 pela Rua do Campo, na localidade de Quintela, freguesia de Queirã, concelho de Vouzela.

2. O arguido conduzia tal veículo sem que fosse titular de carta de condução ou qualquer outro documento legal que o habilitasse a conduzir ciclomotores na via pública.

3. O arguido conhecia a natureza e as características do dito ciclomotor e do local onde conduzia, sabendo também que não estava legalmente habilitado a conduzir aquele veículo.

3. Não obstante, quis conduzi-lo nas referidas circunstâncias.

4. Por sentença proferida no dia 21 de Fevereiro de 2013, transitada em julgado no dia 23 de Março de 2013, no âmbito dos autos de processo Comum Singular nº 315/10.0 GAVZL do, à altura, Tribunal Judicial de Vouzela, foi o arguido condenado, por factos praticados nos dias 15 de Novembro de 2010 e 22 de Dezembro de 2010, como autor material de dois crimes de condução de veículo a motor na via pública sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº1 do DL nº 2/98, de 3/1, por referência aos arts. 121º, nº1, 122º, nº2, al. b) e 124º, nº1, al. a), todos do Código da Estrada, em duas penas parcelares de sete meses de prisão e pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º, nº1, al. a) do Código Penal, por referência ao art. 152º, nº3 do Código da Estrada, na pena parcelar de quatro meses de prisão. Em cúmulo jurídico destas três penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de um ano e um mês de prisão efectiva.

                O arguido cumpriu esta pena única de prisão desde o dia 19 de Abril de 2013 até ao dia 19 de Maio de 2014.

5. Doutra parte, este arguido já tinha sido anteriormente condenado, para além do mais:

Por sentença proferida em 23/10/1998, transitada em julgado, pela prática, em 22/10/1998, de um crime de condução ilegal, p. e p. pelo art. 131º, nºs 1 e 2 do Código da Estrada, numa pena de 130 dias de multa, à taxa diária de 400$00;

Por sentença proferida em 24/01/2000, transitada em julgado no dia 3/06/2000, pela prática, em 15/12/1999, de novo crime de condução de veículo a motor na via pública sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 2 do DL nº 2/98, de 3/1, por referência ao disposto no art. 121º do Código da Estrada, na pena de três meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de dois anos;

Por sentença proferida em 21/12/2005, transitada em julgado no dia 18/01/2006, pela prática, em 05/06/2004, de novo crime de condução de veículo a motor na via pública sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, do DL nº 2/98, de 3/1, por referência ao disposto no art. 121º do Código da Estrada, na pena de quatro meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de dois anos;

6. Do que atrás ficou expresso constata-se que entre a prática dos crimes pelos quais o arguido foi condenado nos sobreditos autos de processo Comum Singular nº 315/10.0 GAVZL, à altura, Tribunal Judicial de Vouzela, descontado o tempo durante o qual este arguido cumpriu pena de prisão, não decorreram cinco anos.

7. Ora, resulta manifesto, atentos os antecedentes criminais deste arguido que este revela uma acentuada propensão para a prática do tipo legal de crime de condução de veículo a motor na via pública sem habilitação legal.

8. Isto mesmo é abundantemente comprovado pela circunstância do arguido reincidir sistematicamente na sua prática, prolongando-se esta sua conduta delituosa há já mais de quinze anos, indiferente a todo o tipo de condenações por aquele entretanto já sofridas.

                9. Tal condenação numa pena única de um ano e um mês de prisão efectiva não foi suficiente para o afastar da criminalidade e conseguir a sua recuperação social, voltando este a praticar novo crime de condução de veículo a motor na via pública sem habilitação legal apenas sete meses após ter cumprido tal pena.

10. O arguido mostrou-se totalmente insensível à advertência ínsita na mesma, revelando que a mesma não produziu os seus efeitos preventivos de ressocialização, de reintegração na comunidade e como forma de prevenção da prática de novos crimes, continuando, nesta data, este arguido a revelar uma acentuada propensão para a prática do crime de condução de veículo a motor na via pública sem habilitação legal.

11. Agiu, em todas as circunstâncias atrás descritas, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

12. O arguido no passado dia 2 de Janeiro inscreveu-se na Escola de Condução B (...) , com vista a obter habilitação para conduzir veículos ligeiros motorizados, tendo no dia 12/1/2015 procedido ao pagamento integral do preço correspondente à obtenção de tal título, não tendo ainda dado início à frequência de aulas teóricas.

13. O arguido trabalha por conta de outrem na limpeza florestal, auferindo em média por dia quarenta euros.

14. Actualmente as suas duas filhas menores de 7 e 4 anos encontram-se a viver consigo e com o seu pai, numa casa deste último.

15. Possui como habilitações literárias a 4ª classe.    

16. O arguido já esteve habilitado a conduzir velocípedes.

                17. O arguido encontra-se socialmente integrado, sendo tido como um indivíduo trabalhador.    

            (…)”.

            B) Nela foram considerados não provados os seguintes factos:

            “ (…).

            - que o arguido no circunstancialismo supra descrito se dirigisse à farmácia, a fim de adquirir um medicamento de que a sua filha necessitava;

                - que o arguido à data dos factos já se encontrasse a frequentar aulas na escola de condução.

            (…)”.

            C) Dela consta a seguinte motivação de facto:

            “ (…).

                Na eleição da factualidade supra descrita, sopesaram na convicção do tribunal as declarações do arguido, que foram confessórias, relativamente aos factos constantes da acusação e afirmativas das demais que se provaram, incluindo as suas condições pessoais de vida, sendo que relativamente a estas foram ainda tidas em conta os depoimentos das duas testemunhas arroladas pelo arguido, as quais pela proximidade mantida com este demonstraram estar a par de tal factualidade.

No que em especial se refere à sua inscrição na escola de condução e aos pagamentos efectuados por força de tal inscrição, sopesaram na convicção do tribunal as declarações do arguido, em conjugação com os elementos documentos juntos no decurso da audiência de julgamento.

Quanto à factualidade não provada, a mesma resultou da circunstância de não ter sido produzida prova convincente a tal respeito, sendo que no que respeita à alegada deslocação de farmácia, para além das declarações do arguido de uma receita médica emitida em 11/12/2014 (oito dias antes dos factos), nada apontou nesse sentido.

Mas, ainda que assim fosse, não se tratando de qualquer urgência, o que se inculca do facto do arguido já estar munido de uma receita há vários dias, estaria afastada qualquer circunstância que afastasse a ilicitude ou culpa do arguido.   

                No que concerne às condenações sofridas pelo arguido, valorou o tribunal o CRC junto aos autos.

                Quanto à propensão do arguido para a prática do tipo de crime em apreço e à sua insensibilidade à advertência ínsita na condenação anterior pela qual cumpriu pena efectiva, tal resulta das regras da experiência comum, à luz das quais é razoável concluir em tal sentido, tendo em conta as condenações já sofridas pelo arguido e o circunstancialismo em que ocorreram os factos em apreço, estes praticados volvidos sete meses após ter sido posto em liberdade, após o cumprimento de uma pena de prisão efectiva pela prática do tipo de crime em apreço.

            (…)”.

            D) E a seguinte fundamentação quanto à escolha da pena:

            “ (…).

                O arguido actuou com dolo, desde logo, a título de dolo directo, correspondente aquilo que grosso modo se designa por intenção criminosa, em que o agente prevê e tem como fim a realização do facto criminoso.

Quanto à ilicitude, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, considera-se a mesma de grau mediano.

As exigências de prevenção geral fazem-se sentir no caso concreto, atenta a frequência com o ilícito vem sendo cometido.

Impõe-se, pois, reforçar a validade das normas violadas aos olhos da comunidade.

A favor do arguido milita o facto de ter confessado integralmente e sem reservas os factos imputados, postura essa que inculca também ter o mesmo interiorizado o carácter reprovável da sua actuação descrita na factualidade provada.

                De ponderar ainda as suas modestas condições de vida.

Contra si, apontam as condenações já sofridas, o que evidencia, em termos de prevenção especial, uma personalidade a carecer de socialização.

Num juízo de ponderação sobre a culpa, como medida da pena, segundo a teoria da margem da liberdade, atentas as exigências de prevenção e as demais circunstâncias previstas no art.71º, mostra-se adequado aplicar ao arguido a pena de 9 (nove) meses de prisão.

Fixada a pena única de prisão, cumpre agora que verificar se é de proceder à sua substituição.

Dispõe o artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.

Considerando as condenações a que já foi sujeito, que não foram suficientes para o afastar da prática de novos crimes, entendemos que as exigências de prevenção especial impõem a opção pela pena de prisão, pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (art. 43.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Penal).

Vejamos, no entanto, se é de suspender a execução da pena.

Verifica-se o pressuposto formal previsto no artigo 50.º do Código Penal (pena de prisão concretamente aplicada não superior a cinco anos).

Importa analisar se está preenchido o pressuposto material, ou seja, se atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, é possível concluir ou não por um prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento e de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50.º do Código Penal.

A finalidade político-criminal que a lei visa consagrar com o instituto da suspensão da execução da pena de prisão é o afastamento do arguido, no futuro, da criminalidade.

Esta medida de conteúdo pedagógico e reeducativo só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.

No caso dos autos o arguido apesar das condenações anteriores e oportunidades que lhe têm sido concedidas, parece continuar a não sentir o efeito punitivo pretendido, persistindo com a sua actuação.

O arguido dá nota de uma incontornável propensão para a prática de crimes relacionados com a condução automóvel e as várias condenações a que foi sujeito não o determinaram a agir de forma a conformar-se com os valores que violou com a sua conduta.

Considerando ainda a motivação do arguido para a prática dos factos, as necessidades de prevenir a prática de futuros crimes impõem que não se suspenda a execução da pena de prisão aplicada, nos termos do art. 50º do Código Penal, por não ser razoavelmente de acreditar que, um arguido que já foi condenado duas vezes em pena de prisão suspensa na sua execução e que já cumpriu pena de prisão, a ameaça da prisão seja suficiente para adverti-lo contra a prática de novos crimes designadamente relacionados com a condução de veículos.

Impõe-se, agora, a ponderação sobre se, em concreto é de substituir a pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, uma vez que, com o devido respeito por opinião contrária, é esta a “hierarquia legal” das penas de substituição (cfr., Ac. do TRP de 20-04- 2009, Proc. 0817395, in www.dgsi.pt).

Dispõe o artigo 58.º, do Código Penal que se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No caso dos autos a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não se adequa às circunstâncias concretas do caso, já que os antecedentes criminais do arguido mostram que tem sido completamente insensível aos vários juízos de censura que o seu comportamento tem merecido.

Consequentemente, as necessidades de prevenir a prática de futuros crimes por parte do arguido impõem a execução da pena de prisão aplicada, pelo que, a pena de 9 meses de prisão não pode ser substituída por trabalho a favor da comunidade, precisamente porque, pelas razões que se deixaram apontadas, onde avulta a personalidade do arguido e as inerentes exigências de prevenção especial, a tal substituição se opõe a necessidade de prevenir o cometimento de novos crimes.

Por outro lado, a sua substituição por trabalho a favor da comunidade não se afigura pertinente, já que o número de condenações anteriores deixa antever, pelo menos, uma capacidade deficitária de seguir os comandos legais. Substituir uma pena de prisão por trabalho, neste quadro, não o fará sentir a censura que o facto merece e representará mais um incidente rapidamente esquecido, diluído em algumas horas mais de trabalho. A personalidade do arguido não garante a interiorização do desvalor da conduta e, muito menos, que, no futuro não volte a delinquir.

O arguido tem ignorado todas as advertências que lhe têm sido feitas, mostrando indiferença pelas normas e ordem jurídica, o que o leva a cometer novos crimes.

Pelas mesmas razões considera-se que a pena de substituição de regime de permanência na habitação não realiza as finalidades da punição, não prevenindo, de forma suficiente as finalidades da punição ao nível da prevenção especial, já que o comportamento recidivo do arguido revela uma falta de preparação da sua personalidade para se comportar licitamente.

Daí que, o cumprimento da pena de prisão é a reacção penal adequada à forma como o arguido tem reiterado na sua conduta delituosa, até porque não se provou qualquer outra circunstância de relevo que lhe seja favorável, em que ele podia demonstrar que rejeita o mal praticado de forma a convencer que não voltará a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica.

O contacto com o meio prisional é, por isso, o último recurso que se vislumbra, por ser a reacção mais firme e assertiva, valendo o que se deixa dito também para a inutilidade da execução da pena em regime de permanência na habitação.

No entanto, tal não significa que a pena imposta deva ser executada de forma contínua.

Considera-se que o que melhor se adequa ao caso, numa derradeira oportunidade de o arguido poder continuar a desenvolver a sua actividade profissional, de cumprir as suas obrigações como pai, acompanhando as suas duas filhas menores e poder obter a carta de condução para conduzir veículos motorizados, é a execução da pena de prisão por dias livres.

Esta privação de liberdade permitirá ao arguido, mais uma vez, reflectir sobre as consequências que para si advirão, se repetir o seu comportamento delituoso, de forma a interiorizar a necessidade de adequar a sua conduta aos valores sociais tutelados pelas normas penais.

A prisão por dias livres consiste numa privação da liberdade por períodos correspondentes a fins-de-semana, não podendo exceder 72 períodos (art. 45º, nº 2, do Código Penal).

Cada período equivale a 5 dias de prisão contínua, e tem a duração mínima de trinta e seis horas e máxima de quarenta e oito horas (nº 3 do art. 45º, do C. Penal).

Assim, tendo o arguido sido condenado em 9 meses de prisão que correspondem a 270 dias o arguido terá de cumprir a prisão por dias livres durante cinquenta e quatro períodos, uma vez que cada período tem a duração mínima de trinta e seis horas e equivale a cinco dias de prisão.

Cada período terá a duração de 36 horas e será cumprido entre as 7 horas da manhã de sábado e as 19 horas de domingo, sem prejuízo do disposto no art. 45º, nº 4, do C.Penal quanto a feriados (cfr., Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 186, nota 8).

(…)”.


*

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            Questão prévia

            O ponto 12 dos factos provados da sentença tem a seguinte redacção:

            - O arguido no passado dia 2 de Janeiro inscreveu-se na Escola de Condução B (...) , com vista a obter habilitação para conduzir veículos ligeiros motorizados, tendo no dia 12/1/2012 procedido ao pagamento integral do preço correspondente à obtenção de tal título, não tendo ainda dado início à frequência de aulas teóricas.

            Tendo a sentença sido proferida em 20 de Janeiro de 2015 (cfr. acta de fls. 137), a referência a «passado dia 2 de Janeiro» identifica o dia 2 de Janeiro de 2015. Logo, se foi neste dia que o arguido se inscreveu na escola de condução, não pode ter pago o preço devido em 12 de Janeiro de 2012, como consta do facto.

            É pois patente o lapso de escrita existente no que respeita a esta última data, já que a correcta será o dia 12 de Janeiro de 2015, aliás, em conformidade com o documento de fls. 92, mencionado na motivação de facto da sentença como formador da convicção do tribunal.  

            Assim, nos termos do art. 380º, nºs 1, b) e 2 do C. Processo Penal, corrige-se o lapso apontado, devendo, onde no ponto 12 dos factos provados se lê, « (…) 12/1/2012 (…)», passar a ler-se, « (…) 12/1/2015 (…)».

            Consigna-se que a correcção já foi feita na transcrição dos factos provados que antecede.


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            Da nulidade da sentença

            1. Alega o recorrente – conclusões 4 e 5 – que não lhe foi entregue cópia da gravação do julgamento, sem que dela tenha prescindido pelo que a sentença recorrida é nula, nos termos do nº 4 do art. 389º-A do C. Processo Penal.

            Sem razão, porém. Explicando.

            Com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2010, de 30 de Agosto ao C. Penal, o regime da sentença em processo sumário sofreu profundas alterações traduzidas, quer na sua sujeição ao domínio da oralidade, com excepção do dispositivo, quer na simplificação dos seus termos, agora com a dispensa do relatório e com a indicação sumária dos factos provados e não provados que pode até ser feita por remissão para a acusação (cfr. art. 389º-A, nº 1, a), do C. Processo Penal).

            Em conformidade, estabelece o art. 389º-A, nº 3, do C. Processo Penal que, a sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º. E na sua decorrência, dispõe o nº 4 do mesmo artigo que, é sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do n.º 4 do artigo 101.º.

            A excepção à regra da oralidade da sentença está prevista no nº 5 do mesmo artigo, segundo o qual, quando seja aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.

            A cópia da gravação a que alude o nº 4 do art. 389º-A do C. Processo Penal não é, como parece entender o recorrente, ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, cópia da gravação do julgamento, mas apenas e só, cópia da gravação da sentença proferida oralmente, visando a lei assegurar por esta via, a sua rápida disponibilização aos intervenientes processuais (cfr. Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, 2014, Almedina, pág. 1214, Simas Santos, Leal Henriques e Simas Santos, Noções de Processo Penal, 2010, Rei dos Livros, pág. 451 e Helena Leitão, O Processo Sumário à Luz das Últimas Alterações Introduzidas pela Lei nº 26/2010, Centro de Estudos Judiciários, As Alterações de 2010 ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, Coimbra Editora, pág. 395).

            Na sentença recorrida, o arguido foi condenado em pena de prisão que foi substituída por prisão por dias livres. Como é sabido, a prisão por dias livres é uma pena de substituição detentiva, pois o seu cumprimento é feito em instituição prisional e portanto, com privação da liberdade do condenado.

In casu, estando em causa a aplicação de pena privativa da liberdade, a Mma. Juíza a quo, dando pleno cumprimento ao disposto no nº 4 do art. 389º-A do C. Processo Penal, elaborou a sentença por escrito. E pela mesma razão, não foi, nem tinha que ser entregue cópia gravada da mesma ao recorrente.

Em conclusão, não padece a sentença recorrida da apontada nulidade.


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            Do erro notório na apreciação da prova

            2. Alega o recorrente – conclusões 2 e 3 – que a sentença recorrida incorre no vício de erro notório na apreciação da prova, ao considerar provado que já esteve habilitado a conduzir velocípedes quando, face ao documento de fls. 64, que foi aceite, antes deveria ter sido considerado provado que já esteve habilitado a conduzir velocípedes com motor auxiliar.

            Sem razão, porém. Explicando.

Os vícios previstos no nº 2, do art. 410º do C. Processo Penal – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação do prova – respeitam à estrutura interna da decisão penal e por isso, nos termos da lei, a sua demonstração deve resultar do respectivo texto por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum. No âmbito da revista alargada, como comummente é designado este regime, o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto – no sentido da reapreciação da prova –, apenas detecta os vícios que a sentença, por si só e nos seus precisos termos, evidencia e, não podendo saná-los, reenvia o processo para novo julgamento. 

Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, Verbo, pág. 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., pág. 74).

Posto isto.

Na sentença recorrida considerou-se provado – ponto 16 – que, «O arguido já esteve habilitado a conduzir velocípedes.». Entende o arguido ter ocorrido erro notório na apreciação da prova ao não ter sido antes considerado provado, «O arguido já esteve habilitado a conduzir velocípedes com motor auxiliar.», com base na prova decorrente do documento de fls. 64 que é cópia de uma licença de condução de velocípedes com motor auxiliar, emitida pela Câmara Municipal de Viseu, em 9 de Maio de 1991, em nome de A... .

Lida a motivação de facto da sentença, nela não se detecta qualquer referência ao documento de fls. 64 pelo que nenhuma relevância probatória lhe parece ter atribuído o tribunal recorrido, antes tendo a convicção firmada quanto ao ponto 16 dos factos provados resultado das declarações do recorrente.

Assim, ainda que possa ter ocorrido um qualquer erro na apreciação da prova relativamente ao facto em questão, ele não comunga das características exigidas para que possa ser qualificado de notório, e nessa medida, relevar no âmbito dos vícios da decisão.

Diga-se, por outro lado, agora na perspectiva da impugnação ampla da matéria de facto, regulada no art. 412º, nº 3 do C. Processo Penal, que tão-pouco o documento de fls. 64 impõe decisão diversa da recorrida. Com efeito, o facto provado, nos exactos termos em que o foi, porque se refere à habilitação para conduzir velocípedes abarca, necessariamente, os velocípedes com motor auxiliar e os velocípedes sem motor auxiliar. E se assim é, como cremos, a alteração pretendida em nada altera o alcance da matéria fixada no ponto sindicado.

Sempre diremos, no entanto, que, para além de, em nosso entender, o facto em questão ser completamente irrelevante para o objecto do processo, a versão considerada provada corresponde, ipsis verbis, ao alegado pelo recorrente na sua contestação de fls. 62.

Em conclusão, a sentença recorrida não enferma do vício previsto na alínea c), do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, nem existem razões que determinem a alteração do ponto 16 dos factos provados no sentido pretendido pelo recorrente.  


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            Da incorrecta escolha da pena

            3. Alega o recorrente – conclusões 6 a 18 – que os factos provados permitem a formulação de um juízo de prognose favorável pelo que a pena de prisão deverá ser suspensa na respectiva execução condicionada à obtenção da habilitação legal para conduzir, assim não se entendendo, deverá a pena de prisão ser substituída pela de prestação de trabalho a favor da comunidade e, assim não se entendendo também, deverá a pena de prisão ser executada em regime de permanência na habitação, sob pena de violação dos arts. 40º, 43º, 58º, 70º e 71º do C. Penal e 18º da Constituição da República Portuguesa.

            Vejamos se lhe assiste ou não razão.

Dispõe o art. 40º, nº 1 do C. Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, estabelece o nº 2 do mesmo artigo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Prevenção e culpa são, assim, os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena. A primeira reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto e a segunda, dirigida ao agente do crime, constitui o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena.

Deste modo, a medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

A determinação da pena, em sentido amplo, passa, frequentemente, pela operação de escolha da pena, o que sucede quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade, encontrando-se o critério de escolha da pena fixado no art. 70º do C. Penal segundo o qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.  

Encontramos idêntica problemática quando se torna necessário escolher a pena de substituição da prisão. Aqui, o critério geral de escolha da pena de substituição que se extrai das disposições conjugadas dos arts. 45º, nº 1, 50º, nº 1, 58º, nº 1, 60º, nº 2 e 70º, todos do C. Penal, é o de que o tribunal dará preferência à pena não privativa da liberdade, verificados que estejam os pressupostos formais da sua aplicação, sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 331 e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª Edição, 2013, pág. 70).

            Posto isto.

3.1. A aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, pena de substituição em sentido próprio pois o seu cumprimento é feito extramuros e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão, depende da verificação de dois pressupostos. Um pressuposto formal, a medida da pena aplicada ao agente não pode exceder cinco anos de prisão (art. 50º, nº 1, do C. Penal) e um pressuposto material, a possibilidade de o tribunal concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (art. 50º, nºs 1 e 2, do C. Penal).

O objectivo de política criminal do instituto é “ (…) o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».” (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 343). 

  Já referimos que são razões de prevenção, geral e especial [a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (art. 40º, nº 1 do C. Penal)], e não considerações relativas à culpa – aspecto comum a todas as operações de escolha das penas de substituição – que fundam a opção pela aplicação da suspensão da execução da pena de prisão. Porém, os objectivos de prevenção especial, de reinserção social do agente, têm sempre como limite o conteúdo mínimo da prevenção geral de integração. A prevenção geral “ deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.” (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 333). Vale isto dizer, o que não raras vezes é esquecido, que não basta a formulação de um juízo de prognose favorável para que seja decretada a suspensão da execução da prisão. A prognose favorável radica exclusivamente em considerações de prevenção especial de socialização e a lei, para além dela, exige ainda que ao decretamento da suspensão se não oponham as necessidades de prevenção e reprovação do crime.

            O juízo de prognose a realizar pelo tribunal parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade. Na formulação deste juízo o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é apenas uma previsão, uma conjectura, e nunca uma certeza. Por isso, quando tenha dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, I Vol., 2ª Edição, pág. 444 e Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 344).

            Pois bem. Verificado que está o pressuposto formal, atentemos agora no pressuposto material.

            As circunstâncias do crime objecto dos autos traduzem-se numa comum condução de um ciclomotor na via pública, sem que o arguido titular de licença ou de outro tipo de habilitação para a prática do acto.

No que respeita à conduta anterior aos factos [foram praticados no dia 19 de Dezembro de 2014] temos provado que o arguido sofreu já quatro anteriores condenações [sentenças de 23 de Outubro de 1998, 24 de Janeiro de 2000, 21 de Dezembro de 2005 e 21 de Fevereiro de 2013] todas pela prática de crimes de condução de veículos sem habilitação legal [cinco crimes, aos quais acresce ainda a prática de um crime de desobediência], sancionados com uma pena única de prisão [sentença de 21 de Fevereiro de 2013], uma pena de multa [sentença de 23 de Outubro de 1998] e duas penas de prisão suspensas na respectiva execução [sentenças de 24 de Janeiro de 2000 e de 21 de Dezembro de 2005].

Acresce que, tendo cumprido a pena de prisão imposta no processo comum singular nº 315/10.0GAVZL de 19 de Abril de 2013 a 19 de Maio de 2014 – ponto 4 dos factos provados – o arguido veio a cometer os factos objecto dos autos em 19 de Dezembro de 2014 portanto, sete meses após o cumprimento daquela pena o que determinou, juntamente com outros factores, a sua condenação como reincidente. 

E se é certo que o recorrente produziu em julgamento uma confissão integral e sem reservas (cfr. acta de fls. 71 a 73) que foi valorado positivamente na determinação da medida concreta da pena [ainda que não conste como facto provado], não vemos que daqui possa extrair-se uma significativa interiorização do desvalor da conduta e assunção de culpa, na medida em que o arguido foi detido em flagrante delito e portanto, num circunstancialismo em que a pouca relevância probatória da confissão impede, por si só, a densificação daquele sentimento. 

O recorrente revela assim, uma personalidade mal formada, com propensão para a prática de comportamentos desviantes objectivados na condução inabilitada de ciclomotores, sendo evidente indiferença com que o arguido encara a preservação dos bens que a norma violada tutela e a ameaça das respectiva sanção. Na verdade, o que os autos demonstram é que não compreendeu o sentido pedagógico e as verdadeiras oportunidades de ressocialização que constituíram as penas de prisão suspensas na respectiva execução que lhe foram anteriormente aplicadas. Como também demonstram que nem sequer a pena de prisão efectivamente cumprida escassos meses antes, funcionou como estímulo e advertência suficientemente intensos para evitarem a prática de novo crime.

É certo, como invoca, que confessou os factos integralmente e sem reservas mas, como já atrás dissemos, esta circunstância pouco releva quanto à personalidade do recorrente. E é igualmente certo, como também invoca, que no dia 2 de Janeiro de 2015 se inscreveu numa escola de condução mas onde ainda não iniciou a frequência das aulas teóricas, o que por si só revela a artificialidade da acção.

A tudo isto acresce que, visando a suspensão da execução da prisão prevenir a reincidência do agente, seria irónico que se entendesse justificada a sua aplicação num caso em que aquele é precisamente condenado como reincidente.

Assim e em conclusão, a revelada personalidade do arguido e o deficit de socialização que a acompanha frustraria a «prevenção da reincidência» que constitui o objectivo de política criminal visado por esta pena de substituição, tornando a sua aplicação inadequada ao caso concreto pelo que inviabilizada fica a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido de que o seu sancionamento com uma pena de prisão suspensa na respectiva execução, bastaria para o afastar da prática de novos crimes e portanto, realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição pelo que, validamos o juízo feito pela 1ª instância.

3.2. A aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, também pena de substituição em sentido próprio, depende da verificação dos seguintes pressupostos (art. 58º, nºs 1 e 5 do C. Penal):

- A aplicação ao agente de pena de prisão até dois anos;

- O consentimento do condenado;

- A adequação e suficiência para satisfazer as finalidades da punição.

Também aqui se verifica o primeiro pressuposto, atenta a pena de prisão decretada pela 1ª instância. 

Relativamente ao consentimento do condenado, cumpre dizer que o mesmo não se mostra dado pelo recorrente. Não obstante, o tribunal de recurso poderá sempre determinar que venha aos autos declarar pessoalmente o consentimento pelo que este escolho formal só assumirá verdadeiro relevo, se e quando verificados os demais pressupostos de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade.

Atentemos agora no pressuposto material, na adequação e suficiência da PTFC à realização das finalidades da punição.

Começaremos por dizer que, contrariamente ao que parece pressupor o recorrente, não é pelo facto de nunca ter sido condenado nesta pena de substituição que se imporia a sua aplicação nos autos pois que ela, aplicação, depende sempre da sua potencialidade de realização dos fins das penas.

 Sabidos, por já enunciados, quais são estes fins, limitamo-nos a dizer que as características da personalidade do recorrente, conjugadas com a sua anterior condenação em prisão efectiva e com a verificação, in casu, dos pressupostos da reincidência, impedem a substituição da pena de prisão pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. Com efeito, não se vê que com tal pena se restabelecessem as expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada.

Em suma, a não verificação do pressuposto material supra enunciado, inviabiliza a aplicação desta pena de substituição.

3.3. Finalmente, a pretendida execução da pena aplicada em regime de permanência na habitação, a fim de evitar os custos da deslocação para o Estabelecimento Prisional, atenta a situação económica do recorrente.

Vejamos.

O art. 44º, nº 1, a) do C. Penal prevê é a execução em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, desde que esta forma de cumprimento realize adequada e suficientemente as finalidades da punição.

Aparentemente [é o que resulta da invocação da necessidade de evitar despesas com deslocação ao EP], o recorrente pretende que a prisão por dias livres que lhe foi decretada na sentença em crise seja substituída pelo regime de permanência na habitação. No pressuposto de que este regime é uma verdadeira pena de substituição, ele substituirá a pena de prisão e apenas esta. Não pode, portanto, substituir uma pena de substituição da prisão, v.g., prisão por dias livres, já decretada [nem se vê como seria viável a fiscalização por meios técnicos, mas apenas ao fim-de-semana], antes deve ser decretada na sentença como pena de substituição da prisão, o que não sucedeu nos autos. 

Em todo o caso, sempre a personalidade do recorrente e as exigências de prevenção geral positiva seriam impeditivas da aplicação do regime, pela sua insusceptibilidade de realizar os fins das penas.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.


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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III do R. das Custas Processuais).

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Coimbra, 8 de Julho de 2015


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)