Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4428/10.0T2AGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
DECISÃO CONDENATÓRIA
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 09/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - ÁGUEDA - JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 58º, DO D.L. N.º 433/82, DE 27/10
Sumário: A matriz subjacente à fundamentação de uma decisão administrativa em processo de contra-ordenação consente um modo sumário de fundamentar do qual se possa concluir:
a) que quem decidiu não agiu discricionariamente;
b) que a decisão tem virtualidade para convencer os interessados e os cidadãos em geral da sua correcção e justiça; e
c) que o controlo da legalidade do decidido, nomeadamente, por via de recurso, não é prejudicado ou inviabilizado pela forma que tomou.
Decisão Texto Integral: I. Relatório
No âmbito do processo de recurso de contra-ordenação nº 4428/10.0T2AGD que corre termos na Comarca do Baixo Vouga, Águeda – Juízo de Instância Criminal – JUIZ 1, a arguida “W... - Lda.” foi condenada, em 21/7/2010, na fase administrativa, como autora de contra-ordenação p. e p. pelo artigo 81º, nº 3, alínea c), do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, sancionável com a coima de € 38.500,00 a € 70.000,00, em caso de negligência, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 4, do artigo 22.º, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, na coima de € 38.500,00 (trinta e oito mil e quinhentos euros).
A arguida, em 3/10/10, impugnou judicialmente tal decisão administrativa. Recebida, em 6/12/2010, a impugnação judicial, veio a efectuar-se audiência de julgamento, tendo, em 21/3/2011, sido proferida sentença que julgou improcedente, na totalidade, o recurso.
Inconformada com a referida decisão judicial, dela interpôs recurso, em 31/3/2011, a arguida, defendendo que deve ser declarada nula a decisão administrativa, com o consequente arquivamento dos autos, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. A arguida sustentou, na sua defesa escrita, a incompetência material da Inspecção-Geral do Ambiente e Ordenamento do Território para se pronunciar sobre a matéria dos autos.
2. Pese embora a questão que suscitava, a verdade é que aquela autoridade administrativa acabou por proferir decisão sem se pronunciar sobre a questão suscitada.
3. Razão pela qual a decisão proferida pela autoridade administrativa é nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto na al. c), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º, do DL 433/82, de 27 de Outubro.
4. Pese embora o facto de a arguida ter levantado a questão da nulidade da decisão por omissão de pronúncia no seu recurso de impugnação, a verdade é que o Tribunal recorrido julgou improcedente a referida nulidade, não se conformando a arguida com tal decisão.
5. Em síntese, o Tribunal recorrido sustenta que, pelo facto de a entidade administrativa ter proferido decisão, se deve concluir que se achou competente.
6. O dever de pronúncia não pode ser cumprido por via indirecta ou presumida.
7. Mesmo admitindo, por mera hipótese, o que não se concede, que “a tomada de posição” da entidade administrativa pode ser entendida como pronúncia, a verdade é que a mesma estará sempre ferida de nulidade por falta de fundamentação, violando o disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 379.º, do CPP.
8. Nulidade que o Tribunal de recurso deve conhecer e julgar procedente, ordenando a revogação da sentença proferida pelo Tribunal recorrido e ordenando o arquivamento dos presentes autos.
Notificado, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, em 5/5/2011, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência total.
Admitido, em 10/5/2011, o recurso e remetidos os autos a esta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, em 14/6/2011, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo a recorrente exercido o direito de resposta.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
****
II. Decisão Recorrida:A arguida “W... –Lda.”, com sede na Rua …, veio, nos termos do art.º 59.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, interpor recurso, pugnando pela declaração de nulidade da decisão administrativa, por não se ter pronunciado sobre as questões da incompetência material e da aplicação aos factos do D.L. n.º 236/98, de 01.08, levantadas pela arguida na sua defesa, ordenando-se o arquivamento dos autos, e alegando não ter praticado qualquer contra-ordenação por a amostragem composta não ter sido possível por razões estranhas à vontade da arguida, encontrando-se esta situação ressalvada na licença, nos termos constantes de fls. 144 a 146, que aqui se dão por reproduzidos, para impugnação da decisão da Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, que a condenou pela prática negligente da contra-ordenação p.p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 81.º, n.º 3, al. c), do D.L. n.º 226-A/2007, de 31.05, e 22.º, n.º 4, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 21.08, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31.08, aplicando o art.º 22.º, n.º 4, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31.08, por força da aplicação do princípio da lei mais favorável ao arguido, por incumprimento das obrigações impostas pela licença de utilização dos recursos hídricos, na coima de € 38.500,00, com base nos factos descritos na aludida decisão proferida autos, que aqui se dá por reproduzida. Procedeu-se a julgamento, com observância do legal formalismo, conforme da respectiva acta consta. O Tribunal é competente e mantêm-se todos os demais pressupostos da instância verificados ao momento da prolação do despacho que designou dia para julgamento, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.
* Com efeito, não se verifica a invocada nulidade da decisão administrativa, posto que da mesma resulta ter-se considerado inexistir qualquer incompetência material no caso concreto, o que se extrai precisamente do facto da Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território ter proferido decisão condenatória, assumido a competência e assim tomando posição - sempre se acrescentando que, de todo o modo, a questão está claramente esclarecida no art.º 71.º, da Lei n.º 50/2006, de 29.08, onde se preceitua que, sem prejuízo da competência atribuída por lei a qualquer autoridade administrativa para a instauração e decisão dos processos de contra-ordenação, o inspector-geral do Ambiente e do Ordenamento do Território é sempre competente para os mesmos efeitos relativamente àqueles processos, bem como para a instauração e decisão de processos de contra-ordenação cujo ilícito, ainda que de âmbito mais amplo, enquadre componentes ambientais - e posto que da mesma resulta que aos factos em causa nos autos foram aplicadas disposições legais, precisamente as disposições conjugadas dos art.ºs 81.º, n.º 3, al. c), do D.L. n.º 226-A/2007, de 31.05, e 22.º, n.º 4, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31.08, o que resulta expressamente da referida decisão, pelo que afastada ficou a aplicação aos factos do D.L. n.º 236/98, de 01.08 - sempre se acrescentando que, de todo o modo, a própria licença fixa expressamente as respectivas condições especiais, referindo taxativamente que o auto-controlo deverá realizar-se com a periodicidade mínima semestral e que a amostra efectuada num período de vinte e quatro horas deverá ser composta tendo em atenção o regime de descarga das águas residuais produzidas e colhidas -, sendo certo que as decisões administrativas se pretendem sucintas, sendo que a em causa, apesar de bastante sintética, é perfeitamente compreensível. Pelo exposto, julga-se não verificada a invocada nulidade.
*
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos, com relevância para a decisão da causa: 1. A sociedade arguida explora um estabelecimento sito no local da sua sede, onde se dedica à actividade de gestão de resíduos, designadamente a recepção de Veículos em Fim de Vida (VFV), Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos (REEE) e triagem de outros resíduos metálicos ferrosos e não ferrosos. 2. No dia 26 de Fevereiro de 2009, pelas 09h30, foi realizada uma acção inspectiva ao referido estabelecimento. 3. As águas pluviais contaminadas, resultantes da percolação pelos resíduos armazenados nos cerca de 3500 m2 de área descoberta e impermeabilizada e os eventuais derrames de gasóleo do local de abastecimento dos camiões e restantes equipamentos, drenam para um sistema de tratamento composto por um tanque de decantação complementado por um separador de hidrocarbonetos, e posterior descarga no solo através de poço absorvente. 4. A referida descarga está titulada pela Licença de Utilização dos Recursos Hídricos n.º 1306/2008, emitida a 29.07.2008 pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (Proc. DRH n.º DHC-2008-0005 e Proc. DSR n.º CHA-AV.01.17/04-08), condicionada ao cumprimento de um conjunto de condições. 5. A 8.ª condição especial da referida licença determina que o auto-controlo deverá realizar-se com a periodicidade mínima semestral sendo a amostra composta e efectuada num período de vinte e quatro horas. 6. A empresa não está a cumprir este requisito, procedendo a amostragens pontuais, de acordo com o Boletim de Análise n.º 167/2009, referente ao primeiro e único auto-controlo efectuado às águas residuais à saída do separador de hidrocarbonetos, pelo LAE- Laboratório de Águas e Efluentes, correspondente à amostra pontual efectuada a 2009.02.19. 7. Uma amostra pontual poderá não ser representativa do efluente que está a ser descarregado daí a necessidade da amostragem composta de vinte e quatro horas, para que essa amostra seja representativa do efluente descarregado em condições normais de laboração. 8. Os factos acima mencionados foram presenciados pelo Inspector Autuante AA.... 9. A arguida declarou em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2007, um lucro tributável de € 8.286,58. 10. Ao não respeitar todas as condições impostas na licença de utilização dos recursos hídricos, a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz. 11. Só quando chove é que é possível fazer qualquer recolha de águas para análise. 12. No dia em que a empresa contratada pela arguida procedeu à recolha para a análise, apenas choveu num curto período, o que não permitiu fazer mais recolhas. 13. A licença refere “… a amostra efectuada num período de vinte e quatro horas deverá ser composta tendo em atenção o regime de descarga das águas residuais produzidas e colhidas …”.
*
Não se provou nenhum outro facto constante da impugnação apresentada (aqui se anotando que não cumpre dar como provado ou não provado, precisamente por de factos não se tratarem, considerações, conclusões e matéria de direito, nem cumpre repetir como provados ou não provados os factos que já constam da acusação e que já foram dados como provados), designadamente que a amostragem composta não foi possível por razões estranhas à vontade da arguida.
*
Quanto à decisão de facto, quer quanto aos factos dados como provados quer quanto aos não provados, a convicção do tribunal funda-se numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, designadamente nos documentos juntos aos autos em conjugação com o depoimento das duas primeiras testemunhas ouvidas em sede de julgamento, que explicaram com clarividência, coerência e rigor, apresentando um discurso escorreito, claro e firme, de tudo resultando a sua credibilidade, a de acusação, toda a actividade inspectiva levada a cabo, remetendo igualmente para o auto de notícia e relatório n.º 341/2009 constantes dos autos e que elaborou, e, a primeira testemunha de defesa, as circunstâncias que rodearam a recolha da amostra pontual, referindo que nesse dia choveu pouco e mais referindo que é natural que tenha chovido alguns dias nos seis meses em que se tinha de proceder à recolha da amostra composta - aqui se realçando que assim é desde logo em face da época respectiva, abrangendo Outono e Inverno -, mais esclarecendo que a sociedade arguida iniciou a sua actividade logo que vieram as licenças, tendo as obras terminado anteriormente, o que, em conjugação com as datas em que as referidas licenças foram emitidas (fls. 5/6 – 29.07.2008; fls. 12 – 07.07.2008; fls. 13 verso – 29.07.2008) permite concluir que à data em que foi feita a recolha da amostra pontual haviam já decorrido mais de seis meses desde o início da actividade, tudo em conjugação com o princípio da normalidade e das regras da experiência, aqui também se realçando que não é pelo facto de no dia em que sociedade resolveu pedir que fosse feita recolha de amostra não ter chovido que permite concluir que a recolha da amostra composta não foi possível por razões estranhas à vontade da arguida, pois muitos outros dias existiram ao longo do prazo de seis meses de que dispunha a arguida para a tal proceder, período esse precisamente dilatado por forma a que se possa dar cabal e efectivo cumprimento à norma. Mais se atendeu ao que a arguida não contestou, designadamente no que respeita à sua situação económica e ao conhecimento da proibição e punição legal da sua conduta. A segunda testemunha de defesa ouvida não revelou ter conhecimento directo dos factos, nunca tendo estado na empresa.
*
A arguida vem acusada pela prática negligente da contra-ordenação p.p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 81.º, n.º 3, al. c), do D.L. n.º 226-A/2007, de 31.05, e 22.º, n.º 4, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31.08, por incumprimento das obrigações impostas pela licença de utilização dos recursos hídricos, sancionável com coima de € 38.500,00 até € 70.000,00, se praticada por pessoas colectivas. Nos termos do disposto no citado art.º 81.º, n.º 3, al. c), do D.L. n.º 226-A/2007, de 31.05, constitui contra-ordenação ambiental muito grave o incumprimento das obrigações impostas pelo respectivo título, sendo a tentativa e a negligência puníveis (n.º 4 do referido artigo). No caso em apreço, resulta da factualidade apurada, que a sociedade arguida explora um estabelecimento sito no local da sua sede, onde se dedica à actividade de gestão de resíduos, designadamente a recepção de Veículos em Fim de Vida (VFV), Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos (REEE) e triagem de outros resíduos metálicos ferrosos e não ferrosos, e que as águas pluviais contaminadas, resultantes da percolação pelos resíduos armazenados nos cerca de 3500 m2 de área descoberta e impermeabilizada e os eventuais derrames de gasóleo do local de abastecimento dos camiões e restantes equipamentos, drenam para um sistema de tratamento composto por um tanque de decantação complementado por um separador de hidrocarbonetos, e posterior descarga no solo através de poço absorvente, estando a referida descarga titulada pela Licença de Utilização dos Recursos Hídricos n.º 1306/2008, emitida a 29.07.2008 pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (Proc. DRH n.º DHC-2008-0005 e Proc. DSR n.º CHA-AV.01.17/04-08), condicionada ao cumprimento de um conjunto de condições. Mais se apurou que a 8.ª condição especial da referida licença determina que o auto-controlo deverá realizar-se com a periodicidade mínima semestral sendo a amostra composta e efectuada num período de vinte e quatro horas, que a empresa não está a cumprir este requisito, procedendo a amostragens pontuais, de acordo com o Boletim de Análise n.º 167/2009, referente ao primeiro e único auto-controlo efectuado às águas residuais à saída do separador de hidrocarbonetos, pelo LAE- Laboratório de Águas e Efluentes, correspondente à amostra pontual efectuada a 2009.02.19, e que, ao não respeitar todas as condições impostas na licença de utilização dos recursos hídricos, a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz. Destarte, não cumprindo a arguida as obrigações impostas pela mencionada licença de utilização dos recursos hídricos - mais concretamente no que concerne à rejeição de águas residuais - nomeadamente quanto à periodicidade (semestral) e ao tipo de amostra (composta de 24 horas) no autocontrolo a que estava obrigada, tendo apenas efectuado um único autocontrolo correspondente a uma amostra pontual em 19.02.2009, não agindo com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, incorreu na prática da contra-ordenação que lhe vem imputada. E assim é não obstante a argumentação apresentada a propósito pela arguida. É um facto de que só quando chove é que é possível fazer qualquer recolha de águas para análise no caso em apreço e que no dia em que a empresa contratada pela arguida procedeu à recolha para a análise, apenas choveu num curto período, o que não permitiu fazer mais recolhas. Contudo, não é pelo facto de no dia em que sociedade resolveu pedir que fosse feita recolha de amostra não ter chovido que permite concluir que a recolha da amostra composta não foi possível por razões estranhas à vontade da arguida, pois muitos outros dias existiram ao longo do prazo de seis meses de que dispunha a arguida para a tal proceder, período esse precisamente dilatado por forma a que se possa dar cabal e efectivo cumprimento à norma, englobando-se inclusivamente nesse período de tempo, no caso concreto, Outono e Inverno. Mais acresce realçar que é precisamente pelo facto da arguida dispor do prazo de seis meses para fazer o auto-controle e de se ter sujeitado a que, quando já tardiamente pretendeu fazer esse auto-controle, pudesse não chover, e consequentemente pudesse não efectuar esse auto-controle, que a sua conduta foi negligente, uma vez que podia e devia ter previsto a possibilidade de não chover nessa altura, pois caso contrário poderíamos estar perante uma actuação dolosa. Mais resulta ser o art.º 22.º, n.º 4, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29.08, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31.08, mais favorável à arguida, porquanto tal dispositivo legal prevê a punição com coima de € 38.500,00 até € 70.000,00, se praticada por pessoas colectivas, em caso de negligência, enquanto que a anterior redacção previa a punição com coima de € 60.000,00 a € 70.000,00, se praticada por pessoas colectivas, em caso de negligência.
*
Feito o enquadramento jurídico dos factos e não tendo a arguida suscitado questão alguma a propósito da medida da coima a aplicar, sendo certo, de todo o modo, que a sanção aplicada à arguida em sede de autoridade administrativa se mostra adequada, tendo-se ponderado os critérios plasmados no art.º 20.º, da Lei n.º 50/2006, de 29.08, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31.08, e tendo-se, aliás, fixado a coima no seu limite mínimo, nada mais há a acrescentar. Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso, em função do que se mantém a condenação da arguida nos termos constantes em sede da decisão sob recurso. Custas a cargo da recorrente-arguida, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC. Comunique à autoridade administrativa.
****
III. Apreciação do Recurso:
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Além disso, há que dizer que o presente recurso é restrito à matéria de direito, visto o disposto nos artigos. 75º, n.º 1 e 41º, n.º 1, ambos do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, sucessivamente alterado (alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro - RGCOC), salvo verificação de qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410º do CPP (sabemos que só o processamento e julgamento conjunto de crimes e contra-ordenações, previsto no art. 78º do RGCOC, permite o conhecimento pela 2.ª instância, em sede de recurso, da matéria de facto).
No fundo, não está o tribunal de recurso impedido de conhecer dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Note-se que o recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito.
Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, a questão a decidir consiste em saber: - se a decisão proferida pela entidade administrativa deve ser declarada nula, por omissão de pronúncia ou por falta de fundamentação.
****
O artigo 58.º, do DL 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações) estabelece os requisitos a que deve obedecer a decisão administrativa condenatória.
Nos termos da referida norma, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias, deve conter: a identificação dos arguidos; a identificação dos factos imputados com indicação das provas obtidas; a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; a coima e as sanções acessórias; a informação de que a condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º e que, em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham mediante simples despacho; e, ainda, a ordem de pagamento da coima no prazo máximo de dez dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão e a indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima.
Emergindo o dever de fundamentação directamente do art.205.º da CRP, como parte integrante do próprio conceito de Estado de Direito democrático, o direito a conhecer as razões do sancionamento é comum quer ao processo criminal quer ao processo de contra-ordenação.
O que temos como pacífico é que na decisão administrativa não são necessárias as mesmas exigências de fundamentação que o art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal estabelece para a sentença penal condenatória – cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 50/2003, 62/2003, 469/2003 e 492/2003, in www.tribunalconstitucional.pt.
Como escreveram, os hoje Conselheiros, António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, a fase administrativa do processo de contra-ordenação tem como características a celeridade e simplicidade processual e daí que o dever de fundamentação tenha uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal. «O que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa. Tal percepção poderá resultar do teor da própria decisão ou da remissão por esta elaborada.» - cfr. Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2.ª edição , pág. 159 e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4 de Junho de 2003, CJ, n.º 167, pág.40.
No caso presente, acompanhamos, na íntegra, a posição expressa no parecer da Exma. Procuradora-Geral Adjunta, a fls. 239, no qual pode ser lido o seguinte:
No caso sub judice, em nosso entender, constam da decisão administrativa todos os elementos que o artigo 58.º, n.º 1, do DL 433/82, de 27/10, impõe e, ainda, as razões pelas quais a entidade administrativa é competente para sancionar a arguida, até porque a Lei 50/2006 é a lei mais favorável à arguida, não havendo assim que explicitar a razão porque ali se consagra a competência da Inspecção Geral do Ambiente e da Administração do Território.
****
A ora recorrente, quando apresentou a sua defesa, no âmbito da fase administrativa do processo (fls. 33 a 35), para além do mais, suscitou a questão da incompetência material e da aplicabilidade aos factos do DL 236/98, de 1 de Agosto, nos seguintes termos:1. Dispõe o artigo 83.º, do DL 226-A/2007, de 31 de Maio, o seguinte: “A instauração, instrução e a decisão dos processos de contra-ordenação, bem como a aplicação das coimas e sanções acessórias, compete à ARH com jurisdição na área da utilização dos recursos hídricos e às demais entidades competentes para o licenciamento.”
2. Daí resultando que a competência para a instauração e instrução dos presentes autos é da competência exclusiva da Administração da Região Hidrográfica da área e da Comissão de Coordenação Desenvolvimento Regional do Centro.
3. Sendo a Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território incompetente para instaurar e instruir o presente processo de contra-ordenação.
4. Razão pela qual, sem mais, deve ser ordenado o imediato arquivamento dos autos.
(…)
20. Sem prescindir, e apenas admitindo, por mera hipótese, a possibilidade de se considerar que a arguida não cumpriu as condições da licença da forma que lhe é imputada, aos factos não é aplicável o disposto no DL 226-A/2007, de 31 de Maio.
21. Na verdade, o que está em causa não é a falta de cumprimento das obrigações previstas na licença porque estas a arguida cumpriu.
22. Ou seja, a arguida está obrigada a proceder ao auto-controlo com periodicidade semestral e de acordo com as técnicas definidas no DL 236/98, de 1 de Agosto, e que é a amostra composta e efectuada num período de 24 horas.
(…)
25. O que configura uma violação do DL 236/98, de 1 de Agosto, e não do DL 226-A/2007, de 31 de Maio.”
****
Pois bem, não pode ser negado que a decisão administrativa proferida em 21/7/2010 (fls. 103110) omitiu qualquer referência expressa à alegada incompetência material, assim como à aplicabilidade aos factos do DL 236/98, de 1 de Agosto, sendo certo que, no presente recurso, nada é mencionado quanto a este segundo aspecto, pelo que prejudicada fica qualquer análise em relação ao mesmo.
Todavia, da citada decisão consta, logo no seu início, alusão à Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (descrição da contra-ordenação) e, ainda, o seguinte:
A Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto, que alterou e republicou a Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, é aplicável ao presente processo por força da aplicação do princípio da lei mais favorável ao arguido.
Acontece que o artigo 71.º, da referida Lei n.º 50/2006, dispõe o que passamos a transcrever:Competência genérica do inspector-geral do Ambiente e do Ordenamento do Território 1 - Sem prejuízo da competência atribuída por lei a qualquer autoridade administrativa para a instauração e decisão dos processos de contra-ordenação, o inspector-geral do Ambiente e do Ordenamento do Território é sempre competente para os mesmos efeitos relativamente àqueles processos. 2 - O inspector-geral do Ambiente e do Ordenamento do Território é ainda competente para a instauração e decisão de processos de contra-ordenação cujo ilícito, ainda que de âmbito mais amplo, enquadre componentes ambientais. 3 - O ministro responsável pela área do ambiente pode determinar, sempre que o interesse público o justifique, que a Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território avoque os processos de contra-ordenação ambiental que se encontrem em curso em quaisquer serviços do ministério em causa. 4 - A avocação prevista no número anterior implica a transferência do processo para a Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território para efeitos de instrução e decisão, sem prejuízo do dever de cooperação que continua a incidir sobre o serviço inicialmente competente.
****
Assim sendo, salvo o devido respeito, não deve ser afirmado que a decisão administrativa não se pronunciou quanto à questão da respectiva incompetência material e que não fundamentou a sua posição..
Podemos aceitar que não o fez de modo expresso. Teria sido mais claro deixar escrito na decisão que, ao abrigo do aludido artigo 71.º, a Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território tinha competência material. Sem dúvida.
Porém, as referências feitas à Lei 50/2006 devem ser entendidas como suficientes para os fins em vista, tendo em conta a natureza dos presentes autos.
Com efeito, saliente-se que, na esteira do que já acima ficou exposto, a matriz subjacente à fundamentação de uma decisão administrativa em processo de contra-ordenação consente um modo sumário de fundamentar do qual se possa concluir: a) que quem decidiu não agiu discricionariamente; b) que a decisão tem virtualidade para convencer os interessados e os cidadãos em geral da sua correcção e justiça; e c) que o controlo da legalidade do decidido, nomeadamente por via de recurso, não é prejudicado ou inviabilizado pela forma que tomou. No caso em apreço, resulta do texto da decisão administrativa que a respectiva entidade não decidiu discricionariamente, não impediu o controlo da legalidade da decisão, nem frustrou a apreciação, designadamente pelo destinatário, da correcção e justiça do acto decisório.
****
IV. Decisão:
Nestes termos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC.
***
(Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Coimbra, 21 de Setembro de 2011
__________________________________
(José Eduardo Martins)

__________________________________
(Maria José Nogueira)